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ARTE

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A (IN)UTILIDADE DA METAFÍSICA I



A palavra Metafísica, surge no século I a.C. com Andrónico de Rodes, que ao classificar os escritos de Aristóteles, designou com tal denominação os textos que se seguiam à Física. Em termos meramente literais, metafísica, é o que vem depois da física.
A metafísica faz uso da razão e não da revelação religiosa como ocorre com a teologia revelada, para atingir respostas a questões cujo objecto são realidades imateriais, tais como Deus, a alma, a morte e seu significado. A metafísica começa onde todas as outras ciências terminam.

Na perspectiva de alguns pensadores, nomeadamente Kant, a incognoscibilidade de tais inquietações conduz fatalmente a uma ilusão transcendental – este é um dos seus sentidos críticos. Não obstante, mesmo que o seu decesso já tenha sido anunciado um sem número de vezes, assistimos ao seu renascimento renovado. Efectivamente, com este filósofo da modernidade – tornado famoso entre outros, pela sua Crítica da Razão Pura –, a metafísica parece ultrapassada. Mas, se por um lado a parece derrotar pela Crítica, tem a convicção de que não se extinguirá, pelo menos, como uma disposição profunda da natureza humana. Neste sentido são esclarecedoras as palavras quase proféticas, com que termina a dita Crítica da Razão Pura: “podemos estar certos de que voltaremos sempre à metafísica como a uma amada com a qual por vezes discutimos; e isto, porque a razão, uma vez que se trata de fins essenciais, tem de trabalhar sem descanso ou na aquisição de um saber sólido ou na destruição dos bons conhecimentos já adquiridos.”

Quer queiramos quer não, a busca da permanência é algo que está profundamente enraizado no homem, enquanto e desde que o é, sendo uma das motivações fundamentais que o conduziram à filosofia. Deus e a imortalidade são as duas pedras angulares do instinto de segurança do ser humano.
No entanto, como refere James Jeans, antes de falarem, os filósofos devem pedir à ciência auxílio no que toca à eventual verificação de factos e hipóteses provisórias, só então, podendo a sua análise e discussão transcorrer legitimamente para o domínio da filosofia.
É interessante realçar, que quer Descartes quer Leibniz, que podem legitimamente considerar-se como dois dos principais alicerces da ciência, foram eminentes metafísicos.

Quando crianças e na adolescência nos começamos a questionar sobre questões insolúveis ou para as quais apenas recebemos respostas insatisfatórias, somos desde logo metafísicos:
- Onde está o avô que morreu, está no céu?
- O que é a alma?
- Quem é Deus?
- Quem fez Deus?
- Porque é que eu nasci?
- Porque tenho de morrer?

As questões metafísicas são questões sem resposta satisfatória, mas, mesmo assim, enquanto existirem homens estou certo de que não deixarão de ser formuladas. A sua inoperância é manifestamente suplantada pela angústia que decorre de uma inquietude essencial.

O homem, na eminência da sua extinção, sofre – a menos que, considerando o absurdo da sua existência tenha optado pelo suicídio. Na constatação de que morre sozinho – Pascal –, busca ardentemente um alívio, que é antes do mais, uma esperança, caso não se resigne à fatalidade do decesso. E a sua esperança reside em Deus e na imortalidade da alma.

Deus é o resultado de um julgamento espontâneo da razão – S. Tomás –, uma ideia inata – Descartes –, uma pura intuição intelectual – Malebranche –, a ideia resultante do poder unificador da razão humana – Kant –, um fantasma da imaginação – Huxley – ou o fracasso de um sem número de seres pensantes atormentados por uma angústia existencial?

O problema de Deus, da alma, do sentido da vida e da morte e suas implicações espirituais, não é susceptível de análise científica, não são factos empiricamente observáveis. A ciência reduz-se à explicação dos fenómenos, não às suas razões existenciais, aos porquês.
Mesmo que possamos conhecer a sua existência, não o compreendemos nem compreenderemos, por desconhecermos a sua essência.


A grande questão metafísica, segundo Leibniz, e na sequência deste, de Heidegger, é a de saber porque existe alguma coisa em vez de nada. É a grande questão da filosofia.
Existindo, o homem é um “ser-para-a-sua-morte”. Atormenta-nos a ideia que desde o momento do nosso nascimento começamos imediatamente a morrer, e morremos sozinhos. Conseguimos imaginar o nosso próprio nada? Ou algo de carácter imperativo, nascido nos confins da nossa mente, vem assegurar-nos a existência de uma alma imortal que um Deus criador receberá no seu seio após o nosso decesso?
Mas, se não conseguimos definir a vida, encontrar o seu sentido – se é que algum sentido tem –, como poderemos compreender a morte? Por outro lado, mesmo que ateste a minha existência, a minha essência e liberdade, estarei em condições de responder à questão: porque existe o ser em vez do não-ser, do nada?

Onde finda a metafísica, inicia-se a teologia, com as suas revelações, mediações e dogmas.
Se Pascal renunciou à filosofia em detrimento da religião, outros abandonaram-na em detrimento daquela, na esperança de que a razão solucionasse as suas mais profundas inquietações.
As religiões respondem na prática a todas as questões metafísicas. Mas, se a razão é absolutamente falível pelas suas naturais limitações, que dizer da fé, que não é uma afeição racionalizada, mas antes um sentimento?

Aristóteles considera que “ou se deve filosofar ou não se deve: mas para decidir não filosofar é ainda e sempre necessário filosofar; assim, em qualquer caso é necessário filosofar”, mesmo com o risco da metafísica ser remetida para o vidrão da reciclagem do conhecimento, facto expresso pelas palavras do poeta :
“Há metafísica bastante em não pensar em nada.”

Não serão os pensamentos dos homens meras brincadeiras de crianças, como afirmou Heraclito?


Havendo que aferir da utilidade ou inutilidade da metafísica, com base no pressuposto de que a filosofia deve ser um saber essencial na direcção da felicidade da vida humana, que filósofo melhor nos poderia orientar pelo caminho (in)seguro da razão do que Descartes? Que obra excelente nos poderá conduzir na indagação a que nos propomos, independentemente dos resultados e do modo desordenado como o faremos, que as suas Meditações Metafísicas?

René Descartes começou por procurar a verdade nos livros, nas obras consagradas e incontestadas de eruditos famosos. Não satisfeito, percorreu mundo, buscando a sabedoria no Grande Livro da Vida. Mas, as mesmas contradições dos filósofos, julgou encontrá-las na vida. A partir daí, decidiu investigar a tão almejada verdade em si mesmo, por intermédio do seu pensamento, fazendo ou pretendendo fazer tábua rasa de tudo o que havia aprendido.

Morreu em Estocolmo em consequência de rigorosa invernia sueca, com cinquenta e quatro anos, tendo sido sepultado no cemitério das crianças, que faleceram antes de terem atingido a idade da razão.

Ironia ou o ensinamento de que a verdade é propriedade dos “inocentes” e não de racionalistas?


(continua)


JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org

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