O Zen é a essência do Budismo
A liberdade interior é a do Zen
Não há nada de complicado na grande Via,
Mas é essencial evitar preferir.
Libertos do amor e do ódio
Ela aparecerá com todo o seu esplendor.
Se nos afastarmos dela pela espessura de um cabelo
Será como um imenso precipício entre o céu e a terra.
Se a quisermos atingir
Não podemos estar nem a favor nem contra nada.
O conflito entre o a favor e o contra
É a autêntica moléstia da alma.
Se não divisarmos a essência das coisas
Afadigar-nos-emos em vão para serenar o nosso espírito.
Tão perfeita como a vastidão do espaço,
Nada lhe falta, nada está fora dela.
Acolhendo e repelindo as coisas
Não somos como devemos ser.
Não intentemos alcançar o mundo submetido à causalidade.
Não adiramos a uma inanidade que exclua os fenómenos.
Se o espírito permanecer em paz no Um
As visões dualistas irão desaparecer por si próprias.
Quando a actividade pára e a passividade impera,
Esta, por sua vez, torna-se mais activa.
Permanecendo no movimento ou na quietude
Como é que poderemos conhecer o Um?
Se não compreendermos a unidade da Via
O movimento e a quietude irão conduzir-nos ao fracasso.
Se nos apartarmos do fenómeno, ele absorver-nos-á,
Se perseguirmos o vazio, virar-lhe-emos as costas.
Quanto mais falarmos e racionalizarmos,
Mais nos desviaremos da Via.
Suprimindo a linguagem e a reflexão
Não existirá lugar algum onde não possamos ir.
Regressando à raiz obteremos o sentido,
Correndo atrás das aparências afastar-nos-emos do princípio.
Se por um breve instante nos olharmos introspectivamente
Ultrapassaremos o vazio das coisas deste mundo.
Se este mundo nos parece sujeito a transformações
É consequência das nossas visões falsas.
Não é necessário buscar a verdade
Basta terminar com as falsas visões.
Não nos apeguemos às visões dualistas,
Evitemos com todo o cuidado perfilhá-las.
Caso exista o menor vestígio do sim e do não
O espírito perder-se-á num labirinto de complicações.
A dualidade existe como consequência da unidade,
Mas não nos apeguemos a essa unidade.
Quando o espírito se unifica sem se apegar ao Um,
As dez mil coisas são inofensivas.
Se uma coisa não nos ofender é uma coisa inexistente,
Se nada se produzir não haverá espírito.
O sujeito desaparece atrás do objecto.
O objecto desaparece com o sujeito.
O objecto é pelo sujeito que é objecto.
O sujeito é pelo objecto que é sujeito.
Se desejarmos saber o que é que eles são na sua ilusória dualidade,
Saberemos que não são nada para além do que um vazio.
Neste vazio único os dois identificam-se
E cada um contém em si as dez mil coisas.
Não devemos fazer distinção entre o subtil e o grosseiro.
Como poderemos tomar partido disto contra aquilo?
A essência da grande Via é vasta,
Nela não há nada fácil nem difícil.
As visões mesquinhas são hesitantes.
Quanto mais depressa pensamos que vamos mais lentamente o fazemos.
Apegando-nos à grande Via aniquilamos toda a dimensão
E comprometemo-nos com um caminho sem saída.
Se a deixarmos ir as coisas seguirão a sua própria natureza.
Em essência nada se move nem permanece no mesmo lugar.
Obedecendo à natureza das coisas estaremos de acordo com a Via,
Estaremos livres e seremos libertados de todo o tormento.
Quando os nossos pensamentos estão acorrentados viramos as costas à verdade
E mergulhamos no desassossego.
O desassossego fatiga a alma.
Para quê fugir disto e acolher aquilo?
Se desejarmos adoptar o trilho do Veículo Único
Não poderemos amparar nenhum preconceito contra os objectos dos seis sentidos.
Quando deixarmos de os detestar
Então atingiremos a iluminação.
O sábio perdura sem fazer nada,
O louco enreda-se a si mesmo.
As coisas não conhecem distinções,
Nascem do nosso apego.
Apoderarmo-nos do seu espírito para nos servirmos dele
Não será o mais grave de todos os desatinos?
A ilusão produz quer a serenidade quer o transtorno.
A iluminação destrói todo o apego bem como toda a aversão.
Todas as oposições
São fruto das nossas reflexões.
Visões em sonho, flores do ar,
Porque é que nos devemos dar ao trabalho de as proteger?
O ganho e a perda, o verdadeiro e o falso,
Que desapareçam uma vez por todas.
Se o olho não dorme,
Os sonhos irão desvanecer-se por si próprios.
Se o espírito não se perder nas diversidades
As dez mil coisas já não serão mais do que uma identidade única.
Quando compreendermos o mistério das coisas na sua identidade única
Esqueceremos o mundo da causalidade.
Quando todas as coisas forem consideradas com equanimidade
Regressarão à sua natureza original.
Não procuremos o porquê das coisas
Porque iremos precipitar-nos no domínio das comparações.
Quando a paragem se põe em movimento deixa de haver movimento,
Quando o movimento pára, deixa de haver paragem.
As fronteiras do derradeiro
Não são guardadas nem por leis nem por regulamentos.
Se o espírito estiver harmoniosamente unido à identidade,
Toda a actividade se apaziguará nele.
Quando afastarmos as dúvidas,
A fé verdadeira reaparecerá confirmada e reerguida.
Já nada permanece,
Nada de que seja necessário recordarmo-nos.
Tudo é vazio, luminoso e radiante por si próprio.
Não fatiguemos as nossas forças espirituais.
O Absoluto não é um lugar mensurável pelo pensamento,
O conhecimento não o pode sondar.
No mundo da verdadeira identidade
Não existe outrem nem si mesmo.
Se desejarmos adequar-nos com ela
Bastar-nos-á dizer: não-dualidade.
Na não-dualidade todas as coisas são idênticas,
Nada há que não esteja contido nela.
Os sábios em toda a parte
Chegaram a esse princípio primordial.
O princípio não tem pressa nem se atrasa.
Um instante é semelhante a milhares de anos,
Nem presente, nem ausente,
No entanto, em toda a parte diante dos nossos olhos.
O infinitamente pequeno é como o infinitamente grande,
No esquecimento total dos objectos.
O infinitamente grande é igual ao infinitamente pequeno,
Quando o olhar já não se apercebe mais de limites.
A existência é a não-existência.
A não-existência é a existência.
Enquanto o não compreendermos
A nossa situação permanecerá insustentável.
Uma coisa é ao mesmo tempo todas as coisas.
Todas as coisas não são senão uma coisa.
Se pudermos compreender isto
Será inútil atormentar-nos quanto ao conhecimento perfeito.
O espírito da fé é não-dualista.
O que é dualista não é o espírito da fé.
Aqui as vias da linguagem param
Pois não existe nem passado, nem presente, nem futuro.
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O Sin-Sin-Ming ou Xinxin Ming é o nome chinês de um poema conhecido como o mais antigo texto Zen, provavelmente escrito pelo Terceiro Patriarca Sengcan no século VI. Talvez o mais importante ensinamento escrito de todo o budismo Zen.
Existem múltiplas traduções e traduções de traduções – seja do texto em chinês, seja em japonês – com títulos diferentes, bem como dúvidas quanto ao autor e data do poema.
Na nossa tradução do francês escolhemos como título a Fé na Mente Verdadeira. Esta é perfeita e não tem que ser aperfeiçoada, cabendo a cada um de nós obter a libertação do poder latente dessa mesma Mente, que se encontra oculto.
O Sin-Sin-Ming baseia-se tal como o Vedanta no ensinamento da não-dualidade e podemos considerá-lo a “alma” do Zen.
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