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ARTE

domingo, 24 de março de 2013

ESTILHAÇOS DE UMA VIGÍLIA





novamente esta vigília esboçada em sombras áureas  no porão da galé
onde os penitentes espectros da noite vogando em escuros trirremes
rondam a lua circular comovidos pelas lágrimas dos indigentes prateados

ah as ilusões em fúria sorvida em pequenos goles de estanho
os estúpidos apegos nadando à superfície das cabeças transparentes
os corpos trespassados por vagas palpitantes de árvores dobadas pela cegueira 
 
há um sossego voraz um silêncio mordente uma luz ardente de música que no coração em chamas ecoa
momento de amotinação a espalhar quietação na planície alvar movimento de asas incapazes de voar

não fora a fraqueza da ralé devorada pelo atrevimento da auto compaixão
reles e verminosa na medula corroída da ousadia
o firmamento desabaria nos crânios esmagados por albatrozes
  
o fogo do amor consome a forragem do passado
o fogo extinto da misericórdia enterra os seus mortos

o relógio da torre há muito que não bate as suas lânguidas horas
e as palavras fluem flamejantes na inutilidade do vácuo
afinal
onde a oração salvadora do náufrago moribundo se veste na sede púrpura da ilusão?

no cais de pedra enegrecido pelo lodo milenar a viúva do tempo carrega longos gemidos e solta ao vento de sueste esguios ais
a vida foi-lhe madrasta arrancou-lhe dos braços parasitados por veias salientes filhos marido e a vontade de viver
nada a convencerá a permanecer entre os vivos

uso as minhas próprias mãos para golpear o medo
as unhas embebidas em veneno rasgam a angústia
dilacerando o sexo modelando o manso coração da alba

pouco falta para que o dia nasça com toda a sua turbulência mesquinha
lá na lonjura o apito funéreo do navio que entra a barra singrando o nevoeiro denso da pele crespa dos últimos amantes
velas desfraldadas de lábios carnudos em tempo de geada

e há um prazer imenso em tudo isto enigma do próprio mistério construído por estilhaços indecifráveis
saber que ninguém me irá ler




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