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ARTE

sábado, 24 de outubro de 2009

FERNANDO PESSOA - QUADRAS

Cantigas de portugueses
São como barcos no mar –
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.



O sino dobra a finados
Faz tanta pena a dobrar!
Não é pelos teus pecados
Que estão vivos a saltar.



Teu olhar não tem remorsos
Não é por não ter que os ter.
É porque hoje não é ontem
E viver é só esquecer.



Há um doido na nossa voz
Ao falarmos, que prendemos:
É o mal-estar entre nós
Que vem de nos percebermos.



O coração é pequeno,
Coitado, e trabalha tanto!
De dia a ter que chorar,
De noite a fazer o pranto...



Boca de riso escarlate
E de sorriso de rir...
Meu coração bate, bate,
Bate de te ver e ouvir.



Teus olhos querem dizer
Aquilo que se não diz...
Tenho muito que fazer...
Que sejas muito feliz!



No dia de S. João
Há fogueiras e folias
Gozam uns e outros não,
Tal qual como os outros dias.



Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.



Depois do dia vem noite
Depois da noite vem dia
E depois de ter saudades
Vêm as saudades que havia.



Tenho um desejo comigo
Que hoje te venho dizer:
Queria ser teu amigo
Com amizade a valer.



Quero lá saber por onde
Andaste todo este dia!
Nunca faz bem quem se esconde...
Mas, onde foste Maria?



Não sei se a alma no Além vive...
Morreste! E eu quero morrer!
Se vive, ver-te-ei; se não
Só assim te posso esquecer.



Rosmaninho que me deram,
Rosmaninho que darei,
Todo o mal que me fizeram
Será o bem que eu farei.



Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer
E com isto já to disse
Estavas farta de o saber...



No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem lá estar.



Andorinha que vais alta,
Porque não me vens trazer
Qualquer coisa que me falta
E que te não sei dizer?



Teu vestido, porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.



Trazes o vestido novo
Como quem sabe o que faz.
Como és bonita entre o povo,
Mesmo ficando para trás.



Dá-me um sorriso a brincar.
Dá-me uma palavra a rir,
Eu me tenho por feliz
Só de te ver e de te ouvir.



Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?



Morto, hei-de estar a teu lado
Sem o sentir nem saber...
Mesmo assim, isso me basta
P´ra ver um bem em morrer.



Rezas porque outros rezaram,
E vestes à moda alheia...
Quando amares vê se amas
Sem teres o amor na ideia.



Vai alta a nuvem que passa.
Vai alto o meu pensamento
Que é escravo da tua graça
Como a nuvem o é do vento.



Dias são dias, e noites
São noites e não dormi...
Os dias a não te ver
As noites pensando em ti.



A rosa que se não colhe
Nem por isso tem mais vida.
Ninguém há que te não olhe
Que te não queira colhida.



Só com um jeito do corpo
Feito sem dares por isso
Fazes mais mal que o demónio
Em dias de grande enguiço.



Não me digas que me queres
Pois não sei acreditar.
No mundo há muitas mulheres
Mas mentem todas a par.



Levas chinelas que batem
No chão com o calcanhar.
Antes quero que me matem
Que ouvir esse som parar.



Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade não tem tinta.



Nunca dizes se gostaste
Daquilo que te calei.
Sei bem que o adivinhaste
O que pensaste não sei.



O manjerico comprado
Não é melhor que o que dão.
Põe o manjerico ao lado
E dá-me o teu coração.



Mas que grande disparate
É o que penso e o que sinto.
Meu coração bate, bate
E se sonho muito, minto.



Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história
Em que ninguém está presente.



Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A ideia talvez foi louca,
O mal foi não acertar.



Eu te pedi duas vezes
Duas vezes, bem o sei.
Que por fim me respondesses
Ao que não te perguntei.



Tens um anel imitado
Mas vais contente de o ter.
Que importa o falsificado
Se é verdadeiro o prazer.



Todas as coisas que dizes
Afinal não são verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
Isso é a felicidade.



A vida é um hospital
Onde quase tudo falta
Por isso ninguém se cura
E morrer é que é ter alta.



Ris-te de mim? Não me importo.
Rir não faz mal a ninguém.
Teu rir é tão engraçado
Que, quando faz mal, faz bem.



Não sei que grande tristeza
Me fez só gostar de ti
Quando já tinha a certeza
De te amar porque te vi.



Ribeirinho, ribeirinho,
Que vais a correr ao léu
Tu vais a correr sozinho,
Ribeirinho, como eu.



Andei sozinho na praia
Andei na praia a pensar
No jeito a tua saia
Quando lá estiveste a andar.



Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti.
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.



O papagaio do paço
Não falava – assobiava.
Sabia bem que a verdade
Não é coisa de palavra.



JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org

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