Noite na Sé
A ceia que nem sempre tarda
Aos pombos recolhidos tardava
E aí
Num Amor forte como a Morte
Dividimos nossas almas
Na insolência do encontro
Decisão de inevitável união
Quase canibalesca
De espíritos insatisfeitos
A noite agarrou-se com firmeza
À pedraria da catedral
A acender os últimos eléctricos
Enquanto nos afastávamos
Afáveis desconfiados
Nas ruas desertas
Que desde sempre
Parecias conhecer
Olhavas-me pelo canto
De um olhar negro
Inundado de paz
Onde havia almofadas
Pelo chão estendidas
Com gente descrente
Estampada nos cantos
Na sala gente
Vestida de desejo
Verdejava palavras
Rastejantes
Que te procuravam
Almofadas escarlates
Azuis de céu ultramarino
E talvez
De âmbar desmaiado
Talvez
Mas só tu existias
Na orientalidade graciosa
Como exististes na
Longa noite africana
De volúpia contida
Por tanto tempo
Que nenhum relógio
Pode medir
Nenhuma ampulheta
Em si conter
Minhas mãos
De olhos fechados
Penteavam suavemente
Os cabelos lisos
De tua alma límpida
Absurdamente límpida
Não era sexo
Ou era sexo
Sem ser sexo
Noites estranhas
De delícias imponderáveis
No silêncio
Da árvore contemplativa
Espasmos rítmicos
De ramos orvalhados
A beijar os lençóis brancos
As rendas de teu perfume
E o sândalo dos sentidos
Efervescentes
O vizinho perguntou
O namorado já não vem?
Os roucos gemidos cessaram
A alegria do sangue nascente
Laqueou o flanco inerte
A mente dolorida
Adormeceu no leito do sofrimento
Onde os sonhos
São breu de noite sem fim
As feridas abertas
Em puro vinagre
Sararam
Uma não
Sara
Essa irá a morte
Sará-la com suas mãos
De veludo e Amor
Gentil na voz
Nos gestos de vinho doce
Nos suaves beijos
Rumor de mar
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