Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –
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a soledade não é uma doença
é a sémita do insondável andarilhada em noite de lua nova é o aguaceiro que lava os campos da imaginação e esmorece a indignação do injustiçado
os mercados declaram-se aos ventos do martírio e do desprezo licencioso
um novo dia
um novo pão
e o mesmo café na
esquina do bairro amordaçado
a melancolia do gesto ritual
no primeiro cigarro
do amanhecer
aspirado com a volúpia da predição das costelas do pacote de papel
os fumadores morrem prematuramente
penso
a maior parte dos não fumantes também morreu há muito e não esfumaçam
os inglórios petulantes
uma nova viagem
talvez
eternamente circular
como quem viaja sem sair do mesmo lugar
um novo amor de seiva virgem
para quê se já nem sei amar
e se o amor não colhe mais ninguém
uma águia real no desfiladeiro deserto
um resineiro de almas excomungadas
o coração inflama-se nas vísceras do cisne negro
ser-me-á tolerado
alguma vez ouvir
os teus poemas
a voz
ouve-se a voz
e o seu eco
nas profundezas
do ventre
sombra de nuvens na parede de mármore a interrogar os deuses
desfibrados em trançado
filigrana do passado
hoje não verei ninguém enquanto a paz reluz na carruagem de seis rodados
vinte azagaias apontadas ao centro da planície onde o melro canta operetas de solaz
prostrado nos degraus cinzentos do salão doirado
conformado à tua tenção vigio
poderei alguma vez
auscultar os teus poemas
aconchegar o teu cabelo
se falo verdade julgas que te minto se minto o que digo achas verdade perto de ti se a alma ardente sinto pensas-me ausente nessa saudade
não sei que diga que prova de amor te dar cárcere de amor ou antes plena liberdade com que forte ou lasso abraço te estreitar algo que bem vá para além da falsidade
quero ver-te tocar-te quero-te amar teu ser de corpo e alma a cada alvorecer ser em teu peito manhã de luz a nascer
nos teus seios redondos água límpida a correr aos teus olhos imagem de imaculada beleza a fenecer em feliz noite de magnífica pureza
já o sol amamentou de fogo
o horizonte
braços nus
de ninfas lacustres
perdem cor no peito de sátiros
longínquas estão as nuvens de chuva tépida a almiscarar os leitos exangues
árvores que enegrecem na luneta de óptica escura pintam a paisagem monotípica
um canavial roça-se lascivo
uma casa branca na colina
e
uma criança que brinca no quintal de bolbos adormecidos
arrozais do passado
comportas nas valas desertas
as carpas que é feito delas
nessas palavras que ocultas fementidas
lucraste a deslembrança
a ti
esqueço-te
vai em paz
já te esqueci
outra virá
a morte derrama-se lânguida sobre a vida
amanhã os rios celestes serão a via renascida
e a outra será
mais bela
mais dócil
mais verdadeira
mais ela
mais outra que virá
a mais bela de todas as mulheres
ahmose
nascida da lua
traz o ímpeto da carne
corpo nu na cela
remota é a região desta terra onde o vento canta e os corpos flutuam como espíritos
formosos ternos puros
unindo almas em espasmos de luz
voemos sobre as águas míticas
em ti contigo alma de tudo
violenta é a água
violento o movimento
não-verbal
um pássaro empurrado do ninho voa pela primeira vez
mar-lazúli
som nocturno de amor taciturno
no janelo que se abre relembrando os dons angelicais do oceano vazio
sussurra triste a fé
a confiança
amei-te alucinado
na neve nupcial
tal como eras
não como és
uma quebreira mortal
o braço continua a doer escusando-se ao exercício
presságio do final da náutica
aviso ao movimento sexual
apenas uma hora de sono
o que é bastante
tudo ou nada
tempo da noite
mas foram tantos os anos passados que pouco rememoro
relembrar é morrer
a flutuar no passado
os meus vícios aí sempre presentes ou não seriam vícios
não encovei os meus mais terríveis defeitos
anelos
cios
desperdícios
não
só se malbarata o que se deseja e a asquerosa ética recusa
desconsentimento do que aguarda exéquias temporãs
por vezes humano
outras animal sem tino
sem destino e sem razão
o prazer da nova carne rósea dura de erecção
tardio o regresso a casa noites de espasmos e vinho
mulheres
piáculos de quem afronta filosofias e teologias
quero vinho
quero pão
um corpo por refeição
como vos deve ter sido penoso inglório e talvez injurioso
pontas de dedos com dedos braço na cintura
olhar distante
uma câmara estranha
num dia de sol escuro
cabeça encostada ao ombro
único que se tem
sexo exposto
à masturbação furiosa
às vezes
por detrás de biombo oculto
dos palacetes de nobres e burgueses
triste é o corpo
melancólica a expressão
de quem se entrega
sem que o saiba
por um nada
por um qualquer trocado
por um tostão
às vistas do mundo
numa primeira imagem mostrada
juntos descemos os degraus doirados e nas negras pedras do fogo de seda das pontas carminadas da vigília extinta adormecemos exaustos
e agora
tu nua a uma almofada agarrada olhos negros cerrados a aferrolhar a noite nos grilhões do dia azul
eu suado no velho soalho de novo um desterrado olhar vago e distante com teu sexo exposto ao lado
e parto sem partir
o corpo no quarto a alma no horizonte
monge errante de leito em leito
peito rasgado e sanguinolento
pulsátil como o vulcão de um monte
do teu veneno sempre sedento
na mortal floresta da eternidade apenas teu breve sorriso teu corpo perfumado e sem uso consumação ausente do presente perdura num céu de capitéis estático
corpo majestático
sexo morto que jaz
nos membros amputados
cotos da frialdade
sangue coagulado do rio do inverno para sempre gelo no vale dos reis decapitados
esboço de sorriso da solidão do desejo naturalmente aniquilado
nos espelhos côncavos da paz imortal
acordo só
meio da noite
ilumino o quarto de pedra
a gruta que habito
e vejo vossa imagem suspensa
ninfas dos longínquos astros
há um ruído de fundo no aquecimento incerto deste fim de primavera
não faço escolhas
quero-vos às duas
milhafre que sobrevoa
campo de girassóis
num ostensivo fim de tarde
mergulho na minha alma ora rude ora sensível e sem pensar tendo por testemunha o granito amarelo bujardado tiro-me o véu do pundonor arrebato-vos dos céus e dos seus deuses de palha
deito-vos mansamente no meu estrado de carvalho velho onde sonhos sonolentos se arrastam pelas auroras erécteis e amamo-nos os três até que exauridos adormecemos sorrindo como crianças roçadas pela fortuna num crepúsculo à beira-rio
pombas brancas lado a lado com o sémen derramado
o som da flauta arrasta-se no breu da noite
volteia os arbustos para além das paredes graníticas do quarto
jardim plácido das últimas brasas da lareira
a mansão está deserta
a seca prolongada cresta os pastos de inverno
amanhã virás
como abençoada chuva
e alegrarás meu coração sequioso
do teu corpo
quero o vinho
e o pão
da tua alma
o sopro dócil
do amor
a ti te compro
estupro cinza
da dor
agora teu amo
a ti te liberto
do passado e do presente
a ti te quero
desejo e desespero
se te apeteço
e peço agora servo
o milagre da transformação
do amor em arroubo
foges-me animal celeste
a mim
a mim que já não sei
nem posso voar
tenho as asas mortas e geladas
o meu lugar é em terra ou no mar
nas asas-barbatanas dos anos percorridos pelo cansaço
como peixe cego que embate no batel atracado na lama gordurosa da laguna
ou como coche que carrega gente do nada para a cidade colonial do tudo
onde as pernas se abrem e entesouram num ritual obscurecido pelos anos ferventes
e os seios redondos encastrados se erguem clamando justiça ao despotismo arroxeado da união fácil da estrada chuvosa da vida
ou como quem por mal ver
já não distingue nem sabe
se és matéria ou etérea
há um corpo
que nasce
em cada sementeira
e cresce
seara lustrosa
ao sol do meio-dia
na fantasia da mente
no sonho mais florido
na tela branca do artista
e vigoroso
como fruto
das hastes da videira
ansioso e desejoso
como quem procura
o que ninguém encontra
veemente implora
que no seu tempo
pelo amor seja colhido
dá-me teu braço meu amor vamos os dois de braço dado chorar nosso terrífico cuidado estéril retalho de antiga dor
a festa continua entram noites pelos dias
mal que sobeja marfim polido por beijo na flor indemne da suspeita
vibram as cristas das ondas a luz meiga dos astros
mansas chispas de pássaros inundam miríades de folhas
árvore da vida que medo não adorna
basta o amor que pulsa na eira
basta amar com o fervor da confiança
no divino cântico a esperança
na rosa cor de sangue uma campa
e a certeza de que tudo é mentira
que te escrevo nesta mensagem de papel de seda
não recordo o ano em que parti
as primeiras chuvas ainda não fizeram a sua aparição
corpos lavados para sempre conspurcados
os nossos esses hão-de brilhar nas noites longas de jade
puros castos
nada omitiremos de nossos amores
nunca faltaremos à verdade
sabemos tudo um do outro
amantes amados e amadas a quem nos entregámos e a quem nos iremos dar
não há outra forma de amar
não cuido de te amar porque haveria de cuidar o que a si próprio se cuida
as ameixas caem onde se cruzam as veredas
tapeçaria lustrosa de vegetal verde-vivo
apaziguada a ira revelada profecia envolta de lismos
recompensas do outro mundo
bronze que ressoa no ventre do verbo
não vemos as mesmas estrelas
não desprendem as flores o mesmo olor
separámos corpos
num campo ceifado por estrelas de verão
doce é o aguaceiro de meu coração
não sei onde estás
que importa se o mundo roda
e o amanhã não é o mesmo
carrossel do infortúnio
a lua sempre nova ascende à montanha fincando as gavinhas nos penedos da encosta
espreita-nos
calor de beijos ao anoitecer
mais quente que sol de meio-dia
os teus cabelos envolvem a minha mão esquerda
poiso suave a direita no teu espírito
a minha carne estremece
uma lágrima escorre no coração
visão de chamas sem fumo
êxtase de uma noite sem dormir
amanhece
sinto-me indiferente
ajeito o braço dormente na cama vazia
não te vejo
que importa se já não existes se cada um nasce para o seu próprio sol
tudo isto é sonho
e o sonho doença
sei que me aguardas
separa-nos um biombo de tempo
as figuras pintadas movem-se
tectos que suam sangue
paredes com sémen coalhado
o leito inquieto
abre-se às tuas formas
estou longe e só
quando voltarei a sentir o despertar do teu hálito
os seus seios no meu peito
silêncio de noite em mundo flutuante
jardins choram nas fontes dispersas
voltar
porto seguro
teus braços
perco-me nos bosques onde deambulam palmeiras acesas
a manhã está rosada
paz de mensageiro abençoado
as árvores cantam
os lírios enredam-se nas liras
em estranha vibração
haverá alguma omnipotência na verdade ou tudo o que fomos somos e seremos se parece com a rosa que esmorece
matámos o amor na sua louca juventude
quando envelheceres quem te irá amar
regressarás a casa sozinha com as tuas rugas por companhia
vacilarás no carreiro juncado de salgueiros curvados à tua passagem
tu o ribeiro que secou
será verão e o teu corpo estará frio como neve no cume
silencioso o quarto com o papel de parede amarelecido
inerte
estupidamente absorto
no corpo disforme
outrora coroa de gemidos
a boneca de porcelana
herança de teus pais
sorri juventude
só tu envelheces no espelho embaçado de anos
os despojos do meu ser pródigo e fulgurante
não tenho coragem de olhar para trás
a jornada do dia condensa-se
nas maçãs do teu rosto
os teus olhos de amor
círculos de peste e fogo
o passado anda pela sala sem afeição
o presente cerca-me a morada
o futuro é um lugar sombrio
um abraço
um beijo
uma ave de asas imensas
pesa-me o coração ao tocar do sino
agravo da quietude
musa loira dos meus sonhos de verão
que poderei fazer por ti nessa tua angústia
loiros cabelos sorridentes
claros como a alvorada
riso cristalino
recatado
de ninfa solitária em corpo perfeito
vénus com mestria esculpida em leito de âmbar
que poderei fazer por ti
tão nova gentil amaviosa
fruto esplêndido da criação
talvez nada
talvez amar-te nesta distância em que amado e amada deploram a ausência e se conformam em terrível fado
teu corpo fresco eco de promessa primaveril
prazer a deuses entregue
seios a desvendar mistérios na boca sedenta
quarto remoto da alma lírica do vento e do trovão
tu és a única
a estrela de pétalas
que minha pele atravessa
banhas-te no meu sémen
seios dilatados no lótus
coxas a apertar o coito
juntos na noite aguardamos a alvorada de mão dada
sexo com sexo confinado ao amor carnal
rugido de leão no coval
a boca na boca a arder salivada sem que nada nos possa deter tão forte é a força da remada
aleitaremos ambos um novíssimo amanhecer
luz a fazer doer
crisálida de renovados tempos
vejo-te juvenil
bela
e
atraente
amada
que tanto amo
sonho
com o teu perfume
aroma perturbante
com teu sexo
húmido e amplo
botão a florescer
em minha mão
em meu ceptro
tu a mais esbelta
nua das mulheres
que a velhice
me permitiu ter
manhã jorrada pelas persianas de penas azuis
recompensas de outro mundo nas estrelas
luzeiros ainda acesos
o viajante troteia ao vento de oeste
corcéis doirados com os passos guiados pelo deleite
são tão estranhas as vias do amor
da inveja
hoje leve e puro
amanhã pesado
no rosto ensanguentado
um duelo no bosque verde gramíneas mudas em peleja
espada guarnecida a lírios crava-se no peito de pura verdade
abram-se fêmeas
aos machos porosos
que vamos de cavalgada
enquanto no mundo se dorme
ame-se na montanha de jade
que vamos de cavalgada
doce o pensamento que se materializa
eternidade consorciada à fecundação
desígnio encapotado de mão velosa
a frequentar teu corpo de azevinho
invadido pela melancolia e saudade
que vamos de cavalgada
cavalgo-te
prospera em mim o mais límpido instinto
que venha o vinho
assim te amo
assim te monto inebriado
o suor escorre o membro cresce teu pomo floresce que o vinho venha vulva alagada
movo-me violento buscando o fundo ao gozo
quero ter-te
ouvir-te dizer
que tanto é o prazer
que faz doer
doer que não é dor
doer de amor
doce cavalgada
senhora
ofendi-vos sem nunca vos ter em bom ou mau momento querido ofender
amei-vos como quem só tem uma amada
mãe que no coração abriga filha preferida
nunca quis para vós nada que vos não desse prazer
insónia do desejo de vos ter
alma em pranto ansiada
a cada dia me lembro de vós
de vossos olhos cabelos dedos
gestos dóceis maviosa voz
coração alimentado a medos
e junto ao rasgado peito
com muito aperto vos guardo
e com desassossego espreito
o que fazeis e tendes feito
só deus sabe como me sinto imperfeito
sonhador que solitário morre à beira-mar
como um triste mendigo que por leito
tem rochas areia cardos banhados a luar
pedindo à morte por caridade
um lugar onde só eu
eternamente vos possa amar
noites desertas o frio corre atrás da sua sombra
lamento-te coração vadio folha desconhecida adormentada na colina
guarda esse beijo
que obscurece a aurora
e clareia o crepúsculo
da ausência faz um laço
e da saudade afeição
o passado revolve-se no charco da inconstância onde o espírito das estações já mortas silencia os prados
um frio atroz toca as águas estagnadas com os dedos geados
crepúsculo
um cavalo alucinado
zumbe junto da janela aberta à intempérie dos corações
nela
ela de braços cruzados
fia calada
um sorriso abissal
forte é o vento a sacudir ervas e árvores com marcas de dinamite nos regaços esquiva a primeira estrela faz findar a luz do dia saias virgens baloiçam entre sóis no seio da terra pelas mãos escavada honra perdida espezinhada no giestal
e a estrelas vão morrendo
cedendo alienadas
o lugar ao teu nascimento
contigo desci ao inferno dos prazeres
reneguei o amor
as carícias
o falso sussurro do ouvido prisioneiro
resta-me o teu cheiro de doce suor
a violência
o ardor
a violeta aberta e orvalhada ao sol do esgotamento
a água que em golfadas
das virilhas te corre
o grito
o gemido
o plangor
de um júbilo tão intenso
que é quase dor
porque aquilo de que se diz tão bom
tem uma intensidade um vigor
que dói no coração do próprio amor
esse orgasmo exaustivo em inolvidável fulgor
lá fora os grilos tacteiam as pedras frias
aves nocturnas piam ao luar adormecido nas nuvens
e tu mulher hercúlea dormes na minha solidão
que sonha uma face um sorriso subtil que não tens
um ilusório e triste nada que me mata
mulher desenhada pelo sabre do tempo no azul do oculto amor divinizado
mulher morna à rajada de vento frio erguida como néctar em taça esguia deusa da noite oculta luzidia como ninfa da trapaça
mulher humedecida pelo afago de minha mão dolente no teu sexo denso
tua palma macia envolve o meu ceptro erecto
e os teus mamilos tensos arvorados ao deslumbre são os faróis da luz táctil dos meus sentidos
as velas tremulam no quarto silencioso
chamas que abrasam o mundo
o pequeno transforma-se no grande
limite natural ao pudor do desejo
uma alma que se abre no denso bosquete
tesoiros não trazem paz
guarda esse beijo essas carícias
hoje tenho-me a mim
príncipe sereno do deleite
tempo medido pela ampulheta vaga
na sobriedade de meu pobre quarto
falam de mim oiço-os línguas afiadas no redemoinho eterno dos gorjeios obsoletos
a tua imagem muda consola-me rodeado de árvores enlouquecidas flores negras que acenam às pérfidas palavras doida correria da caixa nocturna a esculpir mágoas sobre o homem que esmorece no roseiral o corpo das defuntas revolta-se em tempo de trevas pintado com cores avermelhadas o espírito menstruado no templo da obscenidade uma bruxa vomita cartas no zodíaco plácido que se rasga nas ondas do rio na tarde atenta ao cavalo alucinado das ramarias enredadas em copiosos pingos de gelo misterioso florescimento de cómodo cio pensamento imenso de brancas coxas ante abismo de vento em fúria
jaz o mel da alma na hóstia de olhos azuis
criatura fluida gerada no interior da corola
dor em flor de longos cílios
anoitece e as bailarinas gritam impropérios para além do sonho de mansas curvas
minha glória
meu prazer
eterna fama de ave migratória
demorados são teus cabelos doirados à cintura aconchegados em meus afagos
voz mansa jovem e clara diz que me ama uma e outra vez nas duráveis noites de amor
meu membro penetra-te confins do gozo
corpos em enlevo entrelaçados que vertem suor
sibilos carne em regozijo prazer de puro amor
amantes
pelo espírito
abençoados
aproximas-te envolves-me as faces
com o veludo dos dedos
sentas-te em mim e por horas
em breves e lânguidos
movimentos
exterminamos todos os pensamentos
nesse vaivém conubial amamos atá que a alba solene nos venha arrebatar tão extenso amar
enquanto as duas reclinadas
duas línguas fermentadas
dois lábios orvalhados
dentes alvos
que mordem o desejo
dedos que roçam
os grandes lábios
a protrusão eréctil
num movimento surdo
perfeito extasiante
eis o que me aguarda
dois corpos em chamas
uma única alma
cálida e vibrante
a cama branca
por testemunha
do que vejo
sinto
e aproveito
um melro negro demora na espádua da estátua do amante em desespero
sopra uma brisa pálida na pedra acometida por um bando de aves em batalha
migalhas de amor
faces sem cor
lágrimas de dor
a eloquência da mudez do desengano
por debaixo do pano
ano após ano
ai dos que padecem no estorvo da carne solitária que morrem cativos de si mesmos com os dedos cobertos de oiro sem que apreciado tenham aquele menino loiro que à lareira junto do fogo brinca absorto com as formas das labaredas e que com as mãos cheias de pedras as arremessa ao céu julgando que são estradas para as estrelas
a galope nos outeiros de maio o silêncio da mulher
hoje os montes enchem-se de vinho puro nas lágrimas da cotovia
breve é o sono da alegria
senhora minha de verde-escuro vosso vestido
na mão cartas de amor já frias
são os meus olhos que padecem envoltos em pesado manto
na calçada
a hora que vive o desânimo
da insolência vertida nas mágoas flutuantes
as nuvens rodam a lua não reflecte os cardos carregados pelos indigentes joelhos que rastejam pupilas que se embaciam
pedras quebradas
estrada de sargaços
fogo-de-artifício
os corpos encharcados
deslizam secretos
no charco da avenida
regato nocturno
como eu quero o sol banhando-me de novo no ganges nessa multidão insana
o mel dos teus lábios ali junto à torre eiffel
as tuas formas parte única do meu presente nesse momento de nobres tons
inclina-te graciosa e entende os sons que emanam do coração da terra
beijo selvagem no hálito furioso da fera privada de espírito e razão
daquela folha que voa não desvio o meu olhar
beijos sensuais que o ar ao ar dá na elanguescência da madrugada
e esta ferida a coagular nas horas que presencio
bailarinas do primeiro sono oprimido pelo cárcere da razão
multiforme é o vento que sopra pelas entranhas e fustiga as flores às cores onde os pirralhos brincam os caminhos do perdão
irão elas reinar nessa vida violeta
na estrela de david
voarão para longe nas garras do apostolado
boneca de trapos injustiçada sem revolta larvar
sou hoje um lugar perdido de elementos arcaicos defronte das chamas milenares as estrelas arrebatam-me das muralhas enegrecidas pelos vendavais transtornados na casa da escola o teu primeiro sorriso um quadro dócil alheio à vida e ao quartzo esculpido na cabeceira da cama em farrapos
vieste dormindo
no corpo rubro o som das trombetas refulgem
não sei se são os teus braços que me cruzam
se os meus que me abraçam
nos lençóis debruados enterra-se o punhal
o diadema cruzado estrangula os pulmões e o sopro do meu regresso ao fogo sem luz própria
amotina-se o sexo ao teu corpo como a vírgula contemporânea dos testículos sobressaltados
há luzeiros vento flechas arcos
retesados do lado de lá das vidraças soberanas na agonia da música lunar
um sussurro branqueia-te as mãos oblíquas como um arranjo de lâminas nos tendões enfurecidos
glicínias oscilantes entubadas num único fôlego crispado nas memórias do enxofre morto
arbustos vivos nos cabelos escorridos
o amor é ave de tormento fera atroz de flecha sombria a pairar no azul que acorda o cosmos na escuta dos passos de um outro coração a sofrer no silêncio das trepadeiras do sul
sentado em ramagem púrpura na qual divaga a noite de faces rosadas o obus da claridade do mundo
há uma névoa de marfim estanhada na lua
as laranjas caem dentro das ameixas orvalhadas e a mulher procura o instinto que se embrenha na fenda do castanheiro de argêntea cabeleira
a cidade morre lentamente a olhar o rio
lânguida vista de vendedor de pensos e de melancolia ao peso
há automóveis que são luzes puxadas por astros disformes
há luzes no chão da harpa dolente
há mulheres-caranguejo a subir e descer em santa ordem
o pátio da esperança está vazio
levantar-se-á cedo
com as chamas do ocaso
a queimar os cabelos inermes
no primeiro andar a morte vagueia no tecto sem beleza e o castelo das trevas balbucia a alvorada da casa dos corações
a pomba do calor do verão sorverá a luz vermelha da torre dos moribundos
deus vai descer à terra
pescará com redes de arame entrançado no tear de yama
no oceano de todas as raízes
e verá dentro das mulheres que amo
o julgamento e a absolvição do vento nas árvores de portas abertas
e no vinho das taças derramadas onde habitam as marionetas de cinco dedos
deitadas no sonho do bolso da noite acordada na tenda do desterro
e eu estarei lá em insónia
deitado ao seu lado
com todas as mulheres-desejo que nunca amarei
e sonharei para todo-o-sempre
o céu está cinzento mas o teu corpo brilha ao sol incendiando as florestas que te envolvem
tudo sucumbe à tua passagem com as leves pegadas das sombras a acariciarem as giestas de flor branco-puro
espero-te no lado sombrio da noite no coração que se despedaça na dúvida do consentimento e a mente obsoleta insensível fervilha na lua doirada a banhar suave e dócil as estevas
estou só na solidão sou a solidão
estou só no mundo sou o mundo
abraço os seios da eternidade contra o meu peito sofrido e exangue
sulco com o arado das mãos os teus cabelos ondulados
graciosos a esvoaçar na quietude do espaço
belos e serenos
belos
serenos
como deuses
as janelas abriram-se hoje à alma do mundo
lá fora uma roda de gente apenas sabe que existe quando algo lhe dói
minha mãe amor de todas as mães das cotovias distantes acende as luzes do descampado iluminando o céu com seu sorriso virgem
dança-se no terreiro o contentamento do espaço imenso da fortuna de quem não tem pensamento
já só sou o que apenas sou sem os brinquedos da inocência
tudo o que me envolve é mistério
segredo-de-gente-grande
que não é segredo nenhum
como corpos a palpitar desejos silentes
da porta do nada vem
abraça-me no seu colo eterno e beija-me a face granítica
volto a ser criança o garoto magro da trepadeira que roça o musgo do muro de pedra a ter o que não tive ou que tive e esqueci na labareda dos dias frios a ser o que na vida não projecta vereda enfeitiçada de azul e o que destrói a máquina do tempo no agora fosforescente da ingenuidade
criança envelhecida pura e distante de negros espectros
amante do amar de velas de luar acesas
e sou no meio da noite parturiente
a fria expiração do passado
a quente inspiração do presente
rosamundo enfeitada de vida
noite na sé a ceia que nem sempre tarda aos pombos recolhidos tardava e aí num amor forte como a morte dividimos nossas almas na insolência do encontro decisão de inevitável união quase canibalesca de espíritos insatisfeitos
a noite agarrou-se com firmeza à pedraria da catedral a acender os últimos eléctricos enquanto nos afastávamos
afáveis
desconfiados
nas ruas desertas que desde sempre parecias conhecer olhavas-me pelo canto de um olhar negro inundado de paz onde havia almofadas pelo chão estendidas com gente descrente estampada nos cantos
na sala gente
vestida de desejo
verdejava palavras
rastejantes
que te procuravam
almofadas escarlates azuis de céu ultramarino e talvez de âmbar desmaiado
talvez
mas só tu existias na orientalidade graciosa como exististes na longa noite africana de volúpia contida por tanto tempo que nenhum relógio pode medir nenhuma ampulheta em si conter
as minhas mãos de olhos fechados penteavam suavemente os cabelos lisos de tua alma límpida
absurdamente límpida
não era sexo
ou era sexo
sem ser sexo
noites estranhas de delícias imponderáveis no silêncio da árvore contemplativa
espasmos rítmicos de ramos orvalhados a beijar os lençóis brancos as rendas de teu perfume e o sândalo dos sentidos efervescentes
o vizinho perguntou
o namorado já não vem
os roucos gemidos cessaram a alegria do sangue nascente laqueou o flanco inerte e a mente dolorida adormeceu no leito do sofrimento onde os sonhos são breu de noite sem fim
as feridas abertas em puro vinagre sararam
uma não
sara
essa irá a morte
sará-la com suas mãos
de veludo e amor
gentil na voz
nos gestos de vinho doce
nos suaves beijos
rumor de mar
hoje no sono vi-te no mar de trevas do frágil arco do desamparo o corpo desmembrado pelas límpidas águas da purificação no movimento incessante dos que para sempre partem e para sempre retornam nos corações floridos e no oceano em chamas se dissolvem imperturbáveis
vi-te no campo arado a ferros de desejos semeado na colina ausente da batalha onde estão plantados os desconhecidos soldados de guerras intermináveis sepultados na carne fresca de abutres e corvos
vi-te morta a ti que ainda vives
tu que de pé estás liberta de todos os sacrifícios divinos da vida na pedra morta dos altares dos ritos frios de deuses inventados pela dualidade entorpecida
acordei novo com um novo sabor a quotidiano na boca amarga disposto a representar novo papel trágico-cómico
não te vejo
já não bebo do teu vinho unindo a terra ao céu
é na minha taça que viajo pelas galáxias longínquas
espirais de ovas lacustres
esquecendo o meu o teu corpo
dispensando tudo o que não vive livre liberto da própria liberdade
amo a tua sombra
riqueza ciosamente guardada
na folha de outono do herbário
carícia nas águas estivais do ribeiro
sombra da sombra do plátano
do pátio da escola
indiferente à reputação
ao escárnio
ao poder
amo os olhos da tua sombra
a visão imperturbável dos teus cabelos penteados no espelho longo do salão
não sei porquê
mas amo
a forma cinzenta em que arrumas graciosa teus passos
a pele branca luzidia com que sorris
as frágeis palavras que tua voz canta
amo a tua sombra
e apenas ela sabe que amo
o teu segredo
remorso e culpa curvaram-se ao trono
enredam-se nos troncos as lianas
pergunta-se em silêncio a eternidade
se fosses a lua amar-te-ia do crepúsculo ao amanhecer
seria teu escravo na vida e depois da morte me chamar
se fosses a lua amar-te-ia nos lençóis purificados dos lábios doces de mel e pólen a assomar na falésia de meu sonho extinto na floresta imensa
o umbral da porta onde plantamos o cereal divinizado tal pérola que surge do mar guarda no regaço o beijo que frio escorre nas veias
uma lapa cavernosa
um coração latente que me é dado
uma noiva lavada
o amor que é certo
que a chuva não ouve
e a minha penumbra enfada
assim seja seja ela o amor seja ela a amada
ó mísero judeu a quem o chão negou o pó a quem a névoa arrancou o coração
no céu azul
são belas as investidas
na minha alma
subtis as amadas
as luzes amarelas da cidade conviviam com a das estrelas e a dos automóveis inquietos
a atmosfera estava quente oprimindo o peito destroçado dos amantes abandonados
amor deserto
uma mulher encostara-se a um candeeiro na penumbra do desejo materializado em rápido sexo
um carro
e outro
um que pára
um que escolhe não voltar para casa
sem o perfume volátil da erecção
em curto amar
queda de água deixa que te beije que plante no teu seio a maior das rosas
não há palavras
de que servem as palavras
para que servem as palavras
na paisagem destruída
habito a tua voz
tanta ternura
calou-se o grito de guerra
e tu mulher
nua
deitada
és o incêndio
que consome o poema
***
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