As nuvens estão a chover
Paradas
Eu movimento-me
As nuvens estão a chover
Em movimento
Eu paro
Age a Natureza
Pela paciência
Os dragões voadores planam nos céus
Por cima dos hortos
Os que voarem para alturas
Inóspitas e desconhecidas
Renegando a prudência
Perderão a constância
E cairão no Vale dos Mortos
O mais profundo do abismo
É cavado e negro
Nas profundezas da escuridão
Ficam os desprevenidos encarcerados
Os governos desgovernados
Arrojando-se pelo chão
Loucos sem tino
Caem víboras do pedestal
Cabeças de monges rolam
Como bolas de cristal
Senhores da terra
São papagaios de papel
A voar sem destino
Ressurgem profetas
Da desgraça
Tomba a Torre de Babel
A terra fecunda
Está receptiva
Recebe o alimento do céu
Na montanha
A minha imobilidade
Inibe a sementeira
Por vezes
Sobressai no meu íntimo
No mais profundo
Das minhas entranhas
A gentileza
a docilidade
A humildade
Ser humilde não é ser humilhado
A força da alma
Embarga-mo
Vencer
É necessário vencer
Sem humilhar o vencido
Quem o fizer
Pela espada da Morte
Será dizimado
Cerrei o alforge
Não entram
Nem saem pensamentos
E a mente está serena
Na doçura da imobilidade
Geada no vale
Batalha no campo
O meu sangue é amarelo-escuro
Aguardo o combate dos leões
Para repousar no dorso da égua casta
Um povo massacrado
Um povo espoliado
Trovões nascem das nuvens
Rolando pelas encostas do céu
As minhas lágrimas são de sangue
Choro os mortos inocentes
Da terra esventrada
Entrei na floresta
Perseguindo o veado real
Minha montada estancou
Imóvel ficou sem pestanejar
Não prossigo
Estou abatido e exausto
Mesmo na inacção
Há choro e ranger de dentes
Um mundo caótico de dementes
Ambiciosos descrentes
De amor ausentes
No
Terceiro mês
A morte dos inocentes
Da montanha dos dias azuis
Brotam as águas de dois nascentes
Num só
Águas diferentes
Águas inocentes
Que não as mesmas
Águas do degelo
Correm na encosta
Arrastando na frente
Corpos mutilados
Braços soltos
Mãos abertas implorando
A misericórdia
Dum deus adormecido
O rio é vasto
Suas águas extensas
E caudalosas
A corrente barra-me
Volto à margem
Ao lodo
Do lodo à areia de sangue
Onde os convidados me aguardam
Na margem não há segurança
Os convivas em debandada
Um enforcado na árvore da Vida
Os céus límpidos
Rejeitam a água ascendente
Escondo-me na obscuridade
Na profundidade da fossa abissal
Que estremece o terror
O veio de águas límpidas
Trespassa o coração da terra
E a sua superfície violentada
Por um exército em debandada
Três vezes o general o instruiu
Três vezes ordenou ordem
Seis vezes ordenou a retirada
E nada
Há desordem vaivém
Demasiadas baixas
Desdém
O meu país já não é
Não é de ninguém
O covil dos ladrões
Da humildade nasce a harmonia
Em equilíbrio
Perfeito é o acordo das entranhas
Com o mundo
De Ocidente chegam nuvens
Carregadas de negro-pérola
Sem chuva
Arrastadas pelos ventos
Viajo num carro sem rodados
Os meus olhos no horizonte
Longe dos teus
Luzentes de lágrimas
Já choveu chuva do Oriente
O Veado a morte pressente
Um céu um lago
A floresta densa
Do tigre que repousa
Estou sozinho
Na longa caminhada
Em que o espezinhei
Sem ser atacado
A minha intenção é firme
Natural e boa
Como as águas passadas
O soldado continua o seu caminho
Sem comandante
Ou a quem comandar
Curvou-se o céu
Beijando a terra virgem
O alto e o baixo tranquilizam-se
À beira das águas
Arrancámos os juncos
E amámos os desafortunados
Amando-nos a nós
Nos muros graníticos
Da fortificação imaculada
Os céus longínquos
Alhearam-se da terra fecunda
O que vem fica
O que vai não volta
Ambos choram e riem
Na servidão do espaço
O muro da perdição não se desmorona
Depois do muro em pedra solta
O contentamento alegre –
Finda a obstrução a realização
Atravessando o Rio Grande
Encontrámo-nos no deserto
E acendemos o fogo do amor
Na noite fria de estrelas ocultas
Da cooperação nasce o equilíbrio
Da integridade a sabedoria
O fogo intenso sobe aos céus
Extinguindo o mal
A insignificância humana
É desfavorável e perniciosa
E deve ser repudiada
A inocência produz o bem
Da minha mente
Saem palavras de verdade
Que deveriam gerar confiança
Mas apenas alimentam a maldade
De perversos e culpados
Um carro pequeno carregado
É o nosso engano
A falsidade
Os cavalos preparam-se para a contenda
O Espírito fere o farto
E enobrece o humilde
Na sua grandeza surda e muda
O cume da montanha
É humilde modesto –
Cultivar a humildade é hipocrisia
Ser humilde é auspicioso
Sol e Lua percorrem as suas órbitas
As Estações sucedem-se
Primavera em floração
Estio de fogo Outono rubro
Inverno de recolhimento
Há uma suave e secreta harmonia
No mais íntimo do meu ser
Com a luz vem a sombra
O cavalo branco alado
Não deixa rasto
Nem na terra nem nos céus
O cavalo preto da retaguarda
Não afecta a terra em movimento
Estou feliz hoje
Apenas hoje
O poente está no horizonte
Belo como nunca
Inocente como sempre
O Sol fecha os olhos vagarosamente
E eu repouso com ele
No seio de luz
Que com leveza se apaga
Aguardando o novo dia
Desejo do desejo
Ansiedade
Sinceridade e caminho
Clareza na contenda
Há uma brisa no sopé da montanha
A acariciar a rocha inerte
Sublime e suave detém-se
No seu próprio movimento
Retornando ao centro
Como quem começa de novo
Sem começar
Tal o rio que esmorece no Verão
Sem secar
O cavalo branco
Debate-se no pântano
Com esforço liberta-se
A salvação tem a sua origem
Na pureza e rectidão
O vento subtil varre a Terra
Observa-se e contempla-a
Que doce e gentil visão
Há paz na contemplação
Mordo apenas
Apenas com intenção de morder
Assim supero barreiras
E inutilizo a canga que me oprime
Que impede o ouvir e o ver
A fogueira dos deuses
Ilumina o cume áspero
A luz das labaredas
Invade as veredas
No caminho há alegria
E simplicidade
Não há ódio
Não há rancor
Nada que cegue a límpida visão
Da Realidade
Dos jardins imponentes
Tecidos momento a momento
Àquele que tem dar-se-lhe-á
Ao que não tem retirar-se-á
A perdiz fraca queda-se no ninho
O boi doente não vai ao verde pasto
Fruto que não é maduro é rejeitado
Quem não tiver onde reclinar a cabeça
Mantenha-se imóvel
Regresso ao coração do Universo
Onde aguardo paciente
Que me seja apresentado
O mistério da Criação
Mas o retorno
É à eternidade
Sem começo
Há relâmpagos na noite
E trovões cortantes
Inundando o silêncio das trevas
Os tambores celestes são fiéis ao Todo
O ruído ensurdecedor anuncia a Morte
Que vem do Oriente
O carro não tem eixos
O cavalo persegue
O boi novo tem madeira nos chifres
As presas do cerdo capado
Estão na encruzilhada do céu
Segura é a edificação
O corpo alimenta-se
O espírito nutre-se
O excesso de discursos
E a mesa repleta
Destroem
Ambos são assento
De estultos
A pedra angular desgastou-se
A viga mestra vergou-se
Hora de recolhimento
No encalce da paz
Da tranquilidade
Da gratuita serenidade
Não há medo na solidão
Nem ansiedade no afastamento
Mas alegria e congratulação
A água corre silenciosa
Em veios visíveis
Mas inaudíveis
As armadilhas sucedem-se
Na sua arrojada acção
Quem cai no abismo é sepultado no fundo
Ergue a tua taça
Num brinde ao mundo imenso
E do fosso verás a claridade
Não abandones a sinceridade
Não morras antes de viveres
Fogo é paixão e luz
União e clareza
Estranha é a beleza
Da destruição
No verdadeiro é vantagem
Estar à mesa e ter
A candeia acesa
Quem se senta no lago da montanha
Enxerga com sentimento favorável
O que em baixo está
Derramando em sussurro as suas palavras
Na partilha da afeição
Trovão e vento harmonizam-se
O Sol e a Lua têm o Céu
O verdadeiro persiste
Em estável equilíbrio
Há hipócritas vigaristas
Corruptos mentirosos
Ignorantes e incompetentes
Gente descomposta
Afasta-te deles
Eu retiro-me reservo-me
Protejo-me
Com sucesso afasto a indecência
E resisto
Não deixo que me firam a verdade
Antes a espada à fraqueza
Para que o poder da grandeza me persiga
O trovão purifica os céus
A verdade a alma
Não sou complacente
Até à exaustão
À perda da energia
Os cavalos brancos correm na planície
Inundados de luz
Tudo é incandescência directa e por reflexão
Caminhando no progresso
Até à evidência do fim
Até se exaurir a íntegra plenitude
O sábio mergulha nas profundezas
Da Noite Escura
Sofrendo privações
Dores erráticas
Perseverando verá brilhar a luz
Da fogueira saem línguas de vento
Está no interior o que do interior é
E no exterior o que é do exterior
No sossego e docilidade do lar
Está a harmonia do mundo
Quando os pais são pais
E os filhos filhos
A maior perda é a da fidelidade
O fogo sobe aos Céus
Enquanto o húmido desce à terra
O céu opõe-se à terra
Mas os seus esforços conjugam-se
E os seus desejos conciliam-se
Os contrários identificam-se
Sem se humilharem
Foge o cavalo branco pela encosta
Desaparecendo nas ravinas ocultas
A canoa vazia
Amontoa-se de espectros horríveis
Mas chove
E a alma aquieta-se
Sopram ventos de Nordeste
Contra as torres de metal
A água cobre as montanhas
Sendo inútil a ascensão
Retorna a ti
Ao teu centro inabalável
Só ou acompanhado
Promovendo o justo equilíbrio
Da inevitabilidade
Sopram ventos de Sudoeste
Extinto o Nordeste
Com chuva e trovões
Caçadas as três raposas
Há harmonia na caminhada
Uma taça vazia
Outra plena
A plena esvazia-se
A vazia enche-se
Assim findando avareza e ódio
O vento sopra
O trovão ensurdece
O aumento supera-nos
O mais alto fica mais baixo
E o mais baixo mais alto
Com o tempo
Atravessa-se o rio
Na direcção dos Céus
Não há fraqueza na vontade
Nem hesitação na sabedoria
Quando a água ascende aos céus
No estado de completa atenção
Os salteadores da noite serão repelidos
Mesmo que sós viajemos
Não havendo carne nas nádegas
É o andar vacilante
E ouvir as palavras de sonhos sem acreditar
Designa que a audição não é clara ainda
O vento está por baixo do céu
E o encontro é inevitável
Suavidade e dureza confrontam-se
O poderoso é inconciliável com a fraqueza
Será necessário que algo desça dos céus
Para que o porco magro desapareça
Os sábios defendem-se
São múltiplas suas armas
Tantas quantos os inimigos
Adequadas a cada acção
Defendendo-se da contenda
Antes da execução
Não haverá lamento choro
E perda de alimento
Se nada restar para além do combate
Erguei a adaga mortal
Sós
Ou tendo por aliado um general
Em guerras experimentado
Na terra crescem árvores
E erguem-se torres
Em constante ascensão
O vento transporta com leveza
A ave que plana receptiva
No caminho sinuoso
Para o Reino do Vazio
E o ser que os degraus sobe
Verá a harmonia
O justo equilíbrio
Quando o lago está seco
Perde-se o ânimo
Fica-se exausto
Nada se obtém de terra seca
E gretada
O vale escuro do coração degrada-se
O quarto está vazio
O nariz e pés decepados
No lento trilhar da felicidade
Que não admite abatimento
O vento sopra na base da água
Que sobe na estreita fenda da terra
Mergulha nas tuas profundezas
Como o peixe pequeno do fundo do poço
Sozinho sem que o balde se despedace
Ou o cântaro se quebre
Alguns mudam como tigres
Outros como leopardos
É justo usar a pele do boi amarelo
Água e fogo extinguem-se
Em contínuas mudanças
Os arquitectos da ponte
Não a querem armar no mesmo local
Os edificadores do templo
Divergem no material
Reuni madeira vento
Ateei o fogo
É seguro o resultado
O alimento aí cozinhado
Chegou o trovão com seu ribombar
Ecoando nos céus dormentes
O medo acompanha-o por momentos
Fazendo tremer a terra inocente
Depois da tempestade a bonança
Na subida dos nove montes
Há um tempo de quietude
Na montanha inerte e sóbria
Também eu me quedo
Em perfeita imobilidade
Aguardando o tempo próspero da acção
O momento que não apresso
Da súbita iluminação
Não tenho pressa
Não estou impaciente
Cresço como a árvore lenta
Na cumeeira da montanha
Em partilha com o céu
Comungando a terra
O trovão estremece o lago
Tudo está como é
E deve ficar como está
Satisfaz-te com o presente
O trovão e a luz
Iluminam as ameias do castelo
O banquete é lauto
Enchem-se as mesas luminosas
E de alegria os corações
Mesmo os dos incautos
Quando a estrela do Norte
Não é de dia divisada
Acendemos a fogueira
Na cimeira da montanha
Interrompida a viagem
No repouso e silêncio do alto
Não há contenda
Mesmo perdendo a seta
Que sacrificou o faisão
Cavalgo no vento
Seja qual for a sua direcção
Com gentileza
Acolho-me no seu seio
Trilhando sem exaustão
Os caminhos do céu
A água límpida purifica
O prazer a alegria
Extingue-se o medo da morte
O vento sopra lento
Na água calma da barragem
O sangue está disperso
Na multidão que se agita em viajem
Recolhe-te no pátio interior
Mas não abandones o exterior
Se o não fizeres
A quem poderás culpar
Há vento no lago
E uma embarcação ao largo
Sem timoneiro
Sem passageiro
Um grou grasna na sombra da margem
Ao longe o rufar de um tambor
E o choro de uma criança
Apenas a justa dança
Que acontece no meu interior
Um pássaro voa para o alto
E o seu grito desce
O pequeno não fenece
Deixa-se arrastar pelo refluxo da maré
Com reverência e frugalidade
Contenção e prudência
A consumação opera no pequeno
E estriba-se na correcção
Como quem arrasta rodas
A raposa atravessou o rio
Molhando a cabeça –
Desprezou a experiência
A essência da humanidade é a guerra
A essência do homem é a violência
JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org
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