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ARTE

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A NATUREZA HUMANA - O EXPERIMENTO DE STANLEY MILGRAM

 


DA NATUREZA HUMANA

OU O

EXPERIMENTO DE STANLEY MILGRAM







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A Segunda Guerra Mundial já terminou há mais de 75 anos, mas as suas feridas num século que se esperava pacífico e civilizado não estão de modo nenhum saradas.

Não é apenas a Segunda Guerra Mundial com todas as suas atrocidades e milhões de mortos, a maioria civis, que deixa marcas profundas na sociedade. A história tem sido um desfilar de guerras, genocídios, holocaustos, massacres, fome, escravidão, entre tantos outros males, que continuaram após a mesma – Coreia, Vietname, guerras africanas, Bósnia, Kosovo, Chechénia, Israel, Palestina, Iraque, Afeganistão e muitos outros. 



***





Stanley Milgram era judeu e teve a sua família afectada pelo holocausto. Daí ter sido psicologicamente abalado pelo horrendo extermínio em massa de judeus e pelas terríveis consequências da Segunda Guerra Mundial.

O julgamento de Adolf Eichmann deve tê-lo impulsionado a realizar a célebre experiência que tem o seu nome.

Adolf Eichmann, foi um criminoso de guerra julgado em Israel, em 1961, um dos responsáveis pelo envio de milhões de judeus para campos de concentração e do extermínio em massa no Leste Europeu.

Eichmann terá dito no julgamento:

“É essencial marcar um limite entre os líderes responsáveis e as pessoas, como eu, constrangidas a servir como meros instrumentos nas mãos dos líderes”.

Disse ainda:

“Eu não era um líder responsável e como tal, não me sinto culpado”.




Milgram terá querido investigar as circunstâncias que fazem com que homens normais, chefes de família, crentes praticantes, tenham cometido os crimes mais bárbaros que possamos imaginar. Como é que seres humanos aparentemente normais obedeceram cegamente a líderes “enlouquecidos”.

Até que ponto pode um homem obedecer cegamente a um superior? Eichmann e outros como ele estavam apenas a obedecer a ordens com a consciência de que não eram responsáveis pelos seus crimes?

Milgram queria responder à pergunta:

"Será possível que Eichmann e milhões dos seus cúmplices estivessem apenas a cumprir ordens? Será que os devemos considerar cúmplices a todos?"


Hanna Arendt no seu livro “Eichmann em Jerusalém” descreveu com algum horror o que presenciou no julgamento que ocorreu em 1961. Uma pessoa normal, qualquer pessoa normal, poderia ter cometido os piores crimes, o que foi por ela definido como “the banality of evil”.



***





Milgram colocou num jornal um anúncio com a finalidade de encontrar voluntários, mediante uma compensação de 4 dólares e 50 cêntimos, para colaborarem numa experimentação psicológica sobre a memória e a aprendizagem – que não era a verdadeira intenção de Milgram – a ter lugar na Universidade de Yale.

Na primeira experiência participaram 40 homens, com idades entre os 20 e os 50 anos.

Nos anos de 1961 e 1962 conseguiu mais de mil participantes de praticamente todas as classes sociais, nomeadamente pessoal administrativo, operários, professores, enfermeiros, agentes comerciais.


Procedimento -

1 – Marcava o dia e hora para a experimentação.

2 – O convocado encontrava um indivíduo com 47 anos, contabilista, com modos afáveis, que na realidade estava ligado à experiência e ao experimentador e um outro, com 31 anos, vestido com uma bata e que tinha um ar austero, algo duro. 

Quando entrava eram-lhe pagos os US$4.50 contratados.

3 – Era então explicado ao contratado, para justificar e legitimar o que ia acontecer durante as experimentações:

“Que os psicólogos desenvolveram muitas teorias para explicar como é que as pessoas aprendem diferentes matérias. 

Uma das teorias é que as pessoas aprendem as coisas correctamente se forem punidas quando cometem erros. Uma aplicação comum dessa teoria é quando os pais batem nos filhos, se e quando fazem alguma coisa menos correcta. Batendo como forma de punição, fará com que a criança aprenda a memorizar com maior eficácia. Mas, em bom rigor, pouco sabemos sobre os efeitos da punição na aprendizagem por não existirem estudos científicos concludentes – qual deve ser a intensidade do castigo, quem deve aplicar o castigo para que a aprendizagem seja melhorada, entre outros. 

Neste estudo, reunimos vários adultos de diferentes ocupações e idades, e pedimos a alguns deles para serem professores e a outros para que sejam os alunos. Queremos descobrir quais são os efeitos de algumas pessoas sobre as outras, algumas como professores e outras como alunos, e também qual é o efeito da punição na aprendizagem.”

4 – Por tudo o que havia sido explicado era pedido ao convocado e ao que colaborava na experiência, que um fizesse de professor e o outro de aluno.

5 – De seguida era efectuado um sorteio viciado, em que o sujeito real da experiência era sempre designado como professor.

6 – O professor era levado para uma sala contígua e era-lhes indicado o que era necessário preparar para que o aluno recebesse os castigos no caso de errar.

Foi amarrado a uma cadeira e foram-lhe colocados eléctrodos nos pulsos. Explicaram-lhe que o amarraram para que não se mexesse quando recebesse os choques eléctricos e que tinham colocado uma massa de eléctrodos para evitar queimaduras derivadas dos choques.

Para aumentar a credibilidade do experimento, o aluno demonstrava preocupação quanto às descargas eléctricas, fazendo perguntas. Respondiam-lhe que as descargas poderiam ser muito dolorosas, mas que não lhe iriam causar danos nos tecidos corporais e nos órgãos.

7 – O professor era então conduzido para um aparelho gerador de cargas eléctricas numa sala contígua, que não as produzia efectivamente, com 30 interruptores munidos de luzes piloto de cor vermelha. 




Cada interruptor estava identificado com uma etiqueta donde constava a respectiva voltagem (V).

A voltagem começava em 15 e ia aumentando 15 volts em cada um, até atingir os 450 volts.

Em cada quatro interruptores uma inscrição advertia:

DESCARGA LIGEIRA (15 V - 60 V);

DESCARGA MODERADA (75 V - 120 V);

DESCARGA FORTE (135 V - 180 V);

DESCARGA MUITO FORTE (195 V - 240 V);

DESCARGA INTENSA (255 V - 300 V);

DESCARGA EXTREMAMENTE INTENSA (315 V - 360 V);

PERIGO - DESCARGA SEVERA (375 V - 420 V); 

XXX (435 V - 450 V).

8 – Para que não existissem dúvidas quanto ao funcionamento do gerador de corrente, era dada uma descarga de 45 V ao professor – terceiro interruptor; o único que funcionava.




9 – Era-lhe então explicado o que devia fazer.

Devia ler ao aluno uma série de palavras emparceiradas e depois ler-lhe uma outra série, perguntando-lhe tendo em vista quatro opções, qual a palavra que havia sido emparceirada primeiro. 

10 – Por cada resposta errada, o professor accionava uma descarga, começando pelos 15 volts. A voltagem ia aumentando consoante o número de respostas erradas.

Antes de administrar a suposta carga eléctrica, o professor devia anunciar em voz audível ao aluno qual a descarga que iria ser ministrada, tendo assim consciência da potência da mesma.

11 – Se o professor, face às queixas do aluno – industriado para as encenar – perguntava ou fazia tenção de desistir, o experimentador usava quatro frases sequenciais, nos vários momentos do experimento:

- Por favor continue;

- A experiência requer que continue;

- É absolutamente necessário que continue;

- Não tem outra opção; deve continuar.

12 – O professor podia preocupar-se, entre outros, com as feridas que podia causar, com o facto do aluno não querer continuar, ao que o experimentador respondia que a experiência não causava dano nos tecidos e que independentemente da vontade do aluno deveria continuar até que este aprendesse correctamente todas as palavras, pedindo-lhe para continuar, por favor.

Existiam sempre argumentos para que o professor continuasse a infligir descargas ao aluno.

13 – Os protestos e atitudes do aluno – gravados – eram:

- Até 60 V nenhum protesto;

- De 75 V a 105 V – queixas ligeiras;

- 120 V – o aluno começa a gritar e diz que começa a ter dores;

- 135 V – gemidos do tipo dolorosos;

- 150 V a 285 V - grita e diz ao experimentador para o tirar da cadeira a que está amarrado, que não quer continuar com a experiência, que se nega a continuar;

- 180 V – grita dizendo que não pode suportar a dor;

- 270 V – grita como se estivesse num estado de agonia;

- 300 V – o aluno – industriado – diz que não vai dar mais respostas nenhumas. 

O experimentador esclarece o professor de que o silêncio do aluno tem de se considerar um erro na resposta e diz-lhe para continuar com a experiência.

- 315 V – grita com uma extrema violência e diz que não continua com a experiência; 

- 330 V a 450 V – um silêncio total, aterrador, o aluno não responde nem grita.


***


Neste primeiro experimento 62,5% dos professores administrou a voltagem final, “obedecendo” ao experimentador – 450 V. Os restantes atingiram os 300 V.


A partir do primeiro experimento Milgram realizou mais dezassete variantes, cabendo-nos aqui realçar:

No XI permitiu que fosse o próprio professor a escolher a intensidade da descarga. A média foi de 50 V e só uma pessoa administrou a descarga mais alta (450 V).

Pode parecer optimista, mas não destrói ou minimiza os resultados da experiência inicial. O problema centra-se no poder e na obediência na sociedade.


Também perguntou a um grupo de pessoas, depois de lhes explicar a experiência, onde chegariam nas descargas eléctricas. A totalidade afirmou que não chegaria ao final e a descarga média que atingiriam seria de 140 V.




Depois da experiência inicial de Milgram fizeram-se também por todo o mundo réplicas onde se obtiveram resultados semelhantes e nalguns casos mais elevados. Podemos enunciar alguns: 

- Na Itália, em 1968, 85% de grau de obediência;

- EUA, de 1967 até 1976 foram obtidos graus de obediência entre 30% e 91%;

- Na Jordânia, em 1978, 62,5%;

- Em Espanha, em 1980 foi obtido um grau de obediência de 50%;

- Na Áustria, em 1985, 80%.


A maioria dos psicólogos que analisaram a experiência de Milgram reconhece que os procedimentos seguiram métodos científicos e que os seus resultados foram fiáveis e devem ser tomados em consideração nas análises que possam vir a ser feitas.

Mas, tal facto, não inviabilizou um cortejo de críticas com vários fundamentos, principalmente de natureza ética.

Milgram disse suspeitar que a maioria das críticas que lhe eram dirigidas, não visavam a experiência em si, mas os seus resultados. Se os resultados tivessem apontado no sentido expectável de que o norte-americano não obedece a ordens imorais e potencialmente criminosas, não teria sido alvo de qualquer crítica.

E quais eram os resultados expectáveis?

Milgram inquiriu psiquiatras de Nova Iorque que estimaram segundo os seus conhecimentos especializados, que 0.125%, cerca de 1 em 1000 pessoas obedeceriam até ao final da experiência (450 V), 3,73% atingiriam os 300 V e que 50% dos “professores” abandonariam o experimento antes dos 150 V.


As réplicas experimentais realizadas em várias partes do mundo demonstram que o problema – se de problema se trata – é praticamente mundial e não pode ser assumido apenas pelos norte-americanos de Yale.




Quase 50 anos depois da primeira experiência de Milgram, Jerry Burger, pesquisador da Universidade de Santa Clara na Califórnia coordenou uma réplica, que pelos seus pressupostos tem uma importância fundamental na validação dos resultados anteriormente obtidos por Milgram. 

Burger expôs que as taxas de conformidade na replicação eram apenas ligeiramente inferiores às encontradas por Milgram. E, como Milgram, ele não encontrou nenhuma diferença nas taxas de obediência entre homens e mulheres.

Como na actualidade é impossível, por questões éticas, replicar na sua forma original a experiência de Milgram, Burger procedeu a adaptações.

Sempre que atingia os 150 volts parava a experiência para os 29 homens e 41 mulheres da pesquisa.




Quantificou quantos dos voluntários deram outra descarga, depois de receber uma ordem do coordenador, mas em vez de os deixar continuar susteve-os.

Cerca de 70% dos voluntários aceitaram ir além dos 150 volts.

"Foi surpreendente, e fiquei desapontado", afirmou Burger.


Segundo Burger, os que estudaram o trabalho desenvolvido por Milgram, perguntam-se se os resultados seriam totalmente diferentes nos dias de hoje. “Muitos apontam para as lições do Holocausto e argumentam que há uma maior consciência da sociedade sobre os perigos da obediência cega. Mas o que descobri são os mesmos factores situacionais que afectaram a obediência nos experimentos de Milgram que hoje ainda são válidos. “ – escreveu Burger.




Segundo o especialista, a experiência, publicada na revista científica "American Psychologist", explica, ao menos parcialmente, fenómenos como a tortura de prisioneiros pelas tropas de americanos no Iraque ou os eventos da Segunda Guerra Mundial. 

Burger validou os argumentos de Milgram. Efectivamente, se algumas pessoas forem colocadas em determinadas situações, irão agir de modo inesperado e até perturbante.  


O mais importante que ressalta desta experiência é que a responsabilidade dos actos é atribuída a quem exerce ou parece exercer a autoridade e os resultados são imputados ao mero cumprimento de ordens, tal como acontece e aconteceu em períodos de guerra. Por outro lado, o “professor” parece que se limita a responder a estímulos de autoridade sem que reflicta sobre eles, numa espécie de ausência de pensamento próprio.




Um problema de uma situação complexa de poder e de obediência, em que a obediência é muitas vezes cega.

Estamos perante uma pesquisa que terá de ter continuidade, apesar das limitações éticas a novos estudos.

Compreendo que não seja conhecido do grande público, nem que haja qualquer interesse em demonstrar que as conclusões de Milgram estão correctas.


Haverá alguém que queira admitir, que em determinadas situações poderá obedecer a ordens criminosas e potencialmente perversas, tornando-se agente das mais inimagináveis crueldades?




Não estaremos neste preciso momento a ser objecto de possíveis crueldades perpetradas por líderes sem escrúpulos?


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José Maria Alves


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