Quem sou eu?
Perguntara ao Sol afogueado do meio-dia de Inverno
Como resposta
Raios tépidos
Lâmpada ateada de ternura indiferente ao abismo profundo
Ele era o incerto
A besta de carga
O carrego a lucilar nos túneis da imensa manhã pintada de geada
O vácuo do terreiro fistulado pelas garras da memória
O deserto queimado pelo desejo
Ele era o corpo em riste
A percepção do crepúsculo mirrado na almargem
O intelecto volátil da seiva apagada nas páginas de um livro de poemas exangue
Era a vida
A caminhar para a morte de vidro
Baça como o vento inquieto
Era
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Escrevo-te hoje
Esta carta de amor
Poderia tê-la escrito há anos
Ou no porvir
Ardem as flores no olival
Cai um santo do pedestal
(cai sempre um santo do altar quando um louco fala de amor)
Passam putos e remendões sem que saibam o que faço
Eu também não Escrevo
São voltas do aparo no cérebro enegrecido da rapaziada
Estouvada
E no meu
Alma que vigia
A neve que rodopia no céu vermelho
A fechar olhos ao Sol
Que é de todos nós
Poeira e terra na promessa que havemos de pagar
Quando a terra nos comer
Os sexos desfeitos
Nas mãos descarnadas
Meu amor
Uma carta acaba sempre mais ou menos assim
A navegar em nau de fantasia
E esperança
E mete-se no correio
Ainda digo
Amo-te
Hoje sim
Amanhã não sei
(que hei-de eu saber do amanhã?)
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Mártires das revoluções
Dos revolucionários de ocasião
Os Pobres
Rebanho de Cordeiros
Assobiado
A juntar cabeças
Como nos cabeços
Da minha aldeia
Em triste fado
Cantado
Pelos poderosos
Do capital
Predadores do suor
Das misérias democráticas
Das praias de Portugal
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Há quem diga
Que na face macia de um papel se conheceu
Habituação ao cárcere voluntário do medo
Em linhas vazias de caderno aberto aos pés de enxerga
No repouso do quarto sem cortinas
Virado para a canção estelar do rio
A correr pelas cinzas do deserto
Abrigava a imaginação dos espaços suspensos
Das chagas incuráveis
Abandonado à morte da realidade mergulhava no sonho
Seu irmão bravio
Vítreo
A força da idade na decrepitude do corpo
Fez com que se aconchegasse ao calor da lareira
Em brasa húmida
Salgada
Manta retalhada do desespero petrificado
Pouco era o tempo que lhe restava
Nas pálpebras incandescentes
Dos punhos amansados
A adormecer lânguido no espírito da noite
Ceia dos Afogados
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Sepulto as memórias
Com mãos arenosas
A cuspirem fogos límpidos
Cruzados de azul
No desar estrídulo
Da cruz do céu em trevas
Ao anoitecer
Que bom é adormecer
Leve e ousado
Inocente
Pacificado
Sem ser manchado
Por pecado
Sem ser bandido
Governante
Malvado
Ou pobre infeliz
Sonho de supernova
Estrela nascente
A varrer o universo demente
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A Lua existe para que os amantes se amem em hospitaleira penumbra
Raios ténues a alumiar leitos e desejos
Que dando mãos
Partilham corações
Sem a nítida real e dolorosa imagem das definições de amor
Tão falsas e várias
Que à luz do Sol não resistem
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Atraiçoaram-me
Desacertaram quando neste mundo
Me fizeram nascer
Mais errou e pecou
(mesmo que Deus tenha sido)
Quem quis que minha mãe
À luz me desse neste país
Crescem riquezas de favor
Suborno
Corrupção
E há
Criminosos a sorrir
Às portas dos tribunais
Ombro a ombro
Com seus pares
Circulares
Pais de hedionda governação
Geração apodrecida
Por si mesma protegida
Recompensada
Enquanto os justos
Vivem apedrejados
Tenho vergonha
De mim
Por vós
Por ser assim
Pacífico e quieto
Sim
Vergonha tenho
E por vezes
O alento de viver
Me falta
Num país
Onde a pobreza
É justificada
Pela riqueza encapotada
País definitivamente condenado
Impiedosamente rodeado
De iniquidade
Ouvi
Estou cansado
Farto
Da falta de coragem
Para com punhal matar
Um regime pelo esterco
Aspergido e subjugado
Farto
De cobardes palavras
Do erro
Da mentira
Da hipocrisia
Onde a palavra honra
Foi de morte ferida
Não sou português
Pertenço a um outro mundo
Meu o meu mundo
(que cada um tenha o seu se o quiser)
Indo para onde o vento galáctico me leve
Se bem
Se mal
Não sei
Mas por favor
Para Portugal
Não
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Parto
Náusea da partida
Feral e ansiosa a chegada
Envelheço
Sem a cidade afrontada
A meus pés
Agora que a desejo esmagar
Verme da repugnância
Lodo imundo a deambular
No negrume
Luzes desertas flutuam
Nas linhas brancas do asfalto
Áleas tomadas de assalto
Por aprendizes de curandeiro
Das noites doentes
Dardos de luar
Nós
Os velhos
Ainda decidimos
Querendo
No recato de velhos bares bolorentos
Do esqueleto por depurar
Do país nocturno
A naufragar
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Menina dos olhos tristes
Cinzentos
Baços e melancólicos
Que vês?
Que te falta
Misteriosa criança?
Que corpo te não amou
Ilha do radioso canto do vulcão?
O mundo pode findar amanhã
Poderia ter sido já ontem sepultado
Na sensibilidade inesgotável
Dos gestos perfeitos de amor fazer
Que Deus a alguns dá e a outros nega
Porque amar
Não se aprende
Não se ensina
Nasce
Vive
E morre com a gente
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Tinha a febre da ansiedade
Estertor da dor errática
Salpicada pela asa gemente do maligno
Sua casa era sua fortificação
As sílabas das palavras nos vidros opacos
Circulavam no vapor depositado
Da sacra metamorfose de rígidos ossos
A enformar a palavra
Havia imagens inquietas
Sem projectos
Sem um corpo açoitado pelo amor
A transformar ideias em versos
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Respondendo ao poema
Ver
Ouvir
e Cheirar
deve usar e abusar.
Saborear e Tocar
não vale a pena tentar.
E tendo V.Exª
o Sexto Sentido
bem desenvolvido,
a Percepção,
verá que tenho razão.
Quem vê ouve e cheira
No acto de amor fazer
Muito pouco ou nada aproveita
Porque feiura guinchos e fedor
São causa de triste maleita
Se saboreia
E paladar refinado tem
Cuide-se tal criatura
Que de vagina usada
Lhe sai esperma de alguém
Ao cego mulher feia convém
Ao surdo mulher palradeira
Ao que olfacto não tem
Uma porca-suja à lareira
E ao que não saboreia uma loureira
Melhor é o tacto
Que não vê
Ouve
Cheira
Ou saboreia
E ao membro rijo
Não amolece
Nem deixa varão descorçoado
Por falta de erecção
Assim dele tomo partido
Diz-mo a razão
Afirma-o a percepção
E o sexto sentido
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Em surdina
A alma quieta
Nada espera
E no silêncio
Se queda
O pote de argila
Quebra-se
No confronto dos dias
Já a vontade
Estando lassa
E do desejo
Nem lembrança
Paz que a alma
Em sossego alcança
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Saudosos amores
Nas asas do tempo sepultados
Aliviai as doces dores
Dos eternos condenados
Vinde lestos
Que o dia escurecido
Adormece em lençóis brancos
De leito esmorecido
Apaga as lágrimas coloridas
De quem a morte procura
E da vida nada quer
Porque a guerra do coração
Ao louco mais transtorna
E ao sadio ensandece
Que de tanto sofrer
Lhes perece a vida
Morrendo sem morrer
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Ao amanhecer
A rua estreita
Com o céu entaipado
A chorar o orvalho
Do rio vazante
Há uma janela que se abre
Um portão estridente
Uma lancheira transporta um obreiro
Fato de macaco azul pardo
Dolente e vazio
Uma varina
Um cabaz de peixe prateado
Tirado do frio da cave
E vendido nos subúrbios
Como agora pescado
Um jovem marceneiro
Noite mal dormida
No calor de vendedeira
Abre a porta da oficina
Contrariado e mal pago
E a cidade move-se
Pestilenta
Num grito atroz
A angústia cravado
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Ouve-me meu bem
Ouça-me quem amo
Eu parto
Sem que saiba
Se e quando
Voltarei
Se fico
Farto fico
Se parto não sei
Onde ficar
Nem para onde irei
Leve-me o vento
Para onde levar
Desse lugar distante
Se amofina a alma inconstante
Por a ti tanto te amar
Se parto
Morro
Se fico
Sofro
De amor por ti
Meu bem
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Corpos na noite vadia em campânulas de frio movem-se nos fios de luz projectados pelos cunhais do letargo
No rio jazem os afogados do sexo
Carros de marcas duvidosas encarcerados em modelos luxuosos sobem e descem as ruas das agonias esverdeadas
Incessantemente
O rimel das pestanas corroídas pelas noites de temporal
Os olhos sem brilho como velhas moedas consumidas na gaveta suja do velho coleccionador de troféus eróticos
Em agenda bolorenta
Saias curtas decotes insidiosos nos gestos quase obscenos da concorrência desleal do insistente chamamento
Jovens
Velhas
Nem velhas
Acabadas
Nem jovens
Adolescentes
Imitando desastradas meninas
Velhas fingindo mocidade nas zonas escuras à visão diminuída dos agonizantes
Amaurose do desejo
Luz que tão ordenadamente distribuída abrevia a desigualdade
A cada uma sua oportunidade
Porque
De noite
Todas as Gatas são pardas
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Noite de todas as ambições
Coragem da perdição
A iniciação
Há quarenta anos
Ilusão
Bem pode ter sido verdade
Ou pura imaginação
Uma cave clandestina no anonimato da ditadura Mulheres seminuas esgueiravam-se por detrás das mesas de veludo vermelho Havia cartas ao centro Uma rainha de copas e um rei de espadas numa delas
Negócios sinistros encapuçados
O fumo do cigarro mais reles misturava-se com o dos charutos cubanos Frenética a erva adocicada sorvida pausada e vagarosamente
As luzes sorriam piscando para o ringue improvisado
Nos fundos encomendava-se um serviço A morte entrega-se sempre nos cantos da libertinagem
Sabia
Ninguém o dissera
Mas conhecia aqueles olhos brilhantes do mecânico de quem sem rosto vai matar o que rosto para ele não tem
No tapete vermelho do ódio rasgado pela vendetta
Um Colt 38 ou 40 visível crespo e ameaçante
Quem seria desta vez? Alguém
Uma alma que o Diabo ou Deus hoje já tem
Ou que não é de ninguém
Algumas estrangeiras do Norte rodearam-me Estátuas gregas vivas
Audazes
Havia ainda uma venezuelana quase nua pele escura a brilhar
E portuguesas acanhadas
Mal-acabadas
Lânguidas fêmeas
Pedradas
Curiosas És tu que vais lutar?
Palavras em charco de tensão muscular de quem aguarda disputa sem voz
A cidade nunca mais seria a mesma
Iria arruinar-me com ela
Luta após luta
Puta atrás de puta
O Patriarca da Família senta-se
Obedeces primeiro
Não demandas e um dia mandas
Só sabe comandar quem souber obedecer
Cegamente
Cegamente moço
Diz com a solenidade dum pinheiro nórdico a resistir aos ventos do Árctico
Trazemos nos corações a frieza dos rios gelados das montanhas nevadas e da negrura dos fossos ensanguentados
(Uma faca acerada tributa gotas de sangue no vodka puro)
Bebe
O teu sangue é nosso
Com ele
Tropeçaremos nos cadáveres dos adversários
Não há homem nem deus que não tenha inimigos e traidores
Que não haja
Lei nem ordem nem pecado nem piedade
Esquece quem morre
Corpo separado da cabeça rolada
É um nada
A hora interrompe o discurso
Pesos pluma
O ringue improvisado
Tira o roupão Dizem
O polaco era baixo de vermelho e encorpado
Eu alto de negro e magro
Vozerio gritos estridentes das gaiatas
Dois rounds a parar golpes
Terceiro round
Dois golpes baixos do estrangeiro
Raiva e ódio
Um jab a medir a distância
Um hook frustrado
Um novo frontal a abrir luvas velhas
Cross furioso
Jab Jab Directo
Jab-directo e Uppercut
A lembrar a dança
De Shozo Saijo
O polaco no tapete
Cambaleante
Arrasta-se e sai
Esforço inglório
Technical knockhout
E vai
A música martelava as paredes dos ouvidos inebriados
Sangue vivo no sobrolho
Dor no baixo-ventre
As nórdicas despem-se
Na mesa de poker centenas de notas
Um beijo do Patriarca K...
A selar o compromisso
A comemorar a vitória
Do terno de oiros
Inscrito em luvas de napa
Bem vindo ao Inferno
Dos Vencedores
Bebe
Usa as mulheres
Disse
(Está velho mas ainda vive)
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Olhei-os como sempre os olhei Vendo-os como são e como serei
O lar onde não deverias estar
Olhos de água pura a cintilar
O forte odor a morte abarca o ar leve e a respiração translúcida das paredes cabisbaixas
Há mesas soturnas banhadas de idosos a reter as memórias do passado e os acenos amplos dos espíritos mortiços que descobriram o sorriso descampado dos aposentos velados
Todos sabem que vão morrer
Ou quase todos
E que tu também partirás
Mas
Sorriem-te nos teus 98 anos
E tu sorris
E vives
Na paz da canção
Dos beijos
Dos votos
De longa vida
De um dia a dia feliz
És a mais velha de todos os que aguardam pacientemente a derradeira jornada
Eu o mais novo
Canto e beijo-te
Peço-te em silêncio que vivas
Assim
Sorridente
Coração inocente de criança a extinguir-se placidamente
Dá-me mais dois dos teus anos
Depois pedir-te-ei outros dois
E outros tantos
Não partas Fica comigo
Sonhemos ambos com os vinhedos a florescer
Com a brisa nos pinheirais a reverdecer
Com o lagar vivo no Outono
Vinho a ferver na alma
E com as framboesas
Que crescem no pátio
Sombreadas pelas laranjeiras
Sonhemos ambos
Nós e mais ninguém
Juntos e em segredo
Neste teu dia de anos
Que nunca irás morrer
Ou que se a morte te chamar
Ao temível e doce degredo
Me chame a mim também
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Se prefiro a morte à vida
Já o não sei
Se a carne ao espírito
A sensação à razão
Também o não sei
Mas uma coisa sei
Que sexo e amor
É o que me convém
Quem amor faz
Não pensa
Nem no que é mal
Nem no que é bem
Na dor
Na aflição
E amando como apetece
Como agrada e dá prazer
Não sofre
Nem faz sofrer
E por um momento
Místico e eterno
Ou num arroubamento
Prolongado
Nasce um novo Santo
Sem outro desejo
Que o da carne desejado
Sem passado
Presente
Ou amanhã
Em espírito extasiado
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Parte-se-me o coração
Em pedaços e estilhaços
Na tua partida sombria
Rosto impresso na vidraça
Um único dia não há
Em que me não morra a alma
E a cada noite renasça
Mais saudosa e sofrida
Na angústia da ausência
Triste consome-se a vida
Que súbito a morte me não dá
Mas que a pouco e pouco ma tira
De teu rosto a graça
Apartada e escondida
Beleza única só vista
Por quem viu para além desta vida
E no amor mergulhou
Sem tempo sem medida
E no outro se transformou
Em carne viva
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A chuva escorre límpida nos beirados que o Sol constrói na cidade
Transeuntes atropelam-se
Fugitivos da vida com guarida nos subterrâneos iluminados de rostos doentios
O burgo fica deserto nas almas estranguladas das ruas alagadas
Conspurcadas pelo fumo de intermináveis cigarros da angústia
O transporte para um outro mundo tarda
Carris enferrujados dos sentidos execráveis
Das sensações duvidosas de corpos alheados da emoção cristalina da generosidade
Dois homens à porta da barbearia
Os seus olhos directos
Absortos
Nos anúncios pecaminosos dum bazar chinês
Onde tudo se vende
Vê-se que não pensam
Porque se pensassem não estariam à porta
Entrariam
E sentados no recolhimento dos cabelos espalhados pelo chão
Meditariam numa existência similar a uma peruca
Ligeiramente encaracolada
A enfeitar a boneca rosa oculta
Na vitrina chinesa
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Há uma ponte líquida
Entre mim e a outra margem da vida
E há o deserto das mãos impudicas a acenarem ao desafio
De viver sem comando e sem governo
De escrever o que me contenta nas páginas brancas a amarelecer
De fazer amor
Sem que os actos e os mais íntimos gestos da pele ardente sejam aquela paixão de que os poetas falam
E de que tanto se enganam
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No mar sepultaram os náufragos os últimos esboços do livro de bordo
O caderno branco das lembranças registadas ao pôr-do-sol quando a faina descansa
Cores quentes diluídas pelo sal
Cores agora frias
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Já os operários passam fome
Gemem seus filhos
Choram as mulheres
E de honestos
Em ladrões se transformam
O sangue da revolta escorrerá brilhante
Aos pés da estátua de três braços
Dos mandantes amordaçados
Ao relógio das horas negras do marfim
Quando a Lua
Em Crescente
Mergulhar no sono
A Oriente
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À mesa sentados empanturravam-se de pastas viscosas Da boca escorriam-lhes fios violáceos aparados com o polegar de gordura Algum do vinho novo derramado em pequenas ilhas espalhadas pela toalha a cobrir acanhada o tampo vestido de castanho velho As camisas besuntadas os chifres amarelecidos na parede por caiar a oiro adornada a espiar todos os movimentos
Folgavam sem queixumes Folgavam com a dor alheia de cornos postos nas iguarias
Eles os répteis da governação Os que apenas sabem somar e subtrair
Os cobradores de impostos
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A multidão era uma aberração Quase sempre o é
Amontoavam-se nos transportes públicos como quem quer apalpar e ser mutuamente apalpado
Gritavam impropérios nos desfiles contestatários da fome Invocavam filhos e netos Odiavam governantes de expropriações recheados a moedas acumuladas na venda dos mártires
Era a revolução do seu próprio e feio umbigo alimentado a cotão imemorial Dos seus instintos mais vilipendiosos Destruição dos reinados da fraternidade sepultados no esquecimento dos valores em jazigo a céu aberto
A multidão erguia a sua espada romba contra a aberração a sua própria aberração há muito desviada do seu fim natural casada com a cínica fome do ouro e dos dinheiros
Seus deuses primeiros
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Morto o corpo
Inerte
Sorriso seco nos lábios
Arroxeados
Os membros rígidos
Liberta-se a alma
Não sabe quem foi
Nem quem é
Ou o que será
Sobe aos Céus
Onde outras irmãs
Apaixonadas
Entediadas
Passam tempo
A fazer paciências
Pergunta-lhe quem são
Por resposta um não
Melancólico
De quem não sabe o que dizer
Faz uma paciência
Passa o tempo
Olha que a eternidade
É um aborrecimento
Dizem-lhe
Enfadadas
E as cartas
Pergunta
Não as trouxeste
Foste parva
Aqui não há que chegue
Para tanto amofinação
E é proibida
Qualquer outra acção
Além do jogo
Do eterno terno
Se te não aproveita
Não te agrada
Muda-te para o Inferno
Que te dão
Um baralho completo
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Uma gaivota longe do mar
Um homem emigrado no fim do mundo
Uma mulher esconde o rosto à entrada de um hotel
Um estropiado pede esmola
Um jardim de urtigas plantado
Um polícia dorme no carro
Uma mulher faz um guisado
Um cego atravessa a rua
Uma andorinha de luto
O mesmo mundo
A mesma fraude
A mesma merda
Do mesmo Estado
Nos corredores do mercado
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Os cães ladram às pedras mais escuras
Uma samarra desce a calçada romana
Um velho tão velho que parece uma sotaina com pele de raposa ao pescoço
O gelo poisa lentamente nas pedras emolduradas por terra estéril
A água dos animais gela no pátio
Não está só
Algo o acompanha
Uma sombra
Um espectro
Sei lá Sei lá
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Os minutos não estacam
No jardim azul
Verdes as ervas
A escurecer
O banco de mármore
Arranhado
Pelas garras do desespero
O lago dos desejos a brilhar
Uma alma aberta aguarda
O Viandante que não vem
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Os tempos mudam
O hálito da terra
Não é o mesmo
Nem as origens do mar
Vão morrendo
Velhas palavras de honra
Crimes de sangue vivo
Que almas lavam
A aldeia tem menos homens
Para ensinar as crianças
Em extinção
E homens que Homens sejam
Já os não há
Ou talvez
Alguns
Um
Pouco mais
Talvez
Assim morre
A Palavra
O forte aperto
Das mãos gretadas
Com as veias
Salientes nos braços
A servir de testemunho
E a dispensar o tabelião
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O mistério da vida o mistério da religião transracional da Trindade Há um mistério em todas as coisas mesmo nas estátuas que se movem de praça em praça evocando a morte do passado que se quer misteriosamente vivo e que teima em permanecer
Aquela gente que se julga transparente ao balcão das lojas vazias nos estreitos labirintos do tédio é um mistério O seu próprio mistério na opacidade que guarda ciosamente um silêncio incompreensível e esotérico
Na realidade possível e incognoscível
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Tinha consciência
Que a manhã chegaria ao abismo do coração ensanguentado
Terras alheias
Num peito gracioso a arder
Com a firmeza de uma única vez
A colorir o campo
Junto ao mar de silêncio
A paixão
Um novo tormento
A vida desfolhada
As palavras
Que ficam por dizer
Em fogo vivo vivia abrasado
E tinha consciência
Que a noite viria para atormentar a sua alma
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Carne e ossos na terra
Anoitece
O coração pára
O azul coberto de nuvens raiadas de jactos
Sorriem os longos areais ao mar que canta
A noiva morta ao luar
Primaveril
O ar
Duas árvores negras no horizonte
E
A palavra essência
A negar o que te peço
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