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OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

domingo, 26 de outubro de 2014

SIGO O MEU CAMINHO







sigo o meu caminho
atropelam-me 
vossos braços
pensamentos
fantasias
e invenções
vossas crenças
hábitos
abraços
mãos
e memória

querem que beba de vosso vinho
que caia nos vossos tentáculos
que me prenda às vossas cadeias
que convosco construa a história

a vida para vós 
é um castelo de cartas
soprado pelos ventos
vida de bens
projectos mesquinhos
ambições e tabernáculos
desejos insalubres
doentios
amarelentos

tudo se transforma num elo
em frágil vontade do momento
império que vedes e não vejo
vã esperança de tempo ido
preso às mais vis grilhetas 

imbecis e resignados
burros de carga
corruptos sem palavra
pantomineiros
invejosos
compadres do oiro 
e do dinheiro
ladrões 
abúlicos 
sevandijas
mentirosos
sendeiros
tristes bestas de nora
matilha de escandalosos
ratoneiros

sois vós sem vereda
sem vergonha
e sem verdade
vermes da peçonha
e da iniquidade
que vos quereis 
ídolos da humanidade


não      não é esse o meu caminho
não      não bebo do vosso vinho


não respondo a perguntas
não me justifico
não presto contas a alguém  
não confesso minhas faltas
vou volto parto e fico
comigo não vai
nem fica ninguém

não sou de parte alguma
sou daqui e de todo o lado
não tenho nacionalidade nenhuma
sou cidadão do mundo
que percorro andando
o meu caminho é meu
eu sou o meu trilho
nasci para morrer caminhando

as horas passam
eu envelheço
os meus cabelos são brancos
os tempos felizes da infância 
não voltam
ora me levanto
ora desfaleço
tenho sangue e lágrimas
nos flancos

não me acredito em deus
em anjos no demo
passo a passo desbravo
cardos e silvados
palavras gestos e actos

durmo num catre só meu
a nada nem ninguém temo
meu coração a espinhos lavro
recolho no meu ventre 
desvalidos e violentados
afogo na barra
bandidos e beatos


sigo meu caminho mar dentro
navego altivo e sozinho


tendes o vosso caminho
florido por perfídias
vós os quarenta ladrões
que vez à vez
ides à missa
tendes ilusões
rezais o terço
ides às procissões
viveis das vestimentas
das aparências
da toleima e da burrice
da hipocrisia
da impostura
do cinismo e avidez

tendes partidos
clubes
gurus
televisões
canastrões por ídolos
telenovelas
concursos e discursos
políticos ladrões
manhosos
cães raivosos
e uma bandeira
suja de sangue
dos famintos
e inocentes

sois covardes 
sonâmbulos e astutos
viperinos sabujos
vermes do poente

tendes filhos
fraca semente
futuro negro
que a si próprio 
se desmente

sigam-no vocês nessa planície
onde o traçaram na imundície
sigam-no vós gente demente 


eu sou apenas eu
não vos pertenço
não comungo do vosso pão
não vivo da vossa vida
tudo o que vos pertence
me aborrece
de vós não quero nada
que me estorve a passada


sigo o meu caminho
de mão dada comigo
sofrido     sozinho 

o meu caminho é meu
o meu caminho sou eu   

não me estorvem
não digam nada
deixem-me passar
que nesta estrada
vossos passos não cabem
e nela é meu lugar


não quero o vosso caminho
não bebo do vosso vinho
vou volto parto e fico
comigo não vai
nem fica ninguém





NA CASA DAS BONECAS



um livro com solenidade estirado na prateleira de pinho cor de mel        
de seu nome onde não há médico
fechado e ocioso tanto quanto eu        envolto pela aura pacificadora da casa pequena da aldeia        casa de inverno ou loja da burra como lhe chamo        a casa das bonecas como lhe chamava meu falecido pai

moscas desconcertadas poisam no meu corpo vivo quase putrefacto        incomodam tanto como gente e como a morte dos dias lenta e devastadora        na janela um braço amarelo estende-se até à casa vizinha de meus avós há muito falecidos        as outras ruíram ao peso dos tempos intragáveis deixando por testemunho fragmentos graníticos
todos os amontoados da minha infância agora diluída nos lameiros do vale tristemente sulcado por um ribeiro sequioso        
a igreja mesmo ali de mão dada com a capela do santo cristo no dia da sua festa estupidamente profana e burlesca

onde estão as minhas crenças de criança e os sonhos lívidos da adolescência
o credo inocente agitado em latim pelos lábios rosados        a fé do século
tão puro na alva branca        confirmado na missa incompreensível de todos os dias        anjos e arcanjos que vi e ouvi        o cristo que me sorria benevolente e compassivo da sua cruz de mogno 
a quem pedia desce tu para que eu possa subir
minha madrinha que na testa me fez o sinal da cruz        maria a virgem azul celeste        minha madrinha a mãe de deus e josé o patriarca meu protector        josé e maria        o sagrado coração nas mãos bentas e calejadas do carpinteiro de almas
josé maria
livro de horas      saltério      vésperas      terço
fé esperança caridade e amor tanto a beijar terra e céu unidos a queimar o rosto do sol abrasador do inferno do verão

penso nisto tudo
onde não há médico
onde não há deus        o deus que matámos     que se suicidou no mosto da alegria     deus que amámos e não amou     fonte que se esgota na fé que fenece dia-a-dia a cada jorna em cada eucaristia
fé razoável        patetice teologal





O VELHO POETA



as mãos minerais do velho poeta
ressoavam na noite
havia esgotado as palavras
as afeições      os livros
restava-lhe o degrau da escada mística onde repetia
com devotas carícias
os versos mais antigos





A TERRA DOS MORTOS



cinco cedros guardam a terra dos mortos        o cemitério fica a meio do caminho das duas aldeias da freguesia      os portões de ferro têm hoje um louva-a-deus por fechadura
tão belo na sua cor verde nos seus gestos piedosos

poucas são as moradas nuas        grande parte de granito cinzento        também as há de rosa e preto praticamente todas cobertas de lápides e flores artificiais        a lengalenga das inscrições tumulares      frases estereotipo do amor na morte a ocultar o ódio da vida        

depois de mortos são todos santos nas suas auréolas de lágrimas ocasionais

uns tantos jazigos      o do velho desembargador todo trabalhado e com um barrote cortado a servir de tranca à porta      um outro recentemente construído da família teixeira aguarda pacientemente pela morte de algum deles provavelmente uma táctica odoriquiana para prolongar a patética existência      a ilusão da continuidade da matéria em decomposição      americanices      casinhas de brincar aos esquifes

vejo as fotografias      leio os nomes      em mais de metade das campas corre o meu sangue ainda que em putrefacção      tenho família nas duas aldeias
rememoro as vidas os momentos as palavras as ensinanças
o bom e o mau      o tudo e o nada
corpos corroídos pelos exércitos de vermes da indiferença
não há matéria mesmo indigesta que os esmoreça 

um primo da cidade quando vem à aldeia vasculha as campas muda flores das ricas para as vazias      dizem que enlouqueceu      julgo que não     ele conheceu-os      pelas suas mãos faz-se a justiça aos mortos que a não tiveram em vida 
as rosas de plástico alegram aquela paisagem macabra a que falta a nova tecnologia de comunicação      redes sociais ou espíritas astrólogos e videntes dos programas bichosos das manhãs televisivas
sou da velha guarda      nada de modernices      na mente guardo as imagens no coração os afectos nos olhos as lágrimas
e nada de lamúrias






DOENÇA DA ALMA



não gosto de labregos pategos asnos      irritam-me os sendeiros nos cafés na venda da aldeia berrando como bodes ao compasso das cartas de jogar e dos copos cheios e por encher de vinho reles        abomino políticos e o hemiciclo bolorento      homens de são bento advogados magistrados imberbes       tudo o que sejam ladrões encartados e por diplomar            o ás de copas o trunfo de paus o duque de espadas os médicos essa corja de cangalheiros os padres a corrupção e a mentira os concílios o vaticano
gosto de mulheres dos vícios e do delito que não é pecado da serra do mar dos que vivem e sofrem neste mundo tão mal arquitectado

dança do espírito      gostar ou não gostar

não posso suspender as minhas preferências como quem abandona a casa paterna o porto seguro da inquietude a protecção do medo e do conflito      aniquilar os mitos e os condicionamentos despedaçar o inconsciente

esta a doença da alma de que nem sequer conheço a existência

terei de a buscar incessantemente como um anel de noivado em gigantesco fardo de palha

negar a vida para percorrer a via      repudiar os hábitos limosos de séculos renunciar ao convívio e à visão das mil e uma coisas
não é certamente este o húmus que faz frutificar os pomares da iluminação

entender as dez mil coisas na sua essência      aprofundar o seu sentido       
as águas dos oceanos escondem riquezas incontáveis seres nunca antes vistos sereias e monstros marinhos
as montanhas vivem ao sonido das estrelas das constelações entrançadas na estrada de são tiago dos cantares claros das cascatas
montanhas onde nasce a seiva dos mares





O MEU REINO POR UM ALMUDE DE VINHO



festa na aldeia        

a banda desafinada encharcada em cerveja 

povo que ri dos outros e de si        povo vegetante     labregos em círculo como nos filmes

estou exausto      alguns minutos bastam-me      cerro os olhos tapo os ouvidos com as mãos mortificadas afasto-me da trágica cena        sozinho

o meu reino por um almude de vinho





LEITO DE SERRA NEVE E VENTO



o céu esteve cheio de nuvens      à tarde o sol apareceu queimando tudo à sua volta      ocupei-a a tratar da casa de inverno      granito e pinho      lenha para a lareira para as noites longas e melodiosas da invernia aconchegante      o frio dói e ama      amante perfeito do espírito silente em leito de serra neve e vento





MORTOS QUE SE VINGAM



vivos que morrem
mortos que se vingam
nos sentimentos de culpa
do passado
aves que cruzam os mares
as que planam nas altas montanhas
e a cidade empedernida
louca e entristecida
chora-os na resignação terrestre
nos escombros mesquinhos
palavras a sangue arroteadas
tédio interminável da melancolia





QUE DIFERENÇA PODE HAVER ENTRE O CÉU E A TERRA



que diferença pode haver entre o céu e a terra
      
para além das nuvens das estrelas e das galáxias sentar-se-ão os deuses em tronos adornados às cores magníficas da luz

reis deste mundo e reis do céu

mundo de contradições ilusões farsas delitos hediondos medos frustrações ódio e desejos sem fim        mundo de incertezas

céus de paz beatitude amor e certezas

guerra fratricida do impermanente com o que permanece
se nem a favor nem contra nada céu e terra não terão fronteiras

devo entender que não havendo preferências a realidade será sempre a realidade quer na sua aparência quer na essência      e vê-la tal qual é nasce do mais profundo do meu ser atormentado por espectros malignos        a neblina do espaço e o musgo avermelhado do tempo        a angústia da causalidade e o temível porquê        infantilidade crispada na mente aos primeiros passos ziguezagueantes 
o reino dos céus está dentro de nós        aqui nesta terra no nosso corpo que é o universo inteiro





ANTES RÉU QUE JUIZ



antes réu que juiz
espinho que rosa
tempestade que bonança

em cada noite de insónia
um último poema      digo
nem sequer sou poeta
a noite arde
na janela aberta






TERRA NUA



terra nua      febril      
em imóvel oração
a dor é o pão
de cada dia 
do destino
lá fora está frio
há raiva e amor 
no campo limpo e
nos espíritos por limpar
alarga-se o passo
nos soluços da visitação
chovem tições de vinho
aves do paraíso
graça do rio dourado
nas asas do meu caminho





MORRER É...



morrer é ter vermes nas entranhas
demónios nos olhos
terra nas mãos gretadas
nos membros ampulhetas azuis
um mar de espinhos no peito
um leito
um lugar de eterno descanso





INCENDEIA-SE O SOL



incendeia-se o sol nas
ervas que sangram
naquela zona sombria
onde a carne se decompõe
e o espírito com suas garras
se sustém
com nobreza e altivez
na agonia dos séculos
inundados pelas 
encardidas chuvas de outono





O TEMPO DEIXA OS SEUS PASSOS



o tempo 
deixa os seus passos
na areia vermelha
do desespero
escurece os que padecem
extermina os receosos
confunde os que se lamentam
assombra os medrosos
mata os que amam





HÁ GENTE EM QUEM NÃO SE PODE CONFIAR



factos 
há gente em quem não se pode confiar        ervas daninhas que minam a ceara      vendedores de afectos      a voz melosa na saliva envenenada        niilistas arrebatados pelo seu próprio voo      circuncisos da verdade afogados pelo cinismo em águas que tudo lavam menos as línguas pelo esterco afiadas
gente cobarde
que mata pela palavra e não à espada

seta alojada no ventre do diabo





OS FIOS DA NOITE



os fios da noite
percorrem os meus pulsos
o arquejo da respiração
e pousam crus
nos meus ombros 
nus





ETERNO AMOR



o carinho das
rimas matinais debruça-se
nos corredores secretos da mansão
um beijo de lágrimas invade
a memória enevoada da retina
repleta de projectos divinos
tão altos e alados
como sangue em suspensão
que mesmo ferido de morte
canta no tempo parado
o eterno amor





O AR ACENDEU-SE



o ar acendeu-se
chispas por 
todo o lado
o céu escureceu
além das claras janelas

de novo
a minha alma solitária
prepara a partida
um novo passo

a cada partida
renasce o coração de aço





A VISITAÇÃO DA ALMA



se entender o mundo esta terra violenta aguerrida grotesca e impermanente      se ele nada mais for para mim do que simples coisa que nasce e morre como gente sofrido ou em plena calma
dar-se-á a visitação da alma
aí estarei contente      um contentamento que permanecerá constante      forte como o amor      puro como quem deveras ama e constante como quem conhece e sente

orion a mais bela das constelações
le solitaire o veleiro de todos os mares e tormentas
quilha corrida em rumo certo      mais espírito do que o humano      as coisas também têm vida mas não têm opções porque são coisas e vivem na alma de quem as compreende na sua essência mais profunda
pouco falta para a partida
um só no grande mar oceano





NO BOSQUETE



no bosquete

a sombra de cada folha
vigia suspensa
o azul do firmamento





NO CAMPO DAS CRIANÇAS MORTAS



arestas doiradas das armas
no campo das crianças mortas
adaga com que matas
a inocência que a ti sobe
olho-te        vejo-me
sem serenidade nem esperança
floresta desertificada por línguas de 
fogo bifurcadas
sílabas de fumo nas ramagens secas
espoliadas da seiva secular 
nem os cabelos 
como lírios de prata te alcançam





CONVERSÃO



convertido
queimaste a madeira 
do ídolo

fazia frio

os mesmos monges de sempre
a mesma palavra

camponeses silenciosos
com os bois vestidos
transbordam de madrugada

o sabor da 
terra alterou-se
eiras vestidas de carmim
e as raparigas
os cabelos apanhados em espigas
as pulseiras de cetim

convertido
queimaste as ruínas
morreste para a vida
nasceste das cinzas





O TREM TARDA



um homem com 
a bagagem às costas

o trem tarda
que importa

a vida real
não marca horas
não se atrasa nem adianta





OS MEUS MORTOS E SEUS VIZINHOS



corre um silêncio pela aldeia        uma brisa ligeira traz-me as horas do relógio da torre da igreja sempre oportuno
os cães já não ladram e os habitantes velhos e exaustos adormeceram há muito        passeio-me pelos luzeiros que se debruçam na varanda púrpura das nuvens deixando-me embalar pelo canto das cigarras e dos grilos        cantata minimalista dos simples a contrastar com o preciosismo de bach que ouço enquanto a insónia não mergulha nos montes        a paz instala-se no cigarro de todas as noites teimosamente sorvido

a madrugada vem medrosa e carente e um dos loucos da aldeia meu velho amigo da infância e da adolescência canta glórias e aleluias a caminho do cemitério      passa das quatro     sua hora de visita aos nossos mortos

penso na vénus de botticelli        agrada-me a presença da sua imagem sem a desejar
a ausência de anseios faz germinar o deleite da beatitude
penso        penso também se não será a paz que faz cessar os desejos        seja como for
o zé já estará a rezar no cemitério percorrendo as campas nuas e as empedradas      sortido de inscrições lágrimas e falsidades        reza aos seus mortos e aos dos outros como cava nas noites de luar os arretos deste e daquele

um destes dias irei visitar os meus mortos e seus vizinhos





FALO COM AS MÃOS



falo com as mãos
unhas que são garras soletram 
os ossos
dos afogados

com os meus dentes
lavro a terra que arde
nas profundezas da alma

na orla dos rios
recolho flautas      túneis dos canaviais alados

na berma dos caminhos orvalhados o degelo das lágrimas da orfandade





PAÍS DE CINZAS



país de cinzas convertido à loucura da ganância
exaltação de passado andrajoso        jamais apagado dos costados dos negreiros

ovelhas tresmalhadas num mar de oiro falso e especiarias em chaga
os lumes apagam-se nas salamandras da penumbra

um tresloucado percorre a viela cantando glórias e aleluias        coágulos de penitências ocultas

os carros dos emigrantes de barrigas lustrosas pavoneiam-se pela aldeia

o povo calado e os governantes a banhos nas praias do malogrado império
agosto é mês de miséria





A DOR DA FERIDA



a dor da ferida 
que rasga 
o teu peito

o sofrimento
que deus te deu
é teu
é meu





ANTILIBERDADE



o corpo amanhece trémulo
renascido para a dor e para o luto encarcerado no olvido

a montanha mais alta a meus pés
repartida como o pão doado aos pobres na serenidade luminosa da antiliberdade

lisboa chora os anos passados        hoje carrasco amanhã vítima

o rio enegreceu ao rufar da cobiça





NA AVENIDA



na avenida
árvores de lábios rasgados
o bom vento lateja nos primeiros raios
nos pulsos cortados das vísceras massacradas pelo destino
o infinito nada acorda do seu sono exemplar        ergue-se na sua morada
pés em terra nunca antes pisada
o mistério da vida na cobiça da sua sombra esquecida





VIDA SEJA DADA AO UM



escolher porquê e para        aprazem-me as folhosas seculares os campos ardidos as montanhas despidas o mar revolto nas suas afeições incompreensíveis        repugna-me o madeirame do lucro fácil       causam-me asco as casas que deformam a paisagem      galinheiros coelheiras roupa velha nos estendais e à mesa        pátios do nojo cobertos de ferro e desperdícios imprestáveis

a paisagem é um todo mal-encarado      caninos corroídos nas bocas ulceradas      as mãos da raça infectaram-na com o seu habitual mau gosto      pouco escapa à sua estupidez curtas vistas e cupidez natural        a criação vertida nas línguas asquerosas e maldizentes de povos que inventaram deuses anacrónicos e rasteiros

para quê escolher ante a destruição massiva da beleza original        nada de contradições      abaixo o mental antes o sacrifício da soledade afectuosa      que morra o livre arbítrio      inconsciente ao crematório e as damas ao bufete

que interessam ou podem interessar as minhas as vossas opiniões ideias fracassos preconceitos projecções o bem edificado nas raízes do mal e o mal vertido em mescla de betão nas fundações do bem

a realidade é o que é      a árvore verde e copada      a casa branca da colina é rectangular e o porqueiro está imundo e fedente porque não é domingo

a ética infecta contamina o que é      diz-nos fugi do mal e guardai o que é bom na arca doirada das benesses furtivas das divindades inventadas em papel de seda enrolado em patriarcas emprestados como se a vida fosse uma partilha de duas courelas demarcadas por cruzes ou por um qualquer rego de água conspurcada 

nem raiva ira ódio afecto ou amor        esse amor falso e repelente que é negócio contrato obrigação      amor de ilusões e contrapartidas        amor nenhum

que morra o dual
vida seja dada ao um





LÂMINAS



lâminas que cortam o gelo de uma vida consumida
o muro caído        a casa em ruínas
os filhos que a morte comeu
a velha mulher que se pranteia no regaço
de passado miserável
e a cotovia que apaga o rancor das manhãs
canto sonhado na triste alegria do despertar