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AS SENTENÇAS DA LEI – BUDA - (DHAMMAPADA) - TAO TE CHING – LAO TSE - BHAGAVAD GUITÁ
BHAGAVAD GUITÁ
INTRODUÇÃO
O Bhagavad Guitá ocupa um lugar de destaque no grande conjunto do Mahâbhârata, podendo dizer-se que é a sua parte mais importante. Pode ser traduzido pelo “Cântico do Bem-aventurado Senhor”.
Trata-se de um poema com setecentos versos distribuídos por dezoito cânticos, constituindo-se um todo autónomo no seio do dito Mahâbhârata.
É um livro considerado sagrado, tal como os Veda e os Upanishad.
Reconhecido e de ampla divulgação na Índia, espalhou-se pelo mundo, influenciando inúmeros pensadores e religiosos.
A Bíblia, o Bhagavad Guitá, o Dhammapada e o Tao Te Ching, são dos livros mais editados e traduzidos no mundo inteiro.
O Bhagavad-Gita é uma das grandes obras mundiais, que desempenhou o mesmo papel na história da Índia que o Novo Testamento no Ocidente. Tanto um quanto o outro proclama o Amor (Bakhti) como o fundamento de toda a religiosidade e desenvolvimento espiritual.
A figura central desta obra é Krishna, a encarnação de uma parte do Criador, e a sua doutrina a prática devocional pela qual se preconiza a libertação (bhakti).
É interessante realçar que uma das suas características mais importantes é a constante menção ao yoga. O yoga como disciplina unitiva leva à unificação dos sentidos e posteriormente do próprio pensamento. Mas no Bhagavad, o yoga resume-se em essência a “bakhti”.
As verdades filosóficas são expostas no Bhagavad Guitá na forma de um diálogo entre Krishna e o seu amigo Ardjuna antes de uma batalha.
A partir do segundo cântico as intervenções de Ardjuna servem para que Krishna exponha a sua doutrina.
Os ensinamentos da obra podem sintetizar-se na renúncia ao fruto do acto. Renúncia que não acarreta o não-agir. Pelo contrário, cada um deve esforçar-se por cumprir o dever que lhe está destinado, segundo a sua condição.
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BHAGAVAD GUITÁ - EXCERTOS
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O Senhor Krishna disse:
2.11. Os sábios não choram nem os vivos nem os mortos.
2.12. Não houve tempo no qual eu ou tu ou estes senhores da terra não tenhamos existido e tão-pouco deixaremos de existir no futuro.
2.13. Tal como a alma que vive no corpo passa pela infância, juventude, estado adulto e velhice, do mesmo modo deixa o seu corpo e passa para um outro. Isto não faz sofrer uma pessoa robustecida pelo conhecimento.
2.14. O contacto com a matéria causa calor ou frio, prazer ou dor. Estas sensações são passageiras, chegam e partem. Suporta-as com intrepidez.
2.15. Quem não é afectado por estas sensações, quem permanece consciente e constante perante a felicidade e perante a desgraça, é capaz de atingir a imortalidade.
2.16. Sabe que o impermanente, não tem uma verdadeira existência, e o eterno, o que não perece, nunca deixa de existir. Os que penetraram na essência das coisas e vêem a verdade têm um perfeito discernimento de tudo isto.
2.17. Sabe que ninguém pode destruir aquele que penetra o universo inteiro. Ninguém o pode levar à morte. Aquele que é eterno está para lá do controlo de qualquer um.
2.18. Apenas o corpo de uma alma encarnada é mortal, mas a alma é eterna e indestrutível.
2.19. Aquele que pensa que pode matar e aquele que pensa que pode ser morto, ambos estão enganados. O ser humano não pode matar nem ser morto.
2.20. O ser humano não aparece, nem desaparece. Uma vez que existiu, nunca deixa de ser. O ser humano, uma alma imortal, não perece com a destruição do corpo.
2.21. Quem sabe que o ser humano é uma alma indestrutível, eterna, não-nascida e imortal, como pode matar ou ser morto?
2.22. Assim como o ser humano deixa a sua roupa velha e põe uma nova, do mesmo modo abandona o seu corpo corroído e veste-se com um novo.
2.26. Mesmo que pensasses que a alma nasce e morre uma e outra vez, mesmo assim, não deverias atormentar-te.
2.27. A morte está reservada para quem nasceu, e o nascimento é inevitável para quem morreu. Não lamentes o inevitável.
2.28. Todos os seres não são manifestos antes da sua manifestação material, e não são manifestos depois desta. São manifestados apenas no meio. Então por que te angustias?
2.30. Um ser encarnado nunca pode ser morto. Por isso não te atormentes com a morte de nenhuma criatura.
2.48. Renunciando ao apego pela recompensa, pelo teu trabalho, torna-te igualmente equilibrado tanto no êxito como no fracasso. Tal equanimidade é uma verdadeira disciplina.
2.49. Rejeitando incessantemente toda a actividade desnecessária, com o auxílio da vigilância do espírito, aprende a controlar-te. Miseráveis são aqueles que agem só por causa da recompensa da sua acção.
2.51. Os sábios dedicados ao trabalho com consciência, libertam-se da lei do karma e da necessidade de encarnar de novo, obtendo a libertação total do sofrimento.
2.52. Quando tu, como consciência, te libertas das redes da ilusão, tornas-te indiferente ao que ouviste e ao que ouvirás.
2.53. Quando deixas de ser encantado pelos Vedas e te estabeleces na paz de uma mente totalmente estável, então alcançarás a unificação.
Ardjuna disse:
2.54. Qual é o sinal distintivo da pessoa que acalmou os seus pensamentos e que se estabeleceu numa mente totalmente estável? Como fala, caminha e se senta?
O Senhor Krishna disse:
2.55. Aquele que renunciou a todos os desejos sensoriais e, tendo penetrado profundamente na sua essência, encontrando plena satisfação nessa mesma essência, então torna-se firme na sabedoria.
2.56. Aquele cuja mente fica tranquila no meio dos sofrimentos, inabalável no meio dos deleites, medo e ira, quem é firme nisto, chama-se um sábio asceta.
2.57. Quem não está apegado a nada terreno, quem ao encontrar-se com algo agradável ou desagradável não se regozija nem o detesta, esse estabeleceu-se no conhecimento verdadeiro.
2.58. Abandonando as suas inclinações dos objectos terrestres, como uma tartaruga que recolhe as suas patas e a sua cabeça para a carapaça, alcançou a compreensão verdadeira.
2.59. Aquele que percorre o caminho do desapego liberta-se dos objectos dos sentidos, mas não do gosto por estes. Contudo, até o gosto por estes desaparece naquele que conheceu o supremo.
2.60. As inclinações sensoriais podem distrair até a mente de uma pessoa sábia que as tenta controlar.
2.61. Tendo domado as suas inclinações, que esta pessoa entre em harmonia, tendo-me a mim como o objectivo mais elevado. Apenas aquele que sabe controlar as suas inclinações sensoriais possui a compreensão verdadeira.
2.62. Se se regressa mentalmente aos objectos mundanos, então inevitavelmente surge um apego por estes. Do apego nasce o desejo de os ter, e da impossibilidade de satisfazer tais desejos surge a cólera.
2.63. A raiva causa a deformação total da percepção, e tal deformação causa a perda da memória. A perda da memória causa a perda da energia da consciência. Perdendo a energia da consciência, a pessoa degrada-se.
2.64. No entanto, quem dominou as suas inclinações sensoriais, rejeitando a avidez e a aversão e se dedicou à sua própria essência, obtém a pureza interior.
2.65. Ao obter a pureza, põe-se um fim ao sofrimento e a consciência fortalece-se.
2.66. Aquele que não é perseverante não pode ter uma consciência desenvolvida, não tem felicidade nem paz. E sem estas será o arroubamento possível?
2.67. A mente daquele que cede perante a influência das suas paixões é arrastada como um navio pela tormenta.
2.68. Por isso, aquele cujas inclinações sensoriais estão completamente separadas dos objectos terrenos tem a verdadeira compreensão.
2.69. Quando é de noite para todos, para o asceta sábio é tempo de estar desperto. Quando os outros estão acordados, para o asceta sábio a noite vem.
2.70. Se um homem não se exalta pelos desejos sensuais, da mesma maneira que o oceano não é agitado pelos rios que para ele fluem, tal pessoa obtém a quietude. Aqueles que seguem os seus desejos nunca conseguem encontrar paz.
2.71. Apenas aquele que rejeitou os seus desejos e caminha em frente, livre das paixões, do egoísmo e da sensação do “eu”, obtém a serenidade e paz.
2.72. Este é o estado de Brahman. Quem o tiver alcançado não se engana. E quem o alcança, mesmo que seja na hora da morte, obtém o nirvana em Brahman.
Ardjuna disse:
3.1. Se tu dizes que o caminho do conhecimento é superior ao caminho da acção, por que me encorajas a uma acção tão terrível?
3.2. As tuas palavras ambíguas confundem-me. Revela-me com clareza: como posso alcançar o êxtase?
O Senhor Krishna disse:
3.3. Como antes o disse, existem duas possibilidades para o desenvolvimento espiritual: o yoga da reflexão e o yoga da acção correta.
3.4. O ser humano não alcança a libertação dos grilhões do destino rejeitando a acção. Só através da renúncia não ascende à perfeição.
3.5. Ninguém pode, nem sequer por um momento, permanecer verdadeiramente inactivo, já que as propriedades da matéria cósmica nos obrigam a agir.
3.6. Aquele que dominou o controlo sobre as inclinações sensoriais, mas ainda sonha com objectos terrenos, tal pessoa ilude-se a si própria. Tal pessoa pode ser comparada com um hipócrita.
3.7. Mas aquele que conquistou as suas inclinações e realiza o karma yoga livremente é digno de admiração.
3.8. Portanto, realiza acções virtuosas, pois a acção é melhor que a inacção. Permanecendo inactivo, nem sequer é possível manter o próprio corpo vivo.
3.9. As pessoas mundanas são agrilhoadas pela acção quando esta não se realiza como uma oblação. Realiza as tuas acções como oferendas a Deus, permanecendo livre dos apegos a tudo o que é terrestre.
3.19. Realiza persistentemente os teus deveres sem qualquer expectativa de recompensa. Pois, em verdade, realizando acções desta maneira o ser humano alcança o supremo.
3.25. Uma pessoa que não é sábia age por egoísmo. O sábio age sem egoísmo, para o bem dos outros.
3.31. Aqueles que seguem os meus ensinamentos com firmeza, que estão cheios de devoção e livres da inveja, nunca poderão ser acorrentados pelas suas acções.
3.34. A atracção e a aversão aos objectos terrenos dependem da repartição das inclinações. Não sucumbas nem a uma nem à outra. Em verdade, estes estados são obstáculos no caminho.
O Senhor Krishna disse:
4.7. Quando a virtude na terra declina, e a injustiça começa a reinar, eu manifesto-me.
4.8. Para salvar os bons, derrotar os que fazem o mal e restaurar o ensinamento, eu manifesto-me assim século após século.
4.9. Quem realmente conheceu a essência das minhas aparições milagrosas, ao deixar o seu corpo não encarna de novo, mas une-se comigo.
4.10. Tendo-se libertado dos falsos apegos, do medo e da cólera e tendo conhecido a minha existência, muitos são os que purificados no fogo da sabedoria, obtêm o grande amor por mim.
4.11. Assim como as pessoas vêm a mim, do mesmo modo eu as recebo. Pois os caminhos pelos quais elas vêm a partir todos os lados são os meus caminhos.
4.16. O que é a acção e o que é a não-acção? Até mesmo as pessoas razoáveis nisto se confundem. Explicar-to-ei para que possas libertar-te de tal erro.
4.17. É essencial compreender que há acções necessárias, acções desnecessárias e a não-acção. É uma questão em que nos necessitamos de orientar correctamente.
4.18. Quem vê a não-acção na actividade e a acção na inactividade é verdadeiramente consciente, e mesmo permanecendo envolvido nas actividades com outras pessoas, permanece livre.
4.19. Os conhecedores dizem que as acções daquele cuja iniciativa está livre de anseios terrenos e da busca do ganho pessoal são purificadas pelo fogo da consciência desenvolvida.
4.23. Aquele que, tendo perdido os apegos a tudo o que é material, que obteve a libertação das paixões terrenas, que tem os pensamentos enraizados na sabedoria e que realiza as acções só como oferendas sacrificiais a Deus, todas as suas acções se unem com a harmonia do Absoluto.
4.34. Portanto, obtém a sabedoria através da devoção, da indagação e do serviço. Os sábios e clarividentes que penetraram na essência das coisas iniciar-te-ão nisto.
4.38. Não existe no mundo melhor purificador que a sabedoria. Através desta, aquele que é hábil no yoga alcança no tempo devido a iluminação na sua própria essência.
4.41. Quem com o yoga renunciou às acções falsas e com a sabedoria removeu todas as dúvidas, quem se estabeleceu na sua verdadeira essência não pode ser acorrentado pela acção.
4.42. Por isso, cortando as dúvidas com a espada da sabedoria da tua essência superior permanece no Yoga.
Ardjuna disse:
5.1. Tu exaltas aquele que abandonou a família e a ti se dedica, ó Krishna, assim como o yoga. Qual destes dois é preferível? Diz-me.
O Senhor Krishna disse:
5.2. Tanto o sannyasa como o karma yoga levar-te-ão ao bem superior. Mas, em verdade, o karma yoga é preferível.
5.3. Fica a saber que o verdadeiro sannyasin é aquele que não odeia ninguém e não deseja nada terreno. Livre da dualidade, tal homem desfaz-se do que o agrilhoa com facilidade.
5.10. Quem dedica as suas acções a Brahman, realizando-as sem apego, nunca será manchado pelo pecado, da mesma maneira que as folhas de lótus não se encharcam com a água.
5.15. O Senhor não é responsável pelos actos dos homens, sejam estes bons ou maus.
5.18. O sábio olha igualmente para um brâmane, adornado com o saber e com a humildade, para um elefante, uma vaca, um cão e até para aquele que come um cão.
5.19. Aqui na terra, o nascimento e a morte são conquistados pela pessoa cuja mente está tranquila. Brahman está limpo de pecado e permanece na quietude. Por isso, quem também permanece em quietude conhece Brahman.
5.21. Quem não está apegado à satisfação dos seus sentidos e se delicia na sua essência sublime, ao alcançar a unidade com Brahman, experimenta o êxtase eterno.
5.24. Quem está pleno de felicidade no seu interior, quem se alegra e quem se ilumina com o amor a partir de dentro é capaz de conhecer a essência de Brahman e o nirvana em Brahman.
O Senhor Krishna disse:
6.1. Não é um verdadeiro sannyasin nem um yogi aquele que vive sem o fogo e sem os deveres, mas sim aquele que cumpre activamente o seu dever sem esperar ganho pessoal daí proveniente.
6.10. Que um yogi se concentre constantemente na sua essência eterna permanecendo retirado, vigilante e livre de ilusões e apegos.
6.29. Quem se estabeleceu no yoga vê que a essência eterna está em cada ser e que todos os seres estão na essência eterna; tal pessoa vê um só em todo o lado.
Ardjuna disse:
6.33. Para este yoga que se alcança através do equilíbrio interno, não vislumbro em mim um apoio seguro devido ao desassossego da minha mente.
6.34. Pois a mente é, em verdade, inquieta, ó Krishna. É turbulenta, obstinada, difícil de limitar. Penso que é tão difícil de travar como o vento.
O Senhor Krishna disse:
6.35. Sem dúvida, a mente é inquieta e é difícil de dominar. Contudo, é possível conquistá-la com o exercício constante e com a imperturbabilidade.
6.36. O yoga é difícil de alcançar para aquele que não conheceu a sua essência, mas quem o conheceu dirige-se ao yoga pelo caminho certo.
O Senhor Krishna disse:
7.1. Ouve sobre como podes chegar ao meu conhecimento definitivo dirigindo a tua mente para mim e praticando yoga sob a minha orientação.
7.2. Revelo-te o conhecimento e a sabedoria em toda a sua plenitude. Ao conhecê-los, já não ficará nada mais para conhecer.
7.3. Entre milhares de pessoas, apenas um procura alcançar a perfeição. E entre aqueles que procuram só uns poucos chegam a conhecer a minha essência.
7.5. Esta é a minha natureza inferior. Conhece também a minha natureza superior, que é o elemento da vida por meio da qual é sustentado o mundo inteiro.
7.6. Esta é o ventre de tudo o que existe. Eu sou a fonte do universo manifestado e este desaparece em mim.
7.7. Não há nada que seja superior a mim. Tudo está em mim como pérolas em fios.
7.16. Existem quatro tipos de virtuosos que confiam em mim: quem anseia fugir do sofrimento, quem tem sede de conhecimento, os que procuram feitos pessoais e os sábios.
7.17. Entre eles, superior aos outros é o sábio, equânime e absolutamente fiel a mim. Na verdade, sou querido pelo sábio, e o sábio é querido por mim.
7.18. Todos eles são dignos de mim. Mas o sábio considero-o igual a mim. Porque, unindo-se com a sua essência eterna, o sábio conhece-me e atinge a sua meta suprema.
7.28. Ainda assim, as pessoas virtuosas que se desenraizaram dos seus vícios, libertam-se desta dualidade e dirigem-se determinadamente para mim.
7.29. Procurando refúgio em mim, procuram libertar-se do nascimento e da morte e chegam ao conhecimento de Brahman, à realização completa da eterna essência e à compreensão dos princípios segundo os quais se fundam os destinos.
Ardjuna disse:
8.1. O que é aquilo a que se chama Brahman e o que é aquilo a que se chama Atman? O que é a acção, ó alma suprema? O que é o material e o que é o Divino?
8.2. Que é o sacrifício, e como pode ser realizado por uma pessoa encarnada? E como é que aquele que conheceu o Atman te conhece a ti no momento da sua morte?
O Senhor Krishna disse:
8.3. Indestrutível e o mais alto é Brahman. A essência do homem é o Atman. O que proporciona a vida dos seres encarnados chama-se acção.
8.5. Aquele que partindo do seu corpo, é consciente apenas de mim, no momento da morte, sem dúvida, entra na minha existência.
8.11. O caminho, que os seres humanos chamam o caminho para o eterno, descrever-te-ei este caminho brevemente.
8.12-13. Tendo fechado todas as portas do corpo, tendo colocado a mente no coração, dirigindo o Atman para o supremo, tendo-se estabelecido firmemente no yoga, cantando o mantra de Brahman, AUM, e sendo consciente de mim, quem quer que deixe assim o seu corpo, alcança a meta suprema.
8.15. Ao chegar a mim, tais grandes almas nunca voltam a nascer neste transitório vale de lágrimas. Elas alcançam a perfeição mais alta.
O Senhor Krishna disse:
9.1. A ti, que não tens inveja, revelo-te um grande mistério, revelo-te a sabedoria pela qual te libertarás dos grilhões da existência material.
9.4. Eu, na minha forma não manifestada, penetro o mundo inteiro. Todos os seres têm as suas raízes em mim, mas eu não tenho nenhuma raiz neles.
9.22. Àqueles que em mim confiam, com fé firme e devoção, sem pensar em algo mais, concedo-lhes o meu amparo.
9.29. Sou imparcial com todos os seres. Para mim não há odiados ou amados. Mas aqueles que confiam em mim com amor estão em mim e eu neles.
9.30. Mesmo o maior pecador, se me adora com todo o seu coração, deve também ser considerado um virtuoso, porque já decidiu com virtude.
9.31. Tal pessoa transformar-se-á rapidamente num executor do ensinamento e obterá a paz eterna. Não duvides: aquele que me ama jamais perecerá.
9.32. Todos aqueles que buscam refúgio em mim, incluindo quem nasceu de pais malévolos, as mulheres, os das castas inferirores - vaishyas e os shudras -, entram no caminho mais alto.
O Senhor Krishna disse:
10.2. A minha origem não é conhecida nem pelos deuses, nem pela multidão dos grandes sábios, já que sou o antepassado de todos os deuses e de todos os grandes sábios.
10.3. Quem entre os mortais me conhece, não-nascido, sem origem, o grande senhor do universo, em verdade, liberta-se dos grilhões do seu destino.
10.8. Eu sou a fonte de tudo, tudo tem origem em mim. Tendo entendido isto, os sábios veneram-me com profundo deleite.
Ardjuna disse:
10.12. Tu és o Deus supremo, a morada suprema, a pureza perfeita, a alma universal, o primordial, o nosso senhor eterno.
10.15. Só tu te conheces como o Atman dos Atmans, como a alma suprema, como a origem de todas as criaturas, como o governador de tudo o que existe, como o senhor dos deuses, como o mestre do universo.
10.16. Fala-me, sem ocultar nada, sobre a tua glória divina.
O Senhor Krishna disse:
10.19. Que seja como desejas. Falar-te-ei sobre a minha glória divina, mas apenas do mais importante, já que não existe fim para as minhas manifestações.
10.20. Eu sou o Atman que reside nos corações de todos os seres. Sou o princípio, o meio e o fim de todas as criaturas.
10.41. Fica a saber que tudo o que é poderoso, verdadeiro, belo e firme é apenas uma parte diminuta da minha magnificência.
10.42. Mas qual é a utilidade de saber todos estes detalhes, ó Ardjuna? Tendo vivificado o universo inteiro com uma parte diminuta de mim, eu permaneço.
Ardjuna disse.
11.1. Revelaste-me o mistério mais alto do Atman divino por compaixão, e com isto a minha ignorância desvaneceu-se.
11.2. Disseste-me, ó olhos de lótus, como todos os seres surgem e desaparecem. Também aprendi sobre a tua grandeza imperecível.
11.3. Assim como tu te descreves, ó grande senhor, anseio contemplar-te, contemplar a tua forma divina, ó espírito supremo.
11.4. Se pensas que sou digno de vê-la, ó senhor, mostra-me a tua essência eterna, ó senhor do yoga.
O Senhor Krishna disse:
11.5 Contempla a minha forma, de centenas de caras, de mil aspectos, divina, multicolor e multiforme.
11.7. Contempla no meu ser, o universo inteiro, móvel e imóvel, com tudo o que desejas ver.
O Senhor Krishna disse:
11.52. Esta minha forma que conheceste é muito difícil de ver. Na verdade, até os deuses anseiam por vê-la.
11.53. Ninguém me pode ver assim como tu me viste, ainda que conheça todos os Vedas, tenha realizado proezas ascéticas e tenha dado esmolas e oferendas.
11.54. Apenas o amor pode contemplar-me assim, ó Ardjuna. Apenas o amor pode contemplar-me na minha mais profunda essência e unir-se comigo.
11.55. Aquele que tudo faz apenas para mim, para quem eu sou a meta suprema, que me ama e que está livre de apegos e do ódio, chega até mim.
Ardjuna disse:
12.1. Quem tem mais êxito no yoga: aqueles que estão cheios de amor por ti ou aqueles que confiam no incognoscível, no não-manifestado?
O Senhor Krishna disse:
12.2. Aqueles que ao dirigir as suas mentes para mim, estão devotados a mim e a mim aspiram constantemente, estes têm mais êxito no yoga.
12.8. Dirige os teus pensamentos para mim, submerge-te em mim e então, na verdade, viverás em mim.
12.9. Contudo, se não fores capaz de concentrar o teu pensamento firmemente em mim, trata de alcançar-me praticando exercícios de yoga.
12.10. Se tão-pouco fores capaz de praticar constantemente exercícios de yoga, então dedica-te a servir-me realizando apenas aquelas acções que são necessárias para mim, e atingirás a perfeição.
12.11. Se tão-pouco fores capaz de fazer isto, então dirige-te à união comigo renunciando ao ganho pessoal da tua actividade.
12.12. O conhecimento é mais importante que os exercícios. A meditação é mais importante que o conhecimento. No entanto, renunciar ao ganho pessoal é mais importante que a meditação, já que depois de tal renúncia chega a paz.
12.13-14. Quem não sente inimizade para com nenhum ser vivo, quem é amigável e compassivo, quem não tem apegos terrenos nem egoísmo, quem é equilibrado no meio da alegria e da aflição, quem perdoa tudo e está sempre satisfeito, quem comigo procura alcançar a união conhecendo decididamente o Atman e dedicando a mente e a consciência a mim, tal discípulo que assim me ama é querido por mim.
12.15. Quem não faz sofrer as pessoas nem tão-pouco sofre por causa delas, quem está livre da ansiedade, apego, raiva e medo é querido por mim.
12.16. Quem não exige nada dos outros, quem tem conhecimento, quem é puro, desapegado e desinteressado, quem rejeitou todas as iniciativas e me ama, é querido por mim.
12.17. Quem não se apaixona nem odeia, quem não se aflige nem tem cobiça, quem se elevou sobre o bem e o mal e está cheio de amor, é querido por mim.
12.18-19. Quem tem a mesma atitude tanto para com um amigo como para com um inimigo, para com a glória e para com a desgraça, no calor como no frio, no meio da alegria ou da aflição, quem está livre dos apegos terrenos, quem recebe igualmente elogios e injúrias, quem é breve na fala, satisfeito com tudo o que sucede, que não está apegado ao lar, determinado nas suas decisões e cheio de amor, é querido por mim.
12.20. Na verdade, todos aqueles que partilham esta sabedoria doadora de vida, que estão cheios de fé e para quem eu sou a meta suprema, são queridos por mim, acima de tudo e de todos.
O Senhor Krishna disse:
13.12. Revelar-te-ei o que deve ser conhecido e o que, depois de ser conhecido, conduz à imortalidade: isto é o Brahman supremo, que não tem princípio e que está para além dos limites da existência e inexistência de tudo o que existe.
13.13. Ele habita no mundo abraçando tudo.
13.15. Está fora e dentro de todos os seres, permanecendo em tranquilidade, mas ao mesmo tempo sendo activo.
13.27. Quem vê o senhor supremo como o imperecível no perecível e como aquele igualmente presente em todos os seres, vê verdadeiramente.
13.28. Aquele que realmente o vê presente em toda a parte, já não pode desviar-se do verdadeiro caminho.
O Senhor Krishna disse:
14.1. Agora vou ensinar-te aquele conhecimento superior através do qual todos os sábios alcançaram a perfeição mais alta.
14.3. Para mim o ventre é o grande Brahman. Nele eu implanto a semente e dali nascem todos os seres.
14.16. O fruto da acção virtuosa é harmonioso e puro. Em troca, o fruto da paixão é o sofrimento. E o fruto da ignorância é o vagabundear na escuridão.
O Senhor Krishna disse:
15.5. Aqueles que se libertaram do orgulho e da ignorância, que venceram o mal dos apegos, compreenderam a natureza do eterno, refrearam a paixão sexual e se libertaram dos pares dos opostos conhecidos como alegria e sofrimento, tais seres humanos caminham com segurança pelo caminho firme.
15.11. Os yogis que têm uma aspiração correcta conhecem não apenas a alma, mas também o Atman neles próprios. Pelo contrário, os insensatos não encontram o Atman.
15.15. Eu permaneço nos corações de todos. Em mim nasce o conhecimento, a memória e o esquecimento. Sou aquele que deve ser conhecido nos Vedas. Sou, na verdade, o possuidor do conhecimento completo. Sou também o criador do vedanta.
O Senhor Krishna disse:
16.1-3. A intrepidez, a pureza da vida, a diligência no yoga da sabedoria, a generosidade, o autodomínio, o espírito de sacrifício, o estudo das escrituras sagradas, a prática espiritual, a simplicidade, a não-violência, a honestidade, a ausência de irascibilidade, o desapego, o espírito de paz, a ausência de astúcia, a compaixão pelos seres vivos, a ausência de cobiça, a suavidade, a modéstia, a ausência de agitação, a coragem, o perdão absoluto, o vigor, a sinceridade, a ausência de inveja e orgulho: são estas as qualidades que une em si próprio aquele que possui a natureza divina.
16.4. A falsidade, a arrogância, o orgulho, a irascibilidade, a grosseria e a ignorância pertencem àquele que possui qualidades demoníacas.
16.5. As qualidades divinas levam à libertação, enquanto que as demoníacas, à escravidão.
16.7. As pessoas demoníacas não conhecem o poder verdadeiro, nem a abstinência, nem a pureza, nem sequer a probidade. Não há nelas verdade.
16.8. Elas dizem: “O mundo não tem verdade, sem significado, sem Deus. Não surgiu para o grande propósito, senão meramente devido à paixão sexual.”
16.10-11. Entregando-se a desejos terrenos insaciáveis que levam à destruição, orgulhosos e arrogantes, apegados ao transitório e confiantes e seguros de que isso é tudo o que há, abandonando-se às elucubrações perniciosas sem fim e tendo como meta apenas a satisfação dos seus desejos, eles pensam: “Isto é tudo o que há, não há nada mais.”
16.12. Atados por centenas de grilhões de expectativas e entregando-se à luxúria e à ira, aumentam as suas riquezas com meios injustos para satisfazer os prazeres sensuais.
16.13. “Hoje alcancei este propósito e amanhã alcançarei o outro. Esta riqueza já é minha e a outra será minha no futuro.”
16.20. Caindo nestas condições, cobrindo-se de ignorância vida após vida, sem que me procurem, eles descem até ao próprio fundo dos infernos.
16.21. Três são as portas do inferno onde o ser humano perece: a paixão sexual, a ira e a cobiça. Por isso há que renunciar às três.
Ardjuna disse:
17.1. Qual é o estado daqueles que estão cheios de fé, mas ignoram as regras prescritas pelas sagradas escrituras?
O Senhor Krishna disse:
17.2. A fé de uma pessoa encarnada pode ser de três tipos: sáttvica, rajásica e tamásica.
Escuta sobre os três tipos.
17.3. A fé de cada um corresponde à sua essência, e cada um corresponde à sua fé. Assim como é a sua fé, assim é o ser humano.
17.4. As pessoas sáttvicas confiam no divino, as rajásicas, nos seres de natureza demoníaca, e as tamásicas, nos mortos e nos espíritos inferiores.
17.14. A homenagem rendida ao divino, aos brâmanes, aos mestres e aos sábios, a pureza, a simplicidade, a temperança e a não-violência, constituem o ascetismo do corpo.
17.15. A fala que não causa desgosto e que é honesta, agradável e proveitosa, assim como a repetição dos textos sagrados, constitui o ascetismo da palavra.
17.16. A claridade do pensamento, a humildade, a brevidade da fala, o controlo dos pensamentos, a atitude amigável para com todos e a naturalidade da vida constituem o ascetismo da mente.
17.17. Quando este ascetismo triplo é realizado pelas pessoas equilibradas, que estão cheias de uma fé profunda e que não têm nenhuma expectativa de recompensa, é considerado como sáttvico.
17.18. O ascetismo que se realiza para conseguir o respeito, a honra ou a glória, assim como aquele que se realiza com orgulho, é rajásico, instável e precário por natureza.
17.19. O ascetismo realizado sob a influência da ignorância, com a tortura de si próprio ou com o propósito de destruir o outro, é tamásico por sua natureza.
17.28. E aquilo que se realiza sem fé, seja um sacrifício, a caridade, um feito ou outra coisa, é “asat”, isto é, “nada”, tanto aqui como depois da morte.
Ardjuna disse:
18.1. Eu quero saber, ó poderoso, sobre a essência do estilo de vida de renúncia e sobre a renúncia.
O Senhor Krishna disse:
18.2. O abandono da actividade originada pelos desejos pessoais é chamado pelos sábios de vida de renúncia. A actividade sem apego e ganância pessoal chama-se renúncia.
18.4. Escuta as minhas conclusões sobre a renúncia. A renúncia pode ser de três tipos.
18.5. O espírito de sacrifício, a caridade e os actos de autodomínio não devem ser abandonados, antes pelo contrário, quando praticados, estes purificam uma pessoa razoável.
18.6. Contudo, estas acções devem realizar-se sem nenhum apego à própria actividade e sem nenhuma expectativa de recompensa.
18.10. O que renuncia, cheio de harmonia e pureza, razoável e livre de dúvidas, não tem aversão para com uma acção desagradável nem tão-pouco tem apego a uma acção agradável.
18.11. Em verdade, uma pessoa encarnada não pode renunciar completamente às acções. Só quem renuncia ao ganho pessoal renuncia realmente.
18.12. Para uma pessoa que não renunciou, os frutos de uma acção podem ser bons, maus e intermediários. Mas para um sannyasin não há frutos.
18.49. Aquele que, como uma consciência, é livre e omnipresente, que conheceu o Atman e que não tem desejos terrenos, alcança a perfeição superior e a libertação de todos os grilhões do seu destino através do caminho da renúncia.
18.50. Escuta de mim, em poucas palavras, sobre como alcança Brahman, o estado mais alto de sabedoria, aquele que está em processo de alcançar a perfeição.
18.51-53. Aquele que é uma consciência completamente purificada, que se superou através da firmeza, que se desapegou de tudo o que é exterior e que se livrou da paixão e da hostilidade, que vive retirado, que é abstinente, que dominou a sua fala, corpo e mente, que permanece todo o tempo em meditação e na impassibilidade, que renunciou ao egoísmo, à violência, à arrogância, à paixão sexual, à raiva, à cobiça e que está cheio de paz e altruísmo, tal homem merece transformar-se em Brahman.
18.54. Tendo alcançado a eternidade na união com Brahman, tal praticante enche-se do amor mais alto por mim.
18.55. Através do amor esta pessoa conhece-me na minha essência, quem sou e como sou na realidade. Tendo-me conhecido desta maneira, na minha essência mais profunda, submerge-se no meu ser.
18.56. Tal praticante cumpre todos os deveres, mas adorando-me a mim, com o meu auxílio, alcança a morada eterna e indestrutível.
18.57. Renunciando mentalmente a todas as acções pessoais, tendo-te unido comigo com a consciência e percepcionando-me como teu refúgio, pensa em mim constantemente.
18.58. Pensando em mim, superarás com o meu auxílio todos os obstáculos. Porém, se por orgulho não desejas viver assim, perderás tudo.
18.62. Procura o refúgio n´Ele com todo o teu ser. Pela sua graça alcançarás a paz suprema e a morada imperecível.
18.63. Assim te revelei a sabedoria mais secreta que o próprio segredo. Medita profundamente nela e depois procede como entenderes.
18.64. Escuta de mim novamente a minha palavra mais alta e mais íntima: És amado por mim e por isso recebe de mim este bem.
18.65. Pensa sempre em mim, ama-me, sacrifica-te por mim, procura refúgio apenas em mim e chegarás até mim. Amo-te e confio em ti.
18.66. Depois de abandonar todos os outros caminhos, vem somente até mim para tua salvação. Não te atormentes. Libertar-te-ei de todos os teus grilhões.
18.72. Escutaste tudo isto com atenção e sem distracções? Está eliminado o teu erro nascido da ignorância?
Ardjuna disse:
18.73. A minha ilusão desvaneceu-se. Por via da tua graça alcancei o conhecimento. Estou firme, as minhas dúvidas dissiparam-se. Farei como tu dizes.
Sanjaya disse:
18.74. Maravilhado, eu ouvia esta conversação maravilhosa.
18.77. Recordando a forma mais maravilhosa de Krishna, eu regozijo-me uma e outra vez.
18.78. Onde quer que esteja Krishna, o senhor do yoga, e onde quer que esteja Ardjuna, ali seguramente estarão o bem-estar, a vitória e a felicidade.
Esta é a minha opinião.
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3 comentários:
Maravilhosa leitura!
Estou me preparando para ler esse livro, PRATICAMENTE, é uma BIBLIA indiana.
Por orientação, comecei a ler FILOSOFIAS DA INDIA, DE HENRICH ZIMMER, e assim assimilar melhor o conteúdo desse conhecimento milenar. Espero dar conta para saber interpretar e tirar muito conhecimento desse livro e ajudar a trabalhar o Ego, o verdadeiro carrasco.
Boa tarde Camila
Pode encontrar vários "livrinhos" bastante sintéticos sobre o hinduísmo, budismo, misticismo cristão, etc., em
https://homeoesp.blogspot.com/
Estão todos disponíveis para download.
É interessante perceber uma grande identidade em todos eles - veja, nomeadamente o SERMÃO DA POBREZA, de Mestre Eckhart e o SIN SIN MING.
Um abraço fraterno.
JMA
Amigos acabei de encontra-los.
Vou ler todos eles. Gratidão
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