quinta-feira, 24 de maio de 2012
UNHAS - MARCELINO VESPEIRA
quarta-feira, 23 de maio de 2012
domingo, 20 de maio de 2012
AS NOVE PORTAS DO TEU CORPO - GUILLAUME APOLLINAIRE
Tradução de Jorge Sousa Braga
ADEUS - JEAN-ARTHUR RIMBAUD
Tradução de Mário Cesariny
domingo, 13 de maio de 2012
PENSAR OU NÃO PENSAR EIS A QUESTÃO
Deito-me e adormeço por uma hora ou quase
Já só durmo por horas
Levanto-me com a mesma sensação da noite de ontem
De quem já pensou tudo o que há para pensar
Pensar ou não pensar
Eis a questão
Já pensei quase tudo o que há para pensar
Parece-me
Apesar do que parece
Nem sempre ser o que parece
E o que não parece
Aparecer como realidade do que parece
Poderei ou não estar errado
Como tudo
Numa vida inconsistente
Na impermanência dos dias consumidos
Como quem consome sem saborear um cigarro
De fumo invisível
Ou um corpo desconhecido à beira-mar
Ou navega no azul encapelado e apenas lembra a estrada suja de asfalto
Afinal o pensamento não é ilimitado
E a ilusão é o erro do desesperado
Pensei o já pensado
Em caminho poeirento
Por muitos trilhado
Em jornada com rasto de sangue vivo
Espalhado pela estrada do Nada
Vinho derramado no vazio
Metafísica inútil de náufrago sobrevivo
O pensamento é dor acutilante pressiva
É a enxovia torturante da inocência
Da candidez e da castidade
Pensei o que muitos outros pensaram
Mas ninguém sabe que o pensaram
Por terem guardado esses pensamentos numa gaveta sem fundo
Na torre subterrânea dos desejos inconscientes
Nas masmorras abissais das entranhas sórdidas
No espaço insignificante de seus bolsos rotos
Pensei e penso que não vale a pena escrever
Que não me irão ler
Que não irão ter paciência
Livros há-os em demasia
Como riqueza e pobreza
Neste mundo tudo é demais
Por excesso ou insuficiência
No entanto
A questão de Deus
(O Deus verdadeiro que não o dos homens)
Continua a ser a minha inquietude
Quando eu
Eu mesmo
Deveria ser por ora
O objecto de minhas inquietações
Quem sou
Donde venho
Para onde vou
Se sou ou não
Se vim ou não vim
Se vou ou não vou
Se Ele é
Se eu sou Ele
Ou Ele sou eu
Se existimos
Ou não existimos
Por ludibriados sermos
Se tudo é ilusão
O sonho realidade
A realidade sonho e
No desvario do engano
Se embromado estou
Porque padeço atroz
E porque algo permanece
Em vez do nada
Do vazio pacificador
E se nada existisse que voz se levantaria a questionar fosse o que fosse
Que corpo ou mente sentiria dor prazer ou amor
Também a questão da alma
Merece especulação
E se quem conhece a Alma
Conhece Deus
Fico-me com um único mistério
O da Alma-Deus ou o de Deus-Alma
Dualidade na Unidade
Da Alma
Tanto faz
Se o que penso só serve
Para alimentar a confusão
E o que escrevo
Não passa de incoerência
Ou de pura ilusão
De quem pensa ser e não é
Saber e não sabe
Melhor seria
Exterminar o desassossego
Melhor seria não pensar
Não me apetece almoçar
Há algum tempo que comer me enfada
O cérebro está quieto mas ágil
Na dormência da mente devoluta
Sensação de plenitude e de prédio devoluto
Plenitude por ter pensado tudo o que um simples mortal pode ou julga poder pensar
Vazio por não ter atingido objectivo nenhum
É esse o problema do humano
Um cheio-vazio-interminável
Uma angústia existencial deplorável
Inesgotável
Quero partir para o Norte
Estou sempre a querer partir como as aves migratórias
E depois de chegar sei lá onde
A querer voltar
Ao Sul
O Sul tem cor
Tem mulheres quase nuas nos extensos areais
Tem um sorriso aberto como o Cruzeiro dos navegantes
Tem calor
E tem também uma espécie de amor que o frio gélido da montanha ao borralho desconhece
Quero partir mas não quero
Apetece-me ficar ronronando
Como felino indomesticado
Aguardando fêmea no covil
No meio de livros já lidos de doutrinas mil vezes debatidas
De verdades obsoletas a estrebuchar no fundo poeirento das gavetas-da-exactidão
Viajar sem me movimentar pelo céu escuro das sombras nocturnas
Viajar à velocidade da luz por galáxias nunca dantes viajadas
Velejar com o vento Norte de través
A espreitar as vagas desfeitas a sotavento
Numa embarcação de trinta pés
De qualquer modo
Tenho de voltar a pensar o já pensado
Não descansarei enquanto o não fizer
Pena de eterno condenado
E não vou repousar depois de o ter feito
A menos que exorcize o cérebro dos seus fantasmas
Que destrua os espectros da mente
E os enterre na ala poente da necrópole ornada a cedros
Depois de queimados todos os Fedros
No café envolto pelo fumo abstracto de um cigarro
O mais agradável do dia por ser o primeiro
Oiço preso-forçado a televisão
O tema é futebol
O tema actual é sempre futebol
Quem não sabe futebol é iletrado
Há anos que não se fala de outra coisa como se o Universo fosse um gigantesco estádio onde os deuses consagram a eternidade dando pontapés em planetas e cometas num espaço-tempo de infinitas balizas sem rede
O circo continua
Roda e continua
O povo aplaude animais domados em jaula invertida
Os artistas falam um português-estrangeiro-imigrante convencidos da sua celebridade
Reconhecida por uma comunicação social burlesca
São ídolos de gente mascarada de felicidade eles que espelham com os pés e mais raramente com a cabeça oca um país desgraçado e inábil
Tão mal representado por bandos de sendeiros que pastam nos relvados
E por ranhosos governantes
Os artistas são os melhores aliados das ineptas-sanguessugas-políticas
São gigantes-pés-de-barro-grosseiro a escoar náusea
Justificação de medidas impopulares
Fala-se das suas vidas como se tivessem algo de exemplar para nos transmitir e capitanear
São ídolos da decrepitude e da degenerescência
Odeio a comunicação social que os ceva e ao povo cega
E há as novelas
Os concursos
As momices e rabulices em directo
Os discursos patéticos dos políticus
(não não é gralha)
Com o intestino grosso ligado ao cérebro
Donde provêm tantas e tantas ideias de merda
E há um povo sem rumo
Animal gigantesco do consumo
Absurdo e ignorante
Não Não vale a pena pensar
Nem escrever
Talvez pintar
E andar pelo mar
A olhar o azul que se quebra no horizonte
Num novo azul tingido de branco
A vida é tão curta
Deus meu
Mas para quem já pensou tudo o que há para pensar
Restar-lhe-á a Cor
Uma pintura é um personagem que entra em cena
E desliza no corpo para jusante
É tinta
É palavra
É semifusa
Silêncio
Tela em si pensante
Que diz nos círculos nas linhas nas pinceladas das faixas brancas
Nas cores
Quentes
Frias
Vibrantes
Esmaecidas
Nas jóias incrustadas
Folhas de oiro
Rubis
Esmeraldas
Diamantes
As palavras e as emoções
Mais verdadeiras
Dos verdadeiros amantes
Para quem já pensou tudo o que há para pensar
Resta-lhe o Amor
Resta-lhe a Cor
E o Mar
E assim me fico
Misantropo selectivo
http://www.homeoesp.org/livros_online.html
O LOUCO
Nasceu num palheiro
Feito casa
Como Jesus
Paredes de pedra rude
Amontoada
Pedra solta
Pedra não aparelhada
Áspera como a pobreza
Dolorosa
Escura como a tristeza
Telhado de colmo
Donde se espreitavam as estrelas e sentia a chuva fria Entrada em dia de borrasca
Na torre da igreja o sino tocava tocava
Mirito nasceu de rosto belo e já trigueiro
Ao som da Avé-Maria
Que Deus o abençoe disse a mãe
Que a Senhora da Fátima seja sua madrinha e lhe faça a cruz na testa para afastar demónios e tentações
Disse a parteira da aldeia Tia Zefa do Moinho
A Zefa da Anunciação
A vizinha Madalena rezou um Padre-nosso
E uma oração calada para ninguém ouvir a não ser Nosso Senhor
Não te esqueças mulher de acender uma vela na Santa Eufêmia
Uma vela do tamanho do rapaz
Tanto faz
Respondeu a parturiente
A vela terá o tamanho da minha bolsa
O que vale é a intenção
E olha que a tua oração não irá cair em cesto roto
Mirito nasceu
Mirito cresceu
Nasceu numa noite de luar
De sombras a afagar a pobreza
E com o sino a tocar a tocar
Prenúncio de tristeza
Anúncio de morte a bailar a bailar
Na escuridão a luz
No altar a cruz
Que Mirito haveria de carregar
Correia a enlaçar
De aldeia em aldeia
Cantando e dançando melodias desconhecidas
Até que um tal ou qualquer Arimateia
O levasse a sepultar em cova funda e anónima
Depois de o encontrar caído na curva da estrada poeirenta e resplandecente de luar no gelo alvar
Encontrá-lo-ia
Agonizante sem remédio nem cura
Sem glória
Com a Senhora Morte ao lado
Cuidando do corpo inerte e da alma viva
Não se lembrasse alguém de a levar
Diria se pudesse
Estou certo que Miro diria
Leva-me para o Norte que o calor não suporto
Leva-me para o Norte onde é doce a Morte
Doce brancura de neve pura
Onde perco a memória
De vida malfadada
E continuaria
Certamente que o faria
Eu sou o Mirito leve gentil louco e sem dono
Eu sou o próprio Norte
A Liberdade
A tristeza
A Força da Natureza
Eu sou tudo o que o homem não é e despreza
Não sou como os demais
Sou Mirito
Servo da terra
Dos céus
Das estrelas
De bonanças e temporais e
Quero ser enterrado em cova funda onde animais e principalmente os homens me não possam
Nem encontrar
Nem incomodar
Que ressuscitar não quero
Mirito cresceu descalço
Roto
Esfarrapado
Com um sobretudo de alto a baixo rasgado
Sobretudo do Inverno
Sobretudo do Verão
Sobretudo da chacota da garotada da freguesia
Crueldade de rapaziada
Para com o pobre desgraçado que andava andava e se sóbrio se escondia
Em qualquer pinheiral
Mirito não foi à escola
Não aprendeu a ler
A somar
Nem seu nome aprendeu a escrever
Mirito não aprendeu a brincar
Não foi à escola e de nada lhe serviria
Contava até dois e depois
Qualquer número servia
Oito cinco dez quatro
Raramente mencionava o três
Letras não as conhecia
Nem o a e i o u
Falava entaramelado
Mas asneiras dizia
Escorreito
Quando o arremedavam
Essas eram poucos os que as não entendiam
Mas na escola não se ensinavam apenas se aprendiam e quem as já conhecia
Afinal que proveito tirava de horas mortas a inquietar outros garotos
O que o Mestre também por nada queria
Nunca aprenderia a ler
A contar
Ou escrever
E mesmo que algo pudesse aprender
Seria necessário querer
Por injustiça assim nasceu
Vagueando ora soturno
Ora alegre feito bobo
Percorrendo
Aldeias
Povos
Quintas
Escorraço de quintaneiros
Pouco falando
Por não querer
Ou não saber que dizer
Mirito cresceu com o vinho e com aquela cabeça tonta que desagrada aos homens e agrada a Deus
Um copo aqui outro além
Por alma de quem lá tem
Vá lá um copo não faz mal é Mirito quem diz
Vá lá por um momento faz Mirito feliz
Vai-te embora rapaz
O vinho ataca-te a moleirinha
Ficas mais estouvado do que és
Bebe um sumo
Um pirolito
Uma gasosa e
Dou-te um quarto de trigo com manteiga da arca
Daí o enganava o taberneiro intentando besuntar o pão com margarina da lata suja ou com molho velho das iscas a saber a ranço
Quero vinho o resto come-o tu
E Mirito crescia enquanto o sobretudo encolhia
Os rapazes vinham dos campos
Alguns tocados à paulada da lavra por acabar
Jogavam à bola no terreiro
Mirito passava
Seguia sem saber para onde
Olhando saudosamente para trás
Saudades sem saber de quê
Saudades porquê
Os rapazes brincavam com as raparigas
Dizendo-lhe coisas de que todos se riam
Mirito sorria por ver rir mas não percebia
Porque sorriam e porque sorria
Diziam-lhe
Cresce tonto depois se verá
Alguns namoravam um beijo às escondidas
Mirito sentia e sem saber como se fazia ficava triste
Uma tristeza natural acompanhada da ligeira brisa do pinhal ao lado do cemitério
Onde ensaiava com jeitos e trejeitos os beijos da moçada
O infeliz
Imaginava uma bela moça
Como vira num jornal da Venda
E que lhe valera um pontapé no traseiro
Por olhar coisas de gente normal
Na ideia da besta do taberneiro
Até a formiga-tonta já tem catarro disseram
Mas a bela loira de cabelos longos
Não lhe saía da cabeça
Afinal só olhara para uma fotografia de jornal
Suja de vinho
Amarrotada
Pasquim que parecia tão antigo como ele
Ele que dava tudo para ter aquela fotografia
Como seria feliz namorando-a com os olhos ardentes
Noites todas no seu leito de palha
Seria abençoado se a pudesse beijar ainda que papel
Essa loira de quem se via um pedacinho dos seios estava-lhe na memória
Enchia-lhe a mente inocente
Não saberia o que fazer
Talvez mexer de mansinho na carne luzidia
Talvez um beijo na face rosada
Ou na boca de dentes brancos
O restante desconhecia
Apenas sabia o que nas partes baixas sentia e por instinto tão bem lhe sabia
E que se dizia que Deus condenava
Melhor lhe agradaria de outra maneira
Dizia-se em segredo na Venda ao domingo
O que ninguém lhe contava
Que por ter bom ouvido ouvia
Ela havia de o ensinar
Quem sabe se hoje à noitinha
E por acaso
Aparecesse na curva deserta da estrada
E sonhava sonhava o pobre louco
Que nem à escola fora
A bola jogara
Na ribeira pescara
Nem nunca amara
E Mirito crescia enquanto o sobretudo encolhia
Pobre Miro pobre louco
Coitadinho
A sua cabeça já rodopiava como carrossel
Da feira de S. Bartolomeu
E via
Via coisas estranhas que o assustavam por momentos e rapidamente esquecia
Coisas do diabo
Coisas assanhadas
Arrepiadas
Que o possuíam e arrastavam pelos caminhos tortuosos na direcção de uma malga de vinho
Ó meu Mirito sofres tu e sofro eu
E Deus não nos vale
À noite
No palheiro
Via demónios
Uns sentados
Outros dependurados nas vigas de madeira velha e empenada
Das frechas do granito amontoado
Soltavam-se espectros luminosos em riso rugido
Demónios
Diabos
Fantasmas
Aparições
Diziam em voz rouca
Em gemido tremelicante
Miro tu és doido varrido
Bêbado
Vai-te Vai-te
Vai-te não durmas
Não te deixaremos dormir
Vê vês
Vê a mulher loira de longos cabelos entrançados
É feiticeira
A mais bela de todas
De todas as aldeias que conheces
Vai-te enfeitiçar
Vai-te encantar
Serás um sapo e os rapazes irão pôr-te a fumar a fumar a fumar
Até rebentar
Foge Mirito
Foge
Foge para as sombras da noite
Deixa-os na tua corte
Que fiquem com o curral
Que nem teu é
Que durmam na tua palha
Nos panos velhos cor de carreiro poeirento
Carago filhos de uma grande cabra
Excomungada
Que me não larga
Raios os partisse
Almas de trinta diabos
Tanto bento
Tanta bruxa
Tanto filho do demo
Tudo para me causar tormento
E Mirito noite dentro
Quilómetro a quilómetro
Ia da Mata ao Sobral
Do Sobral ao ribeiro
Do ribeiro à Aldeia-Nova
Sem demora e tento
Até raiar o primeiro raio de sol
Até ao Sol nascente
Quando o Sol estremunhado já espreitava na Serra das Fuinhas
O canto dos pássaros abafava o vozerio dos diabos com figura de gente
Dependurados nas pinhas dos pinhais
Espectros de Satã demente
Catano uma coisa assim Calai-vos deixai-me não vos quero ouvir almas do demónio
Miro desesperava
Miro gritava
Carago Inde-vos
A venda abria e Miro à porta da taverna
Olhava mudo o taberneiro estrovinhado
Que já sabia ao que vinha
Que já lhe conhecia o vício
Um copo por Deus para matar os demónios
Um copo por Nossa-Senhora
Um copo para suster a agitação
Cinco tostões para matar a sede
Tostão a tostão para matar o Demo
Pelas alminhas que com Jesus lá tem
Pelas que no velório aguardam o Purgatório
Com Barrabás e o outro ladrão
Vai-te daqui agoirento
Vai-te vai-te
Que a Satanás encarniçado
Nem vinho nem pão
Pede-o a Judas que é teu irmão
Um copo pelo seu descanso
Por alminha de sua mãe
Pela mãe pela mãe agora sim tocara-lhe no coração
Toma alma-do-diabo
Bebe
Mirito bebia um dois ou três e ia sem direcção sem destino sem querer
Pobre Mirito pobre louco sem-tostão
Miro pobre-louco a quem as bruxas não deixavam sonhar ao adormecer
Em pequeno passava à minha porta
Ele já homem
Eu rapazito
Tomava da gaveta alguns tostões
Tia Cândida via e fingia não ver
Fazia a vontade ao filho-sobrinho
Que queria ser padre
E tanto amava
Pobres
Loucos
Velhos
Doentes
Animais
ZéIa que vais fazer perguntava
Nada de mais
Vou ver o Mirito que me chama do caminho e logo interrompia as orações ou fechava o Livro de Horas
Dois três copos de vinho
Mirito cantava agradecido sabendo que aquela porta lhe estava sempre aberta
Enquanto eu ingénuo o olhava embasbacado na sua dança estrada fora braços abertos a rodopiar voz rouca a soletrar língua estrangeira
Adeus Mirito
Amanhã passa por aí
Eu peço à Tia
E Mirito sorria
E eu não sabia que sua alegria
E minha felicidade
Nada valia ao agravar a doença de que padecia
Adeus Mirito
Pobre louco
Até amanhã
Até outro dia
À falta de capão
Cebola e pão
À falta de um tostão
Volta volta que te darei
Do vinho da Tia
Palavra
Tiro-o da adega
Às escondidas
Ninguém vai ver
Ninguém vai saber
O sino toca para a missa
Ou é para o terço
Já não estou certo
Eu cresço
Mirito mais velho
O sino tange uma morte
Eu estou no Sul
Mirito no Norte
O sino toca a rebate
Arde a encosta Poente do vale
O incêndio belo ameaçador
Já lavra no monte
Eu estudo para doutor
Mirito cada vez mais doente
O sino toca a Avé-Maria
Eu já não rezo
Mirito-o-Tonto não dança
Eu já não vou à igreja
Mirito com dificuldade anda
O sino toca toca sem cessar
E aquele pobre diabo está-me na alma
Na saudade que o vento frio da Serra traz
Para as paredes negras da cidade
Saudade que rói e dói
Mirito pobre louco
Eu também sofro
Noite de Inverno
Temporal
Miro já não tem as mesmas forças
Nessa altura eu vivo num jardim de betão com uma nesga de céu acorrentado à liberdade
Miro está cansado eu tenho depressão
A melancolia parida pela angústia existencial do sem-sentido-da-vida
O sobretudo cada vez mais rasgado deixa passar frio chuva neve à roupa mais interior do esfarrapado
O vento bramia
Vergava ramos de velhas árvores
Retorcia as novas há pouco plantadas
O vento gemia
Nas sombras dos olivais
Nos espectros das nuvens baixas
Fazendo rodopiar as folhas caídas
Uma chuva fina e fria
Que se entranhava na miséria
Molhava-lhe a alma
Miro continuava
Miro caminhava
Tinham-lhe dito
Não te metas ao caminho
Mirito não os ouvia
Vou para a Mata
Vou dormir
Caminhava contra o vento
Que rodopiava
Começou a nevar
Já não havia demónios diabos
Almas de outro mundo
Eram anjos alvos a bailar ao som do vento
Sinos a tocar Avé-Marias
Anjos que sorriam e o afagavam num leve arremesso
A neve caía caía em desconhecida melodia
Melodia que nenhum Bach comporia
E vestia-o de branco puro
Na casta inocência de quem na alma
Mal nenhum tinha
Miro parecia uma pomba no escuro
Um dominicano em êxtase de alegria
Mirito pobre louco sorria e ria
Dançando ao vento e à neve
Com anjos e querubins de verdade
E Jesus menino que assistia enternecido a ver
Tanto Amor e Liberdade
Chegado à curva dos sonhos
Da loira encantada
Miro cansado
Deixa-se tombar no valado
Exausto a dormir
A sonhar a sonhar com o Amor
Que sempre lhe fora negado
Os anjos entenderam
Jesus concordou
Melhor seria fazê-lo ascender
Mirito faria o Céu feliz
Haveria festa e alegria
Uma imensa Felicidade
Bondade e Inocência
Do homem que sempre fora petiz
Avé-Maria
Avé-Maria
Miro pobre louco meu bom amigo
Casmirito morreu no Inverno
Mirito subiu ao Céu entre anjos e arcanjos
Miro abandonou o inferno
Passaram anos
Na curva da estrada
Apesar do cansaço
Algo me impele a estancar
Há sombras vivas
Que repousam no asfalto
Árvores retorcidas
Que já deram o seu fruto
Vinhedos esquecidos
O Sol brilha através dos ramos dos pinheiros bravos
Um lavrador come a merenda à sombra de uma fraga
A mulher prepara estacas
O semeador descansa e bebe
O vinho com a frescura da água da mina
Ao seu lado
Pão de centeio
Queijo
Um naco de presunto velho
Sorri
O seu sorriso arrasta-me pela memória dos tempos
O seu sorriso é rosa-do-mundo
Vejo-me nos calções azuis cor de céu e na alva branca de domingo
Há missa
Os sinos tocam
Casimiro Casmiro Casmirito Mirito Miro
O meu amigo-louco
Da infância perdida
Miro
O Louco
Do sorriso infinito
Aberto
Livre
Ingénuo
Contagiante
Que ia à igreja só para me ouvir ler
Para me ver
Sinto saudades
Não sei se da vida
Se da morte
Se do mal
Se do bem
Sinto saudades
E sentir saudades
É ter ferida
Sangrante
Mas sempre é melhor
Ter saudades
Que não ter nada
Sento-me no muro em pedra circular
Vejo um vulto no chão
Eu que desde criança vejo coisas
Coisas que não devia ver
Coisas que me fazem sofrer
Foi aqui que Miro veio morrer
Estou cansado de tanta morte
http://www.homeoesp.org/livros_online.html
A CANÇÃO DOS ESPASMOS
Na escuridão da noite doirada
Longos dedos penetrantes
Tocam com leveza o pássaro negro de luz
Oculto nas colunas de jade
As pétalas ardentes dos seios
Da flor encarnada
Por plumagem etérea acariciada
Contorcem-se na Canção dos Espasmos
Das corolas abertas
Aos profundos gemidos do corredor que brilha
Nas magnólias virginais
http://www.homeoesp.org/livros_online.html
A VERDADE DE NÃO HAVER VERDADE NENHUMA
Com vistas para o muro de calcário
Com um copo de vidro velho
A balançar nas mãos trémulas
Um copo de rum vale mais do que todo o desassossego do mundo
Por ali passavam passos
Uns à frente outros atrás
Das difusas tristezas
A consumir consciências
Chamava-se Pedro
Pedro Só
Sem mulher filhos parentes
Confessava-se amiúde a seus companheiros
Os copos
Ora vazios ora cheios de melancolia ou alegria
De nada lhe valera o Templo
As longas horas de meditação e imploração
Na ausência do corpo
Não sabia se Deus existe ou não
E hoje nesta tarde efémera mas presente como um raio de sol
Pouco lhe importava saber se iria ou não saber o que nunca saberia
Era ele e o rum e o muro intransponível
E a verdade de não haver verdade nenhuma
http://www.homeoesp.org/livros_online.html
sábado, 12 de maio de 2012
ZBIGNIEW HERBERT - DA MITOLOGIA
Tradução de Rui Knopfli
YANNIS RITSOS - EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
Tradução de Eugénio de Andrade
WILLIAM WORDSWORTH - SUBIR, SUBIR
Tradução de Luiz Cardim
WILLIAM BLAKE - VER NUM GRÃO DE AREIA UM MUNDO
Tradução de Luiz Cardim
WANG YANG-MING - ASCENSÃO AO MIRADOIRO DO KIANG
Tradução de Camilo Pessanha
TU, MINHA ÉS, MEU AMOR (EGIPTO)
Tradução de Helder Moura Pereira
TOON TELLEGEN - EU PODIA ESCOLHER
Tradução de Fernando Venâncio
ROMANCEIRO SEFARDITA - ROMANCE
Tradução de Renata Pallotini
RODAKI DE SAMARKANDA - EM LOUVOR DO VINHO
Tradução de Jorge Sousa Braga
RIG VEDA - NASADIYA, HINO DA CRIAÇÃO
Tradução de Manuel João Magalhães
RIG VEDA - ADEUS A UM CAVALO
Tradução de Manuel João Magalhães
REMCO CAMPERT - POESIA É ACTO
Tradução de Egito Gonçalves e August Willemsen
QUERO VISITAR UMA MULHER ESTRANGEIRA (ESQUIMÓS)
Tradução de Herberto Helder
PERGUNTA E RESPOSTA (WENDA)
Tradução de Mário Cesariny
OS CONQUISTADORES E O OURO (AZTECAS)
Tradução de Herberto Helder
ODISSEIA - ARGOS, O CÃO DE ULISSES
Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira
O RATO TEM PELE (SHIJING)
Tradução de João Reis
O POETA DO AMOR (GRÉCIA)
Tradução de A. Ribeiro dos Santos
O JOVEM CAVALEIRO BRANCO (IACUTOS)
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
O INVERNO (CULTURA CELTA)
Tradução de José Domingos Morais
O FIM DO LAMA TSONG KHAPA - A GRANDE HISTÓRIA
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
O AMOR TRANSIDO (GRÉCIA)
Tradução de A. F. Castilho
MU'IN BESSEISSO - A RIMBAUD
Tradução de Adalberto Alves
MAHABHARATA - A ORIGEM DA MORTE
Tradução de Manuel João Magalhães
LOUIS ARAGON - BALADA DOS SUPLÍCIOS
Tradução de Carlos de Oliveira
LORENZO DE MEDICI - CANÇÃO DE BACO
Tradução de Jorge de Sena
LI YU - A BELA DE YU
Tradução de Li Ching
LI PO - COMBATE-SE AO SUL DA MURALHA
Tradução de Cecília Meireles
LAMENTO AMOROSO (AMAZÓNIA)
Tradução de Herberto Helder
KOSTAS OURANIS - MULHERES DE PASSAGEM
Tradução de José Paulo Paes
KABIR - HÁ UMA LUA NO MEU CORPO
Tradução de Jorge Sousa Braga
JOHN CLARE - AGORA É PASSADO
Tradução de Cecília Rego Pinheiro
IMPLORANDO O SOPRO (ZUNHIS)
Tradução de Herberto Helder
IBN ABD RABBIHI - PARA ALCOLEIA
HINO RITUAL (OMAHAS)
HINO À LUZ - VEDA
HINO À NOSSA MÃE FERTILIDADE (AZTECAS)
HADEWIJCH DE ANTUÉRPIA - POEMAS ESPIRITUAIS
GUILLAUME APOLLINAIRE - O ADEUS
GUILLAUME APOLLINAIRE - ANNIE
GOETHE - A CANÇÃO DO REI DE TULE
GIUSEPPE BELLI - A VIDA DO HOMEM
FRIEDRICH VON HAUSEN - COMIGO DE VEZ EM QUANDO
FRANCO SACCHETTI - DIANA
FLOR DO FEIJOEIRO (QUÍCHUAS)
GUILLAUME APOLLINAIRE - A PONTE MIRABEAU
Tradução de Jorge Sousa Braga
EDOUARD RODITI - FINIS TERRAE
Tradução de Mário Cesariny
E. E. CUMMINGS - SONETO
Tradução de Manuel Bandeira
DIONÍSIO, O AEROPAGITA - Ó TRINDADE SOBRENATURAL
Tradução de José Tolentino Mendonça
DINO FRESCOBALDI - UMA ESTRELA DISTANTE E BELA
Tradução de Jorge Henrique Bastos
DAR NAS VISTAS (SHIJING)
Tradução de Joaquim Guerra
DAMA PAN - O LEQUE
Tradução de Machado de Assis
COPLA DE AMOR (OROMO)
Tradução de Manuel João Ramos
CINO DE PISTOIA - QUANTO VOS APRAZ
Tradução de Jorge de Sena
CICLO NAHUATL - NASCEMOS PARA O SONO
Tradução de Herberto Helder
CHRISTINA ROSSETTI - REMEMBER
Tradução de Manuel Bandeira
CHARLES BAUDELAIRE - UM HEMISFÉRIO NUMA CABELEIRA
Tradução de Filipe Jarro
LIVRO DE CANTARES DE DBITBALCHÉ - CANTAR VII
Tradução de Herberto Helder
CANÇÃO DA ANDORINHA (GRÉCIA)
Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira
CANÇÃO (MADAGÁSCAR)
Tradução de Herberto Helder
CAEM AS AMEIXAS - SHIJING
Tradução de Joaquim Guerra
BHARTRIHARI - NESTE VÃO E FLUTUANTE MUNDO
Tradução de Jorge Sousa Braga
BERTOLT BRECHT - AOS QUE VIRÃO A NASCER
Tradução de João Barrento
AVIGDOR HAMEIRI - PUREZA
Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares
CANÇÃO DA CABÍLIA (ARGÉLIA)
Tradução de Herberto Helder
BRANCOS E NEGROS (ANUAK)
Tradução de Manuel João Magalhães
sexta-feira, 11 de maio de 2012
ANIVERSÁRIO
Para o Bernardo
Quinta do Crestelo, Seia
Álvaro de Campos
GUILLAUME APOLLINAIRE - 1909
Versão Jorge Sousa Braga
ANDRÉ BRETON - LUA DE MEL
Tradução de Mário Cesariny
ALEKSEI TOLSTÓI - LOBOS
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
ALEKSANDR PUCHKIN - DEMÓNIOS
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
A ORIGEM DA HUMANIDADE (ZULUS)
Tradução de Manuel João Ramos
A CASA DA MINHA NAMORADA (EGIPTO)
Tradução de Helder Moura Pereira
A CABANA DO ERMITA (CULTURA CELTA)
Tradução de José Domingos Morais
À ANDORINHA (GRÉCIA)
Tradução de A. F. Castilho
GUILLAUME APOLLINAIRE - MARIZIBILL
Tradução de Jorge Sousa Braga