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OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O MILAGRE DE NOTRE-DAME





O Sol morre lentamente no horizonte
Coberto de paredes de betão
Sombras do dia arrastam-se na pequena ilha da cidade
A Praça deserta
A contemplar a massa gigantesca de pedra
Duramente aparelhada
E a Maria dedicada

Para além da ponte de apaixonados e suicidas
Os pequenos bares aconchegantes
Bystro Bystro Bystro
Beijos rosados no Jardim do Luxemburgo
Com St. Michel a ver e ouvir pesado e pisado por caminhantes da Vida abstraídos
A animação
Os versos e aforismos dos cerebrais embriagados
Onde tudo é demais
Quartier Latin povoado
De amor imperfeito
Perfeito julgado

Notre-Dame
A visão de dois corpos
Em chama viva de amor
Dois rostos transfigurados
Em incandescente paixão
Passos lentos
De mãos apertadas
Dedos contra dedos cerrados
Uma única Verdade
A penetrar na Catedral vazia
Casa de Santa Maria

No altar
Nos frisos
Esculpidas as faces de santos
Vivos
No ar o som da solidão
Das palavras macias de amor
Da antiga adoração
Canto Gregoriano
A silenciar a oração

Mãos apertadas
Percorrem a ponte
Dois corações em êxtase
Olham o rio que corre
Cintilante
Sinfónico
Cantante

Mãos que se apertam
Mais e mais
Um espasmo
Outro
A divina sensação
Do Milagre do Amor
Repartido em orgasmos
Sucessivos
De pão e vinho
Aos dois distribuído

E o Sena pára
Abismado
Contraído
De gozo alumiado

Um outro arroubo de Luz
O mesmo que a Virgem Santa
Na cidade de Nazaré
Teve quando concebeu Jesus
De mãos dadas com José


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MAIS QUERO MAIS







Há flores no espaço O teu corpo cheira a rosas molhadas pelo orvalho
Corpo de estanho
Em favo de mel moldado
Reina a ordem no universo indiferente ao seu criador
Deus feito carne
Que semimorto de cansaço
Sua criação sublimou
Corpo molhado possuído por garras azuis Arrebatamento em cascata Mais quero mais dizes Fundo Toca-me nesta noite serena de Outono atravessa a Ponte da Saudade e nada no meu desejo a vinho perfumado


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CARROSSEL




Olhemos vejamos a mesma estrela o mesmo brilho de bronze no céu harmonioso O dia está fresco a noite fria e da vida pouco nos resta
O carrossel gira aos uivos ah como gira e rebrilha trajado de negro
A cabeça da deusa de oiro abraçada por um miúdo que esvoaça na frescura da nortada À volta corpos de ervas preciosas estendem os braços fingindo tocar a dança circular da ave marinha do leão de papel e do elefante de patas ao ar poluído por gritos
Como um bêbedo há um jovem que volteia sobre um barco enleado nas ondas corporais da rapariga em folia
Uma velha ri
Um cão urina
Numa esquina dois namorados num
Afligem-se os assistentes
Espantam-se os passeantes
Divertem-se os que vivem
O senhor Prior
De passagem sorri
E o carrossel gira mais uma vez e outra
Até que as moedas findem


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ABENÇOADO QUEM AMOR FAZ







Uma oração por mês nas nuvens enxutas A voz inefável irriga o jardim em farrapos A casa grande desmorona-se Separados a carne dos ossos e o sangue no poço cavado pelos imperadores da antiguidade
Suas mãos inteiras cercavam-na espessa e abundante Os deuses proclamam agora a vitória do sexo sobre o amor sujeito às múltiplas injunções do prazer O amor morre Matéria ideal destruída pelos sentidos do pecado venial
O seu coração lamenta e chora quando se apercebe da forma extasiada como ama E ama? Ou pelo sexo anseia até que seja sepultada junto dele no talhão destinado aos heróis da virtude carnal?
O deus da juventude é longínquo na virilidade inocente de bico aberto ao arco de setas da tenda bárbara redonda
Talvez um dia se esqueça nas asas do pássaro sombrio de odioso riso a escarnecer dos olhos amorosos e dóceis que aguardam a perfuração da lança aguçada exterminando os pensamentos infelizes destrutivos porque quem amor faz num assalto brutal à vida não os tem e é abençoado


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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O MILHO DOS POMBOS







Tinha a sede das escarpas Dos amores vividos nos promontórios em caixas de lata coloridas
Devorava a noite qualquer noite como se a última fosse
Cabarés espeluncas negras tavernas nas ruelas encostadas aos candeeiros flácidos da bruma
Alinhado na vertigem dos corpos por escolher para um quarto de hospedaria com a alma a restar gelada no sítio do costume
Cada qual com seu poiso Área demarcada a urina e ao suor hidráulico da contingência
Em cada transacção inventava o amor
Com a idade soçobrou A fecundidade das genuflexões os membros rígidos a ilusão com todos os tesouros do coração ilusório a desvanecerem-se nos cabelos grisalhos sem brilho e nas rugas dos anos
Hoje no mesmo banco sempre no mesmo banco dá milho aos pombos que acordam quando a sede da noite já está saciada


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PERMUTA



Parto
Por te ter
E por te não ter
Parto também

Teus olhos
Verdes
Troco
Pela partida

Se com eles
Ficar
Para sempre
Te verei

Se chegar
Sem os ter
Cego de ti
Estarei


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PORQUE EXISTO?




Cada noite é uma tortura ou um êxtase Náusea ou alegria de viver
Porque existo?
Existem flores nos prados quentes e muros que dividem desejos na areia ardente da tarde
O relógio não pára Envelhece repentino às Portas da Morte
Dêem-me música e um corpo vermelho mudo de gestos e palavras Um jardim oriental e um caderno com riscas e pautas um caderno musical
Uma valsa A fanfarra do Destino intocável no rápido acesso à eternidade silenciosa Melodia tocada a medo por dedos gangrenosos que se quer magnífica e esplendorosa como as túlipas nos canteiros de vidro
Existo só Triste e corajosamente só como a Polar
As conversas patológicas do café da esquina são suportáveis durante o tempo em que a ampulheta vazia se esvazia nas bocas imundas dos conversadores Apenas
Depois há que retornar às pedras frias da cobertura ao silêncio dos telhados inundados de antenas exóticas Aos pombos a desembarcar no terraço e ao deserto das folhas que se soltam dos braços inertes das árvores gigantes que ninguém vê
E porque as vejo sei que existo e existo para as ver
Se tivesse fé não as veria como vejo Veria Cristo Mas Cristo não é uma árvore enredada em magnífica sombra Cristo é só Cristo e nada mais


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O AZEITEIRO




Chamava-se Idalina Viera para a capital servir
Vistosa
Sorriso brilhante
Olhos meigos de corça
A fazer embicar apetites nos dias insípidos
De vida descolorida misérrima a flutuar na profundidade do abismo

O mesmo de sempre
Café com leite a escorrer nas canalizações adelgaçadas dos patrões O pão com doce e mel o almoço o lanche dos meninos João o Franzino Maria a Estouvada Elizabete a Ajuizada (como a rainha) a ceia o chá do adormecer
Os babetes de cuspo os raspanetes da madame emproada em sub-rogação do garnisé e o balbuciar do patrão primeiro caixeiro de roupa interior numa loja do Chiado
Os pratos compostos e sem compostura gordurosos por lavar A roupa das camas por engomar o pó por limpar
Trabalho povoado de murmúrios obscenos e por meia dúzia de moedas Carago
Conheceu-o Ele um Pintas Azeiteiro todo catita à porta do baile de domingo no Lumiar
Olá menina Ela sorriu-lhe
Apaixonada de fome canina
Tanto bastou
O corpo nos pratos sujos do desejo e das perversões
Clientes a cheirar a cais odor de cabos de atracação com alcatrão a roçar os fios dos sovacos
A render e à disposição
Do pagamento
A dividir
Por dois


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A SOMBRA DO PEREGRINO



Descansa peregrino
Que o mundo não acaba
Nas folhas da azinheira
Deixa-te estar
Que purpúreas rosas
Verás nascer
Na sombra onde repousaste


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CLAMOR DO PROFETA




O vento sopra no deserto das mil e uma grutas Varre com as mãos desarraigadas o ontem Monstro apócrifo com cabeça de leão corpo de cabra e cauda de dragão a rugir ignavo
Carregai-o para os confins da Terra onde o precipício se abre
Depositai-o no espaço coacto do olvido onde a memória em descrédito já não penetra o espírito
O ontem morto sepultado o sem-vida
Sem a inocência da criança subtil leve aérea e miraculosa
Ceifemos suas raízes inodoras pastosas os tentáculos corrompidos pela culpa que deslustra a alma ferreamente acorrentada aos ódios às iras à violência e à brutalidade antipática do embuste
O Profeta clama no deserto –
Que o passado morra
Hoje é um novo dia
Dia Santo no amor
Do instante
Na graça de vosso Deus
Seja Ele qual for
O da eternidade do movimento brilhante e dócil
O que nunca cessa
As pedras espalhadas falam-nos do que já passou e que fica estratificado na mente repleta de fantasmas e vermes O vento e a areia do que acontece e que ora aquece ora arrefece sentimentos e afeições no pranto da asfixia no riso e na alegria dentro ou à flor da pele na delícia do Agora-Sem-Tempo
O vento tem o seu tempo
A areia revolta também
O vento cessa
Lentamente
Mas o tempo do vento fica
Mesmo quando o vento já mais não existe
E a areia repousa
Sem pensar no amanhã
Oh a eterna inocência da natureza inumana a clarear as horas da essência sofrida dos vivos sem resgate


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ALMAS EXCOMUNGADAS



As almas descem constantemente ao inferno da sua negritude
A viajem ao Inferno dos suicidas nostálgicos tem a hora marcada pela danação sorvida nas vigílias da inquietação e está destinada aos que do catecismo que guardaram de crianças só conseguem ver as ilustrações das palavras expurgadas
Almas excomungadas sem arte para pintar a vida de azul e rosa


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O FERRO-VELHO DAS ALUCINAÇÕES




A ambição
O veneno chamuscado
Pelos tesouros
Crescentes

As vidas
A encolher os ombros
No ferro-velho
Das alucinações

A esperança
Ébria
A enfraquecer o dia
Na hora da sua extinção


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O AMANHÃ NÃO EXISTE




O amanhã Um devaneio o erro a ilusão
Quem sabe se vamos existir ou não
Projectos derrotados pelo Acaso mortífero pela fraqueza dos membros titubeantes e subnutridos
De vazia vontade
Demónios uivantes do pensamento
Que maior incerteza que mentira adoptada mais se adapta aos tristonhos anseios humanos?
Hoje não vivo amanhã viverei
Sofro não sou feliz Amanhã serei
Não sou rico nem famoso nem respeitado Amanhã dormirei em colchão de oiro por todos adulado
Projectos raptados pela vida aos projectistas que crescem e envelhecem no engano e na visão turva de suas estreitas vistas mergulhadas em sombra de ignorância inócua e triste
O amanhã não existe


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LUZES




Luzes
Quero luzes
Que descalço caminho
No Sol por levantar
Onde nem pó
Se vê
Nem os rios que correm
Nas lágrimas de sal
Do coração palpitante
Acendei
Luzeiros
Que cego julgo estar
Com a alma
A cavar centelhas
No mar profundo
Onde me afundo
Pés que na terra não poisam
No caminho perdido
A Lua em foice
Cheira a antigamente
Nas folhas do espelho
Pupilas baças
De céu inquieto
A ecoar
O mais suave e luminoso
De todos os perfumes


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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

IGREJA DO SANTÍSSIMO MILAGRE





Et Verbum caro factum est

Uma igreja
Um altar
A Palavra antiga
A Verdade do sonho
Colorida
Por colunas e capitéis
Pela fé
Em folhas de oiro
Entesourada

Isaías
E o seu único Senhor

Louvai-o
Em Lanciano

Em Santarém
Na hóstia divina
A transparência
Carne e sangue
Que vejo
Com quem amo

Corpus Christi

A imagem
Que não consigo esquecer
Viva
Ardente
Na Igreja do Santíssimo Milagre
Eu que duvido
Que não creio
Que ninguém sou para Te ver

A imagem da Tua carne
Do Teu sangue
Ao meu igual
(A e também B)
Não me deixa adormecer
E se adormeço sonho
Nas chagas de Teu coração
Em Teu fluido Vital
De vida a florescer
Na custódia sagrada

Quando me darás um sinal
Transformando a Tua carne na minha
Um só espírito
Num só corpo
Livrando-me do mal?

Ave verum corpus


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O MAIS BELO DE TODOS OS DEMÓNIOS







Possuir a verdade numa alma e num corpoA tua visão poeta como nos é estranha Como se estranha a si mesma
A glória da verdade na ponta do lápis invisível com que traçaste os teus poemas em idade incerta
Tu o mais belo de todos os demónios que desertou em tempo das profecias exaladas em turbilhões de letras vivas até à agonia
O teu corpo não mais acordou
A tua alma sim
No Inferno dos Iluminados

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CAFÉ COM FRUTARIA







Este café com frutaria nos fundos
É um repolho gigantesco
Com monstros a grelar

Estou fatigado
Severamente exausto das opiniões gritadas por surdas que buscam nas hortaliças o regime linear da felicidade

As empregadas correm lustrosas
Mas horrendas de melancolia
Expressões doentias
De quem labuta a dormir nos olhos encovados

Batatas tomates maçãs ovos limões maçãs e uma adiposa a meu lado
Dois cafés um pastel de nata e um chulo escurecido por muitos dias de sol que entra com o ar inchado de quem não tem profissão e por isso é importante como os governantes desta nação
Para além de mamar à custa de quem o mama
Na cama
Uma piolhosa do prédio ao lado
Barata-varejeira sem eira nem beira

A escolher alhos um cu gigantesco
(devia ter vergonha com um cu assim devia deixar metade em casa)
Cabelos molhados a escorrer linhaça
E a traça a consumir
Os panos de carne velha e os suspensórios do pipo esculpido a espartilho que acaba de entrar


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O VINHO




O vinho
As taças cintilantes
Ébrias
Fumegantes

Néctar de todas as perdições aladas
Tensa mola da vontade por instantes decrépita

Elegia ao vinho
O vinho não carece de elegias odes sextilhas quadras disparatadas
Ele é o poema vermelho que fermenta o sangue do pensamento
Que ilude a realidade fazendo-a ver na realidade dele própria o que a realidade é Consolo de vida incerta e da morte no chão sangrento

O vinho não se canta não se diz não se lê
Bebe-se somente


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domingo, 16 de outubro de 2011

ESCARAS DA CIDADE




A cidade é um amontoado de escaras danadas sujas cobertas por retalhos de pano novo
Chegam para o trabalho apressados alfenins no pus a manchar a roupa interior do arraiar da aurora
Os pensamentos resvalam nas estilhas de pele dengosa dos escaparates por onde passam indiferentes as últimas aves da noite saídas de infernais caves onde mãos se cruzam trocam e tacteiam as formas arredondadas da deleitação Oh consolação oral de deuses clementes refrigerados por lábios aquáticos a deslizar no gáudio de sexos despertos para a irradiação do prazer
A calçada portuguesa canibalesca não faz perguntas de tão acostumada à miserável exposição dos corpos mutilados de sonos sangrentos e os jornais com letras soltas vão saltando indiferentes para os braços pendentes dos mortos-vivos
Os pombos depois de terminada a oração descem às ruas junto das pastelarias da moda onde sobejam migalhas de pão nas bocas escancaradas
E há os indigentes de papelão a mendigar um raio de sol enquanto os políticos displicentes dormem com os seus amantes em carros de prata do perjúrio e da extorsão São Bento demoníaco a tudo o que é perverso
E há pernas irregulares das mulheres a suportar largos ombros estirados em ginásios poluídos sem o sorriso de quem despertou consolado e se sente apetecido por toda uma noite e não por alguns segundos
Vou deitar-me no sossego
As prostitutas também
Não suporto a cidade acordada a esfregar os olhos de remela
Mais-quero as cróias os perfumes baratos os catres pataqueiros das azinhagas
E estar
Oculto nos braços de uma mulher
Qualquer


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O TEU ROSTO É UMA ROSA



O teu rosto é uma rosa
Que a terra deixou

Os olhos baixei
Sereia relâmpago alimento
Das vozes cheias de espinhos
Cravados na negação dos dentes que brilham

Aroma a resina
Que ao lusco-fusco pousa na raiz da árvore
A que te entregaste

A minha sede
Esgotou teus lábios
A suster o peso terrífico das horas
Geladas

Com ou sem sombras

Nu no Inverno
Trémulo
Entrarei no teu túmulo vazio


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DOR E MORTE NOS CAMINHOS DESERTOS




Dor e morte nos passeios noite após noite
Na montanha donde nascem as estrelas
Nos corpos rasgados
Chagados
Que em vão soletram a palavra amor

À tarde
Num pasquim
Num frio altar
A fotografia
Da cidade em chamas

Que bom que é
A dor sem doer
A morte sem morrer

Afastei-me da cruz
Não mais a carrego
Abominável tempo gasto na maré vazia do espírito em circulação
Deambulante

Reconheço o Sol que se levanta
O mesmo que se deita
A Lua nascente
As lágrimas vertidas
A arrancar com ferocidade o peito das flechas sanguinárias
E as veias salientes
Das carícias e dos beijos
A crescer no asfalto
Dos caminhos desertos



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NADO-MORTO




Morreu quando nasceu
Feliz

Alegria de noiva
Esperança de noivo
Por casar

No rosto da tristeza
Que olhares não deita
Aos lagos verdes
De algas bonançosas
Não brilhou a Lua
E o regato calou
O som das luzes
Em floração

As árvores não o viram
Com a faixa a ressumar sangue
E ele nado-morto
O pai não viu
Repousar
Com cruz aos pés
E lápide no coração


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OS DIAS FOGEM




Os dias fogem
Voam
Não lhes é dado transpor as margens do céu

Dias em fuga
Sobre mil colinas
Metade ouro
Metade ferro

Tu és a rainha de tudo o que acaba
Quando eu for finado
Herdeira de falsa eloquência
Em pedra mole firmado
O fino pensamento

A glória de marfim polido
Corre mais cedo a uma outra existência
De manto espesso
Estando na alma bem guardado
O segredo
Do alegre caminhante
A vasculhar
Profano
O futuro
A caça da mosca impertinente
O escaravelho taciturno e sideral
A mente


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JOGO DE SALÃO



A vida transformara-se na monotonia de um jogo de salão
Por falta de sustento Pobre mãe ao gosto das ondas a colher as velas com tamanha doçura
Os tempos deram-se à costa bravia aliviados pelos trabalhos dos dias ensimesmados de males e dores

Deixem-me subir
Subir
Ao mastro real
Para salvar o amor
Eu
Que não sou como eles
Dinamite em espiga por colher
Linda rosa linda flor a morrer

A varanda abre-se de par em par num ramo ornamentado de palavras escritas ao contrário e na vertical
Uma legião de ofendidos em túneis baloiçam na luminosidade do vento que tanto resvala como ecoa no aroma das folhas desertas

A rainha de espadas escolhe o rei de oiro com chagas nodosas no ceptro eréctil
E faz amor na sombra virgem de um pássaro aceso


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DUAS MÃOS TEMOS



Como é perigosa a felicidade
As nuvens incendiadas
No Inverno
Tempestade de Verão

Não podemos adiar os gritos horrendos do combate
Brincando no formigueiro envenenado
Abandonando as espadas da vitória
Triunfais

O cadáver dos dias esgotados murchos
O silêncio
Mas subitamente
O toque
A alvorada
As armas

Não podemos adiar a guerra dos lábios acesos
Presos infinitamente ao sexo dos sonhos idos

Não perguntes nada
Seja o que for
Mantém-te calado
Armemo-nos
Amemo-nos
Que duas mãos temos


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A PÉRSIA DOS INOCENTES




Cabeça dourada no vão da escada circunflexa

Amor partido
Partida de amor
Por louco pregada

A andorinha pôs seus ovos no beirado luzidio

Parto para a guerra
Donzela do Oriente
Recebe-me como eu te recebi

Na Pérsia pranteiam os mísseis fumegantes da caridade

Um cão ladra ao vento às folhas que caem sobre os estropiados

O meu coração
Em viagem
É sangue que derrama

Os inocentes não são ouvidos
Nem perdidos nem achados


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BIBES NAS TERRAS DO DEMO










Nesta manhã ainda negra
Levanto-me com o sono das insónias milenares

O caminho para a estação
Iluminado por potentes faróis estremunhados
E eu revoltado
A revolta natural de quem habita o coração tresloucado dum país coberto de estrume e espantalhos nos campos por semear de pão
Que nunca o irão ser

Seara sem justiça
Sem tino Sem Norte
Sem ninguém que valha
Aos pobres
Aos desgraçados destas terras do Demo

Andaram pelos jardins infantis
Pelas creches
A escolher magistrados de bibe
Políticos imberbes
Analfabetos da vida
Como um broche
Na lapela dum casaco
Dum falso nobre
Pregado ao brasão
Por um colchete


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AO COLO DO LUAR




Tinha pressa
Uma cinta de seda
Estrangulava-lhe o pescoço
Na alcova de pérolas e coral
Dos devaneios

Queria retardar o dia
Para que a geada nocturna de Maio
Não crestasse as plantações
Palpitantes de sexo

Um pássaro verde
Voava no azul

No vale
A lentidão do gelo
A arrostar-se na erva macia
Como corpos expostos
A amadornar
Ao colo do luar


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VISCONDE DE ALPERCATAS




Para além de tudo isto está a morte
Senhor visconde de alpercatas
Sabendo eu e o senhor
O senhor e eu
Eu que sei ou que não sei se sei
E mesmo que saiba nada há que me garanta que o saber não sabe se sabe
Da armada naufragada da barra
De que tanto nos fala
E das virtudes que à sua amada aponta
Como diz repetidamente que a esposa estimada é de tal modo pura que se pode beber água pelo seu vaso avisado discreto e astuto
Enquanto um turíbulo amestrado sem dono nem criado assa lento a carne viva da alvorada

Um carro cinzento atravessa sozinho a avenida alvoraçada
Eu por dentro procuro cozer ao tronco uma camisa por passar notando agora (o que muito ou pouco me preocupa) estar a ficar abdominoso
Inquietação de velho mulherengo
Inclinação a pasto tenro presumivelmente negado

Há velhas alisadas no passeio limado
E uma marreca a precisar de limão
(de carpintaria ou de serralharia não do limoeiro)
E o condutor do carro cinzento
Cospe no passeio o sabor amargo do vento Sul
Vendo o veículo a transcorrer
De vagina a amanhecer
Amadurecida
De mão em mão
Por onde se não pode beber senhor visconde
Vossa contrariedade

E
Senhor visconde veja
Como o carro cinzento continua a cuspir no passeio o sabor a vento


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A GARE DA VIDA




Partiste para o Reino da Morte

Espera

Ouço uma criança chorar

Uns chegam
Outros partem

Na Gare da Vida
Não há nada a lamentar


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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

SÓ NÃO AMA QUEM ESTÁ DOENTE




Ergue-te Mulher
Antes que eu seja pó

Abre portas janelas as palmas da avidez bate
Sai esbelta da escuridão

Sorri
Lábios em rima

Cabeça tresloucada
Estúrdia

Vamos fazê-lo na rua
Nas escadarias da poesia
Nas pedras cinzentas do tempo perdido
Nas entranhas ardentes da terra

Sozinhos
Para que toda a gente veja

Só não ama quem está doente


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TUDO O QUE É DEMAIS SOBRA




Ó meu Deus
É demais

Tudo o que é demais
Sobra

Como ponderaste Tu
A dor que derramaste
No mundo?


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FLOR NA SOLEIRA DA PORTA




A flor repousa
Na soleira da porta
Onde a montanha começa
E as crianças
São reveladas


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AMIGO DA VIDA BOÉMIA




Amigo
As mulheres-da-vida
Já por nós não esperam

Foram-se como tudo se vai
E por vezes se vem

As noites são agora mais longas
Tu dormes para sempre
A mim custa-me adormecer


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AMANHÃ PERGUNTAREI POR TI




Amanhã perguntarei por ti
Ao Sol e à Lua
Aos rios que correm para o mar
Às aves que migram

Alguém me há-de dar
Notícias tuas


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MUNDO ANTIGO




Este mundo é antigo
Em curta vida
De olheiras escurecidas
Pela tristeza do amanhecer

O Amor confundido
Com vultos de mulheres
E com o prazer
Bebido ao alvorar

Soldados vendedores músicos
De punhos cerrados
Morrem nas tabernas
Enfeitiçados pelo Nada

Uma palavra um gesto
Um sonho tingido
Das vidas passadas


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O MEDO DA NOITE




O medo da noite nos santos corpos imóveis imolados em honras fúnebres

Nasce o medo
Sangrento
Negro
A soprar nas frestas do pensamento destroçado
Ruborizado de vilania
De suores manchado
Até que o Sol de novo brilhe
Na almofada da erva verdejante
Do nascente donde jorram os dias


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PACTO DE AMOR




O Sol procurava-o
Todos os dias

Entre eles
Um pacto
De amor

Hoje veio de novo
Pontual
Nem sua sombra encontrou


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A MENINA DOS SEUS SONHOS




Uma árvore
No telhado
Azul
Desflorada
Como a menina
Dos seus olhos
Dos seus sonhos


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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

MUSA







Pouco me pedes Musa
Dessa tua clausura
Um abraço apertado
A versos bordado

Um pedir tão parco
E tão escassa ambição
Quando o amor que embarco
Não o contém o coração

Pedes tão pouco e tanto
Em breve e vago desejar
A quem louco anda
Por te não poder tocar

E se sufoco em tal carga
Que não consigo desembaraçar
Naufraga a embarcação
Com o peso de tanto amar


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PUTAS HÁ-AS SÉRIAS E AS QUE O NÃO SÃO










Putas
Há-as sérias
E as que o não são

As sérias
Sabem que são putas
Assumem a sua putice
Inata
Descarada
De mulher perdida
Ou são putas e não o sabem
Saudáveis
Porque não têm consciência
De que foder por dinheiro é pecado
E então
São putas inimputáveis


E há outras
Mais putas
Que as putas
Escondendo-o
Mal escondido
Por baixo do vestido
Seja de todas a mais bela
Ou a mais feia
Porque há sempre um testo
Para cada panela

Mostram-se distantes
Sérias
Constantes
Recatadas
Senhoras de mil lavores
Que se vendem
Por oportuno casamento
Por bom trabalho
Por favores
Pagos a um qualquer c......

Senhoras na rua
Putas na cama

E como os homens
(diz Schopenhauer judicioso)
Andam meia-vida nas putas
E na outra meia
São cornudos
Daí
Tantas putas há
Nas ruas
Em casa
Nas empresas
Nos motéis da auto-estrada

E porque para cada putanheiro
Tem de haver uma rameira
Anda o mundo sempre arranjado
Meio por meio
De putas e cabrões
A troco de alguns tostões

Pura aritmética


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O PERFUME DA SOLIDÃO




A solidão
Tem um perfume
Que só os eleitos apreciam


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FIM DA HUMANIDADE







Sentia-se que a humanidade acabava
Na estrada aérea da galáxia entristecida pela solidão cósmica
Um estrela outra e uma outra
Labaredas cortantes no superficialmente profundo
Folhas vermelhas escorriam sémen
O dos condenados pela exaustão
Impróprio para consumo vespertino

A residir nas nuvens amarelas espalhadas no solo degradado
Um corpo deitado numa rede de ferro
A apodrecer ao som de um violino longínquo
Ah Paganini para que mordeste tu todas as cordas até que restasse apenas uma

Um desesperado abria os portões pútridos da prisão racionada
(o racionamento é um mal inerente ao tempo em abundância)
Aos delinquentes do sexo pálido e fatigado
Agora castrados e de salto alto
Voz fina
De menina

Era tarde
O Sol descia sobre o poço seco
Da lezíria animalesca
Um homem doente gemia
Paria blasfémias
Na sombra azul da amendoeira
Enquanto o mundo adormecia
E se preparava para morrer


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AS ASAS PLÚMBEAS DO ESQUECIMENTO







O passado
Hoje voou
Nas asas plúmbeas
Do esquecimento




MISTÉRIOS







Nunca conquistaremos
Os mistérios
Os enigmas da Alma
De Deus
Do Universo

Vem amada
Esqueçamos o amanhã
Vamos amar
Que a ciência são palavras
Gastas
A filosofia vã
E todo o resto nada




VIAJANTE DO CÉU E DO INFERNO







Donde vens
Viajante
Do Céu
Do Inferno?

Não
Desconheço tais cidades
Aéreas
Submersas
Não conheço suas leis

Se nem tu as conheces
Que poderei eu saber
Para além do que já sei?




CEIFA







A morte um dia virá
Ceifando violenta
O que à força foi criado

Terei eu pedido para ser concebido
Terei eu solicitado a presença de Yama?




AMOR DE VERDADE







Naquele tempo
Por tantos esquecido
Ela era magra
Rosto trigueiro
Sardenta
Esquiva

Eu era tão jovem

Para amar
Bastava-me olhar
E reter
A imagem
Dela

Não era o corpo
Que procurava
Mas o sorriso
Os gestos
A inocência
Das palavras
E aquele jeito
Tão especial de andar

Amava tanto
Aquela virgindade
Que dou comigo a pensar
Que o Amor de verdade
Está contido num olhar




HEGEL E A IGNORÂNCIA







Hegel nasceu
Escreveu o que ninguém
Entendeu

Nem ele

Deu-lhe o tranglomango
E morreu
Na mesma ignorância
Com que nasceu




sábado, 8 de outubro de 2011

OMAR KHAYYAM ( SÉCULO XII )







Para além da Terra, para além do Infinito
Eu procurava avistar o Céu e o Inferno.
Uma voz solene disse-me:
«O Céu e o Inferno estão dentro de ti.»

---------------------------


O vasto mundo: um grão de poeira no espaço.
Toda a ciência dos homens: palavras.
Os povos, os animais e flores dos sete climas: sombras.
O resultado da tua perpétua meditação: nada.

------------------------------


Os sábios e os filósofos mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância.
E, todavia, eles eram os luminares da sua época.
Que fizeram?
Pronunciaram algumas frases confusas e depois adormeceram para sempre.

------------------------------


Um pedaço de pão, um copo de água fresca,
A sombra de uma árvore e os teus olhos!
Nenhum sultão é mais feliz do que eu.
E nenhum mendigo é mais triste.

-------------------------------


Na terra matizada, caminha alguém
Que não é muçulmano nem infiel nem rico nem pobre.
Não reverencia Alá nem as leis.
Não crê na verdade. Nunca afirma nada.
Sobre a terra matizada, quem é esse homem triste e bravo?

------------------------------


Se quiseres ter a magnífica solidão das estrelas e das flores,
Rompe com todos os homens e todas as mulheres.
Não caminhes junto de ninguém.
Não te debruces sobre nenhuma dor.
Não participes em nenhuma festa.

-------------------------------------

Pobre homem, nunca saberás nada.
Não explicarás nunca um só dos mistérios que nos rodeiam.
Já que as religiões te prometem o Paraíso,
Toma o cuidado de criar um para ti, sobre a terra, porque o outro talvez não exista.

(Conheces algum viajante que tenha visitado essas regiões singulares?)





FUTILIDADES







Só o Agora existe
Porque é que me incomodam com futilidades?
Deixai-me estar


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AMOR ESGOTADO







A luz cruel do luar
Trazia consigo a tristeza
Da sepultura aberta
Para aquele homem
Que chegara ao termo
De quanto amor
Um jovem podia dar


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ESPECTROS NA NOITE




Espectros
Na noite –
A vida sossega


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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

POESIA ALLA PRIMA










Aos mais de 850 poemas que antecedem e que estão incluídos na ETIQUETA - INSTANTES (POESIA), chamo-lhes Instantes porque não sei que lhes hei-de eu chamar. Instantes, porque são realmente instantes, evocações conscientes, reais ou inconscientes, ilusórias ou fantásticas do “agora”, sem correcções de monta, preocupações estéticas, tentativa de agradar ou desejo de prestígio. Escassos segundos ou minutos de escrita inglória, bastas vezes “experimental”.

Fruto de Poesia Alla Prima: depressa e bem duas vezes bem. Depressa, sim, mas o bem... Enfim - pelo menos que me seja atribuída a paternidade da designação...

Poesia Alla Prima, que pode ser abraçada por quem quer que seja. E quem a ela se queira dedicar, deve escrever muitos poemas e com a rapidez que a espontaneidade requer. A poesia é de todos e não de alguns.



Poucos os irão ler. Mas que me importa? Que importância terá tal facto neste preciso momento ou decorridos que estejam quarenta ou cinquenta anos? No dilúvio final? – A mesma dos Instantes ou do passado: nenhuma.
E se nem um único leitor tiver? Melhor exemplo que o meu não encontro, já que também eu raramente os leio depois de os escrever, realizando esporádicos e inoportunos “aperfeiçoamentos”, se se quiser, “acabamentos”.
Eles são o presente em imersão constante no passado e o passado deve morrer para que o novo nasça constantemente. Também eles devem morrer.


E os próximos? – Não vejo que outra coisa possam ser senão Instantes e ao mesmo destino sujeitos.


Procurarei compilá-los, como tem acontecido com outros poemas e demais matérias em »
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O ÚLTIMO DOS NAVEGANTES DE SONHO




Costumava sentar-se nas rochas passajadas e batidas por golpes de mar Umas vezes tão terno Floco de neve nas mãos da criança marítima Outras violento soldado com a mão direita a tremer o gatilho da morte Só custa matar a primeira vez A partir daí matar e ver morrer a quem não se quer é tão normal e arrepiante como amar corpo que se não conhece
Parecia estar cansado da vida dos homens na marina-passadeira de pernas sapatos roupas de marca e sorrisos elegantes e asnáticos Raramente os olhava e quando olhava o seu olhar atravessava carne vísceras e ossos fixando-se num além indecifrável
Via-o do meu veleiro quando nas noites de luar preparava o aparelho para soltar as amarras da mente na vastidão das águas pintadas de escuro azul
O seu rosto era sempre o mesmo Rugas torneadas pelo sol da angústia leitosa Pouco lhe importava a ferida que o meu pesado patilhão abria no coração do mar fazendo-o sangrar As minhas velas lembravam-lhe as asas duma gaivota esfomeada
Nunca quis partilhar uma viagem ao mar profundo O seu olhar circular envolvia todos os oceanos com seus cabos tormentosos temporais e calmarias
Horn e Boa Esperança
Hoje não o vi
Dizem-me que morreu
O último dos Navegantes de Sonho
Reduzido a cinzas
Sepultado no horizonte do seu olhar
Ouve se me ouves
Partirei do teu lugar
Mas não morrerei em terra
Morrerei no Mar
E de todos vós
Que amo e amei
Vosso nome
A maiúsculas escrito
Na areia deixarei


MUNDO ÀS AVESSAS







Mundo estranho onde vingam os demónios enriquecem os ladrões com colarinhos brancos engomados patrões e outros diabos sem que sejam castigados
Quis ser como eles Enganei Furtei Os de minha raça maltratei Assim pensei receber a recompensa aos ladrões destinada num mundo virado ao avesso
Mas como a ti Luís Vaz de Camões Deus me castigou de tanta maldade quando pensava ser compensado e num mundo tão mal ordenado também para mim contrário ao esperado anda concertado




AS TUAS PALAVRAS FEREM




As tuas palavras ferem
São chamas que abrasam
Fogo que arde sem arder

As tuas palavras mentem
São cinzas que nas ondas vagueiam
E ao mar fazem doer

Os teus olhos matam
Ao mais furtivo olhar
Sem remorso ou piedade

E se assim destroçam
A minha ânsia de amar
Que finde já a saudade


CORAÇÃO INCONSTANTE




Cai o véu da noite na folha escrita de amor Nela escrevera o nome Dela
Olhos tristes como pétalas pendentes e folhas caídas
O amor tantas vezes jurado de mãos apertadas e febris era agora jóia furtada
Nascera quando a conheceu
Morria porque a perdia
Vendo que a não via
O vento cortante
O tempo quente frio
A clepsidra vazia
No beijo que se nega e não se quer
Fogo de amor nela extinto
Morria porque a não via
Mesmo sabendo
Avisado
Que no coração de uma mulher
Quer se queira quer não
Há sempre um qualquer homem
A ocupar o lugar
Por outro homem ocupado


QUE SABES TU?




Tu pobre criatura Que sabes tu? Que o céu é azul e o mar salgado Os átomos tão pequenos que os não podes ver A terra ora castanha ora verde é quem te alimenta e quem te há-de comer Que há guerra e paz ódio e amor fartura e fome alegria melancolia dor e tédio a cada amanhecer
Que sabes tu dos mistérios por conhecer?
Sabes agora o que saberás ao morrer




CÉREBROS TRANSPARENTES




Presa
A agonia
Os pombos
Voam

Nas sentenças
Se reconhece
O poder
Dos usurpadores

Com a morte
Diante deles
À beira da última
Embriaguez

As cabras
Apascentam-se
Nos cérebros
Transparentes


AFÁVEIS COMO VERMES




Folhas caem no pântano em Tróia
Cadmo à pressa se vestiu no sono profundo
Oh pára de falar dessas mãos de vento com quem conviveremos chegada a hora
As plantas altas de seda verde corroem os nenúfares dos cumes desertificados na manhã orgulhosa de bico pontiagudo
Os espíritos planam nas vias estranhas dos resgates das determinações lamacentas e inefáveis
E nós estamos aqui a reinventar a vida
Afáveis como vermes


CANTAI RAPARIGAS




Cantai raparigas
Cantai
Essa triste canção
Que um poeta
À morte escreveu

Dai-lhe vida
Dai-lhe a voz
Da mocidade e da alegria
Que o poeta está morto de vivo
E a morte não morreu

Acenai vossos lenços
Vossos braços
Vossa mão branca
Erguei vossos olhos
Às estrelas vosso cantar

Graciosas
Dai-lhe a vida
Que não viveu


COMPÊNDIO ESCOLAR




No compêndio escolar um beija-flor
À porta do bar
Um pinga-amor


LÍRIO DO CAMPO




O lírio do campo inclina-se sóbrio ao pinheiro nascido da rocha salteada de emoções e com as velhas raízes expostas na margem da lagoa seca
Um rio de lágrimas escorre da tua sombra que junto a mim alimenta corrente de tormentos pelo carreiro adventício das orquídeas selvagens
Na ramagem do amor que acaba em escuridão


A MENOS QUE SE FAÇA AMOR




As noites de Inverno
São tão longas e frias
A menos que se faça amor


O AMOR É SEMPRE VERDADE




Amei-te
Em sonho
Amei-te
Por toda a noite
Em dia
Já passado

Não sei
Se no sono
Te amei
Se foi na realidade
Que contigo
Privei

O sonho
E a realidade
Existem
E não existem
Mas o Amor
É sempre verdade


QUANDO O AMOR ACABA




Quando o amor acaba
Esse amor terno e vero
Rasga a escuridão do céu
Que o mar sangra
E faz sangrar o meu coração


NEM SEMPRE...




Nem sempre sinto saudades
Dos dias felizes
Corridos à tona de água

Quando as sinto
Fico triste como criança
Sem ninguém para brincar

Quando as não sinto
Mergulho em ácida melancolia
Em mundo que enfada


PINHEIROS SEMPRE VERDES




Os pinheiros sempre verdes
Contorcem-se no vendaval

Acenam-me com as suas mãos coloridas
Chamam-me Vem

Para sentir o que sentem
Quando se suporta um temporal


HUMILHADO




Humilhado nas colinas desertas Flagelado desde tempos ancestrais nos flancos do seu reinado
Demorara-se nas estrelas
Pingos orvalhados de luz a marcar compasso na composição celeste
As árvores olhavam-no com os olhos semicerrados enquanto a Lua deambulava quente
As rochas ardiam na confissão que às pacíficas nuvens faziam

Jovem rei de verso imperfeito a dividir afectos aos ventos do serão das noites frias de Verão
O ar fresco corria-lhe nas artérias Implacável era a chuva a tingir a terra de vermelho
Depôs a espada do ódio vencido pelos nevões amenos do poema
Viajou nu
Bateu às portas de todas as cidades com as lágrimas escondidas Nenhuma se lhe abriu
As pedras eram a sua leitura os trovões a lamparina e os seus ossos molhados a certeza da viagem no coração dos pássaros a rastejar no chão do espaço

Houvesse um deus e deixar-se-ia levar
Um promontório onde ficar
Asas para voar
Incerto no rumo triste do caminhar dos lábios a sangrar beijos


A TI TE ESCOLHO




A ti te escolho
Corpo e alma na lonjura
Recordação constante

Tu a que estás perto
E não desejo
Para ti guardo o esquecimento


O COCHEIRO DO INFERNO




O cabelo em desalinho da caminhada À porta da estalagem o Cocheiro do Inferno impassível sereno indiferente Seria a sua última viagem do dia maculado por torturas animalescas
Estava frio
Mas não tremia
Habituado que estava ao calor equatorial e aos gelos do árctico
Levá-la-ia
Uma estridente facada no coração
Desferida por cliente
Ocasional
Demente
Como todos nós


CORPO




Será que o meu corpo existe?
No teu esquecimento de mim
Poderá ele existir?


A MORTE É SEMPRE QUENTE




A Lua viaja no céu vazio Há pirilampos suspensos nas sombras Uma lareira com paus de pinho crepita no abrigo da montanha Há mantas desfeitas enroladas nos corpos sofridos de dois mendigos esfarrapados pela neve e pelo temporal Uma côdea de pão verde de mão em mão O lume arrefece Um dos pobres velhos adormece Não sonha O outro mais novo de longas barbas proféticas espreita pelo janelo a morte da luz a arrojar-se pelas pedras fúnebres do cemitério
Se morresse não teria frio
A morte é sempre quente


ORVALHO E GEADA




Tinha no rosto o orvalho das lágrimas
Vertidas na alma geada do vale


OS TEUS LÁBIOS




Não sei se os teus lábios
Nos meus colados
São sonho ou realidade
De quem pensa

Se são sonho
Que não desperte
Se realidade
Que o sono me não vença


O VENTO VEIO ELA NÃO




O vento cai na cama vazia Há luzes débeis no corredor antigo de tabique Os passos leves e ponderados passeiam-no em todos os quadrantes da alma Range o soalho gemente Os olhos da mulher do quadro espreitam a insónia da vontade que se alonga às praias distantes imersas na nostalgia de Outono Há pedaços de corpos objectos mutilados e a podridão da carne suavemente depositados na areia molhada de volúpia
O vento veio Ela não


O AMOR TERMINA...




O amor sempre termina numa noite longa de luar
Corpos celestes em brasa
Na despedida
Cobrindo as cinzas do passado


QUE O DIABO OS CARREGUE




Só a Liberdade e o Amor me prendem à vida
Poesia Pintura Música naturais extensões a enlaçar os meus braços ensanguentados pelo torpor inumano dos miseráveis de espírito
Abro um livro pouco lido do Poeta
Leio
Quem não quiser sofrer que se isole
Feche as portas quanto possível à luz do convívio
O convívio pardo filamentoso do arco de poeira negra de comerciantes industriais políticos e de tantos outros anormais deste mundo
Amantes do dinheiro
Prostitutos da riqueza e do poder
Falsos
Volúveis
Fungíveis
Espíritos imundos de consciência leve

Que o Diabo os carregue


RISOS DE CRIANÇA




Risos de criança
Abrem-se
Nas sombras das árvores
Recordando
As vigílias de fé
Torturante
Da idade das pedras
Ruivas
Sem nome

Pertencem
A uma instituição
Onde os orçamentos
São gastos
Em pó negro
Montes de areia
Uivantes
A clamar por corações
Sedentos de rosas
E frutos sinistros
Na luz de lanterna sombria
Espoliados

Afinal quem é ladrão
Dirigentes governantes
Que estão fora de grades
Ou os que estão na prisão?

Uma voz betumada
Sobressai
Esganiçada
Cana rachada
Nas gengivas em sangue
Escuro e agravado
Por aderências
Asquerosas
Seculares

E a voz absorvia
Os sorrisos inocentes


CULPA




Não me culpo a mim
Não te culpo a ti
Não vos culpo a vós
Dos pecados que cometi

A minha
A vossa
Qualquer voz
A que na minha alma ouvi

No fim
Haverá castigo ou perdão
Inferno
Compaixão?

Talvez haja talvez não

E se a houver
(ela a compaixão)
Se Ele a tem
Na concórdia do erro
Com a divina justiça
A Misericórdia hei-de alcançar
Daquele que o mal
Não distingue do bem


É PECADO AMAR...




Era a moça mais bela do povoado
Tinha asas desejos cabelos doirados
Não voava e os cabelos entrançava
Porque lhe diziam
Que amar era pecado


ANDA O LUAR DE ALDEIA EM ALDEIA




Anda o luar de aldeia em aldeia
Boca de luz prateada

Varre eiras
Verdes lameiros
Charnecas
Penedias
Vinhedos
Pinheirais
Vales e serras

Busca uma boca
Vermelha de mulher
Cansado de beijar a terra


É TÃO TRISTE O DESAMOR




É tão triste o desamor
No bolorento poente da vida
Em passos de mistério escondido

Na tarde de oiro
Palpita vagueando
De mão em mão
O velho coração de corda

É tão triste envelhecer
A mendigar com o olhar
A visão do Amor e do Mar


SEXO EXPERIMENTAL




A claridade da aurora servida numa taça de noite dormida em perfume de loucura
Na abóbada os astros já não se movem e o rio urinado pelos embriagados desagua no oceano o lixo humano que cambaleante e aceso de pó vagueara pelas ruas da cidade em busca de uma cama acompanhada
Os vagabundos da noite tropeçam nos seus próprios passos nas fêmeas com o cio nascido do tédio e da habituação São jovens Alguns mais velhos mas ainda com t....
Todos unidos no marasmo do sexo experimental


QUEM NÃO HERDOU OU ROUBOU...




Quem não herdou
Ou roubou
Se de justo trabalho viver
(ou da esmola de alguém)
Nunca há-de enriquecer

Mas se for jovem mulher
De perfeitas linhas desenhada
E com velhos se deitar
Logo se verá logo se verá


O MANEQUIM DA RUA DOS FANQUEIROS




O manequim da montra
Da rua dos Fanqueiros
Está quedo
Em soberbo fato

Cá fora em tom ligeiro
Tamborilando a cabeça descoberta dos passantes
Excedentes do emprego sem trabalho
Um breve aguaceiro

Uma lontra loira
Escorrega súbito
No passeio
Enquanto um careca
Protege a cabeça
Com um jornal enrolado

À porta da loja
Um vendedor baixo
Gorducho
Bem vestido
Engravatado
Alheio à vida
(não aos dinheiros)
Chama-nos –
Entre Senhor
Preços de crise
Aqui há sempre saldos


CARTAS DE AMOR



A erva morta
Agita-se à brisa
Que varre as faces da terra

Um rouxinol canta
Entre pingos de chuva
E raios de frio sol

Anoitece mais cedo
As estrelas não aparecem
E os teus lábios escurecem

As folhas das árvores
São as cartas de amor
Que nunca escreveste


O OCEANO É O TEU DESTINO




Voltara a ouvir a Voz
Clamava na noite dos espectros azulados acompanhada do rufar de mil tambores

Não te acorrentes a nada
A âncora é da palamenta a escrava das grades

Levanta ferro
Para Oeste

Nunca olhes para trás

O Oceano é o teu Destino
Naufrago Errante


GESTOS




Um insecto zumbe –
Muitos gestos
Para duas mãos


NA BAÍA DE BENGUELA




Adormecera
Na calmaria
Das águas plácidas
Da baía de Benguela

Sonho rasgado de saudade
Do agora velho soldado
Das terras de África ausente

À sua frente
No areal
A sua negra
Dentes alvos
Peitos hirtos e redondos
Olhos rasgados
Sorria-lhe amorosa
Dolente
Languescente

Desperta envelhecido
Esfuma-se a nítida aparição
Na face uma lágrima mordente

Se soubesse que sonhava
Nunca teria acordado

E a negra ainda na praia presente


ILHAS SELVAGENS




Existem Ilhas
Ilhas onde não há gente

Ilhas despovoadas
Selvagens

Civilizadas
Pelo vento quente de África


PARAÍSO ILUMINADO




O Paraíso à noite
É iluminado
Por pirilampos


OS MEUS ÚNICOS VÍCIOS




O Mar
A Serra
A Mulher

Nas páginas abertas do meu coração
Impávidas
Plácidas como noites de Verão
Estão escritos os vossos nomes

Ondas ligeiras cruzadas
Azul ultramarino e espuma alva
A adornar o navio

O cume aceso
Pinheiro silvestre alecrim rosmaninho
Cobertos de neve e gelo

Cabelos entrançados
A oiro e lírios ornados
Bocas rosa de meus pecados

Sois vós
Os meus únicos vícios


A VELHA OLIVEIRA




Amo-te
Velha oliveira
Retorcida enrugada
De braços abertos ao destino

Por meu falecido pai plantada
Também por ele amada

E tu
Meu filho
Quando eu fechar os olhos
Nessa noite de breu
Ama-a como teu avô a amou
Ama-a como eu


GRILOS NASCEM




Nas noites quentes
Os grilos nascem
Na horta do pátio


DIA DE MISÉRIA




Recitava em silêncio uma oração
Sentado nas ervas da orla do campo cultivado
Lado a lado com flores silvestres

Sonolento
Preparava-se para dormir ao vento
Garrafão de vinho novo ao lado
Por abrir

Era cedo para beber
Dos deuses a bebida
Deles preferida
E de si única amiga

A aldeia dormia ofegante
Entre postes de madeira

O galo ainda não cantara

Numa janela espalha-se uma luz
Alguém se prepara
Para mais um dia
De miséria


SANTO OU CHARLATÃO?




O mar rasgou-se
Há rajadas de alegria
Na magia incomensurável
Provocada pelo firmamento
Em movimento circular

As estrelas escrevem poemas
Cadáveres esquisitos
Orgasmos a residir na glória do relógio inerte
Da Casa dos Vivos e dos Mortos

Prémio
Ou
Castigo

As marés vivas sem nome
Arrastam para a areia
Longas cabeleiras entrançadas
Brilhantes obscuros de quem ignorou os auspícios proféticos de mestre Antão
Para uns santo
Para outros charlatão


TIA CÂNDIDA



Hora de vindima
Fruto espezinhado
No grande lagar de granito

Os mesmos pés que a vida pisa
Pisam agora os cachos
Com carinho

E tu
Minha tia
Minha mãe

Que da terra cuidaste
Como quem de criança cuida
Às agruras do tempo sujeita

Tão velhinha
Ausente
Desta tua Criação


CRI-CRI AQUI E ALI




Os grilos
E seu cri-cri

Cri-cri cri-cri
Ao anoitecer

Nas alfaces nas couves
Cri-cri

Cri-cri cri-cri
Até ao amanhecer

Nas hortas
Aqui e ali


ATÉ OS CÃES SUAM




Um calor insuportável
No hotel –
Até os cães suam


ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS




Um álbum de fotografias
A preto e branco

Eu tinha os cabelos loiros
Encaracolados

Meu pai ainda jovem
Cotovelo apoiado
Na perna suspensa em muro caiado
O rosto apoiado nos longos dedos
Príncipe encantado

Minha mãe
Magra loira linda
Beleza profunda
Em longo vestido cintado
Sorriso do mundo o mais belo

E agora
Eu Deus meu
Neste sufoco neste aperto
Envelheço
A branco e preto
E morro


BOCAS DE MULHER



Decido-me a olhar-te
Já te havia chamado à minha solidão
O meu desejo é seguir
Seguir sempre
Na viagem do próximo horizonte
Onde reino após reino
Bocas de mulheres
Me aguardam pacientemente