O Francisco afirma no seu livro e repete-o na contracapa, que pelo menos desde os anos 70, está activa em Portugal uma rede internacional de pedofilia que envolve crianças da Casa Pia, havendo no nosso país, gente da política, do mundo dos negócios, do futebol, artistas, que estão implicados nessa rede. Um verdadeiro polvo em letargia, aguardando o momento propício para que todos os pedófilos que não foram identificados e investigados voltem a cometer as mais bárbaras agressões e abusos contra crianças indefesas.
Nada me permite duvidar da veracidade desta narrativa do Francisco, não obstante, muito exista por explicar.
Para uma melhor compreensão deste “moroso” processo, segue uma síntese dos factos:
No dia 23 de Novembro do ano de 2002, o Jornal Expresso edita uma reportagem referente a abusos sexuais perpetrados contra menores na Casa Pia de Lisboa, nomeando como abusador, um motorista da instituição, Carlos Silvino, conhecido como Bibi.
O mesmo jornal, acusa a ex-secretária de Estado da Família de ter ocultado um relatório do ano de 1982, donde constariam os nomes do apresentador de televisão Carlos Cruz e do embaixador Jorge Ritto.
Dois dias depois, Bibi, é detido quando se encontrava no escritório do advogado.
No dia 25 de Novembro do ano de 2005, Carlos Silvino (Bibi) é libertado em consequência de se ter atingido o período de 3 anos, sem que se tivesse proferido acórdão.
O provedor da Casa Pia é demitido pelo Governo – ministro Bagão Félix.
Teresa Costa Macedo, defende-se do conteúdo da notícia
e afirma ter tido na sua posse, fotografias incriminatórias de vários políticos portugueses.
Logo no dia 26, tem-se conhecimento de que as “provas” entregues por Teresa Costa Macedo à Polícia Judiciária, foram destruídas.
Carlos Cruz e Jorge Ritto, dão entrevistas na comunicação social, onde invocam a sua inocência.
No dia 29 de Novembro, a Dr.ª Catalina Pestana é nomeada Provedora da Casa Pia.
No mês de Dezembro, Hugo Marçal passa a ser o advogado de Bibi e a Polícia Judiciária desenvolve intensa actividade.
No dia 31 de Janeiro de 2003, Carlos Cruz, Ferreira Dinis (médico) e Hugo Marçal são detidos, ficando os primeiros em prisão preventiva e o último, libertado após pagamento de caução.
No entanto, a 5 de Maio, o advogado Hugo Marçal é novamente detido, ficando a aguardar os termos do processo em prisão preventiva, voltando a sair em liberdade no dia 17 de Outubro de 2003.
Já Ferreira Dinis, em 31 de Dezembro de 2003, vê a medida que lhe foi imposta ser alterada pela de prisão domiciliária e Jorge Ritto, em 2 de Abril de 2004, é libertado, ficando obrigado a apresentações periódicas.
Também o apresentador Carlos Cruz, a 4 de Maio do ano de 2004, é libertado, passando ao regime de prisão domiciliária.
No dia 22 de Fevereiro, Gertrudes Nunes, a proprietária da tão falada casa de Elvas, onde eventualmente terão ocorrido vários abusos, é constituída arguida.
A 1 de Abril, Manuel Abrantes, ex-Provedor da Casa Pia, é detido e em 7 de Maio de 2004, vê a medida ser substituída pela de prisão domiciliária.
A 20 de Maio, é a vez do embaixador Jorge Ritto ser preso preventivamente.
No dia 21 de Maio, o Juiz Rui Teixeira, desloca-se à Assembleia da República, para solicitar o levantamento da imunidade parlamentar do deputado Paulo Pedroso, que é preso preventivamente no dia seguinte.
Mas, no dia 8 de Outubro, Paulo Pedroso é libertado, segue para a Assembleia da República, onde é recebido num clima entusiasta, diríamos mesmo, de “festa”.
Herman José, figura marcante da televisão portuguesa, é constituído arguido no dia 30 desse mês, mas não é pronunciado, tal como Paulo Pedroso e Francisco Alves.
Em finais de Dezembro de 2003, terminado o inquérito, o Ministério Público acusa 10 dos 13 arguidos.
Após pronúncia, no dia 25 de Novembro, tem início no Tribunal da Boa-Hora, o julgamento dos arguidos, excepcionando-se, Francisco Alves, Herman José e Paulo Pedroso – por não constarem do despacho de pronúncia.
O deputado Paulo Pedroso sai vencedor em primeira instância de uma acção interposta contra o Estado, por prisão ilegal (2 de Setembro de 2008), mas vê o Tribunal da Relação de Lisboa revogar essa decisão, com fundamento num recurso interposto pelo Ministério Público.
A partir de Dezembro, as sessões de julgamento passam a ser realizadas no Tribunal de Monsanto, até que em Janeiro de 2005, são de novo transferidas para o Tribunal Militar de Santa Clara.
Carlos Silvino, que começa a depor ainda em Dezembro de 2004, presta depoimento incriminando todos os acusados e em Fevereiro de 2005 é a vez de Carlos Cruz.
O julgamento continua..., e no dia 15 de Setembro de 2007, entra em vigor um novo Código Penal.
No dia 5 de Outubro (2007), Catalina Pestana, que é substituída em 10 do mesmo mês, dá uma entrevista a um semanário, onde afirma que os abusos sexuais contra crianças não findaram na Casa Pia. Joaquina Madeira, nova Provedora, desmente-a.
No dia 14 de Novembro, o deputado Paulo Pedroso é ouvido como testemunha.
Ferro Rodrigues, ex-secretário-geral do PS, é ouvido a 20 de Dezembro.
As alegações finais no processo ocorrem no último trimestre do ano de 2008 e princípios de 2009. Mas, o Procurador, pretende ver alterados cerca de 40 factos e, em 8 de Maio, recomeça o julgamento.
No decorrer do processo, todos os arguidos manifestam a sua inocência, excepcionando-se Carlos Silvino.
No dia 23 se Abril de 2010 é designado o dia 9 de Julho para a leitura do acórdão, que só o foi, após várias vicissitudes, em 3 de Setembro desse ano.
Os arguidos são todos condenados a prisão efectiva, à excepção de Gertrudes Nunes, que é absolvida.
Do Acórdão foram interpostos recursos para o Tribunal da Relação.
O livro do Francisco toca-nos o coração e indigna-nos. Tamanhas atrocidades, pensamos nós, serão possíveis nas Filipinas, em Marrocos, em países pobres. Não em Portugal. O Portugal europeu, o do euro, o Portugal social, de raiz católica. Mas, não. Devem ter mesmo ocorrido em Portugal.
Por outro lado, há gente a mais a falar de uma “rede” de pedofilia e quem afirme ter “nomes”, e quem afirme só os tornar públicos quando morrer, e quem vá publicando peças processuais donde constam cerca de 200.
Destas centenas de nomes, de que iremos ter conhecimento por fases, tal telenovela, muitos poderão estar envolvidos na dita “rede com ramificações internacionais” e muitos outros não – já vi num documento um nome, de pessoa que não gosto, mas por via de rápido raciocínio lógico, julgo absurda a sua nomeação.
Para além disso, é o próprio Francisco, que se nos apresenta como colaborador do motorista Carlos Silvino, acompanhando-o com a idade de 17 anos, semanas antes daquele ser detido. E foi na noite anterior à sua prisão, que Carlos Silvino lhe entregou fotografias, agendas com nomes e números de telefone, bem como papéis de contactos, solicitando-lhe que os guardasse até à sua saída da prisão. E o Francisco, para desmantelar a “rede”, diz: Perguntem ao Silvino!
É necessário clarificar uma situação que tem abalado o crédito na justiça. É necessário separar o trigo do joio. E fundamentalmente, é necessário ter coragem e uma boca limpa, que se limite à descoberta da verdade.
É o Ministério Público que tem legitimidade para promover o processo penal. É ao mesmo Ministério Público, que cabe receber as denúncias, apreciando-as e decidindo quanto ao seu destino em função dos normativos vigentes. É o Ministério Público que recebe as denúncias de notícias de crime comunicadas pelos órgãos da polícia criminal ou por qualquer cidadão. É aos magistrados em exercício de funções, que compete extrair certidões de eventuais crimes narrados – por escrito ou verbalmente – nos processos.
Será que ainda assim é? Ou será que as denúncias só são denúncias quando as autoridades policiais ou judiciárias assim o entenderem? Terão os critérios de oportunidade subjugado os critérios de legalidade?
Perguntem ao Carlos Silvino! – diz o Francisco.
Não!
Perguntem ao Carlos Silvino, à Dr.ª Catalina Pestana e ao Francisco e a todos os que puderem auxiliar na investigação da mencionada “rede”. "Perguntem" às peças processuais onde são referidos cerca de duas centenas de nomes, segundo afirma Carlos Cruz.
Mas, façam-no antes que os crimes prescrevam, de modo a que na eventual presença de uma associação de malfeitores, seja feita a justiça em que muito poucos acreditam.
O Carlos Silvino que saiba “honrar” o banco dos réus.
A Dr.ª Catalina Pestana, que não guarde o remédio para o funeral do enfermo.
E o Francisco, que tenha a coragem necessária para denunciar com verdade tudo o que é do seu conhecimento.
Que os culpados sejam condenados e os inocentes inocentados.
Que os “nomes” não pairem como nuvens de dúvida nos negros céus de Portugal.
Que a justiça seja célere, já que a tardia mais não é do que a sua própria denegação.