Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –
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para
andré
breton
e
para
tantos
outros
que estão naturalmente privados de ler
cegueira definitiva da impermanência virtual
até para ti eugénio que dizes ter sacrificado a vida à poesia velho tonto
mais uns anos ninguém te lê como nunca te leram os que amaste em vida conturbada
ninguém é profeta na sua terra
ninguém é poeta na sua aldeia
eu sacrifico a poesia à minha vida quero lá saber se tenho leitores divirto-me quanto baste
as chamas que masturbam
a colina
das locuções
desprezadas
pelos mestres
a rima paradoxal
do sexo sem erecção
trabalhadores da construção
em implosão
ilusão de um povo
macerado em vinha-d’alhos
quadros de gosto dissoluto
em quarto de pensão
poesia da ramboia
praça do chile
intendente
bairro alto de meretrizes e gays
- gays são importantes e ricos porque os pobres esses são paneleiros diz o povo –
um broche no técnico
a marreca de algés
jubilou-se
o melhor bico de lisboa
um pilrete num jaguar amarelo
a retrete pública dos desordenados
epiceno desnatural das borras rectais
olivais
jardim do império
onde navegaram
tantos anormais
rabetas de profissão à tocaia –
intimidadas as fêmeas sem fregueses
a mudar de lugar
- rabetas e rameiras não casam bem –
putanheiros não querem ser confundidos
com paneleiros
- mesmo que à noite todos os gatos sejam pardos -
conde redondo
disfarçado no trajar
ultraje ao elefante branco ali ao lado
putas à rua
- perdão senhoras putas -
acompanhantes aos bares
casadas aos apartamentos
travestis aos arruamentos
o sol que se põe nas tairocas desprezadas no brejo
a noite que cai na cabeça quadrangular da menopausa concêntrica
os amores clássicos o acto procriador aéreo
o adultério na adega de tonéis aquosos
o furto do andar térreo
três vinténs de puberdade esfaimada
putas sempre as houve
há-as sérias
e as que o não são
as sérias
sabem que são putas
assumem a sua putice
inata
descarada
de mulher perdida
ou são putas e não sabem
fêmeas salutares
porque não têm consciência
de que foder por dinheiro é pecado
e então
são putas inimputáveis
e há outras
mais putas
que as putas
escondendo-o
mal escondido
por baixo do vestido
seja de todas a mais bela
ou a mais feia
porque há sempre um testo
para cada panela
mostram-se distantes
sérias
constantes
recatadas
senhoras de mil lavores
que se vendem
por oportuno casamento
por bom trabalho
por favores
pagos a um qualquer caralho
senhoras na rua
putas na cama
em surdina
grita o ardina conhecedor de todas as esquinas e becos
aqui há gato
e como os homens
- dizia schopenhauer judicioso -
andam meia-vida nas putas
e na outra meia
são cornudos
daí
tantas putas há
nas ruas
em casa
nas empresas
nos motéis da auto-estrada
e porque para cada putanheiro
tem de haver uma rameira
anda o mundo sempre arranjado
meio por meio
de putas e cabrões
a troco de alguns tostões
pura aritmética
homenzinhos de jaquetão de vidro
e
calça esticada de betão
piça ressequida
abotoada aos fundilhos enredados
cem poemas escritos
na areia verde do sangue espessado
cem poemas por um cavalo alado
cem poemas por uma humanidade novel
debelada por versos azuis
detonação da cor sem forma
a gerar espiritualidade
na arte senil e na literatura de cordel
venha ela
ou
ela que se venha
era uma vez
- todas as histórias que se querem histórias começam assim –
um senhor conde
de fraca valia
com searas
de aveia
e cevada
com rendeiros
de fome apertada
à noite comia
cercado de assombros
pratos de carneiro
bebia vinho de maçã
com as criadas dormia
fossando até de manhã
certo dia
no alpendre de bronze
estourou
banhado de sangue
e para o inferno
nada levou
para além da merda
que na agonia cagou
não escrituro para supérfluos cabouqueiros de numerárias nem para donas de casa por branquear
rameiras de funil
o marceneiro sempre disse
que a mulher não é constante
por muito séria que a tomem
há sempre um homem qualquer
trocado por qualquer homem
qualquer ebanista é erudito nesta disciplina
não havemos nós
de permutar mulher
por outra
havendo ocasião
quando
as que nos trocam
dissimulam genuidade
na omissão
da justeza vaginiforme
seremos parvos estaremos turvos ou laçados
viva la vie
voilá les femmes et son usage
nada lavro que se não possa ler na missa de domingo onde os ternos coçados se passeiam irreverentes em bicos de pés
cristãos-submarinos na aflição à tona
- um submarino vem sempre à superfície quando rebentam as águas -
beatas
ratas de sacristia numa fona
padres
inadequados para consumo
bicos sacralizados por pastor beatificado
cristo de encomenda patente em delubro
o milagre do santo sexo
sacramento de crianças nuas
e acessíveis viúvas ao rubro
as três tabuletas da trindade
nos seios da sineira
alcova de abade incestuoso
os poemas breton
regalam-me
absorvem-me o sono
marcam a cadência
ajustam o som da melodia
ao contraponto burlesco
da burguesia
e das putas da freguesia
voilà les femmes et sa chatte abusé
cão que late megera que lê
les cornes du impuissant governo do excremento
os meus estúpidos poemas afectam-me o adormecimento
são o meu prazer ironia do destino vossa espertina e nervosismo
mas teu sono não breton estás seguro no teu jazigo
meu poeta
confidente
meu amigo
nos passos da ofuscação arquitectam-se muros nos lilases que sonham
a terra vê-a deambular na artéria de uma só direcção no sem-sentido das horas vadias
num quarto andar um pincel movimenta-se
contraponto mágico de azul descorado anémico
as luzes apagam a vida
eroticamente
resta-lhes a festa do sexo
da lua de sexta-feira
a descer o chiado
24 de julho -
o rio
a sorver o empedrado
tóxico
como aqueles dois polícias com medo dos ladrões
- os polícias só servem para chatear garotos e multar condutores -
uma última pincelada
o quadro desfaz-se em partículas atómicas
destelhadas
ilógicas
paranoia
que a vida não vê
e é
como hegel que nasceu escreveu o que ninguém entendeu nem ele
deu-lhe o tranglomanglo e morreu
na mesma ignorância
com que nasceu
uma noite para amar
uma cruz nas costas cegas do calendário
as vacas sacodem as moscas enquanto fazem sexo no pasto encarniçado a amarelecer nos gestos brancos e malhados da penetração
sexo fazer só para vitelos poderem nascer fora disso fornicar é tentação do diabo o que as vacas tão bem sabem sem recurso ao planeamento familiar
corpos rasgados na noite
nas capelas construídas em pontes
elefantes de marfim
o amor veste-se de negro
persistente
sem idade
no limite das nossas próprias mãos
o guarda-nocturno oculta-se no muro anão
coca-mãozinhas
e conta
uma a uma
as mulheres que entram
na armação de vime
da escravatura diurna
para além de tudo isto está a morte senhor visconde de alpercatas sabendo eu e o senhor o senhor e eu eu que sei ou que não sei se sei e mesmo que saiba nada há que me garanta que o saber não sabe se sabe da armada naufragada na barra de que tanto nos fala e das virtudes que à sua amada aponta como diz repetidamente que a esposa estimada é de tal modo pura que se pode beber água pelo seu vaso avisado discreto e astuto enquanto um turíbulo amestrado sem dono nem criado assa lento a carne viva da alvorada
um carro cinzento atravessa sozinho a avenida alvoraçada
eu por dentro procuro cozer ao tronco uma camisa por passar notando agora
- o que muito ou pouco me preocupa –
estar a ficar abdominoso inquietação de velho mulherengo inclinação a pasto tenro presumivelmente negado
há velhas alisadas no passeio limado e uma marreca a precisar de limão
- de carpintaria ou de serralharia não do limoeiro –
e o condutor do carro cinzento cospe no passeio o sabor amargo do vento sul vendo o veículo a transcorrer
de vagina a amanhecer
amadurecida
de mão em mão
por onde se não pode beber senhor visconde
vossa contrariedade
e
senhor visconde veja
como o carro cinzento
continua a cuspir
no passeio o sabor a vento
os automóveis topo de gama seguem em fila como carneiros à frente e nas traseiras que são nádegas eritematosas carros com pirilampos
gente grande e importante
morreram numa manhã com cães vadios a oscilar suspensos nas suas pérfidas emoções
como são sentimentais estes regentes
um secretário manda-nos emigrar um ministro para as áfricas ladroar um cardeal amargar e calar
um funeral passa cinicamente na praça
atrás o velho general palhaço agasalhado escolhe um atalho nunca dantes navegado
o prefeito urina-se numa esquina pingando-se do joelho até ao artelho
às armas valentes grita o diácono inexperiente que presbítero não há
cada um que faça o que quiser
deus está aposentado
levanta-se o finado
que há pouco morrera
rabinho a dar a dar
e junta-se veloz ao outro
bailador que ia a sepultar
rabinho para baixo cabeça no ar
sete espadas afiadas
que estão para vos matar
gente de pouco vigor
gritam ambos
enfurecidos
com as queixadas caídas
e as bocas a salivar
que este povo
usa saias
a vitória é dos falecidos
e a morte dos vivos
ó ana vem ver vem ver o vazio da vida do oceano
cuspo desliza lentamente nas mãos deformadas da cidade plantada à beira-rio em terra de sol desbotado
tudo murchou nas ruelas becos travessas e vielas onde há de tudo menos o que se quer ou se cata nas algibeiras octogenárias da virtude vaginal
ardem fibras no ginjal a ginja é uma puta todos os dias dizia arrebatado o louco da aldeia e eu garoto que o não compreendia repetia enquanto a comia a ginja é uma puta
hoje sei que onde não há guarda e ordem a ginja é fruta proibida que todos comem porque quem de noite guarda o que tem deixa que lho comam de dia
nesta manhã ainda negra levanto-me com o sono das insónias milenares o caminho para a estação iluminado por potentes faróis estremunhados e eu revoltado a revolta natural de quem habita o coração tresloucado dum país coberto de estrume e espantalhos nos campos por semear de pão que nunca o irão ser
seara sem justiça sem tino sem norte sem ninguém que valha aos pobres aos desgraçados destas terras do demo
andaram pelos jardins infantis pelas creches a escolher magistrados de bibe políticos imberbes analfabetos da vida como um broche na lapela do casaco dum falso nobre pregado ao brasão por um colchete
e eu que tanto gostaria de saber escrever quadras como aquele doente que de tão enfastiado mata o tempo no hospital enquanto de branco aquela gente o vai matando
de ser poético
belo figurão
bem falante
e palrador
dizer em lindo discurso
bom ano
passai fome
paciência
bebei água
comei pão duro
que para nós cama quente
e espumante
de ter jeito aquele jeito especial de enriquecer à custa do povo demente com a tez a escurecer e a sorrir dizer-lhe que o trabalho dá saúde e faz a miséria crescer
de mentir como quem fala verdade
em falsa jura e pela verdade mentir
e pela mentira asseverar que
em mundo torto andam direitos
os asnos irmãos desta irmandade
que tudo é assim que assim tudo está bem porque deus o quis e deus o quer e que quem não concordar no pecado que tem vive e há-de morrer
mas
sem tal engenho
o que eu gostava mesmo de ser por várias razões se o quereis saber era ser o gato-pingado que à cova com gosto levaria todos os ladrões
certificando-me que enterro feito caso encerrado
chega de justiça caseira
este café com frutaria nos fundos é um repolho gigantesco com monstros a grelar
estou fatigado
severamente exausto das opiniões gritadas por surdas que buscam nas hortaliças o regime linear da felicidade
as empregadas correm lustrosas mas horrendas de melancolia expressões doentias de quem labuta a dormir nos olhos encovados
batatas tomates maçãs ovos limões maçãs e uma adiposa a meu lado
dois cafés um pastel de nata e um chulo escurecido por muitos dias de sol que entra com o ar inchado de quem não tem profissão e por isso é importante como os governantes desta nação
para além de mamar à custa de quem o mama na cama
uma piolhosa do prédio ao lado barata-varejeira sem eira nem beira
a escolher alhos um cu gigantesco
- devia ter vergonha com um cu assim devia deixar metade em casa pelo menos ao domingo que é dia santo -
cabelos molhados a escorrer linhaça e a traça a consumir os panos de carne velha e os suspensórios do pipo esculpido a espartilho que acaba de entrar e tão repentinamente como entra sai
um fuso horário na costela flutuante espreme a ameixa vazia
o senhorio à porta da igreja queixa-se dos fugitivos assombrados pelas voltas das palavras elegantes vestidas de capim
cá por mim
- dizia ele –
se eu governasse acabava-lhes com o pio e com o corrupio
o mundo ia girando
na floreira cerâmica
gruta submarina
a flutuar abissal
um pássaro verde-esmeralda estampado no bacio metálico da pensão
quartos em serviço permanente
enquanto uma moreia faz amor na casa dos vidros
anões e gigantes gratulam as moedas da representação lunar
a primeira dama chora lágrimas de crocodilo no ombro inflexível
férreo
do marido disforme no treino dos espelhos
um enterramento
sem carpideiras
por acompanhamento
um cão
a ladrar aos pneus da carrinha funérea
lembro-a agora
chamava-se idalina viera para a capital servir vistosa sorriso brilhante olhos meigos de corça a fazer embicar apetites nos dias insípidos de vida descolorida misérrima a flutuar na profundidade do abismo
o mesmo de sempre
café com leite a escorrer nas canalizações adelgaçadas dos patrões o pão com doce e mel o almoço o lanche dos meninos joão o franzino maria a estouvada elizabete a ajuizada como a velha rainha a ceia o chá do adormecer
os babetes de cuspo os raspanetes da madame emproada em sub-rogação do garnisé e o balbuciar do patrão primeiro-caixeiro de roupa interior numa loja do chiado
os pratos compostos e sem compostura gordurosos por lavar a roupa das camas por engomar o pó por limpar
trabalho povoado de murmúrios obscenos e por meia dúzia de moedas carago
conheceu-o ele um pintas azeiteiro todo catita à porta do baile de domingo no lumiar olá menina ela sorriu-lhe apaixonada de fome canina
tanto bastou
o corpo nos pratos sujos do desejo e das perversões
clientes a cheirar a cais odor de cabos de atracação com alcatrão a roçar os fios dos sovacos
a render e à disposição
do pagamento
a dividir por dois
tristeza de pedra trespassa as faces dos vendedores de sonhos neste reino impera a náusea do embuste gelatinoso a cinza das palavras reparte-se pelo jardim do império onde estão os sepulcros dos que não souberam dizer não agora mesclados com a acidez dos cães domésticos presos na mesma trela de argumentos tecidos em grosseira filigrana de líquido seminal estéril como ela
só resta a impunidade das estátuas que se erguem arrogantes
ao lado um chinês os chineses não morrem
estranho que é e bizarro o restaurante dos fundos
vazio de mesas postas com uma santinha oriental na vitrina
velha-comedora-de-homens
a sul sentado numa rosa-dos-ventos encarvoada um demente as nuvens afastam-se criteriosas da latrina as gentes dispersas cabisbaixas soletram as últimas sílabas da morte ferruginosa a arrostar a erva amarelada
não há cão que nos valha
ontem o comendador tomou uma bala antes do almoço
os portugueses e a sua mania da poupança
morto o corpo inerte sorriso seco nos lábios arroxeados os membros rígidos liberta-se a alma não sabe quem foi nem quem é ou o que será
sobe aos céus onde outras irmãs apaixonadas entediadas passam tempo a fazer paciências
pergunta-lhe quem são
por resposta um não
melancólico
de quem não sabe o que dizer
faz uma paciência passa o tempo olha que a eternidade é um aborrecimento
dizem-lhe enfadadas
e as cartas pergunta
não as trouxeste
foste parva
aqui não há que chegue
para tanto amofinação
e é proibida
qualquer outra acção
além do jogo
do eterno terno
se te não aproveita
não te agrada
muda-te para o inferno
que te dão
um baralho completo
não me acredito ao que assisto
só pode ser um daqueles sonhos a quem os cisnes negros chamam pesadelos e nos quais estúpidos poetas bucólicos inventam castos pastores inocentes assexuados sem incidente masturbatório
já dei para este peditório
evidentemente contrariado como se cumprisse pena de degredo de parcos momentos de bonança
pela rua calcetada ao brilho das nuas ramificações da água de aluamento caminham pobres famintos abrindo e encerrando mecanicamente os tampos dos vidrões
reciclam os alimentos imundos da burguesia rocambolesca
cada vez mais há quem se venda por uns trapos fora de moda vendem-se de dia nos esconsos anónimos no desvão dos bosquetes ou nos casinhotos amontoados para aleitarem os filhos depois de lavadas volta tudo ao normal com comida fresca e desodorizada à mesa
porca miséria a da tosca mentira
da queda a pique da verticalidade no recanto mais recôndito dos jardins suspensos
e a eles
vejo-os nos jantares em casa de minha mãe vejo-os e ouço-os por momentos na caixa mágica das ilusões e das trapaças
tenho nojo uma náusea esverdeada abundante um arrepio mortal a trespassar covardemente os fios cristalinos da dignidade do coração e lembro bocage nesta hora tardia da cidade infecta e pestilenta que dorme nos passos quase sempre solitários do frio apetite em busca das luzes dos candeeiros indiferentes
vida filha da puta
nas ruelas e becos
aumentam as putas
filhas da vida
e eu pasmo
por nunca ter visto
tanto filho da puta
na puta da minha vida
corpos na noite vadia em campânulas de frio movem-se nos fios de luz projectados pelos cunhais do letargo no rio jazem os afogados do sexo carros de marcas duvidosas encarcerados em modelos luxuosos sobem e descem as ruas das agonias esverdeadas incessantemente
o rimel das pestanas corroídas pelas noites de temporal os olhos sem brilho como velhas moedas consumidas na gaveta suja do velho coleccionador de troféus eróticos em agenda bolorenta
saias curtas decotes insidiosos nos gestos quase obscenos da concorrência desleal do insistente chamamento jovens velhas nem velhas acabadas nem jovens adolescentes imitando desastradas meninas
velhas fingindo mocidade nas zonas escuras à visão diminuída dos agonizantes
amaurose do desejo
luz que tão ordenadamente distribuída abrevia a desigualdade
a cada uma sua oportunidade
porque de noite
todas as gatas são pardas
mentem mais mulheres viciosas castas calam e as prendadas alam
todas se dizem virtuosas
queridas
dóceis
fiéis amadas
e nobres amantes de seu amor que fingem belo perfeito e eterno mas fixando com astúcia indolor em crédulas cabeças duro corno acrescentado no dia-a-dia com seu jeito especial de jurar quando o coito do meio-dia é de todos o mais apetecido amar e como quem mais jura mais mente existe sempre varão que as contente
se prefiro a morte à vida
já o não sei
se a carne ao espírito
a sensação à razão
também o não sei
mas uma coisa sei
que sexo e amor
é o que me convém
quem amor faz não pensa nem no que é mal nem no que é bem na dor na aflição e amando como apetece como agrada e dá prazer não sofre nem faz sofrer e por um momento místico e eterno ou num arroubamento prolongado nasce um novo santo sem outro desejo que o da carne desejado
sem passado presente
ou amanhã
em espírito extasiado
geada no vale quatro horas da madrugada
batalha no campo ensanguentado de amarelo-escuro pisado o verde seco e os membros dos amputados
o combate dos leões
cristãos ao circo
damas ao bufete
o mundo é uma farsa a alma do nado-morto uma tábua rasa por baptizar
um dia o meu corpo será pasto de abutres e milhafres
enterrado cremado
- e se for cromado –
sem que tenha sido crismado
- o sacramento da confirmação ratificação do apedeutismo -
ave dos oceanos em azul retalhado
que aproveita se me findo e o mundo acaba
o pouco me basta e o que é demais sobra e mata
aguardo o sono o cansaço
jazer no dorso da égua casta
homens maltratam a justiça que a deus pertence
maltrapilhos morais dizem-se justos esses ranhosos e dizem-se sérios os miseráveis poderosos
podres no sangue na carne nos ossos vergados de sujos corcundas
os putrefactos corruptos
olho para fora e vejo dentro
vidros que a noite mágica transforma em espelhos
assentos cortinados um bloco de papel com mão que reconheço a escrever e há as luzes leitosas da viagem reflectidas na bagagem sofrivelmente dispersa pela carruagem
pernas dependuradas nas sandálias unhas pintadas de negro a viajante dormita curtos calções exibem as formas
alguém disse que é do alterne outro do sobe-e-desce puta convenhamos
não sei e pouco me interessa que poderei eu saber
talvez goste de foder talvez goste do que nós tanto gostamos de fazer
ouve mário
cesariny
também de vasconcelos
que importância tem foder ou não foder desta daquela destoutra maneira
- os tempos são outros mário não são como os teus -
fode quem pode não fode quem quer fode com quem quer quem pode e não fode quem não pode fode quem consente e quem não consente não fode ou só fode com quem quer e bom proveito lhe faça o encontro da net com quem não conhece e fode às escuras que é o mesmo que foder sem saber o que fode fode quem paga se de graça ninguém o pito lhe abona fode com toda a gente que paga quem recebe o pagamento e fode quer se importe ou não com foder ou não foder porque mais poder que o foder o tem o dinheiro mesmo que faça doer fode a dois quem gosta e quem mais gosta e pode com mais fode e em grupo já muitos há que fodem e são fodidos e quando se perdem excitados e incautos sentem alheios dedos no cu metidos e as mulheres aos gemidos com desconhecidos e à pressa fode quem tem ejaculação precoce ou não aprendeu a amar ou cedo tem de ir trabalhar para a outra banda ou para trajouce para que em tão curta vida sejam escassos os desperdícios
porque no fundo bem lá no fundo
- que à superfície não tem graça e é coisa de criança -
neste mundo mário anda de um modo ou de outro mais de língua e dedo tudo a foder por prazer por dever por dinheiro e poder ou por não ter mais que fazer mundo-meio de meio-mundo fode o outro meio que se deixa foder e diz que fode por amor ou por muito amar quando se excita com uma qualquer greta ou pichota e porque mundo-meio de meio-mundo não fode por o não deixarem foder e para uma rapidinha dinheiro não ter acaba por foder sozinho triste do pobre tadinho que com suas mãos se consola e neste corropio do fode-fode e do mal-foder não tem lugar e a muito esforço se alivia
agora é assim mário é tudo falso com um sentido-sem-sentido é tudo vário
e se de onde estás já vejo o teu riso de escárnio deixa-me sorrir contigo nesse pódio celestial que este mundo está fodido e eu já estou cansado de tanto cabrão puta bicha azeiteiro casas de filhos-família e de passe-bestial com fungível e mesquinha relva para os passos governamentais dos impotentes e uma estúpida planta umbelífera nos fundos a contar moedas-cópula
fodendo o teu país por inteiro
- esse país que tão pouco apreciavas e que hoje te repugnaria -
até um dia destes mário que me vejo já de passagem na mão sentado no embarcadouro vazio-ócio
e como tu dirias se por cá andasses
sem nenhum jeito para o negócio
a observação pode parar mas o raciocínio também amigo pessoa que jazes inútil em pó pelos jerónimos a tua observação clarificou-nos como o riacho que corre sereno e alegre no vale verde e doirado da existência o teu raciocínio limitado como convém a um génio está corroído pela traça do tempo enterrado nos gogos e areão do fundo com que muitas vezes se amassa e adorna o cimento destinado à construção das casas que disformes adormecem a beleza das aldeias
agradeço-te o sempre-novo e rejeito liminarmente os ossos do passado
com a devida vénia
obviamente
por ora como tu entrego-me ao vinho
- ao ópio não que me faz mal aos testículos -
manhosa era o nome da burra que para toda a parte com seu dono ia e dizia-se que com ele bebia
morreu o dono com disenteria ficando a besta entregue à viúva do falecido abstémia convicta de beatice assumida
certo dia velha e cansada deixou-se morrer deitada e sóbria à porta do cemitério onde o dono jazia
naquela casa tudo o que entrava e saía era ou compadre ou comadre dito com voz melada a modos que arrastada ó compadre diga comadre ó comadre tenha a bondade compadre
tanto compadrio
tanta melodia sem harmonia
que enfado
enquanto a burra morria
olho para as gentes dos casais em ajuntamento de festa ruidosa copos cheios copos vazios de mil enganos a mesma parvoeira de todos os anos enxutos não há espelho em que se enxerguem na máscara estridente da chacota vão e voltam no tormento e na alegria dos ais da romaria onde a consternação é trocada por vinho avinagrado
nos pratos pintados fragmentos de frango assado nos copos com sarro restos de vinho descuidados
dançam ridentes os aleijados
mancos
marrecos
desconjuntados
já são pó terra negra lodo excremento terracota
o funesto rosto da mentira envenenada como carta de amor por saltimbancos declamada
por deus tantos aldrabões enrodilhadores vigaristas-cata-vento ali estão suados como negros escravos ao sol
sinto inveja sim uma inveja ressequida e corrosiva do ali-bábá que só com quarenta ladrões lidou e não com milhões
vergonha azul-ultramarino país de marinheiros com sal nas golas e nas solas
anda tudo a roubar a navegar a fome do dinheiro
vergonha verde-esmeralda não haver já gente do mar
ah mas aquele
moço era da aldeia o mais escorreito montava com brio garboso cavalo ruço em trote grácil e perfeito
paixão de virgens
viúvas e casadas
ruas ruelas becos e vielas percorria à caça do fruto proibido mais desejado e aí se dizia que pela calada da noite quando tudo dormia
ser pai de toda a bastardia
o poço negro cavado pelos escravos de nobres senhores preferido entre todos por cachos de suicidas amorosos nutre a figueira de frutos luzidios na última erecção dos enforcados
à sua cautela pobres donzelas e escudeiros de membros frágeis exalando o espírito de sólido reino em corações pela força trocados
extasiada a deusa pelo jovem que a busca atento caçador na profunda brenha que de amor morre de amor mata
fitzgerald escreveu
malditos sejam os que dizem mal das mulheres que não matam não traem não odeiam são fiéis escravas de seus amores e mães de todos os homens malditos sejam
esqueceu o conde a mulher que no coração dois chifres lhe meteu
quer se queira quer não a cidade é um amontoado de escaras danadas sujas cobertas por retalhos de pano novo chegam para o trabalho apressados alfenins no pus a manchar a roupa interior do arraiar da aurora os pensamentos resvalam nas estilhas de pele dengosa dos escaparates por onde passam indiferentes as últimas aves da noite saídas de infernais caves onde mãos se cruzam trocam e tacteiam as formas arredondadas da deleitação
oh consolação oral de deuses clementes refrigerados por lábios aquáticos a deslizar no gáudio de sexos despertos para a irradiação do prazer
a calçada portuguesa canibalesca não faz perguntas de tão acostumada à miserável exposição dos corpos mutilados de sonos sangrentos e os jornais com letras soltas vão saltando indiferentes para os braços pendentes dos mortos-vivos
os pombos depois de terminada a oração descem às ruas junto das pastelarias da moda onde sobejam migalhas de pão nas bocas escancaradas e há os indigentes de papelão a mendigar um raio de sol enquanto os políticos displicentes dormem com os seus amantes em carros de prata do perjúrio e da extorsão são bento demoníaco a tudo o que é perverso e há pernas irregulares das mulheres a suportar largos ombros estirados em ginásios poluídos sem o sorriso de quem despertou consolado e se sente apetecido por toda uma noite e não por alguns segundos
vou deitar-me no sossego
as prostitutas também
não suporto a cidade acordada
a esfregar os olhos de remela
mais-quero as cróias os perfumes baratos os catres pataqueiros das azinhagas e estar oculto nos braços de uma mulher
qualquer
com elas eles
à mesa sentados empanturravam-se de pastas viscosas
da boca escorriam-lhes fios violáceos aparados com o polegar de gordura algum do vinho novo derramado em pequenas ilhas espalhadas pela toalha a cobrir acanhada o tampo vestido de castanho velho as camisas besuntadas os chifres amarelecidos na parede por caiar a oiro adornada a espiar todos os movimentos
folgavam sem queixumes folgavam com a dor alheia de cornos postos nas iguarias
eles os répteis da governação
os que apenas sabem somar e subtrair
os cobradores de impostos
por hoje limito-me a pouco respondendo ao poema
ver
ouvir
e cheirar
deve usar e abusar
saborear e tocar
não vale a pena tentar
e tendo v ex ª
o sexto sentido
bem desenvolvido
a percepção
verá que tenho razão
pode ser que seja ou não quem o dirá
quem vê ouve e cheira
no acto de amor fazer
muito pouco ou nada aproveita
porque feiura guinchos e fedor
são causa de triste maleita
se saboreia
e paladar refinado tem
cuide-se tal criatura
que de vagina usada
lhe sai esperma de alguém
ao cego mulher feia convém
ao surdo mulher palradeira
ao que olfacto não tem
uma porca-suja à lareira
e ao que não saboreia uma loureira
melhor é o tacto
que não vê
ouve
cheira
ou saboreia
e ao membro rijo
não amolece
nem deixa varão descorçoado
por falta de erecção
assim dele tomo partido
diz-mo a razão
afirma-o a percepção
e o sexto sentido
o ar da cidade tiraniza-me o peito
na esplanada deserta o calor sufoca a melancolia das cadeiras com nomes fictícios e ilusórios de falsos cartórios e registos
mortos-vivos há uma névoa fervente em cada passante o dono do café sorri enquanto conta as moedas seu sentido de vida derradeiro
nem uma mulher bonita só canhões e mastronças asnos e anões velhas aos saltos alguns carros
muitos
muitas geringonças
uma bicicleta
pimbas na televisão
uma criança pela mão
a besta do avô e o burro do neto
e eu para aqui
tão longe e tão perto
não gosto de labregos pategos asnos irritam-me os sendeiros nos cafés na venda da aldeia berrando como bodes ao compasso das cartas de jogar e dos copos cheios e por encher de vinho reles
abomino políticos e o hemiciclo bolorento homens de são bento advogados magistrados imberbes tudo o que sejam ladrões encartados e por diplomar o ás de copas o trunfo de paus o duque de espadas os médicos essa corja de cangalheiros os padres a corrupção e a mentira os concílios o vaticano
gosto de mulheres dos vícios e do delito que não é pecado da serra do mar dos que vivem e sofrem neste mundo tão mal arquitectado
dança do espírito gostar ou não gostar
não posso suspender as minhas preferências como quem abandona a casa paterna o porto seguro da inquietude a protecção do medo e do conflito
aniquilar os mitos e os condicionamentos despedaçar o inconsciente
esta a doença da alma de que nem sequer conheço a existência terei de a buscar incessantemente como um anel de noivado em gigantesco fardo de palha
negar a vida para percorrer a via
repudiar os hábitos limosos de séculos
renunciar ao convívio e à visão
das mil e uma coisas
não é certamente
este o húmus que faz frutificar
os pomares da iluminação
entender as dez mil coisas na sua essência aprofundar o seu sentido
as águas dos oceanos escondem riquezas incontáveis seres nunca antes vistos sereias e monstros marinhos
as montanhas vivem ao sonido das estrelas das constelações entrançadas na estrada de são tiago dos cantares claros das cascatas
montanhas onde nasce
a seiva dos mares
a hora é tardia volumes grotescos humilham-se pelas vielas enlambuzadas de néon trazem nas mãos os sexos definhados em desalinho o que não se faz em casa nos lençóis de linho faz-se fora de portas retortas testiculares nos ânus sim senhor ministro
opus gay sinistro no parque de longas cabeleiras avermelhadas putéfias desdentadas
políticos diplomatas médicos advogados e outros celerados
no eduardo sétimo de mil rabetas
as bichonas bebem lambretas
rua da prata das adúlteras
lapidadas
as putas mudaram-se
mas continuam peladas
onde há bichas
não acodem marafonas
tocam sanfonas no beco dos aguadeiros
pífaros na azinhaga dos azeiteiros
o fadista toca uma pífanada
a rosa maria faz uma mamada
a vizinha do terceiro fode o carteiro
o padeiro é paneleiro
ponho as minhas mãos no lume extinto
pelos passageiros ensonados do ónibus
poucos são os neófitos
muitos os pedófilos
o padre da freguesia de santo antão dos cus
procura desnorteado o menino jesus
a tola da beata
arrecada as esmolas da caixa
em lisboa
não se pode parar na baixa
na província as mulheres têm buço
muitos são os pelos da rata
que deus nos valha
irmãos ficai-vos por casa
assim como assim toquemos uma gaitada
madrugada hoje já não hás-de vir
que lucro posso retirar das amantes perdidas
prefiro-te a ti dizem-me para escrever as minhas memórias que falta de tino seriam um péssimo exemplo
processado pelos pais das crianças excomungado pelo bispado perseguido para ser queimado crucificado e penetrado por lanças condenado ao degredo ou vendido como escravo
escravo
do sexo ou para mandar
porque pouco mais sei fazer –
amante ou amo
sou a taça onde foram vertidas todas as virtudes e defeitos um ser experimental moldado por um deus embriagado sou a sensibilidade à flor da pele a promiscuidade desarrazoada do prazer o aprazimento do clímax mítico o tríptico das noites amorosas a insatisfação revoltosa das vidas vegetais a essência da irreverência
o místico das solidões oceânicas
sou de além-civilização de além-túmulo e sem comissões
independente e livre como rimbaud
mas muito pior poeta é certo não se pode ter tudo
modéstia
água benta e presunção cada um toma a que quer
perguntas-me pelo molde primeiro dia
consumado o erro foi destruído e as cinzas espalhadas num ermo celeste segundo dia deus ajoelhou junto da arca dos ossos e dos tecidos moles e pediu perdão por desastroso erro cometido na criação terceiro dia excogitou o baú das almas que amamentou no berço dos tempos quarto dia mesmo vendo que não havia cópia fez uma depressão quinto dia chorou e lamentou a criatura viciada horas a fio sexto dia repousou
e aqui estou perdido sem confrade que parecido seja eu o eterno incompreendido
que comovente
são quase cinco da manhã que deus me perdoe o inconveniente
incómodo de fim de semana à francesa silêncio guitarra vai falar-se o fado
cais do sodré alfama bairro alto mouraria
fadário de uma vida
a abarrotar de porcaria
que putaria
senhor abade de jazente seja como a gente deixe de ser indecente
solteiros divorciados ou casados
todos ao monte
não há engatatriz nem michela
que os desaponte
a noite é de putas e putanheiros
o dia das mulheres dos cornudos
trabalhadeiros
em hóteis de rústicos lagareiros e seus afins laboradeiros
laborai laborai laborai
engenheiros advogados magistrados políticos soldados empresários
e outros atraiçoados
labutai quanto chegue
que de dia comemos
nós os demónios de mil pecados
o que à noite cevais de carnes
de desejos mal compensados
a claridade da aurora servida numa taça de noite dormida em perfume de loucura na abóbada os astros já não se movem e o rio urinado pelos embriagados desagua no oceano o lixo humano que cambaleante e aceso de pó vagueara pelas ruas da cidade em busca de uma cama acompanhada os vagabundos da noite tropeçam nos seus próprios passos nas fêmeas com o cio nascido do tédio e da habituação são jovens alguns mais velhos mas ainda com tesura
todos unidos no marasmo do sexo experimental
mas eu inocente
um dia vi-te nua tu a doçura dos meus olhos até aí indiferentes às formas eu petiz tu adolescente
pela primeira vez senti o que é normal em gente cresceu-me nos calções azuis de domingo e cresceu tanto que assustou os próprios botões
eu queria o bolso estava molhado
mas como seria como fazer
sabia sem saber
voltei a casa e percebi qual era o pecado perante nosso senhor de que tanto nos falava o prelado
ora porra se tivesse estado calado
mais tarde aprendi que
quem não herdou ou roubou se de justo trabalho viver ou da esmola de alguém nunca há-de enriquecer
mas se for jovem mulher de perfeitas linhas desenhada e com velhos se deitar
logo se verá logo se verá
o manequim da montra da rua dos fanqueiros está quedo em soberbo fato
cá fora em tom ligeiro tamborilando a cabeça descoberta dos passantes excedentes do emprego sem trabalho um breve aguaceiro
uma lontra loira escorrega súbito no passeio enquanto um careca protege a cabeça com um jornal enrolado
à porta da loja um vendedor baixo gorducho bem vestido engravatado alheio à vida mas não aos dinheiros chama-nos entre senhor preços de crise
aqui há sempre saldos
chiam velhas no chiado como rodados de carros tresloucados
dores no pé no joelho no artelho um sapato bem apertado
quelhas da vida uma guitarra mal tocada e um coração tangido
correm caixeiros as meninas do grandela já não usam cueiros mas fraldas a granel
uma mulher canta um barbudo e uma panela
coscuvilheira à janela queimado o tacho da janta
da tagarela
passa um chulo uma mulher envergonhada um velhinho a arder de inveja dá um pulinho
a catraia ora veja toda aperaltada
barriga cheia
a noite começa a nascer
fecham-se portas são horas de comer
fruta redonda
amar a correr
que mais logo
é madrugada
sempre a mesma vida desgraçada
água da fonte tão pura e cristalina
nela bebem patrões e senhores desalmados
os cavadores cansados pobres e ricos cães de raça com donos rafeiros abandonados
nessa fonte santa
todos nós bebemos
ouve-me maria
- todas as mulheres são marias e todos os homens josés -
não vás não te percas não desafies o destino não deixes de ser quem és
a estrada silente padece de perigo se o amor está ausente e o amante ferido
não te vás maria que fico a padecer e tu te deitas a perder
não te vás fica sê como toda a gente diz que o é sem o ser
honrada
virgem
a deus temente
não te vás que eu morro de medo ao pensar em te perder
que manhã tão monótona
um ferrari amarelo desliza onde pequenos meninos caçoam aos pobres e aos ricos gigantes e anões príncipes e princesas médicos e doentes
marmelos ao faro um banco gigantesco de jardim é a marquesa dos instantes dos diagnósticos púbicos com o relógio do peito a contar palpitações aos apressados e aos que chegam sempre tarde
mão que cobre mão
mãos que se escondem nos bolsos rotos
a delirar nas bocas
de rubis
deus com as suas barbas
anjos imberbes rolam dados nas nuvens escuras cerradas à comum visão dos mortais
viciadas criaturas de asas brancas
justiça divina misericórdia
o passeio marítimo derriba o petiz ondulante nas águas
madalena e seus três filhos fome
a mulher morta no ataúde lado a lado com os carris luzidios
mãe em pranto o pai dependurado numa azinheira milenar
assassino e drogado
deus afaga pacientemente a barba
o pensador
o coro das velhas assinala o aniversário do aleijadinho cotos que coçam úlceras rabugenta a mestra centenária
uma alimária decreta para analfabetos inocentes
meu deus confio na tua misericórdia para com os imprudentes
um meteoro canibalesco no paraíso escapam gemidos das gargantas dos carbonizados
no chão ossos calcinados é inverno no inferno
aquecem-se as almas dos condenados
transbordo a azáfama das almas amarelecidas pela nicotina volteiam
não há lugares sentados
um bispo treme ao riso de um endemoninhado
pobre homem em vida cem vezes exorcizado à paulada e nada
um punhado oblíquo de rameiras zomba das barrigas gloriosas de uns velhos babados
as crianças do demo
escoam-se pelas frinchas acaloradas
põem-se ao fresco
lúcifer enfastiado com o rabo encrespado joga com pedro o santo aos dados de cristo o manto enquanto deus revoltado arma santo agostinho soldado põe-lhe os cravos diz-lhe
arranca-lhe os chifres e o rabo
contrafeito a medo sussurra o santo conhecendo o risco
sem diabo não há cristo
noite fresca de verão
o corpo mortal no tempo
que escasseia
amanhã haverá missa os sinos irão tocar como menino que desperta em sobressalto
católicos e alcoólicos abraçar-se-ão numa fraternidade falsa
o padre recitará as mesmas fórmulas
beatas negrais a levantar a fronte ao céu carregado de nuvens
e à saída todos dirão mal uns dos outros
o gesto das mãos lentas apressa-se na cerimónia
o padre cai de bruços murmura uma oração em latim ergue os braços no corpo tenso do desejo sublimado
o povo não recupera as sílabas e tem a expressão facial de um mostrengo que amanhece e que a estupidez tece
no órgão música sem harmonia dissonante
um sacrário em oração um crucificado indiferente àquela asnática gente e aquele moço pobre coitado tão novo e tão doente
dominus vobiscum
et cum spiritu tuo
sois tão fracos a morte espreita-vos pelos colarinhos aconchegados às virilhas mortas
pensais que a vida é um carro ornado a pedrarias no cortejo dos salgueiros descalços
meditais no conteúdo das vossas bolsas da de vossos vizinhos do lado e nas vossas mulheres-bicicleta deixai-me também aprender a andar em três rodas donde não retirais nem dais prazer
lambei os ecrãs de vossos televisores chupa misto de três sabores reis da bastardia maçónicos de alvenaria areada
amanhã é dia de adultério
nas vossas camas bordadas
enquanto brincais aos gestores
foram-nos dados
governados por catraios
o povo tem o que merece
estão dispersos nas nuvens que sombreiam o rio de cristal
passa um carro amarelo com calças de cabedal cor preta
cardado pela baeta
ah donzela de portugal
cruel é tua linguagem neste vale de ossos
fraguedo das lamentações
há para tudo um tempo
mas nunca conseguirás resgatar a morte dos que abandonaste no cais da adversidade
nem o dialecto da falsidade
o caminho para a estrumeira enche-se de cardos e espinhos bravos
aos eunucos estremecem-lhe as entranhas
os altares de folha de oiro devastados
insolentes ficam os santos são escorraçados
tempo de calar
a invenção do lucro corrompido libertinagem insensata da natura do compasso a chagar a penha sanguinolenta
cão que ladra não aferra
tempo que é de guerra
na sala decorada a dragões o corpo nu à luz das velas
ao longe as montanhas para onde voam as andorinhas na primavera
o sino do templo toca
o rio corre lentamente espelho que reflecte a velhice
deuses repousam nas almofadas que bordaste nas noites de insónia
leio um dos teus poemas
triste é o amor que dele exala a visitação da morte nas folhas da acácia e a chuva que faz brilhar as pérolas da vida que se extingue animam-no
o encontro é receoso
beijo-te
a porta da frente não se acredita em deus
é domingo e a torre geme a sua glória às mãos virtuosas do chucho
som de sinos por capar
sentido da vida conhecê-lo glorificá-lo porque nos criou
para nós ou para ele pergunto-me
o padre está à missa os homens entram pela porta dianteira as mulheres pela traseira é um fedelho arrogante desconchavado e ignorante imagem real da igreja decadente
num dos bancos da frente as mulheres cantam esganiçadas ao gesto descompassado do garoto de preto velhas viúvas pedem perdão as solteiras casamento e as casadas o que calhar
beatice ratas de sacristia
camisas brancas à noite
sujas ao nascer do dia
sonho
justiça para sempre paz eterna beatitude sem fim
já só busco a minha alma não assim
acordo ao grito do zé panelo quero pito carago na casa ao lado a graça não lho dá cosa-se o homem afinal hoje é dia santo
paz à minha alma
tende dó deixai-me dormir
porque hoje é domingo
cores que tiritam na vegetação
seios paramentados
uma exigência de falso pastor
há um mar de chuva ácida no centro do céu das promessas
escrevo um conjunto de orações brandas
salmos de outras bandas que não as tuas
senhoras em casa putas na rua
ou putas em casa e senhoras na rua
nem todas possuem este carisma em tempo de trevas célere o apreendem
apressadamente o praticam
escravatura de sexo fácil impaciência de fêmea desamparada
o relógio bate e tu já não és contável no meu futuro entre o nascer e o morrer foste um acidente
corpo negro fraude de meu olhar sereno
omissão
a prova firmada de que nem só as gatas selvagens habitam desconchavados e promíscuos telhados de vidro esquartejados e de que o sémen derramado nem sempre é condignamente aproveitado
a aparência de harmonia angelical em vagina pútrida a cegar tanta gente estúpida
a mim não sempre soube
que santa só a madrugada
nas avenidas deste sacrílego país soterrado de mentiras e ardis ergueu-se pregoeiro de voz sonora velha raposa amestrada entre oiro e areia
levantou os olhos às profundezas ergueu-se do covil do lobo branco jurando pelo demo embriagado de podre sarro a candura das almas a leiloar
políticos magistrados poderosos letrados todos interrogados pelos compradores de escravos
outrora estimados hoje odiados nem uma
moeda pagou seu resgate nem satanás
os quis em suas terras ardentes
a barca é um cabo que o mar arrasta
a alma é um feitiço pesado que o barqueiro alastra
um santo homem morre de fome enquanto deus toca trombone
a verdade secreta está no umbigo no vento e vácuo sem paciência
nas masmorras já não há fogo o orgasmo é aparência
o sol brilha no fundo do poço raiva e ódio no mesmo moço
aceita-te asno tal qual és erra em todas as direcções
faz circular o sopro dos dez chama os mortos nos pontões
assim morres hirto
assim és assassinado
degolado como um pito
era a história simples de uma princesa-abóbora real e duradoura como a constelação de órion na noite escura de nuvens ociosas levantava os braços-punhais ao céu chorando solenemente dias como todas as princesas que o são de nascimento e não de compra elegante vestia cetins debruados a chita para agradar ao povo doente dos olhos mais doente da mente o pai ministro primeiro mentia naturalmente com a naturalidade das ondas que se desfazem em lixo no areal a mãe era meretriz aposentada sem eira nem beira que ainda esboçava por aqui e por ali um jeito da sua extinta graça
deste modo cresceu
o pai mais mentiroso a mãe mais puta do que nunca
um dia em que os trovões se divertiam a fazer estalar os vidros do céu surgiu do reino do-não-sei-quê um príncipe encantado de desencantos tantos que mais vale calar e de quem se enamorou anunciada a boda casou
com o casamento
ficou a família destroçada
pai mentiroso
mãe puta
noivo parlapatão
filha para sempre desgraçada
não há quem não tenha experimentado as dores do amor
amor das palavras de pálpebras cerradas nas olheiras arroxeadas
amor que morre de fome e sede às portas do templo rasgado por juramento de condenados e mulheres de véu púrpura ajoelhadas na velha religião das dactilógrafas extintas
há pássaros em gaiolas pintadas a oiro marroquino
há uma infinitude de d juans com odor a homem
carícias de outono
ardis de verão
há cortejos de prostitutas
há uma branca de neve em cada mulher da vida
há cortesãs nas mulheres-família
e ainda
há a mentira de tudo isto e o sorriso acre misterioso do cego e do seu macaco
enquanto outros
desciam a rua pálidos esquálidos com o sangue coalhado nas palmas das mãos
com eles um cão no passeio matinal levantava a pata ameaçando o inevitável nas esquinas obsoletas do esforço
caminhavam com gravatas vermelhas da moda subindo escadas de claustrofobia
elevadores montes-de-gente
sem rosto transparentes
um dia mais igual à sonora carruagem do quotidiano
mais um dia igual aos modos cinzentos do rapaz da pastelaria
computadores a acender-se ao raiar da aurora
números rodeados de sinais cabalísticos fixavam-se na economia plana dos monitores gastos por olhares depressivos
papel de luzes opacas amontoado em cadeiras mortalmente desocupadas
as mesmas palavras os mesmos rituais a mesma vigília descontente os mesmos carros a rolarem nas suas marcas a exibirem seus modelos
mulheres com calças de contrafacção comprimiam-se na celulite exposta aos olhos interiores dos quartos acesos
uma argamassa de pó betumara as rugas do desvario numa qualquer hora diurna dos motéis da auto-estrada apressando-se numa corrida surda e inflamando os sentidos erécteis do despertar
apercebi-me então da sua essência vivos-mortos
caminhei a seu lado na nuvem ilusória da calçada em transportes destinados a um outro mundo com rodados flutuantes de sonhos materializados
execução orçamental de parlamento acocorado em vis destroços de restos humanos naufragados
agora já estou só
as conversas apagaram-se
o sol acende-se com lentidão no horizonte queimando o último azeite da miséria
iluminando prédios escurecidos de melancolia com raios branco-pardo
os mortos-vivos recolheram às suas celas para poderem viver momentos de crepúsculo e voltarem amanhã depois do sono a morrer nas mesmas calçadas de sempre
o economicista das mangas pretas espécie de orçamentólogo comentava o forro laxativo da despesa pública ectodérmica
à sua direita um eclesiástico sem cura aparente ectoparasita entrava em eflorescência no eirado
o sacristão embatucado atónito recolhia as esmolas do dia enquanto o canal televisivo verdadeira caixa de emoções e desventuras em hoste rocambolesca lia continuamente as sondagens no perde-ganha do percevejo-do-monte
em sintonia seringada de sermão vicioso e prosaísmo demagógico o populacho pró-germânico rendeu-se à supra-sensível panaceia redutora de quem apenas quer dormir
sossegado
sentara-se na cadeira rubra cinicamente
o desespero mentia
em verde tonalidade
o povo ouvia protegido por vasta grade de ferros o colorido da dor
ali continuou impassível como escombro enfadonho e destruidor intangível repressivo
ele
era a essência do controlo
a arrastar-se nas luzes da fama
coroado pelo prestígio
dos projectores ensanguentados
ele
belo e pungente
com as longas patas
expostas às profundezas
da sublimação
era o arbítrio
migratório dos grandes pássaros brancos
imagem insaciável da falsa eternidade
ele
era a miragem
da ignorância
do corrimão sujo e negro
da fuligem
do parlamento
***
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