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ARTE

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

TAO TE KING - COMPLETO

 


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TAO TE CHING - COMPLETO








TAO TE CHING

LAO TSE






INTRODUÇÃO

O Tao Te Ching, múltiplas vezes traduzido como “O Livro do Caminho e da Virtude” é uma das obras mais conhecidas da China e surge-nos como uma antologia de aforismos, sem uma verdadeira ordenação sistemática. É o livro principal do Taoísmo.
Segundo a tradição, terá sido escrito no século III ou IV a.C.
De todas as versões que chegaram até aos nossos dias, não podemos fazer muitas distinções, já que as dificuldades de tradução são muitas. No entanto, um dos comentários e tradução muito referenciada é a de Wang Pi (séc. III). 
O Tao Te King é uma das obras mais traduzidas no mundo, tal como a Bíblia, o Dhammapada e o Baghavad Guitá.

Tem-se atribuído a sua autoria a Lao Tse, que significa “Velho Mestre”. No entanto, há uma grande controvérsia sobre este facto. 
Existem investigadores que acreditam que o Tao Te Ching é tão-somente uma compilação de ditos, provérbios e ensinamentos transmitidos oralmente e posteriormente recolhidos e organizados em livro.
A obra versa sobre o Tao, a realidade última do Universo, originando a religião denominada Taoísmo, que também influenciou o Budismo Zen.
É uma obra pouco consensual no que respeita à sua interpretação. São centenas, senão milhares os entendimentos que a envolvem.



O Tao (o Caminho) é um princípio que não pode ser definido nem compreendido. É a fonte e a origem de toda a existência. É invisível e omnipotente, contudo, humilde; é a raiz de todas as coisas.
Para compreender o Taoísmo devemos compreender os seus três fundamentos: O Tao, a Virtude e o não agir. 
O Tao faz com que tudo seja como é. Está na sua própria origem e é a sua causa. 
Apesar de invisível, manifesta-se pela sua influência que é a Virtude. A Virtude flui naturalmente.
O taoista tem uma conduta tranquila, que não interfere no curso dos acontecimentos e é indiferente a normas morais ou sociais.
O sábio consegue em vida retornar à tranquilidade do agir sem agir do Tao primitivo.
Em bom rigor o Tao não age. Não age, mas também não deixa de agir; flui com naturalidade.
O Tao ensina que inexiste qualquer entidade divina a gerir o mundo. Tudo emerge espontaneamente do Nada e tudo acontece por si.

Advoga para o homem, uma vida simples, sem angústia existencial com todas as suas dúvidas insanáveis, insistindo numa conduta que se deixa absorver pelo curso natural da vida. Pelo não-agir, o homem isento de preocupações, não controlando o seu destino, aceitando o inevitável, age sem agir, age espontaneamente e santifica-se.
Não há nada que não nasça do Tao, do vazio indiferenciado, que não conseguimos vislumbrar como Uno, por estarmos iludidos com as “dez mil coisas”. Com o aparecimento dos nomes, surgem as coisas e o Uno transforma-se em múltiplo. Para voltar a ver o Uno, para retornar ao seu estado original, o homem tem de conformar a sua conduta ao evoluir natural do Universo. 

É sabido que qualquer tradução realizada a partir de textos chineses apresenta uma dificuldade acrescida ao tradutor.
Esta tradução foi feita do chinês clássico para o português do Brasil, pelo Mestre taoista Wu Jyn Cherng (1). Daí advém a sua importância e provavelmente a diferença que existe entre ela e muitas outras traduções.
Limitámo-nos a compor uma nova versão, mas que respeitasse na sua essência a tradução do original. Nesse sentido, mantivemos as anotações feitas por Wu Jyn, que são suficientes para clarificar algumas partes do texto.
A sua interpretação não é fácil. Cada um terá por si, de ler e reler os capítulos, intuindo a sua essência, o seu ensinamento mais profundo.

Não iremos nesta introdução abordar toda a argumentação existente sobre a vida e existência de Lao Tse (2).

Como é nosso hábito, não fazemos das introduções do que escrevemos, um fardo difícil de suportar pelo leitor. Ele saberá interpretar o texto sem recurso a comentários exaustivos e contraditórios ou optará por adquirir um maior conhecimento do taoísmo em literatura especializada.
A leitura do Tao Te Ching compromete-nos com um desafio, que não é diminuto: esvaziar o espírito e ser natural como a água do rio que flui no vale.
Com os seus ensinamentos poderá o homem atingir os três tesouros da tradição taoista: humildade, simplicidade e afectividade.




***









TAO TE CHING


I

O caminho que pode ser representado não é o Caminho constante.
O nome que pode ser declarado não é o Nome constante.
Sem-Nome é o começo do céu e da terra;
Com-Nome é a mãe das dez mil coisas.
Assim, a constante não-aspiração (3) é contemplar as Maravilhas (4),
e a constante aspiração (5) é contemplar o Orifício (6).
Ambos são diferenciados pelos seus nomes, mas têm a mesma origem.
O que é comum entre os dois chama-se Mistério (7).
O Mistério dos Mistérios é o Portal para todas as Maravilhas.

II

Quando os seres sob o céu reconhecem o belo como belo,
então, isso, já se transformou num mal.
E reconhecendo o bem como bem,
então, isso, já não será um bem.

A existência e a inexistência geram-se uma pela outra;
o difícil e o fácil completam-se um ao outro;
o longo e o curto determinam-se um pelo outro;
o alto e o baixo curvam-se um ao outro;
o som e a tonalidade estão juntos um com o outro;
o antes e o depois seguem-se um ao outro.
Portanto,
o Homem Sagrado (8) realiza a sua obra pela não-acção (9)
e põe em prática o ensinamento através da não-palavra (10).
Os dez mil seres fazem, mas não para que se realizem;
iniciam a realização mas não a possuem;
concluem a obra sem se apegar;
e justamente por tudo realizarem sem apego,
não passam. 

III

Não valorando os tesouros, o povo alheia-se da contenda.
Não dignificando as coisas de difícil aquisição, o povo mantém-se alheio à cobiça.
Não admirando o que é fruto dos desejos, mantém-se o coração alheio à confusão.

O Homem Sagrado governa.
Esvazia o seu coração (11);
enche o seu ventre (12);
enfraquece a sua vontade (13);
robustece seus ossos.

Mantém permanentemente o povo sem conhecimentos e desejos.
Faz com que os que têm conhecimento não se encorajem e não actuem.
Sendo assim,
nada fica sem governo.

IV

O Caminho é o Vazio (14)
e o seu uso jamais o esgota.
É incomensuravelmente profundo e amplo, como a raiz dos dez mil seres.

Cegando o corte, 
desatando o nó,
harmonizando-se à luz,
igualando-se à poeira.

Límpido como a existência eterna
não sei de quem sou filho.
Venho de antes do Rei Celeste (15).

V

O céu e a terra não são bondosos,
tratam os dez mil seres como cães de palha (16).
O Homem Sagrado não é bondoso,
trata os homens como cães de palha.

O espaço entre o céu e a terra assemelha-se a um fole:
É um vazio que não distorce; 
o seu movimento é a criação contínua.

O excesso de conhecimento conduz ao esgotamento
e não é melhor do que manter-se no centro (17).

VI

O Espírito do Vale (18) nunca morre.
A isso chamamos o Orifício Misterioso (19).
A porta do Orifício Misterioso é a raiz do céu e da terra.

Seja suave e constante,
usufruindo sem se apressar.

VII

O céu é constante, a terra é duradoura.
O que permite a constância e a duração do céu e da terra
é o facto de não criar para si.
Por isso são constantes e duradouros.

Assim,
o Homem Sagrado deixa seu corpo para trás e o Corpo (20) avança.
Além do corpo, o Corpo permanece.
Através do não-corpo, conclui o Corpo.

VIII

A bondade sublime é como a água (21).
A água, na sua bondade, beneficia os dez mil seres sem qualquer preferência.
Permanece nos lugares menosprezados pelos outros.
Por isso assemelha-se ao Caminho.

Viva na terra com bondade;
pense com bondade, como um lago;
conviva com os outros com bondade, como irmãos;
fale com a bondade de quem tem palavra;
governe com a bondade de quem tem ordem;
realize com a bondade de quem é capaz;
aja sempre com bondade.

Não discuta, assim não haverá antagonismo.

IX

O que é mantido cheio não permanece até ao fim.
O que é polido intencionalmente não é um tesouro eterno.

Uma sala cheia de ouro e jade é difícil ser protegida.

Riqueza e nobreza somadas à arrogância
trazem para si a própria culpa.

Concluir o nome, terminar a obra, retirar o corpo,
este é o Caminho do Céu.

X

Quem conduz a realização do corpo por abraçar a unidade,
pode tornar-se indivisível.
Quem respira com pureza por alcançar a suavidade,
pode tornar-se criança.
Quem se purifica através do conhecimento do mistério,
pode tornar-se imaculado.

Ame o povo e governe o reino através do não-conhecimento (22).
Ilumine e clareie os quatro cantos através da não-acção.
Abra e feche a porta do céu através da acção feminina.

O que gera e cria,
gera, mas sem se apossar,
age sem querer para si,
cultiva mas sem dominar,
chama-se Misteriosa Virtude (23).

XI

Trinta são os raios que convergem ao vazio do centro da roda.
Através dessa não-existência
existe a utilidade do veículo.

A argila é trabalhada na forma de vasos.
Através da não-existência
existe a utilidade do objecto.

Portas e janelas são abertas na construção da casa.
Através da não-existência
existe a utilidade da casa.

Assim, da existência vem o valor
e da não-existência, a utilidade.

XII

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos.
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos.
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível (24).
Percursos de caça no campo tornam o coração do homem tresloucado.
Os bens de difícil aquisição prejudicam a caminhada do homem.
Por isso, o Homem Sagrado realiza-se pelo ventre e não pelo olho.
Assim, afasta este e escolhe aquele.

XIII

O prestígio e a humilhação geram perturbação.
A nobreza e grandes preocupações localizam-se no corpo.

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é algo inferior.
Quando o obtemos ficamos amedrontados;
quando o perdemos ficamos amedrontados.
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram perturbação”.

O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter esta “enorme preocupação” é ter um corpo.
Se não tivesse um corpo,
com que teria eu que me preocupar?

Por isso,
nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo;
a este o mundo pode entregar-se.
Quem ama faz do mundo o seu corpo;
neste o mundo pode confiar.

XIV

Aquilo que se olha e não se vê, diz-se invisível;
aquilo que se escuta e não se ouve, chama-se inaudível;
aquilo que se abraça e não se possui, chama-se imaterial.
Estes três não podem ser revelados,
por isso se fundem e se tornam um.

Enquanto superior não é luminoso,
enquanto inferior não é vago.

O Constante que não pode ser nomeado
é o retorno à não-existência,
é a expressão da não-expressão,
é a imagem da não-existência,
a isto se chama indeterminado.

Encarando-o, não se vê a sua face,
seguindo-o, não se vê as suas costas.

Quem mantém o Caminho Ancestral
poderá governar a existência presente.
Quem conhece o Princípio Ancestral
encontrará a ordem do Caminho.

XV

Os bons executantes da antiguidade eram subtis,
maravilhosos, misteriosos e despertos.
Eram profundos e não podiam ser compreendidos
e justamente por não poderem ser compreendidos,
é necessário esforço para os ilustrar.

Temerosos como quem atravessa um rio no inverno;
previdentes como quem teme os seus vizinhos;
reservados como um hóspede;
solúveis como o gelo que se funde;
genuínos como a madeira bruta;
vazios como os vales;
entorpecidos como as águas turvas.

O turvo, através da quietude, torna-se gradualmente límpido.
O quieto, através do movimento, torna-se gradualmente criativo.
Aquele que resguarda este Caminho não tem desejo de se enaltecer
e justamente por não se enaltecer, mesmo envelhecido, pode voltar a criar.

XVI

Alcançando o vazio extremo e permanecendo na quietude da extrema quietude,
os dez mil seres manifestam-se simultaneamente
e através dessa manifestação, contemplamos o seu retorno (25).
Apesar da diversidade dos seres,
cada um deles pode retornar à sua raiz.
O regresso à raiz denomina-se quietude;
a quietude intitula-se retornar a viver;
retornar a viver chama-se constância;
conhecer a constância chama-se iluminação.
Desconhecer a constância é a incoerência que provoca a infelicidade.

Quem conhece a constância é abrangente;
quem é abrangente pode ser colectivo;
o colectivo tem o poder da criação;
a criação tem o poder do céu;
o céu tem o poder do Caminho;
o Caminho tem o poder do eterno,
pelo que,
mesmo perdendo o corpo, não irá perecer.

XVII

Do superior, o inferior tem apenas a ciência da existência,
do estado que o sucede, intimidade ou admiração,
do estado seguinte, temor ou desprezo.

Não havendo confiança bastante, surge a desconfiança.
Quem valoriza a palavra, realiza a obra sem deixar rasto.
Assim, o povo pensará que surgiu por si, naturalmente.

XVIII

Quando se perde o Grande Caminho,
surgem a bondade e a justiça (26).
Quando surge a inteligência,
surge uma grande hipocrisia.
Quando os seis parentes (27) não estão em paz,
surgem o amor filial e o amor paternal.
Quando há desordem e confusão no reino,
surge o patriota.

XIX

Anule o sagrado, abandone a inteligência
e o povo sairá beneficiado cem vezes.
Anule a bondade e abandone a justiça
e o povo retornará ao amor filial e ao amor paternal.
Anule o talento e abandone o interesse
e não haverá mais ladrões nem roubos.

Se estas três frases ditas não são o suficiente,
então faça com que exista aquilo em que se possa confiar,
encontrando e abraçando a simplicidade,
reduzindo o egoísmo e diminuindo os desejos.

XX

No ensinamento pela supressão não há preocupações.

Entre aceitar e repudiar qual a diferença?
Entre apreciar e desprezar qual a distância?
O que os homens temem, poderiam não temer?

Abandone tudo isso antes que se esgote!

Os homens agitam-se como um festejo na prisão imensa
ou como quando sobem à varanda na primavera.

Meu corpo não tem expressão,
como uma criança antes de nascer,
como a estrela Kuei (28) que não tem onde se apoiar.

Todos os homens possuem em excesso.
Somente eu aparento estar a perder;
sou como um ignorante que tem o coração puro.

Os medíocres vivem lúcidos;
somente eu aparento estar confuso.
Os medíocres vivem lúcidos;
somente eu estou introspectivo,
vazio como uma infinita noite silenciosa.

As pessoas têm todas um ego;
somente eu o ignoro, considerando-o precário.

O que quero que me distinga dos demais
é valorizar o alimentar da Mãe (29). 

XXI

A abrangência da virtude do orifício (30) é seguir o Caminho.
O Caminho, enquanto existência é indistinguível e indescritível.
Dentro do indistinguível e indescritível há uma existência.
Dentro do indistinguível e indescritível há uma imagem.
E dentro dessa profunda obscuridade há uma essência (31).
Essa essência é absolutamente autêntica
e dentro dela há uma prova (32).

Desde a antiguidade até hoje o seu nome nunca foi olvidado
e ele pode observar a beleza e a bondade de tudo.

Como posso saber a causa da beleza e da bondade de tudo?
É através da prova.

XXII

Curvar-se, permite a plenitude;
submeter-se, permite a rectidão;
esvaziar-se, permite o preenchimento;
romper, permite a renovação;
pouco possuir, permite a aquisição;
possuir muito, permite a ganância.

Por isso, o Homem Sagrado abraça a unidade,
tornando-a o modelo sob o céu.
Não julga por si, e por isso é óbvio;
não vê por si, e por isso é resplandecente;
não se vangloria, e por isso há realização;
não se exalta, e por isso cresce.
Só por não disputar, nada há que possa disputar com ele.

Antigamente dizia-se: “Curvar-se permite a plenitude”.
Como poderiam ser as palavras vazias?
Assim, ao alcançar a plenitude descobre-se o retorno.

XXIII

Falar pouco é o natural.

Um redemoinho não dura uma manhã.
Uma rajada de chuva não dura um dia.

De onde provêm tais coisas?
Do céu e da terra.
Se nem o céu e a terra podem produzir coisas duráveis,
quanto mais os seres humanos!

Por isso, quem segue e se realiza através do Caminho, adquire o Caminho.
Quem se iguala à Virtude adquire a Virtude.
Quem se iguala à perda, perde o Caminho.

A convicção insuficiente leva à não convicção.

XXIV

Quem respira apressado não dura;
quem alarga os passos não caminha;
quem vê por si não se ilumina;
quem aprova por si não resplandece;
quem se enriquece a si não cria a obra;
quem se exalta não cresce.

Esses, para o Caminho, são como os restos de alimento de uma oferenda,
coisas desprezadas por todos.
Por isso, quem possui o Caminho não actua desse modo.

XXV

Há algo completamente entorpecido,
anterior à criação do céu e da terra,
quieto e só,
independente e inalterável,
move-se em círculo e não se exaure.
Podemos considerá-lo a Mãe sob o céu.

Eu não conheço o seu nome,
chamo-o de Caminho.
Esforçando-me por denominá-lo, chamo-o de Grande.
Grande significa Ir,
Ir significa Distante,
Distante significa Retornar.

O Caminho é grande;
o céu é grande;
a terra é grande;
o rei (33) é grande.
No universo há quatro grandes e o rei é um deles.

O homem orienta-se pela terra;
a terra orienta-se pelo céu;
o céu orienta-se pelo Caminho;
o Caminho orienta-se pela sua própria natureza.

XXVI

A ponderação torna o leviano enraizado,
a quietude torna o inquieto governado.
Por isso o Homem Superior (34) termina o dia de caminhada sem se afastar da reflexão e dos recursos.
Embora existam maravilhas em perspectiva,
permanece quieto e naturalmente transcendente.

Como pode um senhor de dez mil veículos (35) utilizar o seu corpo levianamente sob o céu?
Ao ser leviano, perderia a raiz,
ao ser inquieto, perderia o governo.

XXVII

A boa caminhada não deixa rastos ou pegadas;
a boa palavra não deixa imperfeição para críticas;
o bom cálculo não utiliza medida nem número;
a boa porta não necessita de ferrolho para ser fechada e não pode ser aberta;
o bom nó não necessita de corda para ser atado e não pode ser desatado.

Assim, o Homem Sagrado,
é constante e bondoso,
salva os homens e não os abandona.
É constante e bondoso,
salva as coisas e não as abandona.
A isso chama-se herdar a luz.

O homem bom é mestre daquele que não é bom;
o homem que não é bom é o recurso daquele que é bom;
quem não valoriza o seu mestre e quem não ama o seu recurso,
mesmo sendo muito inteligente, permanece totalmente desorientado.

A tudo isso denomina-se Maravilha Essencial.

XXVIII

Conhecendo o masculino, resguardando o feminino,
sendo a ravina sob o céu,
sem se afastar da Virtude Eterna,
retornará a ser criança.

Conhecendo o branco, resguardando o negro,
sendo o modelo sob o céu,
sem se enganar com a Virtude Eterna,
retornará à Extremidade-Inexistente (36).

Conhecendo a glória, abrigando a humildade,
sendo o vale sob o céu.

Sendo o vale sob o céu, completará a Virtude Eterna
e retornará a ser madeira bruta.
A madeira bruta partida transforma-se em instrumentos
e o Homem Sagrado utiliza-os através de um regente.

Isto tudo é um grande corte sem incisão.

XXIX

Para quem deseja possuir o mundo e age nesse sentido,
vejo que não o conseguirá.

O mundo é um recipiente espiritual
que não se pode manipular.
Quem o manipula, destrói,
quem o retém perde.

Pois as coisas
caminham ou acompanham,
sopram quente ou sopram frio,
são rígidas ou flexíveis,
ligam-se ou rompem-se.

Por isso, o Homem Sagrado
elimina o excesso,
elimina a opulência,
elimina a complacência.

XXX

Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens,
não utiliza a arma e a força sob o céu,
pois esta actividade beneficia o que replica.

Onde se instala o exército, surgem espinhos e ervas secas.

Por isso,
o homem bom é determinado, porém cauteloso;
não utiliza a força para conquistar;
é determinado sem se orgulhar;
é determinado sem se envaidecer;
é determinado sem se glorificar;
é determinado sem se tornar excessivo.

Isto é, determinado, porém sem se esforçar.

Coisas exuberantes dirigem-se à velhice.
A isso chama-se negar o Caminho.
Negando o Caminho irá falecer cedo.

XXXI

As boas armas
são recipientes da desventura.
Os seres detestam-nas.
Por isso,
os que guardam o Caminho não as compartilham.

O Homem Superior, na residência, honra o esquerdo;
na utilização da arma honra o direito.
A arma é o recipiente da desventura;
não é o recipiente do Homem Superior;
o seu uso é apenas para o inevitável.
O superior é como uma chama serena.
Por isso, não se maravilha.

Ao maravilhar-se, certamente teria prazer.
Tal prazer mata o homem.
Aquele que tem prazer em matar,
não pode triunfar sob o céu.

Por isso,
assuntos venturosos valorizam o esquerdo,
assuntos funestos valorizam o direito.

Sendo assim,
o general-auxiliar encontra-se à esquerda,
o general-superior encontra-se à direita (37).
As suas palavras são tratadas como um rito fúnebre.
Matam muitas pessoas.
Por estas, chora-se de tristeza.
A guerra vencida é tratada como rito fúnebre.

XXXII

O Caminho é eterno e não tem nome.
É genuíno e embora pequeno,
o mundo não tem coragem para o dominar.

Se reis e príncipes pudessem preservá-lo,
os dez mil seres iriam por si próprios obedecer.

Quando o céu e a terra se unem
para escorrer o doce orvalho,
o povo não pode interferir no que por si é uniforme.

O princípio domina a existência e o nome.
Então o nome passa a existir
e irá também saber cessar,
e sabendo cessar não perecerá.

A relação do mundo com o Caminho,
é como a dos ribeiros e vales
com os rios e com os mares.

XXXIII

Quem conhece os homens é inteligente.
Quem se conhece a si mesmo é iluminado.
Vencer os homens é ter força,
quem se vence a si mesmo é forte.
Quem se sabe contentar é rico.
Agir fortemente é ter vontade.
Quem não perde a sua residência, perdura.
Quem morre mas não perece, eterniza-se.





XXXIV

O Grande Caminho é vasto.
Pode ser encontrado na esquerda e na direita.
Os dez mil seres dependem dele para viver
e ele não os repele.
Conclui a sua obra sem mostrar a sua existência.
É o manto que cobre os dez mil seres, sem agir como senhor.
Podendo ser chamado de pequeno,
os dez mil seres voltam para ele, sem que aja como senhor,
podendo ser chamado de grande.

Assim o Homem Sagrado nunca age como grande.
Por isso, pode atingir a sua grandeza.

XXXV

Conservando a Grande Imagem
o mundo passa,
passa sem danos,
com tranquilidade, serenidade e supremacia.

A música e as iguarias
param o viajante.
As palavras que nascem do Caminho
são insípidas, carecem de sabor.

Olhar não é suficiente para o ver.
Escutar não é suficiente para o ouvir.
Usar não é suficiente para o esgotar.

XXXVI

Para querer iniciar o recolhimento
é necessário consolidar a expansão.
Para querer iniciar o enfraquecimento
é necessário consolidar o fortalecimento.
Para querer iniciar o abandono
é necessário consolidar o amparo.
Para querer iniciar a subtracção
é necessário consolidar o aumento.
A isto chamamos breve iluminação (38).

O suave e o fraco vencem o rígido e o forte.
Os peixes não podem separar-se do lago.
O reino que tem o instrumento afiado,
não o pode colocar à vista do homem.

XXXVII

O Caminho é uma não-acção constante
que nada deixa por realizar.
Se reis e príncipes o pudessem resguardar,
os dez mil seres transformar-se-iam por si.
Porém, se na transformação despertassem desejos,
eu iria estabilizá-los através da simplicidade do sem-nome.
A simplicidade do sem-nome também se inicia no não-desejo;
o não-desejo traz a quietude;
o céu e a terra estarão por si em rectidão.

XXXVIII

A Virtude Superior não é virtude,
assim, possui a Virtude.
A Virtude Inferior não perde a virtude,
assim, não possui a Virtude.

A Virtude Superior é não-acção,
pois não utiliza a acção.
A Virtude Inferior é acção,
que faz uso da acção.

A Bondade Superior é acção,
porém não utiliza a acção.
A Justiça Superior é acção,
que faz uso da acção.

A Suprema Polidez é acção,
que se não obtém correspondência,
usando o braço como reacção, repele.

Por isso, à perda do Caminho segue-se a Virtude;
à perda da Virtude segue-se a Bondade;
à perda da Bondade segue-se a Justiça;
à perda da Justiça segue-se a Polidez.
Assim a Polidez é o empobrecimento da fidelidade e da confiança,
é o princípio da confusão.

Aquele de conhecimentos avançados,
como a flor do Caminho,
é o princípio da estupidez.
Por isso, o Grande Homem
coloca-se no consistente e não se coloca no rarefeito.
Habita no Fruto e não habita na Flor,
afastando esta e persistindo naquele.

XXXIX

Esses adquiriram o Um na antiguidade:
O céu adquiriu o Um e tornou-se transparente;
a terra adquiriu o Um e tornou-se tranquila;
o espírito adquiriu o Um e tornou-se desperto;
os vales adquiriram o Um e tornaram-se opulentos;
os dez mil seres adquiriram o Um e tornaram-se vivos;
os príncipes e os reis adquiriram o Um e tornaram-se o eixo do mundo.
Esses alcançaram a supremacia.

O céu não se tornando transparente temerá fender-se;
a terra não se tornando tranquila temerá estremecer;
o espírito não se tornando desperto temerá exaurir-se;
os vales não se tornando opulentos temerão secar;
os dez mil seres não se tornando vivos temerão extinguir-se;
os príncipes e os reis não se tornando nobres temerão a derrota.

Por isso,
o nobre utiliza a humildade como princípio,
e o alto utiliza o baixo como base.

Sendo assim,
os príncipes e os reis denominam-se a si mesmos de órfãos, carentes e indignos.
Isto seria utilizar a humildade como princípio, não seria?

Por isso, alcançar o valor é aproximar-se do não-elogio.
Não desejando o vulgar, como o jade,
sendo simples como a pedra.

XL
 
O retorno é o movimento do Caminho,
a suavidade é a acção do Caminho.
Os seres sob o céu nascem da existência
e a existência nasce da não-existência.

XLI

O homem superior ao ouvir falar sobre o Caminho,
esforça-se para que o possa realizar. 
O homem médio ao ouvir falar sobre o Caminho,
às vezes resguarda-o, outras perde-o.
O homem inferior ao ouvir falar sobre o Caminho,
trata-o com gargalhadas.
Se não fosse tratado com risos e gargalhadas,
não seria bastante para ser o Caminho.

Por isso, as seguintes palavras lembram:
A iluminação do Caminho é como se fosse a obscuridade;
o avanço do Caminho é como se fosse o retrocesso;
as planícies do Caminho são como se fossem iguais;
a Virtude superior é como se fosse o que é comum;
a grande brancura é como se fosse o sujo;
a Virtude ampla é como se fosse insuficiente;
construir a Virtude é como se fosse roubar;
a solidez verdadeira é como se fosse o instável;
o grande quadrado não tem ângulos;
o grande recipiente conclui-se tarde;
o grande som carece de sonido;
A grande imagem não tem forma.

O Caminho é invisível e não tem nome.
Assim, apenas o Caminho é bom em auxiliar e terminar.

XLII

O Caminho gera o um,
o um gera o dois,
o dois gera o três,
o três gera os dez mil seres.

Os dez mil seres cobrem-se com o obscuro e abraçam o que é claro,
e harmonizam-se através do esplêndido sopro (39).

O que os homens detestam
são os órfãos, os carentes e os indignos.
Mas é assim que os reis e príncipes se denominam.
Por isso, as coisas
ao serem diminuídas, irão aumentar,
aumentadas irão diminuir.

O que os homens ensinaram eu também ensino com o mesmo sentido:
Os troncos rígidos não merecerão a sua morte.
Irei utilizar isto como pai do ensinamento.
 
XLIII

Sob o céu
o mais suave cavalga sobre o mais duro.

A não-existência pode penetrar no sem-espaço.
Por isso conheço o benefício da não-acção.

O ensinamento da não-palavra,
o benefício da não-acção,
sob o céu são poucos os que o alcançam.

XLIV

A fama ou o corpo, o que é que mais se ama?
O corpo ou a riqueza, o que é que vale mais?
Ganhar ou perder, o que é que mais enferma?
Por isso, o excesso de desejos causará uma grande consumição
e o excesso de bens causará uma morte rica.

Quem sabe contentar-se não se humilha,
quem sabe conter-se não se irá exaurir,
sendo assim, poderá viver longamente.

XLV

A conclusão suprema parece incompleta,
a sua utilização não danifica.
A abundância suprema parece vazia,
a sua utilização não se esgota.
A rectidão suprema parece tortuosa,
a habilidade suprema parece desajeitada,
a eloquência suprema parece titubear.

O movimento vence o frio
e a quietude vence o calor.

A transparência e a quietude actuam governando sob o céu.

XLVI

Existindo o Caminho sob o céu,
conduzem-se os cavalos para estercar.
Não existindo o Caminho sob o céu,
armam-se os cavalos para viver nas fronteiras.

Não há maior delito do que admirar os desejos;
não há maior calamidade do que não saber contentar-se;
não há maior erro do que desejar possuir.
Por isso, com a suficiência de quem sabe que é suficiente,
terá sempre o suficiente.

XLVII

Sem sair a porta,
pode conhecer-se o mundo.
Sem ver através da janela,
pode conhecer-se o Caminho do céu.
Quanto mais longe saímos,
tanto menos conhecemos.

Por isso, o Homem Sagrado,
conhece sem caminhar,
reconhece sem ver,
concretiza sem agir.

XLVIII

A realização através dos estudos é ampliar dia após dia.
A realização através do Caminho é simplificar dia após dia.
Simplificando e simplificando mais,
até alcançar a não-acção.
Na não-acção não há o que não possa ser feito.

Apoderar-se do mundo é permanecer através da não-actividade (40).
Ao surgir a actividade,
Já não é mais suficiente para que se apodere do mundo.

XLIX

O Homem Sagrado não tem coração,
tem o povo como seu coração.

Com os bons faço o bem,
com os que não são bons também faço o bem.
Adquirindo o bem,
com os sinceros sou sincero,
com os que não são sinceros também sou sincero,
adquirindo a sinceridade.

O Homem Sagrado, sob o céu,
age cautelosamente fundindo os corações do mundo.
Todo o povo com olhos e ouvidos atentos.
O Homem Sagrado trata-os como crianças.

L

Nascer na vida, entrar na morte.
Dos que ao nascimento pertencem, entre dez, há três.
Dos que à morte pertencem, entre dez, há três.
Dos homens vivos,
os que se movem para a terra da morte, entre dez, há três.
E qual é a causa?
As suas vidas são vividas em excesso.

Ouvi dizer que o bom cultivador da vida
viaja pela terra e não se confronta com rinocerontes nem com tigres,
e atravessa um exército sem armadura nem armas.
Os rinocerontes não têm onde enfiar o chifre,
os tigres não têm onde cravar as garras,
e as armas não têm onde alojar as lâminas.
E qual é a causa?
Nele não existe lugar para a morte.

LI

O Caminho gera;
a Virtude cria;
a matéria forma;
a conclusão completa.
Por isso os dez mil seres veneram o Caminho e prezam a Virtude.
O Caminho é venerável, a Virtude é estimável,
pois eles não segregam e são continuadamente naturais.

Assim, o Caminho gera, a Virtude cria:
Fazem crescer, fazem nutrir;
fazem completar, fazem concluir;
fazem o sustento e fazem a cobertura.

Geram, porém não se apossam,
agem, porém não retêm,
cultivam, porém não controlam.
A isto chamamos Misteriosa Virtude.

LII

Sob o céu há um princípio,
que age como mãe do mundo.
Já que existe a mãe,
pode-se conhecer o filho,
já que se conhece o filho,
volte-se a preservar a mãe.
Assim,
o fim do corpo não conduzirá à morte.

Fechando a boca,
trancando a porta,
até ao fim do corpo, sem desgaste.
Abrindo a boca,
favorecendo a actividade,
até ao fim do corpo, sem salvação.

Ver o pequeno, diz-se iluminação,
usar a suavidade diz-se força.
Use de volta a sua luz para que se volte a iluminar,
assim não dará dano ao corpo.

A isto chamamos herdar o constante.

LIII

Que me torne naturalmente firme e possuidor do saber,
percorrendo o Grande Caminho,
temendo apenas a dissipação.

O Grande Caminho é bastante tranquilo,
mas os homens preferem os trilhos e atalhos.

Governo com excesso de degraus;
campo com excesso de ervas daninhas;
armazém com excesso de vazios;
vestir bordados coloridos;
carregar uma espada afiada;
saciar-se comendo e bebendo;
possuir moedas e bens em excesso.

A isto chamamos roubo e auto-encantamento.
Roubo e auto-encantamento negam o Caminho.

LIV

Bem plantado, não é arrancado,
bem abraçado, não se separa.
Assim,
filhos e netos não cessam de venerar.

Restaure o seu corpo
e a sua virtude será autêntica.
Restaure a sua casa
e a sua virtude será abundante.
Restaure a sua província
e a sua virtude será crescente.
Restaure o seu reino
e a sua virtude será farta.
Restaure o seu mundo
e a sua virtude será vasta.

Assim, através do corpo percebe-se o corpo;
através da casa percebe-se a casa;
através da província percebe-se a província;
através do reino percebe-se o reino;
através do mundo percebe-se o mundo.

Como posso saber da natureza do mundo?
É através disso.

LV

Quem possui a Virtude em abundância,
é como um recém-nascido.
Os insectos não o ferram,
as aves de rapina e os animais bravios não o apanham.
Tem ossos leves e cartilagens macias,
mas pegam com firmeza.
Desconhece a união de macho e fêmea,
mas o seu órgão desperta, pela plenitude da essência.
Grita até o fim do dia,
mas não fica rouco, pela plenitude da harmonia.

Conhecer a harmonia chama-se constância;
conhecer a constância chama-se iluminar;
enriquecer a vida chama-se esclarecer;
e o coração que ordena o sopro chama-se força.

As coisas no seu auge tornam-se velhas,
a isso chamamos negar o Caminho.
Negando o Caminho, rapidamente falecem.

LVI

O que pertence à compreensão não é a palavra,
o que pertence à palavra não é a compreensão.

Fechando a boca;
aferrolhando a porta;
cegando o corte;
desenlaçando o nó;
harmonizando-se à luz;
igualando-se à poeira;
a isto chamamos o Mistério Comum (41).

Com o qual
não se pode encontrar avizinhamento;
não se pode encontrar arredamento;
não se pode encontrar bendição;
não se pode encontrar malignidade;
não se pode encontrar valorização;
não se pode encontrar desvalorização;
por isso age como nobre sob o céu.

LVII

Através da rectidão organiza-se o reino,
através da singularidade dirige-se a guerra,
através da não-actividade adquire-se o mundo.
Como posso saber da natureza do mundo?
É através disso.

Muitas são as restrições e omissões no mundo,
que tornam completamente pobre o povo.
Muitos instrumentos afiados entre o povo,
fazem crescer a confusão no reino e na família.
Muito conhecimento engenhoso entre o povo,
faz crescer o surgimento de objectos estranhos.
Leis e coisas crescendo visivelmente,
fazem surgir muitos ladrões e salteadores.

Por isso o Homem Sagrado dizia:
Eu não agindo, o povo transforma-se;
eu sem actividade, o povo enriquece-se;
eu bem tranquilo, o povo rectifica-se;
eu sem desejos, o povo simplifica-se.

LVIII

Onde governa a tolerância,
o povo tem tranquilidade.
Onde governa a discriminação,
o povo tem insatisfação.
É na desgraça que se encontra a felicidade
e é na felicidade que se esconde a desgraça.
Quem é capaz de conhecer estes extremos?

Na ausência de governo,
o governo passa a agir como um estranho,
a bondade passa a agir como maldade.
A ilusão do homem tem o seu dia longamente consolidado.

Seja quadrado sem corte,
seja honesto sem humilhar,
seja recto sem abusar,
seja luminoso sem ofuscar.

LIX

Para reger o homem e servir o céu,
nada como ser o modelo.
Somente sendo o modelo
se pode dominar cedo.
Dominar cedo significa acrescentar o acúmulo de Virtude.

Aumentando o acúmulo de Virtude,
então não há o que não se possa vencer.
Não havendo o que não se possa vencer,
não se conhece o seu extremo.

Podendo conhecer os seus extremos
pode possuir-se o reino.

Possuindo a mãe do reino
pode ser-se constante.

Isto é uma raiz profunda e um pedúnculo sólido.
É o Caminho da vida constante e a visão duradoura.

LX

Governar um grande reino é como cozinhar um pequeno peixe.

Actuando sob o céu através do Caminho,
os seus demónios não são despertados.
Não que os seus demónios não sejam despertados.
O seu despertar não fere o homem.
Não que seu despertar não fira o homem.
O Homem Sagrado também não fere o homem.
Sendo que os dois não se ferem,
assim as suas Virtudes se unem e retornam.

LXI

O grande reino é aquele corrente abaixo.
 É um campo sob o céu.

Num campo sob o céu,
a fêmea vence sempre o macho através da quietude.
Por isso, o grande reino estando abaixo do pequeno reino,
conquista o pequeno reino.
O pequeno reino estando abaixo do grande reino,
anexa o grande reino.
Assim,
ou por estar abaixo para conquistar
ou por estar abaixo para absorver,
o grande reino apenas deseja unir e cultivar os homens,
enquanto o pequeno reino apenas deseja integrar e servir os homens.
Cada um destes dois encontra o local para o seu desejo.
Portanto, o grande deve estar abaixo.

LXII

O Caminho é o segredo dos dez mil seres.
O Tesouro do homem benevolente
é o que o homem não-benevolente não guarda.

As palavras se belas podem ser negociadas.
Atitudes reverentes podem elevar um homem.

Mesmo com a não-benevolência do homem,
como se poderia deixá-lo ao abandono?
Por isso, ergue-se o filho do céu (42),
ordenam-se os três duques.

Mesmo possuindo o jade da oferenda (43), antes de quatro cavalos (44),
nada se compara a sentar e entrar no Caminho.

Por que motivo antigamente se valorizava o Caminho?
Não diziam que quem busca pode adquirir?
Quem possui culpa pode ser absolvido?
Por isso é valioso sob o céu.

LXIII

Acção através da não-acção,
actividade através da não-actividade,
sabor através do não-sabor,
grande como pequeno, muito como pouco.

Retribuir a injustiça através da Virtude,
projectar o difícil a partir do fácil,
realizar o grande a partir do pequeno.

Sob o céu,
a actividade difícil realiza-se certamente a partir da fácil,
a grande actividade realiza-se a partir da pequena.
Promessas levianas carecem de confiança.
Excesso de facilidades traz excesso de dificuldades.

Sendo assim,
o Homem Sagrado assemelha-se ao difícil
e, por isso, até o fim, não tem dificuldades.

LXIV

O que tem paz é fácil de manter;
o que é anterior ao despertar é fácil de planear;
o que é frágil é fácil de quebrar;
o que é pequeno é fácil de dissolver.

Realiza-se a partir da existência,
organiza-se a partir de antes da desordem.

Uma árvore de grande abraço gera-se de uma fina muda.
Uma torre de nove andares levanta-se de um acúmulo de terra.
Uma viagem de mil léguas inicia-se debaixo dos pés.

Quem age fracassa,
quem se apega perde.

Assim, o Homem Sagrado não age, por isso, não fracassa.
Não se apega, por isso não perde.

Os homens, na realização das actividades
sempre fracassam em suas quase-conclusões.
Cautela tanto no fim como no princípio
conduz à actividade sem fracasso.

Assim, o Homem Sagrado deseja através do não-desejo,
não valoriza as coisas de difícil aquisição,
aprende através do não-aprender,
possui o que ultrapassa todos os homens,
para auxiliar a autenticidade dos dez mil seres
e não encorajar a acção.

LXV

Na antiguidade, os bons executantes do Caminho
não o utilizavam para esclarecer o povo,
usavam-no para o alegrar.

A dificuldade de governar o povo
é devida
aos seus conhecimentos.
Por isso,
utilizando o intelecto para governar o reino,
têm-se furtos no reino.
Não utilizando o intelecto para governar o reino,
tem-se Virtude no reino.

Aquele que conhece estes dois,
também se orienta por estes modelos.
Ao constante conhecimento da orientação por estes modelos
chamamos Misteriosa Virtude.

A Misteriosa Virtude é profunda e longa, ao inverso das coisas.
Naturalmente, depois disso, alcança-se a grande fluência.

LXVI

O que pode tornar os rios e mares reis dos cem vales
é saber situar-se em baixo.
Por isso, podem ser os reis dos cem vales.

Assim,
o Homem Sagrado que aspira estar acima dos homens,
coloca as suas palavras abaixo das deles.
Aspirando estar à frente dos homens,
coloca o seu corpo atrás dos deles.

Portanto,
situa-se em cima, mas o seu povo não sente o peso,
situa-se à frente porém o povo não é lesado.
Assim, o mundo alegra-se em exaltá-lo, porém sem desgosto.

Como ele não disputa,
o mundo não pode disputar com ele.

LVII

Sob o céu todos se consideram o que é grande.
Não rio disso.
O grande sendo grande,
não ri.
Se risse,
há muito que se teria tornado pequeno.

Eu tenho três tesouros,
que valorizo e preservo:
O primeiro chama-se afectividade;
o segundo chama-se simplicidade;
e o terceiro chama-se
não encorajar ser o dianteiro sob o céu (45).

Assim,
através da afectividade pode ter-se coragem,
através da simplicidade pode ter-se amplitude.
Não encorajando ser-se o dianteiro sob o céu,
pode concluir-se o instrumento do eterno.

Hoje,
abandonando a afectividade e tendo coragem,
abandonando a simplicidade e tendo amplitude,
abandonando o ulterior e tornando-se o dianteiro,
isso é morrer.

Através da afectividade,
com a manifestação, é ordenada a rectidão,
com o resguardo, é ordenada a duração.

Quando o céu quer salvar
utiliza a afectividade como protecção.

LXVIII

Na antiguidade, os bons praticantes de cavalheirismo
não eram belicosos.

Bons em guerrear, sem ira;
bons em vencer os inimigos, sem disputa;
bons em empregar os homens, agindo como o inferior.

A isso chamamos a virtude da não-disputa.
A isso chamamos a força de empregar os homens.
A isso chamamos a supremacia da união com o céu e a antiguidade.

LXIX

Sobre o uso da arma há um provérbio:
“Não me encorajo a agir como anfitrião,
prefiro agir como hóspede.
Não me encorajo em avançar uma polegada,
prefiro recuar um pé. ”

A isso chamamos mover não movendo,
agarrar não abraçando,
defender não lutando,
enfrentar sem inimizade.

Não há desgraça maior do que humilhar o inimigo.
Humilhando o inimigo,
arriscamo-nos a perder o nosso tesouro.
Por isso,
no confronto onde as armas se igualam,
vence, então, o que está entristecido.

LXX

A minha palavra é bastante fácil de compreender,
bastante fácil de praticar.
Mas, sob o céu, ninguém a consegue compreender,
ninguém a consegue praticar.

As palavras têm uma origem,
os actos têm um regente
e somente através da não-compreensão
não se tem a compreensão do ego.

Aqueles que me compreendem são poucos,
aqueles que me seguem são nobres.
Por isso,
o Homem Sagrado cobre-se com andrajos abraçando jade.

LXXI

Saber do não-saber é sublime.
Não saber do saber é doença.
Assim, o Homem Sagrado não adoece
por considerar doença a doença.

Por isso, não há doença.

LXXII

Quando o povo não tem medo do temível,
então, o grande temor chega.

Não estreite a sua morada,
não despreze a sua vida,
pois somente não desprezando,
pode tornar-se o não-apodrecido.

Por isso, o Homem Sagrado
conhece-se a si mesmo, mas não se evidencia,
ama-se a si mesmo, mas não se estima,
e, assim, nega isto e admite aquilo.

LXXIII

Quem tem coragem de ser destemido terá a morte.
Quem tem coragem de ser cauteloso terá a vida.
E esses dois são ora benéficos, ora maléficos.

Quando o céu repudia,
quem compreenderá a causa?

O caminho do céu:
Não disputa mas é bom a vencer;
não fala mas é bom a responder;
não é invocado mas vem por si;
não fala mas é bom a planear.

A teia do céu é grandiosamente grande.
Liga-se a tudo e de nada se perde.

LXXIV

O povo constante não teme a morte.
Como o podemos intimidar usando a morte?
Se considero estranho esse constante, que não teme a morte,
devo matar
mesmo reconhecendo a sua coragem?

O Constante possui o encargo de matar e mata.
O homem que tomar o lugar no encargo de matar
será como substituir um grande lenhador ao serrar.
O homem que substituir o grande lenhador ao serrar,
muito raramente não magoará a mão.

LXXV

A fome do homem,
deve-se a que o seu superior se alimente de impostos em excesso.
Por isso, existe a fome.

A difícil governabilidade de cem famílias
é devida ao seu superior agir intencionalmente.
Por isso, existe o desgoverno.

A morte fácil do povo
é devida a que se viva uma vida de excessos.
Por isso, existe a morte fácil.

Assim apenas aqueles que não utilizam a vida para agir
são bons a valorizar a vida.

LXXVI

O homem ao nascer é macio e brando.
Ao morrer é rígido e duro.
A erva, a madeira e os dez mil seres ao germinarem
são como a suave penugem do ventre de uma ave,
e ao morrer ficam secos e murchos.
Por isso, os rígidos e duros são companheiros da morte.
Os tenros e brandos são companheiros da vida.

Sendo assim,
as armas duras não vencem,
as árvores duras são comuns.

Por isso, os rígidos e duros moram em baixo,
os tenros e brandos situam-se em cima.

LXXVII

O Caminho do Céu é como o retesar do arco;
a parte superior baixa, a parte inferior sobe;
a parte que possui sobra é diminuída;
a parte não-suficiente é completada.

O Caminho do Céu
diminui a sobra possuída,
completa o não-suficiente.
Mas o caminho do homem não se orienta assim.
Diminui do não-suficiente
para oferecer ao que possui sobra.

Mas quem pode possuir sobras para oferecer ao mundo?
Somente aquele que possui o Caminho.
Por isso, o Homem Sagrado
age sem querer para si,
conclui a obra mas não se apega,
e não deseja mostrar a sua eminência.

LXXVIII

Sob o Céu
nada é mais suave e brando que a água.
No entanto, para atacar o que é rígido e duro,
nada se lhe pode adiantar,
nada a pode substituir.

Assim,
a suavidade vence a força,
o brando vence o duro.
Sob o céu,
não há quem o não saiba,
não há quem não o possa praticar.

Por isso o Homem Sagrado disse:
Aceitar as impurezas do reino
chama-se reger o cereal e a terra
e aceitar as desventuras do reino
chama-se reinar sob o céu.

As palavras correctas parecem contrárias.

LXXIX

Ao conciliar-se um grande rancor,
certamente ainda haverá uma réstia de rancor.
Então, como se poderá agir bem?

Sendo assim,
O Homem Sagrado toma o Sinal Esquerdo (46) e não critica as pessoas.
Por isso, quem tem Virtude orienta-se pelo sinal,
quem não tem Virtude orienta-se pelo vestígio.

O Caminho do Céu não cria intimidade,
mas acompanha sempre o homem bom.

LXXX

Um pequeno reino de poucos habitantes,
mesmo que possua um utensílio para dezenas de centenas não o usa.

Faça o povo valorizar a morte e não viajar longe.
Possuindo barcos e carruagens, mas não tendo onde os usar.
Possuindo armas e armaduras, mas não tendo onde as enfileirar.

Faça com que o povo retorne aos nós em corda e ao seu uso.
Então serão doces os seus alimentos,
belas as suas roupas,
pacíficas as suas moradas,
alegres seus costumes.

Que os reinos vizinhos estejam à vista.
Que o som dos galos e dos cães sejam ouvidos.
Faça com que o povo alcance a velhice, sem ter que ir e vir.

LXXXI

As palavras confiáveis não são belas,
as palavras belas não são confiáveis.
Quem sabe não é abrangente,
quem é abrangente não sabe.
Quem é bom não discute,
quem discute não é bom.

O Homem Sagrado não acumula.
Quanto mais faz pelos homens, mais tem.
Quanto mais dá aos homens, mais aumenta.

O Caminho do Céu é favorecer e não prejudicar.
O Caminho do Homem Sagrado é fazer e não disputar.


***





***



NOTAS -

1.
Sociedade Taoísta do Brasil. Na introdução pode ler-se: “Esta tradução do Tao Te Ching, directamente do chinês para o português, resgata a tradição taoísta e oferece a decifração necessária de conceitos fundamentais, respeitando a estrutura original do texto em chinês clássico em detrimento de frases mais convencionais em língua portuguesa.”
2.
Autor do Tao Te Ching, fundador do taoísmo filosófico e uma divindade no taoísmo religioso e nas religiões tradicionais chinesas, ou uma mera figura lendária.
3.
Não-aspiração: significa a ausência de intenção.
4.
MIAO: Maravilha, significa as manifestações do Caminho.
5.
Aspiração: significa a manutenção da vontade.
6.
CHIAO: tem dois sentidos, 1º) Luz, Claridade ou Cor Branca; 2º) Orifício, Cova ou Abertura.
7.
SHUEN: tem dois sentidos, 1º) Mistério; 2º) Cor Negra. SHUEN é a convergência e a anulação dos opostos.
8.
SEM ZEN: Homem Sagrado. Originado no conceito da sagração do homem, que tem sentido de união da Consciência Pura com a Vida Infinita.
9.
WU WEI: Não-Acção; tem sentido de acção sem intenção.
10. 
WU YEN: Não-Palavra; tem sentido de palavra sem intenção.
11.
SHIN: Coração tem sentido de razão, emoção e intenção.
12.
FU: Ventre tem sentido de vitalidade.
13.
DZE: Vontades tem sentido de desejos.
14.
CHUN: Vazio ou Harmonia. Vazio é a Natureza do Caminho; Harmonia é a Manifestação do Caminho.
15.
HSIAN TI: HSIAN significa Imagem ou Forma; TI significa Rei. “HSIAN TI” é o nome atribuído ao Rei Celeste – Deus Omnipotente criador de todas as formas.
16.
DZOU GO: Cão de Palha representa no sacrifício o desapego do ser.
17. 
CHUN: Centro, Meio ou Interior.
18. 
GU SHIEN: GU significa Vale; SHEN significa Espírito. Espírito do Vale representa a Consciência do Vazio.
19. 
SHUEN SHUE: SHUE significa Orifício. Orifício Misterioso é o espaço onde o universo se cria e se destrói. É o SHUEN GUAN (Portal Negro) da alquimia taoísta.
20.
SZE: O Corpo aqui tem sentido de corpo espiritual.
21. 
SUE: Água. No I Ching, é o primeiro elemento da natureza, representa o princípio. Na alquimia taoísta corresponde ao Sopro Primordial.
22.
WU DZE: Não-Conhecimento tem sentido de conhecimento sem engenhosidade e malícia.
23. 
SHUEN TE: Misteriosa Virtude tem sentido de virtude oculta – um bem que não é reconhecível pelos outros.
24.
A relação entre cor, nota (musical) e sabor com os Cinco Movimentos:
Madeira = Azul = Mi = Ácido
Fogo = Vermelho = Sol = Amargo
Terra = Amarelo = Dó – Doce
Metal = Branco = Ré = Picante
Água = Preto = Lá = Salgado
25.
FU: Retorno – Hexagrama FU do I Ching, representa, no auge da quietude, o nascimento da actividade.
26.
São duas das cinco virtudes do taoísmo: bondade, justiça, sabedoria, polidez e fidelidade.
27. 
Seis Parentes: mãe-filho representa a relação superior-inferior, irmão-irmão representa a relação do mesmo nível, marido-esposa representa a relação interno-externo.
28.
KUEI: Alfa da constelação Ursa Maior. Representa o Espírito Primordial dos seres.
29. 
“Alimentar-se da Mãe” refere-se a alimentar-se daquilo que antecede tudo, é o Sopro Uno do Céu Anterior da alquimia taoísta.
30.
“Virtude do Orifício” significa a virtude do Vazio, da Não-Acção.
31.
CHIN: Essência do Universo Manifestado.
32.
HSIN: Prova; algo real e fiel à natureza do Caminho.
33.
WANG: Rei-Celeste (Deus omnipotente); simboliza a Consciência Real que está em toda parte.
34.
Djuen Tzé: Homem Superior – o homem que possui virtude e poder.
35.
Na china corresponde ao senhor feudal; aquele que possui riqueza e responsabilidade.
36.
WU DJI: Extremidade-Inexistente; termo originado do I Ching. É o estado anterior à criação do universo.
37.
No simbolismo do I Ching, a direcção norte está nas costas do homem enquanto a direcção sul está na frente. Sendo assim, a direcção à esquerda é leste, corresponde à aurora, o lado da vida. A direcção à direita é oeste, corresponde ao ocaso, o lado da morte.
38. 
MING: iluminação, tem sentido de ampliação da consciência ou o enriquecimento de uma cultura.
39. 
CHUN CHI: CHUN é esplêndido, CHI é sopro. É a energia do Absoluto.
40.
WU SZE: não-actividade é atitude sem apego.
41. 
SHUEN TON: O Mistério Comum; significa a união com o Todo.
42.
Os reis eram chamados de “Filhos do Céu”.
43. 
É um objecto de arte antiga feito de jade; representa as jóias preciosas.
44. 
Antigamente, os carros de quatro cavalos pertenciam aos nobres.
45.
“Não encorajar a ser o dianteiro sob o céu” representa a humildade.
46.
FU: sinal tem sentido de correspondência; esquerdo é o lado do coração. O Homem Sagrado corresponde-se com o mundo através do coração.


***






José Maria Alves











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