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OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

sábado, 17 de setembro de 2011

À FLORBELA ESPANCA




















Chove
Já é Outono
Os campos tingem-se de canela

Uma fotografia
Antiga
A sépia do tempo
A Dela

Nunca te vi
Não te conheci
Apenas o que escreveste
Ávido li

E voltei a ler
(quantas vezes te reli)
E a cada nova leitura
No medo da noite profunda e escura
Adormeci em tua Alma rubra
Com vívida fotografia
A meu lado deitada

Nasci
Não recordo
Mas devo ter nascido

Tu morreste
Antes de eu ser gente

Agora
Olho-te
A face branca
Olhar penetrante
O colar pendente
A fina mão
Em macia invocação
Súplica
De coração em chama
Lábios doados
À Paixão
Em vida ausente

Como te quero
Alma que meu peito encerra
Em túmulo eterno
Diz-me de tua voz
Que o Amor vivo
Que ofereces
Tão real tão ardente
A mim me pertence

Como te quis como te quero

Nos dias em que a Dor me fustiga
Sinto a tua presença
E almejo Amada
Um Amor divino
Tão forte como a própria Morte
E se porventura acharem que louco estou
De irremediável loucura
Direi –
Sim estou
Louco de tanto te amar
Louco de Amor

Olho-te com ternura
Vivo em ti dentro de mim
Apaixonadamente
E se alguém
Alguma vez disser
Que se não pode
Que é impossível
Amar assim tão perdidamente
Morta que se não conhece
Mente certamente
E se não mente
É porque já nada sente














terça-feira, 6 de setembro de 2011

VIVER DE AMOR




Mais uma manhã tardia a admirar os compradores do mercado cinzento Neblina matinal e frio húmido
Encostados às paredes marmóreas e coçadas do café Bugio íamos alvorecendo lentamente entre monossílabos e escassos ditos arrojados ao encontro das janelas ao abandono cerradas
Alguém articulou uma ou duas frases esbranquiçadas acerca da morte como quem refere pernas esbeltas em curtas saias rodadas a esvoaçar à brisa favorável ou o verde das hortaliças frescas e asseadas ou o aroma do peixe de olhos esbugalhados das bancadas do primeiro piso a devastar as narinas das jovens criadas violadas pelo eflúvio do tabu e pela sudação sováquica dos amos excitados à vista de pasto tenro Bancas pétreas e algentes do pão nosso de cada dia para uns e da abastança para outro tipo de gente
Convivíamos quase quotidianamente com os carros fúnebres e lúgubres ataúdes gatos-pingados viúvas de branca face em invólucro negro a desmaiar ao som do Requiem de Mozart mães e pais de jovens destroçados em campanha nacionalista do sem-sentido ornados por bandeiras verdes e vermelhas Homens de farpela preta consumidos por cigarros sucessivos (naquele tempo era de homem fumar e esfumaçar não matava) noite fora na Capela da Misericórdia com o deleitável jardim envolvente antecâmara da viajem gratuita para o Paraíso que morava uma rua acima Aí havíamos brincado com pobres mas coloridos bibes às guerras e às mortes reinando sobre todos os mistérios Os tempos haviam mudado As mortes eram fiel acompanhamento das horas a morrer Uns iriam para França ou diziam querer ir para não abalar para o quente inferno do Ultramar Outros a querer voluntariamente partir perseguindo uma Cruz de Guerra de 1.ª Classe ou podendo ser a Torre Espada com Palma honrada com transmissão televisiva a 10 de Junho
Ele era como todos nós
Dezasseis anos talvez
Eis que magistralmente diz –
Já posso morrer
Pouco me importa
Não me assusta a dor
Posso morrer
Já fiz amor
Olhámo-lo assim como que dormentes Fitei-o nos olhos negros luzentes Alcancei em parte o leito de sua alma Não queria morrer sem o fazer sem construir a cúpula do júbilo e do prazer Do modo como o fizera poderia partir sem medo sem condecorações
Passaram-se anos tantos anos desvarios erros pecado luxúria delírios lascívia e desacertos Agora entendo-o
Para viver é urgente Amar
Só aquele que ama vive
E existe
Sempre
Sem cessar
Viver é Viver de Amor
O Amor presente
O Amor sempre
E assim
Viver para amar
Eternamente


sábado, 3 de setembro de 2011

O MEU QUERER




Quem amar quer
Nada mais poderá querer

Se o Amor não prende quem quer
Mas a quem se deixa prender
Que tudo morra em mim
Menos o meu querer


AS ROSAS CHORAM




Também as rosas
Choram e padecem
Quando o céu desce às árvores
E o verde musgo brilha
Nos teus olhos


DA NATUREZA DAS ALMAS




Há almas brancas macias imaculadas
Irmandade dos Impolutos
Há almas negras escuras negrume
Da sujidade
Há almas cinzentas com lágrimas dentro
De luto
Há almas boas sensíveis amáveis
Compassivas à dor
Há almas pérfidas pouco amigáveis negociáveis
Do desamor
A minha
(julgo eu)
É assim-assim
Listrada a verde e a carmim


IGNORÂNCIA




Falava e dizia
E teimava
Que tudo sabia
Mas do que falava
Pouco ou nada
Se aproveitava


EXTREMA-UNÇÃO




Dá-me a Extrema-Unção
Sei que estou vivo
De saúde aparente
Mas quero morrer hoje
Hoje mesmo
Para amanhã
Nascer de novo
Alegremente


VENTO QUE PASSA




O vento passa e sorri
Geme ruge ri

Arranca das árvores os braços
Das portas os baraços

Destelha casas e currais
Faz as velhas dar ais

E por rezas do Bento
O vento veio o vento vai


QUERO IR PARA O CÉU...




Diz-me Avó
Onde está o Avô
Que já comigo não brinca
Ó criança encantadora
Já cá não está
Morreu sabes
E numa barca ornada a oiro
Partiu para o Céu
Onde brinca com Jesus
Com sua mãe Maria
E seu pai José
Volve a criança
De loiros caracóis
Se assim é
Deixa-me ir também
Para o lugar onde está
Porque aqui na terra
Já me aborrece brincar
Com esta gente sisuda e má


DOBRAM SINOS




Dobram os sinos Senhor
Chamam-nos Zacarias Ezequiel Jeremias Job e Isaías
Na agonia gemente
Das crianças sem baptismo
Que são Ser e Gente
Nem crente nem descrente
Que à fome deixamos morrer

Dobram os sinos
Penitentes
E com gélido sorriso
Em vendaval de sangue
Abrem-se as Portas do Paraíso
Às almas de luto vestidas


BOCAS RUBRAS





Bebamos a Vida
Em cálice doirado
A tua boca de canto
No canto da minha boca
Nossas bocas rubras
Juntas
Delícia e encanto
De vozes surdas


AMOR ELEITO





Eu quero amar
Amar suavemente
O Amor amar
Amar sempre

Com todo o meu Ser
Penetrar a tua carne
Chama viva da Alma
E ter-te e ter
O teu corpo perfeito
Nesta tarde calma
Neste Amor eleito


BOCA DE MULHER







Envelheço
E à noite
Sinto saudades
Estupidamente
Da mocidade
Dos amores juvenis
Impulsivas paixões

Triste
Penso
Que se voltasse a amar
Uma boca rosa e breve
Com milhões de beijos
Hoje a teria ainda
Porque a boca de uma mulher
Nunca deixa de ser linda




A MINHA TORRE




Quero uma Torre
Altaneira
De grandes pedras armada
Com janelas
Para o céu viradas
Onde só entre
Quem sentir e conhecer
A palavra Dor
E também
A emoção do Amor
E se não houver quem as sinta
Quem delas nada souber
Que então
Não entre ninguém


MIRAGEM DE AMOR




Esperei no mundo ver-te
Sulquei mares
Cavalguei continentes
Terras estranhas
Estranhas gentes

Pensei ver-te
Mas não
Tu foste sonho
Foste miragem
Névoa a esfumar-se
Na ilusão
De brumoso horizonte

Continuo a procurar-te
Ora doce e esperançoso
Ora amargoso e duro
Sabendo que não irei achar
A que à luz do mundo me trouxe


PELO AMOR LAVRADA





De madrugada sonhei
Com a tua pele
Macia de menina
Com a tua face cinzelada
E cintura fina

Mãos frágeis
Boca de mil beijos
Apaixonada
No leito de alabastro
Pelo Amor lavrada

Sonhei
E ao acordar
Vi-te deitada
A meu lado

E vendo
Que ainda sonhava
Por te tentar acarinhar
Não te encontrando
A tua falta chorei


LIVRO DE AMOR




Um Livro de Amor
Aberto no aroma
Das tuas mãos de marfim

Li-o alto em mim
Em horas de ardente febre
Passos dados no destino errante

Li-o em ti
Virgem doirada
Que na amargura
O Amor vesperal inflama

E se nas mesmas palavras
Não estão os mesmos corpos
Decerto está idêntico destino


BEIJO-MEL




Gosto da neve que cai a agasalhar suavemente as vidraças do quarto quente
Do teu corpo desnudo nos meus braços de Esperança
Que cinges com esses dedos delicados
Doces e magoados

Juntos bebemos a nostalgia do Céu
As ondas vencidas pela amurada inerte
O beijo-mel dos astros radiantes
Nos lábios extáticos em cruz

Gosto do teu coração a palpitar
Da tua Alma
Luz de calma lagoa
Gosto e gostarei
Do redondo de teus gentis seios
Pousados no meu peito amado


CIÚME E PECADO




Noite pálida de Outono
No meu peito o teu coração repousa ao luar
Passos de Deus a caminhar
Por campos lavrados

Ponho-me a cismar
Enquanto teus lábios observo
Quantos homens não beijarei
Quando a ti te beijar

E penso
Poisando de leve minha mão
Nos teus olhos adormecidos
Que de Alma tão casta

Apenas brota pureza
E só pode ser falta ou pecado
O ciúme que sinto
Do teu prazer passado






A CRUZ DA AGONIA




Construíra castelos em ruas ermas Torres nos atalhos Ermidas nos outeiros
Com a alma em cinza
Dolente pela atroz ausência
Da para sempre Bem-amada
De olhar enlouquecido percorria as veredas melancólicas da saudade mortal
Procurara-a nas areias doiradas de inóspitos desertos nos jardins em flor nas florestas virgens nunca antes por humanos visitadas mosteiros e conventos
Ela o fulgor da aurora deixara no infinito a sua sombra a benção de seu perfume na morte penitente do riso
Ele ficara na penumbra do perfil altaneiro a gelar a imagem do sonho desfeito
Apoiado na Cruz da Agonia


DEUS NOS UNIU




Como sorriem teus passos nas escadas de mármore Carrara do Palácio do Diamante
À porta aguardo que me digas como é divino o nosso Amor
Deus o sabe
Deus o criou
Pelos carreiros luzentes do mundo caminham estrelas de puro cristal dando-se as mãos
(as estrelas também se amam)
O frémito de nossos corpos indemnes silenciou o Universo
Que sua Alma às nossas acasalou
Deus o previu
Deus nos uniu


DE QUE LHES SERVE VIVER?







As estrelas apagaram-se
O Sol inunda as rosas desfolhadas Os homens levantam-se arrastam-se na estrada vazia e suja tais vermes torturados pelo peso das nuvens a enegrecer
Dor sem sonho
Dor sem amor
Pergunto-me sonolento
De que lhes serve viver?






BAMBOLEIO




Desces
Ora desdenhosa ora lassa
Em imodesto bamboleio
Corpo voluptuoso
Perfeito
A despertar anseio
Nos olhos vibrantes da praça

Vaidosa
Soberba
Orgulhosa

Os seios quase descobertos
Oscilam
Como membros erécteis

Corpo apetecido
Que nunca será
Verdadeiramente amado
Antes usado
Como um qualquer objecto


AMOR QUE SE OFERECE




Na escolha
Em curta vida
E longa esperança
Enquanto busca

O amor que lhe apetece
Adoece a alma
Que não encontra o que deseja
E se aqui o amor teme

Ali espera o que a mata
Mais lhe valera
De tão cansada

Amar o que se lhe apressa
E entre verdes e macias ervas
Se lhe oferece


IMPERFEIÇÃO




Se o teu amor é perfeito
E a ele me sujeito
Perco-me e sofro
Porque de todos sou
O mais imperfeito


AMOR NU




A neve caía
Aves brancas no Céu nascidas
O desejo ardia
Nos corpos nus

Que o gelo derretia
Se os olhos nada valem
Aqueles olhos
Ora verdes ora azuis

No meio da terra nevada
Eram espelho do coração selvagem
Do juramento da amada

Que se jura mente
Amor despido
Em alma cansada


ROSTO SUAVE DE AVELÃ




Rosto suave de avelã
Corpo a lavar no rio
Doçura da água corrente
Voz do Amor ausente
Na lã velha
Mil vezes à mão esfregada
Nos gestos brandos
De quem por ser pobre
Não sabe que é amada


TEMPO PERDIDO




Foram tantos os anos
Que juntos passámos
São tão poucas as lembranças
Do amor que o não era

Pergunto-me hoje
Nesta manhã cinzenta
Em que nada sinto ou lembro
Se o que dói é ausência
Ou tempo em vão desperdiçado


A QUEM AMA MARIANA




A quem ama
Mariana
Ninguém o sabe

Amante de amor
Não encontra

Não fora ela assim
Esquiva
Altiva
Oscilante
A mim me teria para sempre


OLHOS QUE FEREM




Os teus olhos ferem
Verdes implacáveis serenos
E quando mentem matam
O coração azul despedaçado
Pelo verde-traição


PEDRA FRIA





O corpo dela
Branco e sereno
De marfim
Jaz em profunda sepultura

A seu lado
Sentado na pedra fria
Em magoado apertamento
Aguardo o fim do Tempo


SUSPEIÇÃO




Suspeito
E não sei
Se esse teu olhar
É de amor
Ou traição


ONDE ESTÁS ALMA DESERTA?





Como eram graciosos e brandos os teus gestos Melodiosa a tua voz As tuas palavras lírios Os olhos negros macios
Fui eu quem em sangue vivo de Amor te desvirginei O primeiro corpo fervente que amaste nos dedos longos da descoberta
Onde estás Alma Deserta?






PELE MACIA




Pele macia
Que minha mão toca
E meu coração esfria


FITZGERALD E OS CHIFRES





Fitzgerald escreveu
Malditos sejam os que dizem mal das mulheres Que não matam não traem não odeiam são fiéis escravas de seus amores e mães de todos os homens Malditos sejam
Esqueceu o Conde a mulher
Que no coração
Dois chifres lhe meteu


NÃO ENCONTREI BELEZA COMO A TUA




Não encontrei palavras para a tua Beleza
O nenúfar brilhava ofuscante
No puro vinho voavam os Espíritos do Gáudio
Madressilva ornava as janelas
Vieram grous e cisnes
Das urzes floresciam perdizes
A noite cantava com a chuva cristalina
À terra encantada sem nevoeiro
E à Lua camuflada
O mar sulcado por barcos doirados
Mas
Não encontrei Beleza como a tua


SOU ELA




Levou-ma
O Fado cruel
Fria
Em mármore
Deitada

Sem Ela
Já eu não sou

Desventurado corpo
Sem vida
Sem mácula
Sem sangue
Coração parado

Em pano
De fino linho
Levou-me
A Alma

A dela
No meu peito
Dorido
Para sempre repousa

Já não sou eu
A minha alma perdi
A dela tenho
Já eu não sou
Sou Ela


NUNCA TE ESQUECI




As minhas mãos procuram-te
Macia pele de meus beijos alienados

Nunca te esqueci

Nem o louco desejo
Olvido por pouco que seja

E se em ti
A saudade é dor

Lamento-te sem panaceia
Ave de amor magoada
Lírio a murchar
Aos pés do Calvário
Vida do amar alheia

Lastimo
O mal que te fiz


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

OS OLHOS NÃO ENGANAM




Queima os meus versos
Não os leias mais
Que versos são palavras
E as palavras demais

As palavras mentem
Dizem querer o que não querem
Os versos enganam
Dizem amar o que não amam

Fixa o meu olhar
Espelhado a lágrimas
Vê como fala verdade

Nele não há falsidade
Erro engano maldade
Porque os olhos raramente enganam
E se mentem não olham


NÃO SEI DE QUEM SOU




Não sei de quem sou
Se sou de Alguém ou
Se de ninguém sou

Fez-me o Destino errante
Viajante de vastos amores
De chama viva
Em alma ardente

Moro no meu coração
Na verdade e em quem mente
Com o amor a caber na palma de uma mão

E se não sou de ninguém
Com alma tamanha
Sou certamente de toda a gente


POR UMA NOITE SOMENTE




Não sei com quem
Te deitas

Pouco me importa
Com quem dormes

Não sei como te sentes
Nem se me mentes

Se em segredo tens prazer
Ou dor e tristeza

Se a visível pureza
É meramente aparente

E a tua leveza
É pecado indiferente

De quem ama gente
Sem gente escolher

Não sei
Não quero saber

Quero-te por uma noite
Desnuda
Plácida servil amorosa

Por uma noite somente


MORRER NO MAR




As ondas crescem
O mar revolto
Faixa negra no horizonte

Ao leme ao leme
Gente
Não há braço que aguente

Riza a Grande
Recolhe a Giba
Iça o Estái

Estalam chicotes
Na espuma desfeita
A morte espreita

Força ao leme
Diabo
Proa ao vento
Prepara a Capa

Desabam cristas
A meio-navio
Há mar fora
Há mar dentro

Medo
Orações caladas
Balbuciadas
Ais ao vento Norte

Montanhas de água
A desabar no convés

Patrão veja
A escota ensarilhada
A Grande rasgada
O Estai de viés
Que Deus nos proteja
Já vejo a Morte
De azul vestida
De escuma ornada




SEGREDO DE AMOR




O Segredo
Do nosso amor
Guardo
Do modo que desejas

Mas como quem ama
Não cala
Ao mundo confesso
Que em segredo amo


O ETERNO AMADO




Na ponte de aço uma jovem
Em tempo de trevo florido
A Alma trespassada
Por Amor alvejada

A água negra do desamparo
Nos olhos ternos de orvalho
Diz-lhe
Vem
Serei o que te desabrigou
O teu eterno Amado


SEM PERDÃO





Brame mar
Tu que arrastas as folhas soltas
Nas marés vivas da morte

Ruge mar
Às doces estrelas
Da madrugada silente

Esbraceja
Ensanguentado
Ao piedoso Céu

À vida que ceifaste
Pela chama de tuas mãos
No corpo que amava

Posso amar-te
Mas perdoar-te não


AMOR QUE MATA




O poço negro
Cavado pelos escravos de nobres senhores
Preferido entre todos
Por cachos de suicidas amorosos
Nutre a figueira de frutos luzidios
Na última erecção dos Enforcados

À sua cautela
Pobres donzelas
Escudeiros de membros frágeis
Exalando o espírito de sólido reino
Em corações pela força trocados

Extasiada a deusa
Pelo jovem que a busca
Atento caçador na profunda brenha
Que de Amor morre
De Amor mata


A MAIS BELA DE TODAS AS MULHERES




Os passos da mais bela de todas as mulheres A doçura da voz Brilho dos seios hirtos Pescoço perfeito de beijos vorazes Anca modelar pernas altivas Sexo doirado
Mil beijos e uma única noite te peço


MINUTO ETERNO




Tenho um minuto para te dar
Neste Amor ardente

O passado
Ave migratória
Cega e insolente
Até da memória ausente
Feneceu

O futuro
Como as lágrimas salgadas
É pena que te dou
Áspera e cruel
Em vida escassa e incerta

Resta este minuto
Em que se te não vejo tremo
Se te vejo temo
Se não te possuo para que vivo?

Sobeja este minuto Eterno
Consente-o


CHORO E LAMENTO




Choro e não sei porque choro
(ou talvez saiba as razões)

Choro e lamento
Já fui forte
Hoje o não sou
Não me conformo
Em terra de ladrões

Choro

Porque há quem em segredo
Chore da alma
Com o rosto erguido e a face calma

Porque este mundo é bárbaro
Bruta fera em covil grosseiro
Vento agreste a arranhar pele de cordeiro

Porque os governantes são feitos de pedra dura
Que nenhuma compaixão perfura
Imunes à dor na carantonha disfarçada

Porque há crianças que morrem de fome
Porque há mulheres que morrem de amor
E homens que morrem de dor

Porque há mulheres maltratadas
Escravas Violadas
E crianças abusadas

Porque há homens a sofrer
O pão que outros comem e
Que eles haviam de comer

Porque há guerras que matam
Estropiam e decepam
Os que com ela nada têm a ver

Porque há tocas de oiro para os prestigiosos
Fortes e poderosos
E para os oprimidos masmorras

Porque há os que morrem de saudade
Num quarto de solidão da cidade
E são encontrados a apodrecer

Porque há crianças que morrem sem ter brincado
Sem ter reinado
Sem um único sorriso

Porque há Irmãos crucificados
Na justiça cruel e sem siso
Por crimes por outros cometidos

Porque há tristeza e ansiedade
Há melancolia depressão e agonia
Em gente miserável do dia-a-dia

Porque há quem noite e dia chore
E veja na cova funda
Seu maior consolo e alegria

Porque há poetas mortos
Que me dizem a chorar –
Ama e não queiras o mundo mudar

Porque no meio de tanto pecador
De tanto culpado
De tanto criminoso
Também eu o sou
Por consentir no pecado
Que me passa ao lado
E me provoca Dor


AMOR PERFEITO




Este pássaro nocturno
Cego e perdido
Enamorou-se da estátua –
Amor perfeito


A FLOR DO MAR




Tinha algo para te dizer
Não o disse
Não te contei a minha orgíaca aventura
De corpo fatigado
Nascido na Flor do Mar

O Outono sossegado
Dir-te-á na paz
Dos ramos molhados
Que os dias contados
Não poupam os males de minha Alma
Pela saudade moldados


AMOR AMANTE AMIGO




Não me deixes nunca
Disseste
Vem comigo
Para um país sem gente

De mel vinho e leite
Onde o veado brama
O grou grita
E o leito faremos

De macias ervas e fetos
Como a neve de Inverno
A deslizar no colmo das choupanas

Vem comigo
Penetra-me para sempre
Amor Amante Amigo




AMOR SEM CORPO




Na mesma cama
Olhámo-nos e adormecemos –
Nem sempre o Amor exige um corpo


DESEJO SEM MURALHA




Chegou tarde
O corpo aguardava tenso
Corda retesada de lira no vértice do movimento

Com os seus ramos abertos fecharam-se as cortinas
À luz das velas a nudez era mais nua e
Penetrava o tempo pacífico da alma no lamento de longa ausência

A carne penetrante suava perfumes estrangeiros
Que choviam no interior dos corações inflamados
Banho de amor na Praia da Noite
Partilhado pelo desejo sem muralha
Na concórdia volátil do prazer


O ÚLTIMO RAIO DA PRIMAVERA




Partira no último raio de Primavera
Deixando no seu lugar a penumbra do crepúsculo devoluto
Na janela emoldurados os montes violáceos
A porta entreaberta aguardava o impensado
Corpo distante rosado de noites sem sono
Com a brisa do mar a acariciar a túnica de seda escarlate moldada ao desejo
A desfilar no sonho Canção de Amor


A DESEJADA




Dias de espera
Sem hora marcada

Bastaria ouvi-la
A Ela
A desejada


ESPÍRITO DE AMOR




O mundo está prestes a terminar para ti
A cada dia cada sentido mergulha na escuridão
O Inverno estremece o corpo frágil que nenhuma brasa aquece
Nada há que não finde
Nada
Há excepção do Espírito do teu Amor


O TEU OLHAR




Teu olhar cai sobre mim como aguaceiro de Verão
Tem o cheiro de flores campestres aconchegadas à sebe descuidada
Duma terra distante onde não há geada nos vales
Encontro de breves lúzios à luz do círio congelado
Sem significado


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

LIVRE DE TODAS AS AFLIÇÕES




Foram muitos os teus amantes
Muitos invadiram os lençóis rendados do nobre dossel
Mas quantos te serviram em bandeja dourada o puro néctar do amor
O êxtase de uma noite acordada à Lua?
Hoje nas montanhas distantes recordo o tempo pacífico em que as pétalas caídas no teu leito nos envolviam em afagos esplêndidos e as súbitas descargas de vento faziam deslizar o sexo arvorado
Livre de todas as aflições mundanas



AMOR MATINAL




O orvalho poisa nas pétalas
O rio é inundado por bolhas de chuva quente
Pérolas da madrugada grisalha
Uma truta acorda
Volteia
Esgueira-se na corrente das doces águas
Os insectos acordam curiosos
Rodeiam tudo o que é movente
Olho-te a meu lado
Corpo alado e sereno
Juntemos os nossos corações
De novo nesta manhã
Faremos florescer a orquídea selvagem




DISTÂNCIA





Se parto ou não não o sei
A distância é a do biombo que nos separa
Da cinza do pavio aceso na escuridão de suaves tecidos púrpura
A fremência do corpo em desesperança
A cama rubra deserta
Beijam-se as folhas de lótus
As nossas sombras sentam-se na colcha branca bordada pelo luar
Arrastando os ponteiros da volúpia na eternidade do encontro
Das nossas vestes suadas


PELE NEGRA




Pele negra
Brilhante
De africano odor
Na boca sedente
Onde se escreve
A palavra Amor


INGRATIDÃO







Morria de saudade
A pobre velhinha
Na aldeia deserta

O filho partira
Era doutor na capital
Casara com filha de ministro
Era cunhado de cardeal

E agora esse
Vergonha tinha
De quem fome passara
Para que Fortuna tivesse







MONTE SANTIAGO





Choram nuvens na mais alta penedia do Monte Santiago
A dor do Céu ensombrado
E de seu Filho amado
Em lágrimas de sangue divino
No meu regaço jorradas






DESTINO




Nessa hora em que nasci
Sem que eu soubesse porquê
Minha Mãe sabia
Que meu Destino
Seria
O do Filho
De José e de Maria