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ARTE

domingo, 6 de maio de 2018

PEQUENOS POEMAS IX



Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –



***



uma rapariga florida desce a ria
a corrente dança nas pedras evitadas pela barca

longínqua a foz

quantos dias serão necessários para o encontro
quantas manhãs de orvalho não se irão depositar no convés

o areão suspenso na margem parece ser sempre o mesmo
o tempo é um fluxo lento que corre para o mar



***



o sol esconde-se atrás da serrania
as pedras escurecem perdendo o seu contraste cristalino
o sono aniquila os desejos no frio primaveril
na charca um lótus
um lavrador entoa canções
cânticos de rude cavador
passa um viajante
um cão ladra
o salgueiro exibe folhas novas
o odor da melancolia polvilha os campos



***



saio de casa
não se vê vivalma

os pinheiros contaminados pela moléstia começam a vergar-se
o vento transporta o feitiço dos destinos cruzados
um corcunda com uma tocha na mão deformada alumia os espectros do desespero
uma ave pia com solenidade lá bem no alto da fraga
na erva rasteira um pirilampo imóvel
- talvez esteja doente –
estrela solteira de um mundo em extinção

estou só
um fogo interior queima-me as entranhas
não há fragrância que dissipe as minhas dúvidas
meia-noite no relógio da torre



***



quis pôr um ferrolho no mundo
na turbulência da mesquinhez citadina

ribeiros montanhas e lagos rodeiam-me
os meus passos têm a leveza das aves do céu
os meus dedos acariciam as ervas e o musgo dos regatos

doce é a alegria que me inunda



***



do veleiro olho as escarpas da costa

a bonança arrasta-o com uma brisa indecisa

navegamos à rola

a voz do mar ecoa no costado a estibordo

as velas batem como se tivessem sentimentos

dois golfinhos cruzam a proa

dançando na crista das ondas

saúdo o sol poente como quem saúda um deus



***



na planície há neve vermelha
os generais abandonaram feridos e moribundos
que cambaleiam na direcção da morte

os corvos vigiam o campo de batalha enquanto o vento outonal brame nas armas silenciosas

longe uma jovem sentada num cadeirão púrpura espreita o horizonte
um mar de lágrimas inunda-lhe o coração
tolda-lhe os olhos verdes na miragem do amante



***



o som subtil dos pinheiros
difunde-se no ar da aldeia
a sul na terra chã as rãs divertem-se de pedra em pedra
um jovem pesca com uma cesta de vime
pequenos são os peixes
pingos de chuva fazem círculos na água esverdeada
o verbasco é letal para grandes e pequenos
nunca soubemos respeitar a natureza



***



              se nos despedirmos em segredo
                    não existirão lágrimas
                   apenas breves gemidos



***



o jardim ao luar –
até as folhas
ressequidas
brilham
antes do amanhecer



***



                junto às velhas muralhas
               esfrego as mãos geladas –
            na feira do gado uma fogueira



***



na aldeia tudo se transforma
a erva é mais verde
as oliveiras não têm o ar tristonho das da cidade
a água dos regatos é vítrea e pura
a neve cai como bênção para as culturas de primavera
as noites de invernia são longas e robustas
o lume crepita na lareira e nos nossos corações



***



um alaúde
vive desterrado numa gruta a sul do rio
o vento perfuma a manhã cinzenta
abro a janela à montanha
o céu parece mais próximo
haverá um deus dos vagabundos
- penso –
e um lugar no poema para os desterrados



***



a espuma branca das ondas
flutua na mente do velho marinheiro
vestido de azul

envelheceu no mar em rumos incertos

a mulher sem forças para um único lamento
sentada na suja escadaria do cais
sabe que tudo acaba com a morte



***



equador –
o veleiro à deriva

em tempo de calmaria
a solidão do silêncio



***



uma flauta de bambu
eleva o som até às nuvens mais altas

na choupana um velho observa o rio caudaloso
cobre-o o colmo de anos

nas noites gélidas aquece-se numa manta de retalhos
alimenta-se de frutos silvestres e mel

                         nada o afecta
 está para além de todos os contrários e na miséria
                vive uma felicidade sublime



***



uma estrela cadente -
vida curta
para sofrimento interminável



***



a manhã tem a magia da criação

a vida é um sonho

os deuses inquietam-se quando o vento geme

os homens enlouquecem com orações que ninguém ouve e
padecem pavores no espírito frio do universo



***



                recordo as vozes dos mortos
           quando as folhas tombam na floresta
           despindo-a do conforto da primavera



***



afastado da multidão numa caneca de jade
embriaga-se com o néctar dos deuses
queima incenso enquanto aguarda os primeiros raios de sol
para além das colinas o palácio onde por breves dias conquistou a felicidade
as rosas murcharam na angústia do tempo
o caminho encheu-se de silvados e de ramos de árvores mortas
a janela não se abrirá mais ao azul
nem aos risos inocentes do amor
fechar-se-á como o coração
num vazio absoluto



***



o tédio envolve o presente acossado pelo passado
há o som das memórias que rasgam a pele enrugada
pelos trabalhos nos arrozais
o senhor da terra banqueteia-se com carne fresca e vinho velho
no salão principal em almofadas bordadas a esmeraldas duas donzelas baixam os olhos e sorriem
- não sorrir é um crime horrendo –
o leito com lençóis de cetim aguarda a chegada dos amantes
os pobres já dormem em enxergas de palha húmida



***



a claridade do dia inebria os aldeões
a floresta emite sons celestiais            perfeitos

quem os ouve                          deuses e eleitos



***



a lua cheia é a madrinha dos amantes
no quarto nem uma vela se acende
o luar poisa suavemente no soalho
as flores recentemente colhidas estão na penumbra
o seu aroma desce sobre os corpos
como é bela a primavera
cerejeiras que florescem num amar sem-tempo



***



penso nos dias vividos e talvez
talvez nos que me faltam viver
nas montanhas silenciosas
no gelo que floresce nas árvores enfeitando-as
- tão natalícias –
no céu límpido e no som misterioso das estrelas e galáxias pergunto-me
quando descansará da selva citadina o meu pobre corpo



***



                          quis ser monge
                      renunciar ao mundo –
                          hoje lastimo-o



***



sonho com dragões de jade vestidos de ervas tenras
com borboletas de tantas cores            algumas não são desta terra
com os olhos da moça da pastelaria            tão dóceis
esmeraldas vibrantes na noite escura
com a paz reinante nas fibras coléricas do coração 
chuva que cai com indulgência no mar



***



a esta hora a cidade dorme
há um silêncio sepulcral
apenas um cão uiva na varanda de um prédio centenário
na avenida ficaram ossos esquecidos
espectros que lamentam a brevidade da vida
- porca miséria –
um jovem trabalhador sai do número 17
uma prostituta fatigada entra no 19
e quebram o silêncio da mente vazia



***



uma gaivota poisa na proa
junto à genoa –
cansada ignora-nos



***



vestida de seda e cetim subia às árvores
como os rapazes        alguns arrogantes outros simpáticos
molhava os pés no pequeno lago fronteiriço à mansão arrefecendo-os
entoava cânticos no desejo mais puro de atingir o céu
a sua bondade encontrou refúgio num deus enigmático



***



o mar desfaz-se
contra os rochedos da ilha –
espuma nos meus olhos



***



das torres do velho castelo
avistavam-se na planície dez mil guerreiros

nas colinas
em formação
um exército de mil homens

o sol subia no horizonte
doirando as pedras que rompiam a terra

nenhuma bandeira branca oscilou ao vento

o mistério do dia desfez-se em cadáveres
disseminados na erva seca



***



o tempo da castanha está a terminar
agora o descanso do povo torna a aldeia mais soturna
do castanho ao cerejo os dias são mais pequenos
- dorme-se mais –
antes que anoiteça bebe-se na venda do alfredo
e em camas com colchões de palha sonham os embriagados



***



a palavra cruza o espelho de poeira
sem reflexos ano após ano
já não reconhece as montanhas brancas a sul
nem os cabelos doirados da jovem vendedora de cravos
da janela aberta vislumbra-se uma nuvem
traz consigo o milagre das borboletas amarelas e do céu sempre presente
nas almas viventes



***



contemplo o meu rosto na escuridão

                a lua cai no meio da noite
                 e é através do seu brilho
                 que vejo como envelheci



***



com o pincel traçou uma linha direita na tela
mais nada para desenhar            nostalgia
os pensamentos vagaram por terras estranhas
a mão imóvel disse            basta
a estrela da manhã acolheu a mente vazia



***



o fogo cerca os povoados
a floresta grita
os homens sentem-se perdidos
o fumo negro absorve o céu
o vermelho das chamas une os inimigos
numa contenda sem
vencidos ou vencedores



***



no salão as velas e seus reflexos
inquietantes irrequietos tais
cicatrizes de tímido coração
em corpo nu e mutilado



***



o crepúsculo aproxima-se
outono
a montanha dos imortais tinge-se de vermelho e laranja
um casebre de madeira alberga um decano sem ego
as suas gelhas espelham felicidade e paz
ele é o desapego
o vazio
o sem-sentido
a fé coroada por espinhos indolores



***



o anjo da morte
chama-me à vida
trilho a vereda do desconhecido
sonho com estrelas                 perfumes do oriente
canteiros floridos de crisântemos e jasmins
a beleza das mulheres nasce de fontes inesgotáveis
e o movimento da vida
sem que o queira
liberta-me das provações



***



os meus dedos tocam suavemente a tua imagem
a distância entre nós é imensa
tão grande como a minha alucinação
o dragão de jade parece movimentar-se na penumbra do quarto
a insónia atormenta os lençóis de algodão
no corpo sem objectivos a mente acumula angústias
a ausência mata lentamente o que desespera
bastaria acariciar teus lábios de cambraia
para aliviar o padecimento da espera



***



lembro o teu nome

o teu sorriso

e dos meus olhos

brotam lágrimas ácidas



***



neste ermo não há gente
a noite cai sobre o arvoredo
as sombras vivem na aragem das folhas verdes
e dos ramos quebrados

longe uma ilha de luz
os aldeões dormem
a esta hora o amor repousa
amanhã os arrozais encher-se-ão de camponeses



***



nuvens negras tombam sobre os mastros
o mar faz-se cinzento
no horizonte uma faixa escura
as ondas levantam-se e varrem o convés
enfurecidas com o temor do capitão
que amarrado ao leme pede clemência
a calmaria por uma ave-maria



***



que a tua espada
seja toda lâmina –
seja essa a tua recompensa



***



deixo que falem que mintam
que lavrem úlceras nas minhas costas
que cometam perjúrio e me difamem
as palavras não esmagam crânios 
nem varrem o fogo do dragão
não ofuscam a lua
nem o brilho do sol no céu
que mágoas posso eu ter quando os traidores sucumbem no seu próprio campo de contenda
e arrojam gemendo em dores as ossadas descarnadas



***



as algas inundaram o rio
a lua inunda cassiopeia com o seu brilho
sentado nos seixos da margem
o pastor com um cigarro de enrolar consumido até aos lábios
refresca os pés descalços nas águas frias
tem uma corda atada à cintura
o arvoredo chora na brisa que arrasta as lágrimas pelo vale
pobreza e solidão
mais tarde quem sabe
dará uso ao cordão que segura as calças sempre rotas



***



o planalto tem por habitantes os rebanhos do sabugueiro
frugal o alimento dos pastores e dos cães
soro e pão centeio
e aquele imenso silêncio
segredo que o vinho acre guarda



***



passos no jardim
a senhora de tranças percorre os canteiros perfumando-os com o seu hálito
na casa grande a morte aguarda pacientemente
no cadeirão gasto da pequena sala de visitas da entrada
os dias fogem céleres e ninguém sabe quando será poeira
lama e alimento da terra



***



fecho os olhos
viajo no espaço colorido
os astros proferem frases confusas
tudo neles é memória e profecia
vivo nas trevas da ignorância
com deus deitado ao meu lado



***



os enigmas da filosofia
nem a sombra da morte desvendam
os meus melhores amigos já morreram
não sei            talvez tivessem os dias contados pelo anjo da morte            talvez
talvez no seu infortúnio tenham clamado pela sua presença
talvez sejam só carne apodrecida ou cinzas
talvez
talvez sejam um nas brumas planetárias ou no fogo terrífico das estrelas vivas
talvez
talvez vazio cósmico
talvez um nada
ou reencarnação nas ervas que abundam na terra queimada



***



toco com carinho uma rosa
um espinho fere-me –
sem dor não há alegria



***



olho à minha volta
vejo pobreza
sofrimento            tristeza
doença                 morte
almas cerradas ao infortúnio
que mesmo assim
penetra pelas frestas
como o demónio
no grande templo profanado



***



o rio está calmo
os cacilheiros sulcam-no num vaivém ritmado
a montante as lezírias agitam-se
a jusante as águas deploram a tua partida
no horizonte nem um navio
não virás jamais
jazes incógnito no estreito que magalhães singrou
oculto no teu catre alado



***



vem a tarde
o calor do sol de verão concentra-se nas muralhas da cidade
houve a feira do gado de manhã
alguns camponeses vagueiam na rua principal
o comércio ainda está activo
procuro-a
há meses qua a procuro
nunca mais a verei                 já não sei nada



***



lívidas faces sem idade
outrora rosadas
solidificam-se na novidade da tarde lutuosa
o presente sem futuro esmagado pelas coroas de flores no regaço do soalho recentemente encerado
crianças brincam à porta
e o sol despreocupado resseca o verde do canteiro descuidado
à sombra da tília os gestos coloridos das palavras gastas
vão adormecendo com a dignidade do defunto
consagrado santo por um dia



***



a luz despida pelo prisma do crepúsculo
lança perpétuas saudades na cidade interior
a terra nua estende as mãos deformadas aos finos raios como cabelos de água
há milho por colher e canções por cantar
tudo mudou
não há quem me leia a sina
a velha benta padece no leito de morte
chamaram o abade
com uma vara romba agita o ar demoníaco do quarto
e pronuncia em latim uma oração desconhecida
anestésica                                       tenebrosa



***



da janela ornamentada a hera
vê-se o caminho dos humildes

a chuva fina quando toca a terra cheira a incenso

os apressados atalham pelas ervas húmidas

uma mulher sorri apesar de carregar consigo o fardo da fome

há um último suspiro na casa caiada da rua principal



***



o templo tem as suas portas fechadas
o tempo não é de justiça e paz
a perpétua sonoridade da violência faz-se ouvir no vale
como chaga na pele enrugada da mágoa
gerada pela guerra interminável da inumanidade 



***



a posse do momento -
há fontes na terra e estrelas no céu
e este outono de solidão



***



pacientes                            sede pacientes
          porque dessa obstinada busca
     quando o sol se esconde no horizonte
nada resta
para além dos acordes de cantigas por cantar
e corpos reluzentes por amar

ah a loucura da metafísica
o sobressalto do passado
a brisa das horas incertas
o desalento                    o desengano
             no teatro da vida
             debaixo do pano



***



abro a janela
lá fora
todo o espaço é imaginação
ao cair da tarde o ar frio penetra vagaroso os ossos do quarto
a última viagem tarda
agarrada aos punhos da vida
insiste
na realidade das árvores centenárias e
no sangue que já não sendo seu
é o da sua ausente amada



***



         no adro condensam-se formas estéreis –
                  o perfume das flores frágeis
                 inunda o canto dos pássaros



***



passeio-me junto à marina
as embarcações ganharam raízes
novos ricos e suas amantes ocupam-nas pela calada da noite
não são as almas do dono nem as suas espirituais ampliações
nem sonhos de velhos marinheiros
são apenas casas de meretrizes



***



deito algumas migalhas de bolo no chão empedrado
um pombo dos telhados segue-me de perto
e olha-me com compaixão



***



o pintor observa a chuva que cai no lago
as águas desdobram-se em mil e uma formas
na tela branca deixa que a tinta faça o seu trabalho
sozinha
sem que o pincel a contamine



***



uma árvore curvada –
as folhas mudam de cor
ao sabor do outono



***



era bela
tão bela no corpo

um rosto doce e angelical
bela na mente e no coração

o perfume da sua pele
arruinava tudo o que dela se aproximava



***



senti o todo omnipresente

os pastos verdejam ao sol
os animais pastam pacíficos

passa um automóvel
as nuvens correm no céu
para onde irão

omnipresente
nem omnipotente nem omnisciente



***



                     o caminho começa
          no lugar onde a chuva beija a terra
             o sol doira as pedras graníticas
       e a lua crescente ilumina os peregrinos



***



nas regiões do passado
abunda a névoa da angústia
algumas gotas de orvalho relembram os momentos felizes da minha infância
o vento sopra
e espanta a solidão
das árvores em lágrimas
no silêncio de deuses anónimos



***



à noite um rio de estrelas segue o seu destino
uma fogueira aquece-me na velha casa da serra
o sumo do mondego
a neve aproxima-se enquanto a escuridão cresce
duas velas iluminam o corredor estreito
o cão dorme junto ao lume indiferente à borrasca que se aproxima
lá fora os ramos começam a uivar 
não tenho como nem por quem te enviar qualquer mensagem
limito-me a guardá-la no coração



***



sonho com uma outra galáxia            com outro universo
um universo maior que o universo que nos ensinam
com o vazio
com um lugar onde há sempre lugar
com o negro do nada

de madrugada pinto um quadro
o início e o fim de tudo            a teoria de tudo
o negro brilhante
salpicado pelo branco da vida efémera
e retorno ao sonho negro como breu
               à visão beatífica
              de uma nova era



***



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