“Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação não tem sentido e também não tem sentido a nossa fé” (1 Co 15, 14).
S. Paulo
Desde os primórdios que o homem expressa uma tendência natural para demandar Deus, na natureza, nos entes e coisas, em si mesmo.
Ao homem primitivo assustavam-no os fenómenos naturais, o aparecimento em sonhos dos antepassados falecidos, as inquietações para que não tinha qualquer resposta, em especial para a morte.
O medo levou-o a criar deuses, que justificou com revelações imemoriais. Com eles o pensamento instituiu as crenças na reincarnação e na ressurreição, qual delas a mais ilógica e desesperada.
Os deuses foram sendo criados à imagem e semelhança dos homens.
No entanto, é possível e plausível, que a primeira ideia dos povos ancestrais quanto à existência de um ser superior tenha recaído em entidades maléficas, agressivas e punitivas, de poder temível. Poder este, que depois viria a ser atribuído a um deus de amor, de modo qualitativa e quantitativamente superior, de forma a que este pudesse derrotar aquelas e pela súplica as nossas aflições e padecimentos.
O homem sofre, angustia-se, tem medo, sentimentos de culpa e simultaneamente quer ser o centro do universo, ocupar o grau mais elevado da criação. Por isso criou deuses, a maioria pessoais. Falsos e limitados como o pensamento e como convém a mentes estreitas, condicionadas e envelhecidas, mentes que pedem, imploram, oferecem bens e sacrifícios em troca de favores. Já Platão se referia pejorativamente a todos os que consideravam de forma aberrante, que Deus pudesse ser propiciado com dádivas e ofertas; a divindade estaria assim, a par dos cães que ludibriados e amansados com alimentos de boa qualidade, deixavam depredar os rebanhos e abaixo dos homens comuns, que seriam incapazes de atraiçoar a justiça, por via de presentes oferecidos com intenção delituosa.
Podemos perguntar-nos se Deus existe?
O Deus cristão é normalmente invocado como Pai, porquanto criador do mundo. Na linguagem da fé católica Deus é o princípio, o criador do mundo, a origem de tudo o que existe, dotado de autoridade transcendente, o Todo-Poderoso, e simultaneamente a suprema manifestação inequívoca do amor pela sua criação, em especial pelo homem. Mas o Deus cristão é trinitário e basicamente são inseparáveis as pessoas divinas. Segundo a doutrina, a Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai, procedendo o Espírito Santo do Pai enquanto fonte primeira e, pelo dom eterno do Pai ao Filho, procede do Pai e do Filho em comunhão - veja-se neste sentido Santo Agostinho, De Trinitate.
Suponhamos que sim. Essa existência não confirma de modo algum a existência de uma alma no homem, ou seja, algo que permita a sua permanência após a morte.
Mas mesmo que Deus não exista, também nada nos garante que o homem não possa estar dotado de uma alma que lhe consinta o gozo da eternidade.
Assim, o que interessa ao ser humano – numa perspectiva prática – é indubitavelmente a sua continuidade no tempo, ou seja, a existência no seu corpo físico, corruptível, de uma alma que lhe permita vencer a morte, a corruptibilidade.
Não iremos afirmar que Deus não existe ou que a alma é uma pura invenção de mentes atormentadas, até porque, muito provavelmente iremos passar o resto dos nossos dias buscando-os, apesar da consciência que temos da dificuldade ou quase impossibilidade de atingirmos tal conhecimento ou revelação.
Neste particular, não nos cumpre argumentar a favor ou contra a existência de Deus e da Alma. Já o fizemos ainda que sinteticamente noutros espaços, nomeadamente no nosso blogue:
A razão deste sítio prende-se única e exclusivamente com a validade do Cristianismo enquanto religião e consequentemente da fé católica.
«Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur, neque confundentes personas, neque substantiam separantes; alia enim est persona Patris, alia Filii, alia Spiritus Sancti una est divinitas, aequalis gloria, coaeterna majestas (Símbolo «Quicumque»).», o que quer dizer, “A fé católica é esta: veneramos um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas nem dividir a substância: porque uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas, do Pai e do Filho e do Espírito Santo, uma só é a divindade, igual a glória, coeterna a majestade”.
Não nos alongando em demasia, confundindo o essencial com o acessório, não iremos debater de modo sistemático os dogmas da Igreja Católica, escrupulosamente confrontados com a Bíblia. Outros já o fizeram, nomeadamente Pepe Rodríguez que numa análise aprofundada desses escritos afirmou “que o maior inimigo dos dogmas católicos são as próprias Escrituras, já que estas os refutam à vista desarmada”. Para este autor, são muitas as “mentiras fundamentais da Igreja Católica”, que manipulou deliberadamente a Bíblia. Assim, Jesus foi um judeu que não teve em momento algum a intenção de fundar uma religião ou igreja, bem como alguns dos dogmas principais do catolicismo contrariam frontalmente o facto de os apóstolos não terem qualquer convicção estruturada quanto à natureza divina de Cristo, quanto à virgindade de Maria e quanto à ressurreição.
Dito de uma forma muito clara e sintética, privilegiando o substancial e o que no nosso entender nesta sede releva, ou Jesus é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai, o que quer dizer que n’Ele e com Ele é o mesmo e único Deus ou é apenas um homem que foi transformado em Deus, por via de um erro de juízo, se se quiser falsidade, ainda que desculpável.
Dito de outra forma, ou Jesus ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos Céus onde está sentado à direita de Deus, Pai Todo-Poderoso, ou não ressuscitou.
Em bom rigor, a verdade da divindade de Jesus seria confirmada pela ressurreição, que é também princípio e fonte da nossa ressurreição futura. A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da fé em Cristo, tendo a virtude divina preservado o seu corpo da corrupção – S. Tomás de Aquino.
Se não ressuscitou o cristianismo é um erro ou uma “falsidade” como já mencionámos.
Como também se não pode ser cristão sem que se creia firmemente no dogma da ressurreição e por via dela a nossa própria ressurreição num corpo glorioso, não corruptível.
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As religiões nascem ou de antigas tradições, que vão sendo aperfeiçoadas no seu conteúdo teológico ou até de um simples acaso, como ocorreu com o cristianismo.
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Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso de mais para fingir
De segunda pessoa da trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas –
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era uma mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
«Se é que ele as criou, do que duvido» -.
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres».
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
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Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo o que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos os dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos às cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
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Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?
Fernando Pessoa
***
Quando Jesus nasceu, a denominada Terra Santa estava sob o domínio romano. O Império, numa atitude de inteligente condescendência, permitia que as populações dos territórios ocupados mantivessem alguma autonomia, quer a nível religioso quer político, amenizando assim o espírito de revolta inerente a todas as situações que envolvem a perda de soberania e consequente descaracterização de valores e costumes próprios dos subjugados.
Herodes, o Grande, governava a Palestina, com a anuência e vigilância do Imperador romano. Quando morreu, o reino foi dividido pelos seus três filhos, Arquelau, Herodes Antipas e Filipe. O primeiro governou a Edumeia, a Judeia e a Samaria. O segundo, a Galileia e a Pereia. O último, a Transjordânia. Arquelau incompatibilizou-se com o Império, ao que os seus territórios passaram a ser governados por um procurador romano. Por isso encontramos Pôncio Pilatos em Jerusalém aquando da morte de Jesus. Até aos dias de hoje, foi de todo impossível estabelecer a sua data de nascimento; possivelmente nasceu entre três e sete anos antes da nossa era.
Segundo Mateus, Maria concebeu e deu à luz Jesus, sem que José a tivesse “conhecido” (Mt 1, 25). O seu nascimento teria ocorrido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes (Mt 2, 1), que ao que parece terá falecido no ano quarto a.C.. Avisados de que este pretendia matar o menino, fugiram para o Egipto, onde permaneceram durante algum tempo (Mt 2, 13-15). Morto Herodes, o Grande, terão retornado à terra de Israel, porém, José teve conhecimento, que Arquelau reinava na Judeia em lugar de seu pai, e tendo medo retirou-se para a região da Galileia, indo morar numa cidade chamada Nazaré (Mt 2, 19-23).
A partir daqui, Lucas refere que o Menino crescia e robustecia-Se, enchendo-Se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele, narrando o episódio do templo, quando tinha doze anos, estarrecendo os doutores com as suas perguntas e respostas (Lc 2, 40-51). Daqui, até ao início do seu ministério apenas se conhecem as palavras de Lucas. “E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).
Qual foi a educação de Jesus até aos doze anos? Na Índia, com os Essénios em Qumran, com algum mestre desconhecido ou com os seus pais denotando uma sabedoria inata e precoce? E onde é que esteve entre os doze e os trinta anos? Na Índia ou entre os Essénios? Desenvolvendo individualmente as suas capacidades? São múltiplas as hipóteses com milhares de obras e milhões de páginas gastas com um problema insolúvel. A verdade é que o Jesus histórico, a sua personalidade e ensinamentos, ter-se-ão perdido no vazio dos tempos. Em bom rigor, os primeiros textos sobre a sua vida só terão sido escritos – excepcionando-se as cartas de Paulo, a que nos iremos referir em momento posterior – dezenas de anos após a sua crucificação – entre os anos 70 e 100 –, e é de todo injustificável a construção de doutrinas, algumas absolutamente aberrantes, desprovidas da menor consistência histórica e lógica, que apenas têm como intuito a venda de “livros da moda”.
Nunca se escreveu tanto na história da humanidade sobre alguém de que se sabe tão pouco.
Para o conhecimento da vida de Jesus, contamos essencialmente com os quatro Evangelhos canónicos do Novo Testamento – atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João –, muito especialmente no período que vai do início do seu ministério até à eventual ressurreição, e dos apócrifos – que foram rejeitados pela Igreja e como tal não são considerados livros sagrados –, sem olvidar os “Actos dos Apóstolos”, atribuídos a Lucas. Os três primeiros Evangelhos dizem-se sinópticos, pelo paralelismo ou visão de conjunto que se torna possível estabelecer entre eles.
O ministério de Jesus tem como antecâmara a pregação de João Baptista no deserto da Judeia, dizendo “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3, 1-3). Então, Jesus que deveria ter cerca de trinta anos veio ter com ele para ser baptizado (Mt 3, 13). Após a prisão de João, Jesus retirou-se para a Galileia, tendo ido habitar em Cafarnaum, começando a pregar a partir deste momento (Mt 4, 12-17).
Pelas narrações evangélicas tudo leva a crer que Jesus estava convicto da proximidade do Reino dos Céus, transmitindo-o aos seus discípulos que aderiram à palavra do Mestre. O próprio Paulo, que não foi um dos seus discípulos iniciais, como veremos infra, decorridos mais de 20 anos após a morte de Jesus ainda aguardava a sua vinda. Vinda essa que tardava e ainda tarda, para julgar os vivos e os mortos.
Depois de iniciar o seu ministério, começou Jesus a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, curando o povo de todas as doenças. “A Sua fama estendeu-se por toda a Síria e trouxeram-Lhe todos os que sofriam de qualquer mal, os que padeciam de males e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos e os paralíticos; e Ele a todos curou.
Seguiram-nO grandes multidões, vindas da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia e de além do Jordão” (Mt 4, 23-25).
Os Evangelhos referem constantemente o facto de Jesus ser seguido por grandes multidões e a realização de inúmeros e fantásticos milagres nos lugares por onde andou, à excepção de Nazaré, por causa da falta de fé da sua gente – “Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa”.
Este facto faz com que estranhemos sobremaneira a atitude dos investigadores da época de Jesus. A anuência das multidões à sua palavra, a realização de curas verdadeiramente milagrosas e a sua aparição num corpo glorioso após a ressurreição a mais de 500 pessoas como afirma Paulo (1 Cor 15, 3-8), não poderiam passar desapercebidas a inúmeros historiadores, tais como, Suetónio (65-135) e Plínio, o Jovem (61-114) – que se referem à seita dos cristãos, mas nada escrevem sobre Jesus –, a Flávio Josefo, autor de uma obra denominada “Antiguidades Judaicas”, publicada por volta do ano 90 – onde refere Herodes, João Baptista e Pôncio Pilatos, mas também nada escreve sobre Jesus. Dois contemporâneos de Jesus, também não escrevem nada sobre a sua vida e obra: Fílon de Alexandria, e o mais estranho, Justo, que viveu em Tiberíade, nas proximidades de Cafarnaum – onde Jesus terá arrastado multidões e realizado inúmeros milagres, como Mateus mencionou e já referimos supra. Apenas Tácito (55-120), refere um homem de nome Cristo, crucificado no tempo do imperador Tibério, pelo governador Pôncio Pilatos.
Se os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, se aproximam da verdade histórica, então Jesus tinha medo da morte: “ (...) Jesus chegou com eles a um lugar chamado Getsémani e disse aos discípulos: «Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar». E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. Disse-lhes então: «A Minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai Comigo». E, adiantando-Se um pouco mais, caiu com a face por terra, orando e dizendo: «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice; todavia, não seja como Eu quero, mas, como Tu queres» (Mt 26, 36-39) – veja-se Marcos 14, 32-37 e Lucas 22, 39-45.
Tudo nos leva a crer que Jesus não pretendia morrer, que esse não era o seu desígnio e vontade, não obstante a doutrina cristã, mais especificamente a católica, tenha esboçado com argúcia alguns argumentos que justificam tal atitude por parte de um Deus feito homem na sua missão salvífica, última fase da sua missão messiânica – Jesus morto, desceu aos infernos ou terra dos mortos, abrindo aos justos que o haviam precedido os portais do Céu, vencendo o Diabo, “que tem o poder da morte” (He 2,14), e ressuscitou ao terceiro dia no cumprimento das promessas do Antigo Testamento, libertando-nos do pecado pela sua morte e pela ressurreição anunciado a Boa-Nova de uma renovada vida em Deus.
Jesus foi condenado à morte por crucificação. Esta forma de pena era brutal, pela duração da agonia e pela dor que causava, não estando destinada aos cidadãos romanos, mas tão-somente aos “criminosos” dos povos dominados. Com ela, pretendia o império aterrorizar os rebeldes e todos os que atentavam gravemente contra si e contra a ordem pública.
O peso do corpo da vítima, quando suportado apenas pelos pulsos, levava à sua lenta sufocação, sobrevindo a morte em cerca de seis horas. Para minimizar o sofrimento dos condenados, por vezes, partiam-se-lhes as pernas, o que tornava a asfixia mais rápida. Tal procedimento terá ocorrido no tocante aos dois homens que foram crucificados com Jesus, já após este ter rendido o espírito, de molde a que os corpos não ficassem na cruz, pois estava-se no dia da Preparação – dia que antecedia o sábado, que excluía qualquer tipo de execução e começava com o pôr-do-sol de sexta-feira, correspondendo neste particular ao início das festas pascais judaicas (Jo 19, 31-33). Jesus nessa altura, já havia sido considerado morto, tendo-se limitado um soldado a perfurar-lhe o lado com uma lança (Jo 19, 34).
Terá sido pregado na cruz na hora sexta ou meio-dia, e considerado morto na nona hora ou três da tarde. Ao anoitecer – talvez pelas seis horas da tarde – o corpo foi retirado da cruz – iniciava-se o sábado e tudo leva a crer que a crucificação de Jesus e dos dois malfeitores foi feita à pressa (Mt 26, 5).
Ora, os Evangelhos sinópticos referem que Jesus antes de entregar o espírito ao Pai, terá dado um grande grito, o que teoricamente é de todo impossível para quem está a falecer por asfixia. A ausência ou insuficiência de oxigénio ocasiona uma debilidade que torna impossível qualquer brado ou manifestação vocal vigorosa. “Desde a hora sexta, até à hora nona, as trevas envolveram toda a terra. E, cerca da hora nona, Jesus clamou em alta voz: «Elli, Elli, lema sabacthani?» isto é: «Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?». Alguns dos que ali se encontravam, disseram ao ouvi-Lo: «Está a chamar por Elias». Um deles correu imediatamente, tomou uma esponja, embebeu-a em vinagre e, fixando-a numa cana, dava-lhe de beber. Mas os outros disseram: «Deixa, vejamos se Elias vem salvá-Lo!». E, clamando outra vez em alta voz, expirou.” (Mt 27, 45-50) – veja-se também, Mc 15, 37, que refere um grande brado e Lc 23, 46, onde se diz que Jesus exclamou, dando um grande grito: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito», expirando de seguida.
Não vamos tão longe como Nicolai Notovitch, que publicou em 1887 “A desconhecida vida de Jesus” ou mais recentemente – mas na esteira daquele – o teólogo Holger Kersten, que afirma ter Jesus, após a “ressurreição” vivido e sido sepultado na Índia. Este último aventa a hipótese de ter sido dado a Cristo, não vinagre, mas uma substância extraída de uma planta, como a Erva-andorinha, que provoca em doses ponderais mas não letais, um estado cataléptico semelhante ao da morte, em que todos os sinais vitais, como a respiração e a pulsação se tornam imperceptíveis. Isto explicaria a rendição do espírito, logo após a administração da “substância”, identificada como vinagre – o vinagre tem um efeito estimulante, que facilitava a agonia dos condenados, mas que não acelerava o processo executório.
Os factos conducentes a tais conclusões são no nosso entender falíveis, tal como falível é toda a tentativa de definir com rigor o Jesus histórico.
No entanto, tudo aponta para que tenha sobrevivido à crucificação. A morte aparente ou estado cataléptico era um fenómeno bastante usual na antiguidade e até há bem pouco tempo – quem é que não recorda episódios de pessoas que foram sepultadas vivas?!
É essa a nossa intuição. Jesus sobreviveu à crucificação.
Em Marcos, Maria de Magdala, Maria mãe de Tiago, e Salomé, quando se preparavam para o embalsamar, constataram que já não estava no sepulcro talhado na rocha, cedido por José de Arimateia, tendo um anjo anunciado a sua ressurreição e a sua vontade de encontrar os discípulos na Galileia (Mc 16, 1-8). Terá aparecido primeiramente a Maria de Magdala, depois a dois dos discípulos, para aparecer finalmente aos onze, quando estavam à mesa, censurando-lhes a incredulidade (Mc 16, 9-14).
Segundo Mateus, aparece a Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de José, e Salomé, e a Maria de Magdala, no primeiro dia da semana, após estas terem verificado que o túmulo se encontrava vazio, ordenando-lhes que dissessem aos seus discípulos que partissem para a Galileia onde pretendia encontrar-se com eles (Mt 28, 1-10). Os onze discípulos – Judas imerso em remorsos ter-se-ia suicidado (Mt, 27, 3-5) – partiram para a Galileia, onde se viriam a encontrar e a adorar Jesus.
Lucas refere que as mulheres encontraram a pedra do túmulo removida e entrando não encontraram o corpo de Jesus. Estando perplexas com a ocorrência, apareceram-lhe dois homens em trajes resplandecentes, que lhes deram conta da ressurreição. O próprio Pedro, por elas informado, deslocou-se ao sepulcro, onde apenas viu as ligaduras e o sudário (Lc 24, 1-12). No caminho de Emaús, apareceu a dois discípulos, que inicialmente o não reconheceram (Lc 24, 13-16) e posteriormente aos onze (Lc 24, 36). Encontramos idêntica narração no Evangelho de João.
Nos Actos dos Apóstolos, o mesmo Lucas, refere: “No meu primeiro escrito, ó Teófilo, narrei tudo quanto Jesus foi fazendo e ensinando, até ao dia em que, depois de ter dado, por meio do Espírito Santo, as suas ordens aos apóstolos que escolhera, foi elevado ao céu. A eles também, depois da sua paixão, deu-se a ver vivo, com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas do reino de Deus.” (Actos, Proémio, 1, 1-3).
Como vemos, existem múltiplas discordâncias nos textos sagrados quanto às aparições de Jesus ressuscitado.
Mas como se não bastasse, a prova mais antiga de que temos conhecimento acerca das aparições de Jesus ressuscitado, surge-nos na Primeira Epístola aos Coríntios, de Paulo, chamado a ser apóstolo, como ele próprio refere.
Nesta carta afirma ter transmitido o que lhe havia sido entregue, nomeadamente uma sucessão das aparições do Senhor ressuscitado:
- a Cefas (Pedro);
- aos Doze – e não aos onze como refere Mateus;
- em seguida, de uma só vez a mais de quinhentos irmãos, a maioria dos quais viveriam à data em que a carta foi escrita – talvez por volta do ano 56;
- a Tiago – irmão de Jesus;
- depois a todos os Apóstolos – aqui Paulo não se refere aos Doze, motivo pelo qual nos parece que se refere a um grupo mais alargado de discípulos;
- e finalmente ao próprio Paulo.
(1 Cor 15, 3-8)
Nesta sede levanta-se-nos uma nova questão, como consequência das narrações dos Evangelistas e de Paulo. Qual a aparência do corpo de Jesus ressuscitado?
Mateus não faz qualquer alusão a um Jesus transfigurado num corpo espiritual, dificilmente reconhecível, como refere no episódio de aparecimento às santas mulheres (Mt 28, 8-10) e, no que respeita ao encontro com os onze na Galileia limita-se a referir que “alguns ainda duvidavam” (Mt 28, 16-17).
O mesmo acontece com Marcos. Narra que Jesus apareceu a Maria de Magdala, e depois a dois discípulos com um “aspecto diferente”, e finalmente aos onze (Mc 16, 9-14).
Lucas aludindo à ressurreição e à aparição de Jesus aos dois apóstolos no caminho de Emaús, diz-nos que “os olhos deles estavam impedidos de O reconhecerem”. Jesus só terá sido reconhecido quando à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e o partiu, dividindo-o; aí, “abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-n’O; mas Ele desapareceu da sua presença” (Lc 24, 13-31). Quando apareceu aos onze, estes “julgaram ver um espírito”, ao que lhes disse: “Vede as Minhas mãos e os Meus pés; sou Eu mesmo. Palpai-Me e olhai que um espírito não tem carne, nem ossos, como verificais que Eu tenho”. E perguntando se tinham algo para comer, comeu junto deles (Lc 24, 36-43), como já havia feito junto dos dois discípulos (Lc 24, 30).
Daqui ressalta, que tanto podia comer quanto se lhe podia tocar.
João em Evangelho tardio realça também o facto de Jesus não ser reconhecido por Maria de Magdala (Jo 20, 14-16) e pelos discípulos (Jo 21, 1-14). Mas quando apareceu no meio dos discípulos, mostrou-lhes as mãos e o lado, ao que o reconheceram (Jo 20, 19-20), à excepção de Tomé que não se encontrava presente. Oito dias depois desta aparição, Tomé que assumia uma posição de dúvida – “Se eu não vir o sinal dos cravos nas Suas mãos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e não meter a mão no Seu lado, não acreditarei” – foi convidado por Jesus a fazê-lo, reconhecendo-O (Jo 20, 24-28).
Não será despiciendo realçar a visão de Paulo quanto à ressurreição de Jesus, justificando deste modo a ressurreição dos mortos, até por ter sido interveniente numa das aparições. À pergunta como ressuscitam os mortos e com que espécie de corpo voltam (1 Cor 15, 35), responde que na ressurreição cada homem terá um corpo que não será físico mas espiritual (1 Cor 15, 44), já que a carne e o sangue não podem participar do Reino de Deus (1 Cor 15, 50). Os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós (os vivos) seremos transformados. O corpo mortal revestir-se-á de imortalidade (1 Cor 15, 52).
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Como já anotámos, Jesus não terá morrido na cruz. “Ressuscitado” de uma morte aparente terá aparecido por várias vezes, num tempo indeterminado a uma multidão de pessoas, tudo levando a crer que no seu próprio corpo físico, com a aparência alterada – v.g., barba, cabelo, vestes –, até porque se assim não fosse arriscaria a perseguição pelas autoridades, tão temidas pelos discípulos que tinham consciência plena de que as suas vidas corriam perigo, facto que os levou a esconderem-se.
As inúmeras contradições quanto ao aspecto do seu corpo e ainda da afirmação de Paulo que Jesus foi visto de uma só vez por mais de quinhentas pessoas, fundamentam esta tese – se foram mais de 500 pessoas, a maioria dos quais viveriam à data em que a carta foi escrita, na presença de um corpo “espiritual”, inexistiriam tantas contradições e as descrições multiplicar-se-iam.
As aparições de Jesus, considerado morto, devem ter fortalecido a fé dos discípulos, homens simples e crentes num novo Deus, misericordioso e compassivo (Act 2, 1-13), levando-os à evangelização, não obstante a feroz oposição judaica. A Nova Aliança – toda a Bíblia é a história de alianças estabelecidas entre Deus e os homens –, teve como arrebatado opositor, Saulo ou Paulo, que para além de aprovar a morte do primeiro mártir, Estevão (Act 7, 54-60), devastava a Igreja nascente, indo de casa em casa, arrastando homens e mulheres, entregando-os à prisão (Act 8, 1-3).
Foi este Saulo, que quando se dirigia para Damasco, perseguindo homens e mulheres desta “Via”, encontrou Jesus, que lhe terá perguntado: «Saulo, Saulo, porque me persegues?» (Act 9, 1-5 e 1 Cor 15, 3-8). Convertido, começou imediatamente a proclamar que Jesus era o Filho de Deus (Act 9, 20) – veja-se ainda Act 22, 5-16 e 26, 10-18 –, considerando-se Apóstolo por vocação, escolhido para anunciar o Evangelho (Rom 1, 1).
É indubitável que os mais antigos documentos conhecidos do cristianismo foram escritos por Paulo – as Cartas. Homem psicologicamente complexo e possuidor de vasta cultura, ao contrário dos discípulos, simples e iletrados (Act 4, 13).
Provavelmente, na sua ambição de liderar uma religião nascente, que não privilegiava judeus, estendendo-se aos gentios, a todos os homens e mulheres de boa vontade, e que não obstante o fraco nível dos seus pregadores crescia com uma celeridade inesperada, previu a sua projecção no futuro e a possibilidade de atingir a celebridade. A este facto, poderá acrescer um sentimento de culpa pelas perseguições realizadas. Se bem atentarmos, nas Cartas, Paulo não refere a doutrina real de Jesus, as suas parábolas, mas privilegia a sua própria doutrina. Foi quer queiramos quer não, o organizador do cristianismo, que assim, antes, havia de se denominar paulinismo, por expressar a sua filosofia e teologia – entre outros, associou a morte de Jesus, Filho de Deus, à redenção dos nossos pecados, deu corpo aos dogmas da trindade e do pecado original.
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O mistério da Santíssima Trindade é o mistério que centraliza a fé. É Deus, verdade fundamental da religião – esta pressupõe no sentido canónico o conhecimento de Deus, os deveres por Ele impostos, e os meios que nos conduzem a Ele –, que se nos revela como Pai, Filho e Espírito Santo. Em Deus existem três Pessoas, todas com a mesma natureza. Basta que uma falte para que algumas colunas do templo se desmoronem e com elas todo o edifício.
Não tendo havido ressurreição, e sendo Jesus apenas um homem, se se quiser, Profeta ou Iluminado, mas não Filho de Deus e Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo, o Cristianismo cai por terra, arrastando consigo a Igreja Católica e todas as outras que se fundamentam na sua divindade.
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Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
«Constituição íntima das coisas»...
«Sentido íntimo do universo»...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, “Aqui estou!”
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
Fernando Pessoa
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Finalizamos este artigo como o iniciámos, nas palavras de Paulo:
“Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação não tem sentido e também não tem sentido a nossa fé” (1 Co 15,14).
Então, o Cristianismo é um erro. É uma falsa religião.
Facto que não se constitui como uma catástrofe, mas como provocação a uma nova religiosidade que não se estribe numa fé dogmática e cega, na autoridade de qualquer Igreja, antes na obrigação de cada um por si, encontrar o seu caminho para Deus ou para a sua própria Alma – talvez a busca da Alma seja em si mesma a busca de Deus.
Santo Agostinho nos Solilóquios dizia: “Não Te achava fora, Senhor, porque Te buscava mal buscando-Te fora, pois estavas dentro”
Se o Reino dos Céus está em nós, que necessidade temos de o procurar fora? Que necessidade temos de mestres, gurus, intermediários designados por instituições falíveis no seu cego dogmatismo e oportunismo, cegos que intentam conduzir outros cegos?
O Evangelista João disse que a verdade nos tornará livres (Jo 8, 32) e P. Rodríguez, “a mentira, crentes”.
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Que cada um encontre a sua Verdade e viva em plena liberdade.
Que cada um percorra a sua senda, e não desista nunca por ser sinuosa, incerta, demorada e dificultosa.
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(SITE PESSOAL)
Texto extraído do blogue :