AUTO- INVESTIGAÇÃO
Vicharasangraham
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INTRODUÇÃO
(ver -
- RAMANA MAHARSHI – MEDITAÇÃO – QUEM SOU EU?
Vida e ensinamentos de Bhagavan Sri Ramana Maharshi
Onde se explana o método preconizado por Maharshi de uma forma sucinta e imediatamente compreensível.
Veja-se ainda –
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Ramana Maharshi nasceu em 30 de Dezembro de 1879 em Tiruchuzhi, no sul da Índia, e faleceu no dia 14 de Abril de 1950.
Aos 16 anos Maharshi compreendeu a sua identidade com o Absoluto. Nessa altura ele ainda não sabia ainda que existia uma essência ou Ser impessoal subjacente a tudo, e nem que Deus e nós somos idênticos a essa essência ou Ser.
Mais tarde, o próprio Ramana, depois de ter lido muitas obras em tamil, na maioria tidas por sagradas, que lhe foram doadas por discípulos e visitantes, afirmou que tinha captado a sua identidade com o Absoluto e que tudo o que ensinara, o fora de modo intuitivo.
Como tinha uma memória extraordinária, acumulou uma vasta erudição. No entanto, tais obras apenas comprovavam o que sabia por experiência própria e por intuição.
Auto-realização ou Sahaja Samadhi é aquele estado em que a mais pura e abençoada compreensão é constante e ininterrupta, sem que se impeçam, contudo, as percepções e actividades normais da vida. É algo muito raro.
No caso de Ramana, a compreensão ocorreu muito rapidamente, sem procura, sem luta, sem preparação consciente.
Não foi absorvido por pensamentos obscuros, foi uma verdade viva que brilhou através dele e que fez com que a compreendesse directamente, quase sem o processo do pensamento.
O medo da morte desapareceu de vez e a absorção no Ser continuou ininterrupta desde então.
Anteriormente àquela crise não tinha uma percepção clara do seu “Eu” e não se sentia atraído conscientemente por ele. Aquele cujo interesse se centraliza no ego, sendo um ser à parte, tem um enorme pavor da morte, morte que ameaça a dissolução do ego, ao passo que na sua experiência, o medo da extinção desapareceu completamente, com a inerente compreensão de que o “Eu” se funde com o Si universal e imortal, que é o Espírito.
É possível ao homem ser possuído por duas entidades, dois “Sis”? Para o apreender é necessário que o homem se investigue a si mesmo, porque temos o hábito de pensar como os outros pensam. Nunca encaramos correctamente o “Eu”.
O homem identifica-se erroneamente com o corpo e com o cérebro.
Por isso, devemos persistir continuadamente com a investigação “Quem sou eu?”.
G. Seshayyar - Sentado da esquerda para a direita na fila de Ramana no 2º lugar
Durante os primeiros anos em Virupaksha, quando ainda guardava silêncio, redigiu em várias ocasiões, instruções para um seu discípulo, Gambiram Seshayyar. Depois da morte deste, as mencionadas instruções foram ordenadas e publicadas com o título de “Auto-investigação”.
Do mesmo modo e na mesma época, as suas respostas dadas a Sivaprakasam Pillai foram ampliadas e compostas em forma de livro sob o título de “Quem sou Eu?”.
Estes dois livros são os únicos escritos em prosa por Sri Bhagavan Ramana Maharshi.
Pillai
Escreveu alguns poemas e fez algumas traduções, entre as quais a do livro Viveka-Chuda-Mani (A Jóia Suprema do Discernimento) de Shankaracharya, que correspondia à doutrina que Ramana ensinava e que era o mais puro Advaita. No entanto, não tinha sido o pensamento de Shankaracharya a orientar Bhagavan na senda da liberdade. Ramana obteve o estado de libertação antes de conhecer os escritos de Shankaracharya, não obstante viesse a reconhecer no representante do Vedanta não-dualista a verdade que havia experienciado.
Shankaracharya
É sabido que algum ensinamento teórico é necessário para formar a base do trabalho espiritual concreto em cada um de nós. Com Ramana este ensinamento foi o da não-dualidade, em sintonia com os ensinamentos do grande sábio hindu Shankaracharya.
O ensinamento de Bhagavan é uma expressão da sua própria experiência e realização, confirmadas pela doutrina de Shankaracharya.
Faleceu no dia 14 de Abril de 1950 com a certeza de que apenas o corpo morre, o que não constitui qualquer tragédia.
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Tentaremos produzir uma versão* quase integral da tradução realizada pelo Grupo Arunachala para português (do Brasil), baseada na tradução da versão revista do original em Tamil publicada por T.N.Venkataraman, Presidente Sri Ramanasraman, em Tiruvannamalai, em 1957, que transmita na sua essência os ensinamentos de Sri Ramana. Tenha-se em consideração que para a prática do seu método espiritual é praticamente de leitura obrigatória a sua outra obra em prosa, Nan Yar – Quem sou Eu?.
- * Versão que nalgumas partes foi resumida, tendo em vista o paralelismo existente entre esta primeira obra e a Nan Yar, que é especificamente dirigida ao método espiritual da auto-investigação “Quem sou Eu?”, facilitando a sua leitura pelo público em geral, pela supressão de alguns ensinamentos que pressupõem um conhecimento mais ou menos aprofundado da religião hindu. Atente-se que Ramana escreveu Nan Yar muito novo, mas nunca modificou a doutrina durante a sua existência neste mundo. O método descrito em “Quem sou Eu?” é na perspectiva de Maharshi o único que pode conduzir à Libertação. –
Maharshi subindo Arunachala com um discípulo
José Maria Alves
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AUTO-INVESTIGAÇÃO
VICHARASANGRAHAM
Instruções dadas por escrito por Sri Ramana Maharshi nos dias do seu silêncio, cerca do ano de 1901, ao seu discípulo Gambiram Seshayyar.
Os ensinamentos constantes destes escritos têm por essência:
- Através da constante meditação no Ser realize a perfeita Bem-Aventurança.
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CAPÍTULO I
Investigação no âmago do nosso próprio Ser.
Neste capítulo é esclarecida a senda da investigação no âmago do nosso próprio Ser sob a forma de “Quem Sou Eu?”.
1 –
O sentimento do “eu”, revelado em todas as nossas sensações como “eu vim”, “eu era”, não é inato e comum a todos os indivíduos? Ao investigar a significação desse facto, torna-se evidente que o movimento e funções similares pertencem ao domínio do corpo; essas sensações só se manifestam desse modo por uma única razão: porque o corpo está identificado com o “eu”.
Pode o corpo ser essa “consciência do Eu”?
Antes do nascimento este corpo não estava na consciência do “Eu”. É composto por cinco elementos. Está ausente durante o sono profundo tornando-se um cadáver com respiração. É evidente que o corpo não pode ser essa consciência do “Eu”.
Este sentido do “eu”, que emerge do corpo, é igualmente denominado ego, ignorância, ilusão ou individualidade. A finalidade de todas as Escrituras está centrada na investigação meticulosa do Si. Nelas declara-se, que a destruição do sentido do ego é libertação. Como podemos permanecer indiferentes a esta verdade? Pode o corpo, que é inanimado, como um velho pedaço de madeira, cintilar e operar como o “Eu”? É óbvio que não! Portanto, encaremos este corpo inanimado como sendo um cadáver. Nem sequer devemos murmurar a palavra “eu”, mas devemos investigar intensa e profundamente dentro de nós mesmos o que é que agora brilha no âmago do Coração como “Eu”.
- O “eu” (minúsculo) refere-se ao carácter e personalidade. O “Eu” (maiúsculo) expressa o Si, objecto da auto-investigação. –
Transcendendo o incessante fluxo de inúmeros pensamentos, surge no Coração com o “Eu”, “Eu”, a contínua, ininterrupta, silenciosa e espontânea consciência do Si.
Se nos ancorarmos nela e permanecermos tranquilos, o sentido do “eu” no corpo perecerá por si próprio, como fogo de cânfora.
Os sábios e as Escrituras afirmam que isto é libertação.
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2 –
O véu da ignorância nunca poderá ocultar completamente o ser individual. Como o poderia?
Nem mesmo os ignorantes deixam de falar do seu “eu”.
A ignorância só faz ocultar a realidade: “Eu sou o Ser”, “Eu sou pura Consciência”, e confundir o “Eu” com o corpo.
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3 –
O Ser fulgura por si. Não é necessário construir nenhuma imagem mental do Ser, qualquer que ela seja. O próprio pensamento, que a imagina já é servidão, uma vez que o Ser é o esplendor que transcende a escuridão e a luz e não deve ser imaginado pela mente. O Ser brilha espontaneamente, tal como o Absoluto.
Esta investigação do Ser na meditação devocional desdobra-se no estado de absorção da mente no Supremo e conduz à Libertação e à indescritível Bem-Aventurança. Os grandes sábios têm declarado que apenas com a ajuda desta escrupulosa investigação devocional do Ser pode a libertação ser alcançada.
O ego, sob o aspecto de “ideia do eu”, é a raiz da árvore da ilusão. A sua destruição desfaz essa ilusão à semelhança de uma árvore derrubada pelo corte das suas raízes. Somente este método, que facilita a erradicação do ego, é digno de ser chamado de devoção (bakthi), conhecimento (jnana), união (yoga), ou meditação (dhyana).
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4 –
Na consciência de que “eu sou o corpo” estão englobados os três corpos: o físico, o subtil e o causal, respectivamente dos estados de vigília, sonho e sono profundo, compostos pelos cinco invólucros: material, sensitivo, mental, intelectual e da bem-aventurança.
Se essa consciência for removida, todo o resto desaparecerá por si mesmo; pois os demais corpos dependem dela. Não há necessidade de fazer operar uma eliminação separada, porque as Escrituras declaram, que a escravidão é exclusivamente o pensamento.
O imperativo final das ditas Escrituras é que o melhor método para que nos livremos da servidão do pensamento consiste em sujeitar a mente ao Si, mantendo-se totalmente calmo e emergindo na fonte do nosso Ser.
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CAPÍTULO II
A Natureza da Mente.
Neste capítulo são resumidamente descritos a natureza, os estados e a localização da mente.
1 –
Segundo as Escrituras indianas, há uma entidade conhecida como “mente”, que tem a sua origem no alimento consumido.
A mente gera o amor, o ódio, a cobiça, a cólera, e assim por diante. É o conjunto do intelecto, memória, vontade e ego, e embora desempenhando funções tão variadas, tem o nome genérico de “mente”, e é objectivada como os objectos inertes que conhecemos. É inanimada, mas quando irmanada com a consciência parece animada, do mesmo modo que um ferro aquecido ao rubro se parece com o fogo. O princípio da discriminação é-lhe intrínseco. É transitória e possui partes capazes de serem modeladas numa qualquer forma como o laço, o ouro ou a cera. É a base de todos os princípios-raiz (tatwas).
A mente está localizada no Coração, assim como a visão o está nos olhos e a audição nos ouvidos. É ela que dá à alma individual o seu carácter e que quando concebe um objecto, já associado com a consciência reflectida no cérebro, assume uma forma-pensamento. Em contacto com esse objecto, através dos cinco sentidos dirigidos pela mente, apropria-se desse conhecimento com a sensação de que “eu sou consciente disto ou daquilo”, gratifica-se com o objecto e, por fim, fica saciada.
Pensar se uma determinada coisa pode ser comida ou não é uma forma-pensamento da mente. Exemplificando: “É boa - é má”, “pode ser comida”. Noções discriminadoras como estas constituem o intelecto discriminador. O princípio-raiz que se manifesta como indivíduo, Deus e o mundo, nada mais é do que a mente.
A sua absorção e dissolução no Ser é a emancipação, conhecida como Kaivalya, como Supremo Espírito, Brahman, o Absoluto.
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2 –
Os sentidos, por estarem localizados fora do corpo como auxílio para o conhecimento dos objectos, são exteriores. A mente que está situada internamente é o sentido interno. “Dentro” e “fora” são relativos ao corpo e não têm qualquer significado no Absoluto. Como o objectivo de revelar que todo o mundo objectivo está dentro e não fora do corpo, as Escrituras têm descrito o Cosmos sob a forma de Lótus do Coração. Mas este não é senão outro nome para o Ser.
A bola de cera usada pelos ourives, embora dissimulando diminutas partículas de ouro, continua a parecer uma simples porção de cera. Assim também os indivíduos submersos nas trevas da ignorância (avidya) ou véu universal (maya) só estão conscientes da ausência de conhecimento durante o sono.
No sono profundo, os corpos físico e subtil, posto que sob o manto negro da ilusão, permanecem imersos no Ser. O ego foi gerado pela ignorância ou corpo subtil.
A mente deve ser transferida para o Ser.
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3 –
A mente nada mais é do que consciência, porque é pura e cristalina por natureza. Nesse estado de pureza, não pode ser chamada de mente. A desacertada identificação de uma com a outra, ou seja, o ponto de vista incorrecto que atribui a realidade do Ser ao mundo material, como se este fosse independente do princípio consciente. Esta falsa ideia é devida à identificação do Ser com o corpo físico e é fruto de uma mente contaminada. Noutros termos, a mente incontaminada e pura, sendo consciência absoluta, ao olvidar-se da sua natureza original, é reprimida pela propriedade das trevas (tamas) e manifesta-se como o mundo físico.
De modo semelhante, subordinada à actividade (rajas) surge no mundo manifestado como “eu” e identifica-se com o corpo físico, considerando erroneamente este último como real. Governada pelo amor e pelo ódio, executa boas ou más acções, e em consequência, fica emaranhada no ciclo dos nascimentos e das mortes.
É uma experiência comum a todos os homens, que no sono profundo e no desmaio, não se tem conhecimento do próprio Ser ou da objectividade. Posteriormente, a experiência que nos diz “eu acordo do sono”, “eu recuperei a consciência” é o conhecimento próprio que nasce do estado natural. Este conhecimento distinto é chamado de “vijnana” e não se explica por si mesmo, mas devido à união do Ser ao não-ser.
Quando esse conhecimento particular ou vijnana é inerente ao Ser, é denominado conhecimento real (sathya jnana), ou conhecimento do processo mental no Ser (atmakara mano-vrittijnana), ou ainda, conhecimento perpétuo (atmakara jnana). Quando se combina com o não-ser é identificado como ignorância (ajnana).
O estado em que este conhecimento ou vijnana é intrínseco ao Ser e brilha como Ser é chamado pulsação do Ser (aham spurana). Esta pulsação não é distinta do Ser, e não é senão um sinal indicativo da próxima Auto-Realização. Entretanto, este não é o estado primeiro do Ser. A fonte à qual esta palpitação se revela inerente é denominada consciência (prajnana). É a ela que o Vedanta proclama como Prajnana Ghana. “A Suprema Jóia da Sabedoria”, de Shankara, descreve este estado eterno com as seguintes palavras: “No guarda-jóias da inteligência cintila eternamente o Ser, a resplandecente testemunha de tudo o que existe. Fazendo dele o seu alvo, ou Lakshya, que é completamente diferente do irreal, desfrute-o pela experiência como o seu próprio Ser, através de uma corrente de pensamento contínua.”
O sempre luminoso Ser é único e universal. Apesar da experiência individual dos três estados, vigília, sonho e sono profundo, o Ser permanece puro e imutável. Não é circunscrito pelos três corpos, físico, mental e causal, e transcende a relação tripla do observador, da visão e do objecto observado.
O ser individual reside nos olhos (espelho) durante o estado de vigília, no pescoço (atrás do pescoço na medula oblonga) durante o sonho e no Coração durante o sono profundo. Mas destes lugares o Coração é o principal. O ser individual, portanto, jamais abandona completamente o Coração.
Posto que comummente se diga que o pescoço é a sede da mente, o cérebro do intelecto, e o Coração, ou o corpo todo, a sede do ego, as Escrituras afirmam conclusivamente que o Coração é a sede de todos os sentidos internos (Antahkarana, que significa mente, intelecto e ego colectivamente) os quais são chamados de mente.
Tendo os sábios investigado as diferentes versões das Escrituras, declararam a síntese da verdade total revelada pela experiência de todos: o Coração é primordialmente a sede do “Eu”*.
- * Sobre o Coração espiritual, veja-se NAN YAR ou Quem sou Eu? -
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CAPÍTULO III
O Mundo.
Neste capítulo é demonstrado que o mundo não tem realidade por si próprio e não está separado do Ser.
1 –
O objectivo supremo das Escrituras é desvendar a natureza enganadora do mundo e revelar o Supremo Espírito como a única realidade.
As Escrituras formularam a teoria da criação com esta única finalidade em mira. Vão até às minúcias e distraem a classe menos preparada de buscadores da Verdade com a narrativa da aparição sucessiva do Espírito, do desequilíbrio (Prakriti, significando a perturbação do equilíbrio entre as três qualidades da natureza: harmonia, actividade e trevas que precedem a manifestação da matéria primordial) da consciência reflectida, dos elementos fundamentais, do mundo, do corpo, da vida e assim por diante.
Todavia, para a classe mais elevada de buscadores, as Escrituras dizem em síntese, que o mundo aparece como uma paisagem num sonho, com aparentes objectividades e existência independente devida à ignorância do indivíduo e à consequente obsessão de pensamentos importunos. Procuram demonstrar a falsidade do mundo para revelar a Verdade.
Aqueles que realizaram o Ser por experiência directa e imediata percebem, sem sombra de dúvidas, que o mundo fenomenal, como realidade objectiva e independente é de todo não-existente.
Discriminação entre o observador e o objecto observado:
Objecto observado: inanimado
Observador: animado
O corpo, um vaso etc. - Os olhos
Os olhos - O centro do nervo óptico no cérebro
O centro do nervo óptico - A mente
A mente - O ser individual ou ego
O ser individual - A Consciência pura
Como o Ser, conforme descrito na classificação supra, é Consciência pura e de tudo tem conhecimento, Ele é o observador final. Todos os demais, ego, mente, etc., são objectos uns dos outros. Se bem atentarmos, todos eles, excepto o Ser ou a Consciência pura, são meros objectos exteriorizados e não podem ser o verdadeiro observador. O Ser não pode ser objectivado porque Ele não pode ser objecto de conhecimento por parte de qualquer coisa mais.
Embora seja Ele o observador que observa tudo, ainda assim a relação sujeito-objecto e a aparente subjectividade do Ser só existem no plano da relatividade e extinguem-se no Absoluto. Nada mais existe além do Ser, que na verdade, não é nem observador, nem algo que possa ser observado, nem sujeito, nem objecto.
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CAPÍTULO IV
A Alma Individual.
Neste capítulo é dito que o Ser é a alma individual.
1.
A mente nada mais é do que a ideia do “eu”. Mente e ego são uma só coisa. O intelecto, a vontade, o ego e a personalidade são colectivamente essa mesma mente.
É como se um homem fosse descrito de diferentes modos de acordo com as suas actividades. O indivíduo não é outra coisa senão o ego, que por sua vez é a mente. Simultaneamente com o aparecimento do ego, a mente aparece associada com a natureza do Ser reflectida, como o ferro aquecido ao rubro do exemplo mencionado. Como deve ser compreendido o fogo no ferro aquecido? Não devemos entender que são indissociáveis um do outro?
O indivíduo e o ego são uma só coisa, inseparáveis do Ser, como o são o ferro aquecido ao rubro e o fogo. Não há nenhum outro ser conhecido como testemunha do indivíduo, senão o próprio indivíduo operando como ego; e este nada mais é do que a mente associada com a consciência reflectida.
Esse mesmo Ser brilha sem que seja afectado no Coração, como o fogo no ferro (do mesmo modo como o fogo no ferro aquecido não é afectado pelas pancadas do martelo, que só modificam a forma do metal, assim também as vicissitudes da vida, prazer e dor, só afectam o ego. O Ser permanece puro, imaculado), e é também infinito como o espaço.
Ele é cintilante por si no Coração, como consciência pura, como o Único, sem segundo. Manifesta-se como o mesmo em todos os indivíduos e é conhecido como o Supremo Espírito. “Coração” é simplesmente, outro nome para o Supremo Espírito, porque Ele está em todos os Corações.
Assim, o ferro aquecido ao rubro é o indivíduo; o fogo flamejante é a testemunha, o Ser. O ferro é o ego. O fogo puro é o omnisciente e permanente Espírito Supremo.
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CAPÍTULO V
Absoluto – O Ser Supremo é o Ser.
Neste capítulo é explicado que a forma do Ser é a forma de Deus, e que Ele tem a forma de “Eu”, “Eu”.
1 –
O princípio universal subjacente à relação entre as ideias, “dentro” e os objectos “fora”, constitui o verdadeiro significado do termo “mente”.
Segue-se daí, que o corpo e o mundo, que parecem externos ao indivíduo, são apenas imagens mentais. É o Coração que se manifesta em todas essas formas. No âmago do Coração ilimitado, ou seja, no espaço da mente pura, existe o brilhante “Eu” resplandecendo eternamente. Como é manifesto em todos, é chamado, também, de testemunha omnisciente ou quarto estado*.
- * Turiya no original:
Vigília é o primeiro estado.
Sonho é o segundo e sono profundo é o terceiro. Consciência Pura: como a consciência pura subsiste durante os três estados, transcendendo-os, não pode ser classificada em conjunto com esses três estados e é por isso denominada de Quarto Estado.
No seu aspecto transcendental, além dos estados de vigília, sonho e sono, é conhecida como Turiyatita. -
Esse Espaço Infinito é a realidade conhecida como Espírito Supremo ou o Ser, que brilha sem egoísmo como consciência dentro do “Eu”, como o Único em todas as criaturas.
Meditemos nisto: Além do quarto estado só existe o espaço da consciência absoluta, imanente em tudo, que cintila dentro e fora da iluminação do quarto estado, à semelhança do espaço que impregna tanto o íntimo azul de uma chama luminosa, como também o infinito que está para além dela.
O verdadeiro estado é o que brilha em todas as partes, visto que o espaço inclui e transcende a chama.
Nenhuma atenção especial deverá ser prestada à luz. É suficiente que se saiba que a situação real é a livre realidade do ego. O facto de que todos apontam com um gesto para o peito, quando se referem a si próprios, é prova bastante de que o Absoluto reside como o Ser no Coração.
O sábio Vasishtha ensina que procurar o Ser fora de nós próprios, ignorando que Ele brilha ininterruptamente como “Eu”, “Eu”, dentro do Coração, é semelhante a deitar para o lixo uma jóia celestial de valor inestimável em troca de um seixo reluzente.
Os adeptos do Vedanta consideram uma impiedade confundir as deidades criadas, tais como Ganapati, Brahma, Vishnu, Rudra ou Shiva, Maheswara e Sudashiva, com o Criador Único e Ser Supremo.
- Ganapati é o filho de Rudra. Brahma é o Deus da Criação. Vishnu da Preservação. Rudra ou Shiva da destruição. Maheswara do véu universal. Sudashiva é a deidade cuja graça remove o véu universal de Maya. –
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CAPÍTULO VI
Conhecimento do Ser Supremo
Neste capítulo descreve-se o método de realizar o Ser.
1 –
Quando a mente sob o aparência do ego, que confunde o corpo com o Ser e se desencaminha, é obrigada a manter-se no interior do Coração, o sentido do “eu” no corpo submete-se. Então, a investigação feita com a mente tranquila sobre quem habita o corpo, produz uma súbita iluminação percebida como “Eu”, “Eu”, que outro não é senão o Absoluto, o Ser, sentado no Lótus do Coração, na cidade do corpo, o tabernáculo de Deus. Deve permanecer-se tranquilo, convicto de que o Ser resplandece como tudo e nada ao mesmo tempo, dentro e fora, em todas as partes, como o Ser transcendental. Isto é conhecido como a meditação expressa no dito “Sivoham” (Eu Sou o Supremo), e também como quarto estado.
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2 –
Aquilo que está mesmo para além desta experiência subtil é Deus, chamado também de estado para além do quarto. O Ser Supremo omnipresente, que brilha internamente no Coração da chama divina. Descrito como o que se manifesta na concentração e meditação (6° e 7° passos da óctupla senda do Yoga) como espaço do Coração, pura consciência; o Absoluto que cintila no céu da mente, Bem-Aventurança e sabedoria. Pela longa, persistente, e firme prática desta meditação no Ser como o “Supremo Eu Sou”, o véu da ignorância no Coração e todas as obstruções consequentes serão removidas e a perfeita sabedoria advirá. Conhecer desta maneira o morador real da Cova do Coração, no tabernáculo do corpo, é na verdade o mesmo que realizar o Absoluto, que é intrínseco a tudo, porque o Coração abarca tudo o que existe.
Isto é confirmado pelo seguinte texto da Escritura: “O sábio habita pleno de bem-aventurança na cidade de nove portais, que é o corpo”; e se o corpo é o templo, o ser individual é o Absoluto. Se Ele for adorado como o “Supremo Eu Sou”, a consequência será a libertação. O Espírito que apoia o corpo, na forma de cinco envoltórios e a cavidade; a cavidade nada mais é do que o Coração – o Ser transcendental que lá reside, dito o “Senhor da Caverna”.
Este método de realizar o Absoluto é conhecido como Dahara Vidya ou conhecimento intuitivo do Coração.
Que mais haveria para dizer? O Supremo Ser deve ser realizado por uma experiência directa e imediata.
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CAPÍTULO VII
Adoração é tão-somente Auto-investigação.
Neste capítulo é explanado que a consciência permanente do Ser é real adoração e penitência.
1 –
O objectivo de se adorar o Supremo Ser impessoal, reside na incessante lembrança da verdade que se é Brahman, porque a meditação “Eu sou Brahman” compreende sacrifício, oferendas, mortificação, ritual e prece, yoga e adoração.
A única maneira de se sobrepor aos obstáculos que dificultam ou obstam à meditação é impedir a mente de se recolher nos objectos externos, concentrando-a no Ser e testemunhar tudo o que ali acontece sem que seja afectado. Não há outro método.
Nem mesmo por um momento deverá desviar-se do Ser. Fixar a mente no Ser ou “Eu”, que habita o Coração é o mais alto grau do yoga, da meditação, sabedoria, devoção, japa (recitação preferivelmente inarticulada de sílabas sagradas) e adoração.
Como o Coração é habitado pelo Supremo Espírito, tal como o Ser, diz-se que a entrega permanente da mente, por absorção no Si compreende todas as formas de adoração. Controlada a mente, tudo o mais é controlado. A mente é em si mesma, a corrente vital. O ignorante diz que a mente se parece na sua forma com uma serpente enrolada.
– Kundalini: A força misteriosa, dinâmica, dormente, na base da espinha e cujo despertar, diz-se, confere primeiramente poderes taumatúrgicos e depois Iluminação Espiritual. Os seis centros subtis (diz-se que são os centros do corpo subtil situados ao longo da espinha, desde a região do sacro até ao topo do crânio) são imagens mentais destinadas aos principiantes em yoga.-
Projectamo-nos nos ídolos e adoramo-los porque não compreendemos a verdadeira adoração interna.
Portanto, o conhecimento do Ser que é omnisciente é a perfeição do conhecimento.
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2 –
Distraídos, como somos, pelos múltiplos pensamentos, se contemplarmos continuamente o Ser, que é o próprio Deus, este único pensamento substituirá, no tempo devido, todas as distracções e por fim, também ele desaparecerá. A pura consciência que permanece solitária é Deus.
Isto é Libertação. Nunca desviar a atenção do todo perfeito, do puro Ser, para os objectos dos sentidos é a culminância do yoga, da sabedoria, e de todas as demais formas de prática espiritual. Ainda que a mente vagueie, desassossegadamente, por objectos externos e se esqueça desse modo do seu próprio Ser, deve permanecer-se vigilante e pensar: “Eu não sou o corpo. Quem sou Eu?”.
Faça-se essa investigação. “Quem Sou Eu” é o único método para pôr um ponto final em toda a miséria deste mundo e permitir a entrada na Suprema Beatitude.
O que quer que se diga e seja qual for a forma de o dizer, essa é toda a verdade sintetizada numa única frase.
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CAPÍTULO VIII
Libertação.
Este capítulo ensina que a libertação só poderá ser obtida através de constante e prolongada meditação no Ser sob o aspecto de Sivoham, que significa “Eu sou o Supremo Espírito”, o “Eu Real”. São descritas as características do Jivanmukta e Videha mukta.
1 –
Como o ser individual, que não é outro senão a mente, perdeu o conhecimento da sua verdadeira identidade com o Ser real, e se entrelaçou na rede da servidão dos sentidos, a sua procura pelo Ser assemelha-se a um pastor procurando uma ovelha que sempre carregou desapercebidamente nos ombros.
Todavia, o ego ignorante do Ser, mesmo depois de o perceber, não conquista imediatamente a libertação, ou seja, a auto-realização, devido aos muitos obstáculos causados por condicionamentos mentais acumulados. Muitas vezes confunde o corpo com o Ser, esquecendo-se da sua real natureza.
As tendências de há muito cultivadas só serão erradicadas pela contínua e prolongada meditação em “Eu não sou o corpo, os sentidos, a mente etc. Eu sou o Ser”.
O ego, que é a mente e nada mais do que um fardo de tendências e condicionamentos e que confunde o corpo com o “Eu” deve ser dominado. Assim, depois de prolongada adoração devocional do Ser divino deve ser atingido o estado de libertação suprema conhecido como auto-realização. Esta auto-investigação aniquila a mente e é ela própria finalmente destruída, do mesmo modo que uma vara usada para provocar o fogo das piras funerárias é queimada quando já não é necessária.
Este é o estado de Libertação. Ser, sabedoria, conhecimento, consciência, o Absoluto e Deus representam o mesmo.
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2 –
Poderá um homem tornar-se um alto dignitário somente por ter visto, alguma vez, um deles? Poderá eventualmente tornar-se num, se se empenhar e se se preparar convenientemente para o cargo; isso sim.
Similarmente pode o ego, como a mente, que está sob o jugo da escravidão, tornar-se o divino Ser simplesmente por que vislumbrou, vaga e superficialmente o que é o Ser?
Não é isto impossível sem a destruição da mente? Pode um mendigo tornar-se rei só por ter visitado um e sem mais proclamar-se rei? Da mesma forma, a não ser que o cárcere da mente seja destruído pela continuada e ininterrupta meditação “Eu sou o Ser, o Absoluto”, é impossível atingir o estado transcendental da bem-aventurança, que é análogo à destruição da mente.
O Ser é o Absoluto e o Absoluto é o Ser. O Ser é exclusivamente o Absoluto. O que quando coberto pela casca é grão, quando debulhado torna-se arroz. De modo similar, enquanto que sob o cativeiro da acção somos o ser individual, tão logo o véu da ilusão do ego é removido, brilhamos como o Absoluto.
Assim proclamam as Escrituras que expõem: “A mente deve ser compelida a permanecer dentro do Coração até que o sentido do ego, que irrompe com a mente ignorante, seja ali destruído. Isto é sabedoria e meditação. Tudo o mais é mero palavreado e pedantismo”.
Em harmonia com estas palavras finais, deve fixar-se a mente n’Ele, ser consciente d’Ele e realizá-Lo com o máximo empenhamento possível.
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3 –
Exactamente como um actor brâmane não se esquece de que é um brâmane, qualquer que seja o papel que esteja a representar, um homem não se deve confundir com o seu corpo, mas sim ter uma firme convicção de que é o Ser, seja qual for a sua actividade.
Isto será manifesto logo que a mente se absorva no seu próprio estado original. Tal absorção conduz à suprema bem-aventurança, quando o Ser se revela espontaneamente.
Então, não mais seremos afectados pelo prazer e pela dor, que resultam do contacto com os objectos externos. Tudo será percebido sem apego como num sonho. Pensamentos tais como “é isto ou aquilo bom?”, “deve isto ou aquilo ser feito?” não devem ser permitidos na mente. Assim que um pensamento germine deve ser aniquilado pela raiz. Se permitidos, mesmo por um instante, irão derrubar o individuo de cabeça contra o chão, como faria um amigo traiçoeiro.
Pode a mente, firmada no seu estado original, possuir o sentido do ego ou ter qualquer preocupação ou problema para resolver? Esses pensamentos não são, por si, a verdadeira escravatura?
Consequentemente, quando esses pensamentos surgirem, como efeito de tendências e disposições passadas, a mente deve não só ser refreada e revertida ao seu estado real, mas também, deve ser compelida a permanecer impassível e desapegada dos acontecimentos exteriores.
Não é devido ao esquecimento do Ser, que tais pensamentos surgem e causam mais e mais misérias? Posto que o pensamento discriminante “eu não sou o autor, as acções são meras reacções do corpo, dos sentidos e da mente”, seja uma ajuda para guiar a mente de volta ao seu estado original, todavia, este também é um pensamento, embora necessário às mentes corrompidas por excessivas reflexões.
Por outro lado, pode a mente inabalavelmente estabelecida no Ser divino, e que não é afectada por nada, mesmo quando empenhada em actividades, entregar-se a pensamentos como “eu sou o corpo, eu estou empenhada num trabalho”, ou ainda ao pensamento discriminador “eu não sou o agente destas actividades que são meras reacções do corpo, dos sentidos e da mente?”.
Gradualmente devemos por todos os meios possíveis estar sempre conscientes do Ser. Tudo é conseguido se nisto se tiver sucesso. Não devemos deixar que a mente se desvie para qualquer outro objecto.
Devemos mergulhar no Ser, sem o sentido de estarmos a desempenhar qualquer papel.
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4 –
Como a qualidade da pureza (satwa) é a natureza real da mente, a característica do espaço da mente é a da claridade transparente, como a do céu. Avivada pelos atributos intrínsecos à actividade (rajas) a mente torna-se agitada e influenciada pelas trevas (tamas) e manifesta-se como mundo físico.
A mente tornada inquieta, por um lado, e surgindo como matéria sólida por outro, não pode distinguir a realidade. Assim como os fios frágeis de seda não podem ser tecidos quando se usa uma caneleira de ferro pesada ou os tons delicados de uma obra de arte também não podem ser apreciados à luz de um lampadário agitado pelo vento, a realização da verdade é impossível para a mente que se tornou petrificada pelas trevas (tamas) e agitada pela actividade (rajas).
A verdade é extremamente subtil e serena e a mente só será libertada das suas impurezas, pelo cumprimento dos deveres, com desprendimento em várias encarnações, e conseguindo-se um mestre de valor, com ele se instruindo e praticando persistentemente a meditação no Absoluto.
A transformação da mente no mundo da matéria inanimada, causada pelos atributos das trevas (tamas), e a sua turbulência, originária da qualidade da actividade (rajas), cessarão. A mente, então, adquirirá a sua subtileza e postura.
A bem-aventurança do Ser só se poderá manifestar numa mente tornada subtil e firme, através de uma meditação assídua.
Aquele que experimentar essa bem-aventurança é libertado, mesmo estando vivo num corpo material.
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5 –
Ao desnudarmos a mente dos atributos das trevas e da actividade através da meditação constante, a bem-aventurança do Ser manifestar-se-á claramente dentro da mente subtil.
Os praticantes do yoga adquirem omnisciência por meio dessa expansão da mente. Só aquele que conseguiu atingir tal subtileza da mente e conseguiu a realização do Ser pode ser libertado em vida. Esse mesmo estado é descrito na Rama Gita (livro sagrado indiano da antiguidade) como o Brahman, além dos atributos, o único espírito universal indiferenciado.
Aquele que atingiu um estado eterno inabalável, que transcende a mente e as palavras, é chamado de Videha mukta. Quando é destruída a mente subtil, a experiência de bem-aventurança também cessa. O ego é submerso e dissolvido no oceano insondável da bem-aventurança e nada mais percepciona em separado.
Não há nada para além disso. É a finalidade última.
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6 –
Na medida em que se permanece no Ser, a experiência “eu sou o supremo espírito” intensifica-se e torna-se natural. A turbulência da mente e o pensamento mundano acabam por se extinguir no seu devido tempo. Como a experiência não é possível sem a mente, a realização dá-se com a mente subtil. Uma vez que Videha mukti implica a completa dissolução, inclusivamente da mente subtil, este estado está para além da experiência. É o estado transcendental. “Eu não sou o corpo. Eu sou puro espírito”, é a experiência incontroversa do Jivanmukta, o que é liberto enquanto ainda vive neste corpo, o liberto-vivo.
Se a mente não for totalmente destruída, há sempre a possibilidade de se tornar aparentemente infeliz na sua associação acidental com os objectos mundanos decretada pelo seu destino, ou seja, pelos frutos das acções de uma existência anterior e que são colhidos na vida actual.
A bem-aventurança da libertação em vida, só é possível à mente que foi tornada subtil e aquietada, graças a uma longa e esforçada meditação.
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CAPÍTULO IX
A Senda Óctupla da Sabedoria.
Neste capítulo é descrita a senda do yoga para conseguir a auto-realização, através do controlo da mente, pelo controlo da respiração.
1 –
Para atingir a devoção na forma de meditação descrita no parágrafo anterior, passos como yama, nyama (elementos do Ashtanga Yoga) são prescritos.
Estes têm duas partes, que compreendem elementos ou do yoga ou do jnana.
O controlo da respiração (prana ou força vital) é yoga.
A eliminação da mente é jnana.
Ou um ou outro poderá ser mais fácil ao principiante, em conformidade com as suas tendências latentes (vasanas) e amadurecimento (pakwa). Ambos conduzem ao mesmo resultado, pois que pelo controle da respiração a mente é dominada e pela eliminação da mente a respiração torna-se controlada.
O objectivo tanto de um como de outro método é acalmar e eliminar a mente.
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2 –
Yama - abstenção de mentir, de matar, de roubar, de apetites sensuais, da avareza;
Nyama - observâncias disciplinares;
Prathyahara - abstracção dos sentidos dos objectos externos;
Dharana - atenção concentrada;
Dhyana - contemplação firme e ininterrupta; e
Samadhi - identificação do ser individual com o Ser real, universal, resultando na eliminação de Triputi, isto é, do sujeito da cognição, do objecto da cognição e do processo da cognição.
Estes são os oito elementos do Yoga.
Em todas as Escrituras sagradas a expiração e a inalação são descritas como de igual duração e a retenção da respiração como tendo duas vezes a duração delas.
No Raja Yoga a retenção da respiração é quatro vezes a duração da inalação e duas vezes a da expiração. O pranayama (controlo da respiração) do Raja Yoga é superior ao dos demais.
Se este pranayama, que consiste de expiração, inalação e retenção, for praticado de acordo com a capacidade de cada um, sem desconforto, mas regularmente, o corpo fica de certa forma cansado, mas quieto e o desejo de atingir a bem-aventurança surge gradualmente na mente e torna-a centralizada, de modo a evitar que vá em busca dos objectos externos de nomes e formas.
Como a mente que até então estava às voltas com os objectos externos, só se conseguindo afastar deles em casos raros, aquietando-se, devemos procurar a sua unificação, mantendo-a firme num alvo específico através de pranava japa (recitação do trigrama sagrado, OM) e de outros japas executados mentalmente, fixando-se a mente entre as sobrancelhas, concentrando-se na ponta do nariz e ouvindo os sons que surgem nos ouvidos alternadamente pelo ouvido esquerdo e pelo ouvido direito. Isto é, procura-se ouvir os sons do ouvido esquerdo no ouvido direito, e vice-versa.
A dharana (tensão concentrada) deve ser tentada. Consiste em fixar a atenção num centro adequado para a meditação. O coração e Brahmarandhra (fontanela: abertura no topo da cabeça) são indicados como pontos adequados para a dharana. Deve fixar-se a mente em qualquer um destes pontos e conceber a sua própria divindade sob a forma de um foco de luz que ali brilha. Se for no Coração é o Lótus de Oito Pétalas; se for na fontanela, também será o Lótus de Oito Pétalas, embora se diga consistir de mil pétalas ou de cento e vinte e cinco pétalas pequenas.
Depois de fixar a mente desse modo, o praticante deve meditar que não está separado da divindade ou que aquele foco de luz é a forma do seu Ser. Por outras palavras, é meditação em Soham, “aquele sou eu” (Soham Bavana).
A Escritura (shruti) ensina que o omnipresente Brahman, Ele próprio, brilha no coração como “Eu-Eu”, a testemunha do intelecto.
Se se lhe perguntar “Quem sou Eu?”, então será encontrado cintilando e palpitando no Lótus do Coração.
Deve praticar-se o que for mais fácil para cada um.
Pela maturação espiritual os indivíduos tornam-se desatentos de si próprios, do que estão a fazer e as suas mentes são absorvidas pelo Ser.
O estado subtil em que até a própria pulsação cessa é o estado de samadhi. Só que, neste estado, é necessário proteger-se contra o sono, que ocorre múltiplas vezes.
Então, a suprema bem-aventurança será conferida ao devoto. Se isto for praticado diária e regularmente, Deus abençoará o devoto na senda suprema, na qual atingirá a paz mental.
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3 –
O buscador espiritual deve meditar de acordo com estes textos e essencialmente investigando “Quem sou Eu?”.
Pode surgir uma sensação diferenciadora entre o que medita e o objecto da meditação. Ou também uma sensação de apoquentação ou de instabilidade no Ser. O aspirante espiritual deve meditar nessas circunstâncias como sendo o seu próprio Ser, porque aquela chama pulsa em si mesma como “Eu”, “Eu”, o Ser, que é a alma universal ou o Ser supremo. Portanto, não devem existir dúvidas em relação a este texto da Escritura.
“Conhecer o próprio Ser é conhecer Deus”. Não conhecer a natureza de quem medita, mas meditar em Deus como algo exterior ao próprio Ser é semelhante a pretender medir a própria sombra com os nossos pés. Na medida em que a tentamos medir, ela afasta-se de nós. Assim o dizem as Escrituras. Logo, a meditação no Ser é a melhor, porque o Ser, só e exclusivamente, é o Ser supremo de todos os deuses.
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CAPÍTULO X
A Senda Óctupla do Conhecimento
Descreve-se neste capítulo a senda do conhecimento que conduz à Realização do Ser pela beatitude de Brahman, na qual tudo se vê como o Sat (Existência-Ser).
1 –
A expiração da respiração do pranayama (controlo da respiração), consiste em abandonar os dois aspectos de nome e forma do corpo e do mundo. A inalação é a absorção no Ser, na Consciência e na Felicidade. Retenção é reter os aspectos que foram assim assimilados. O afastamento dos sentidos dos objectos exteriores consiste em estar em permanente vigília, de molde a que os nomes e formas repudiados não retornem novamente à mente.
A atenção concentrada num único ponto é reter a mente no Coração, de modo que não vagueie, ficando fixa no conceito já absorvido, isto é, “Eu sou sat, chit, ananda,” (Ser – Consciência – Felicidade).
A concentração firme e ininterrupta consiste em permanecer firmemente como “Eu”, “Eu”, espontaneamente, do mesmo modo como quando investigamos “Quem Sou Eu”. Aí, este corpo inanimado de cinco envoltórios aquieta-se.
Para este tipo de pranayama não há necessidade de regras tais como posturas, etc. Pode praticar-se em qualquer lugar ou tempo. O objectivo primordial é conseguir fixar a mente no Coração aos pés do Senhor, que cintila como o Ser, sem o esquecer. O esquecimento do Ser é a fonte de todas as misérias. Os anciãos dizem que esse esquecimento é a morte para os que aspiram a Libertação.
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2 –
Todas as Escrituras sagradas têm como objectivo o controlo da mente, portanto a destruição da mente é libertação.
Yoga é o controlo da respiração.
Jnana é considerar todas as coisas como aspectos da verdade única.
Ou um ou outro destes dois caminhos parecerá mais fácil e agradável ao praticante, conformemente às suas próprias tendências latentes. Um touro turbulento é amansado e posto sob controlo, mostrando-se-lhe um punhado de erva. Jnana é semelhante. O yoga é como se tivéssemos de espancar o touro prendendo-o à canga. Isto é declarado pelos sábios.
As pessoas mais instruídas espiritualmente atingem a meta investigando a verdade contida no Vedanta, realizando a certeza do Ser, e percebendo-o como Brahman. Os menos qualificados firmam a mente no Coração por uma prolongada meditação no Ser. Os menos dotados ainda, alcançam estados mais elevados através do pranayama etc.
Alternativamente a experiência do samadhi pode ser atingida através da devoção (bakthi), com recurso à meditação e à contemplação. Se esta prática se tornar natural, pode ser executada em qualquer tempo, excepto durante o período de actividade mundana, não sendo necessário procurar um lugar especial para o fazer.
Se de algum modo conseguirmos descansar permanentemente a nossa mente no Si, por que devemos preocupar-nos a respeito de outras coisas?
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CAPÍTULO XI
Renúncia.
Neste capítulo explica-se que Sannyasa é única e exclusivamente a abolição total do pensamento.
1 –
Sannyasa, ou renúncia, não consiste na eliminação das coisas externas, mas na do ego. Para tais renunciantes (sannyasins) não existe qualquer diferença entre solidão e vida activa.
O sábio Vasishtha, que goza do mais alto conceito entre os sábios espirituais da antiguidade reverenciados pelos praticantes de yoga, disse: “Do mesmo modo que um homem, cuja mente está repleta de preocupações, não percebe o que se encontra diante dele, também o sábio, ainda que assoberbado com um trabalho, não é o agente da tarefa que está a executar, porque a sua mente está imersa no Ser, sem predomínio do ego. Assim como um homem deitado na sua cama sonha que está a cair de cabeça para baixo num precipício, de modo idêntico o ignorante, cujo ego está presente, mesmo submerso em profunda meditação num lugar solitário, não cessa de ser o agente de toda a acção.”
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CAPÍTULO XII
Conclusão.
Está dentro da nossa capacidade o poder de adoptar uma simples e nutriente dieta e de através de um ardente e incessante empenho, erradicar a causa de toda a miséria, o ego, cessando toda a actividade mental por ele gerada.
Podem os pensamentos obsessivos surgir sem o ego?
Pode haver ilusão distinta de tais pensamentos?
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Vista de Arunachala
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Baghavan e o seu discípulo Annamalai
A iniciação pelo olhar ou pelo silêncio tornou-se muito rara nos dias actuais.
É o método de Dakshinamurthi e é a forma de iniciação adequada ao caminho da Vichara ou Auto-investigação que Ramana ensinava.
A iniciação pelo olhar era uma coisa muito real. Ramana voltava-se para o devoto com os olhos nele fixos, com uma concentração intensa, interrompendo totalmente o processo de raciocínio.
Por vezes, a iniciação era dada em sonho.
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Ramana sempre ensinou que aquilo que tem de acontecer acontece.
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José Maria Alves
https://josemariaalves.blogspot.com/
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