Os corpos arrastavam-se na noite
Salteada de luzes mudas
De prédios adormecidos habitados por carne pútrida
Ali ninguém perguntava à vida a essência da morte
Passavam simplesmente ou
Sonolentos cerravam os olhos ao som de uma televisão surda e insensível
Algumas crianças ainda brincavam com jogos de imagens terríficas enquanto no quarto ao lado os pais consumiam em segundos a última erecção
O rio corria lento na direcção das Américas
Com as mágoas à superfície
E o pecado acantonado na escura profundidade
Cintilavam almas nas cristas das pequenas ondas de marfim polido
Armadas ao capricho da brisa da memória
Alguns pescadores deitaram botes às águas
Acorrentados à proa por frágeis cabos desfibrados
Vagos pensamentos sem nexo das ruas desertas da cidade
As reflexões dum povo literatura-de-cordel
Reinando ao faz-de-conta da sensibilidade da última claridade lunar
Acomodavam agora a almofada de plumas dos sonhos
No meio do rio levantei âncora depois de ter bebido
O sumo acre da última meditação do dia
Icei a grande apoiado no mastro a penetrar o insondável céu negro
Desenrolei a giba da amargura
O vento variável ajustou-se à medida do meu coração alado e
Com hálito perfumado de jasmim enfunou os panos
Quantas milhas a percorrer?
Quantos nós sacramentais serão servidos na bandeja de prata pela Brisa-do-Amor?
O rumo incerto em bordos consecutivos
O certo abatimento do bordejar
Atira-me para um imenso mar de dúvida
Na miragem da Terra Prometida
Olho para as margens
Com seus bares-mulheres
Risos palavras pesadas na balança dos sentidos
Viro de bordo
E a cada viragem
Os desejos abatem para terra
Com o velame a bater descompassado
E cabos de amarração seminus
A vogar ao sabor das delícias enfeitiçadas que nenhuma oração excomungará
Aterrarei alguma vez na Terra Prometida?
Sem comentários:
Enviar um comentário