A Sidarta Gautama
***
a mente anterioriza todos os estados mentais a mente é a criadora dos estados mentais
por ela
todos são moldados
se o homem fala ou opera
com uma mente impura
o sofrimento segue-o
como a roda
segue os pés do boi
se fala ou age
com uma mente pura
a felicidade segue-o
como uma sombra
inseparável do corpo
***
ofenderam-me
bateram-me
ridicularizaram-me
furtaram-me
aqueles que acolhem
tais pensamentos
não conseguem
serenar o seu ódio
os que não abrigam
tais pensamentos
aquietam o seu ódio
neste mundo o ódio
nunca é aliviado pelo ódio
nunca o ódio põe fim ao ódio
o ódio é apaziguado
pela benevolência
pelo não-ódio
esta é uma lei eterna
***
muitos são os que não se capacitam
que um dia
todos teremos de morrer
são muitos os que não divisam
que a paciência nos torna pacientes
os que o compreendem
resolvem os seus conflitos interiores
assim como
uma tempestade
derruba uma árvore frágil
o mesmo sucede quando a morte
vence o homem
que vive para o prazer
com os sentidos desgovernados
intemperado no comer
ocioso e desatento
assim como
uma tempestade
não estremece
uma montanha rochosa
da mesma forma a morte
jamais submete o homem
que vive a meditar
sobre o sofrimento e a miséria
sobre o que é impuro e corrompido
que tem o autodomínio dos sentidos
que é moderado no comer
firme na sua fé
e de comportamento virtuoso
quem for libertino
destituído
de autodomínio e verdade
ao vestir o hábito do monge
não é digno desse hábito
quem quer que se tenha
purificado da devassidão
estabelecido na virtude
pleno de autodomínio
humildade e veracidade
é merecedor desse hábito
***
os que confundem
o que não é essencial
como sendo essencial
e o que é essencial
como não sendo essencial
sustentando pensamentos desacertados
nunca atingirão o essencial
aqueles que conhecem
o essencial
como sendo essencial
e aquilo que não é essencial
como não essencial
nutrindo pensamentos correctos
atingirão o essencial
***
como a chuva penetra na casa
com uma má cobertura de colmo
também as paixões
invadem a mente que não vigia
como a chuva não penetra numa casa
bem edificada e com um bom telhado
também as paixões
não entram na mente que vela
***
o que produz o mal
padece no presente e no futuro
sofre nos dois mundos
lembrando-se dos seus actos corrompidos
oprimido pelo terror das más acções que cometeu
lamenta-se e aflige-se com os seus remorsos
o homem que faz o bem
rejubila no presente e no futuro
exulta nos dois mundos
rememorando as suas acções puras
regozija-se e alegra-se
o que faz o mal
sofre no presente e no futuro
padece nos dois mundos
o pensamento eu fiz o mal
mortifica-o e faz com que sofra ainda mais
quando renascer no reino da agonia
aquele que faz o bem
rejubila no presente e no futuro
é feliz nos dois mundos
o pensamento eu fiz o bem
extasia-o e delicia-o ainda mais
quando renascer no reino da bem-aventurança
***
por muito que recite
os textos sagrados
se não agir nesse sentido
o homem descuidado
é como um pastor
que só conta as vacas dos outros
não beneficiando das bênçãos
de uma vida santa
por pouco que recite
os textos sagrados
tal homem
se puser em prática o ensinamento
enjeitando a carnalidade
o ódio e a ilusão
com verdadeira sabedoria
com um espírito livre
sem estar apegado
a nada deste ou de outro mundo
participa das bênçãos de uma vida santa
e soube praticar o ascetismo
a vigilância
é o caminho para a imortalidade
a negligência
é o caminho para a morte
os que vivem activamente vigilantes
não morrem
os inconscientes
assemelham-se a cadáveres
já estão mortos em vida
o sábio apreendendo
a excelência da vigilância
exulta e compraz-se
na companhia dos puros
o sábio sempre meditativo
firmemente perseverante
experimenta sozinho a felicidade
a incomparável liberdade da escravidão
a glória cresce sempre
naquele que é enérgico
consciente
e puro na sua conduta
que tem discernimento
e autodomínio
que é justo e que vigia
com esforço e vigilância
disciplina e autodomínio
deixai que o sábio crie para si
uma ilha que nenhum dilúvio
possa submergir
os tolos e os ignorantes
entregam-se à negligência
o sábio mantém a vigilância
como seu maior tesouro
não dês azo à negligência
não te entregues aos prazeres sensoriais
só quem vigia e medita
é que obtém a felicidade
tal como alguém que observa
do topo de uma montanha
os pequenos seres humanos
que estão em baixo na terra
assim também
sempre que o sábio
troca a negligência pela diligência
e sobe à torre do conhecimento
liberto da tristeza
contempla a multidão
tola e sofredora
consciente
entre os inconscientes
desperto
entre os sonolentos
o sábio avança
como um cavalo veloz
superando os mais lentos
***
foi pela vigilância
que maghava
o rei dos deuses
se tornou
o soberano dos deuses
a vigilância é sempre elogiada
a negligência sempre desprezada
o monge
que se compraz
na vigilância
e com temor
olha para a negligência
avança como o fogo
de todos os verões
queimando
todos os grilhões
o monge
que se compraz
na vigilância
e olha com medo
para a negligência
não cairá nunca
esse monge
está próximo
do supremo
aniquilamento
***
como um arqueiro
endireita a haste da flecha
também o homem firme
apruma a sua mente
volúvel e instável
tão difícil de domar
tal como um peixe
que retirado da água
salta e se debate
assim também
é a mente agitada
devemos abandonar
o reino do medo
da angústia da morte
maravilhoso é domar a mente
tão difícil de subjugar
sempre veloz
apossando-se
de tudo o que deseja
uma mente controlada
traz a felicidade
deixa que o homem sensato
vigie a sua mente
tão difícil de detectar
e extremamente subtil
apossando-se de tudo o que deseja
uma mente vigiada
traz a felicidade
permanecendo na gruta do coração
a mente sem forma deambula
para longe e sozinha
os que subjugam a mente
ficam libertos das cadeias da morte
na mente sem determinação
que não conhece o ensinamento
cuja fé oscila
a sabedoria nunca será perfeita
***
não existe medo
para aquele que despertou
cuja mente
não está embriagada
pela lascívia
nem atormentada
pelo ódio
que superou
tanto o mérito
como o demérito
percebendo que o corpo
é tão frágil
como um vaso de barro
fortalecendo a mente
como uma cidade
bem fortificada
combate a morte
com a espada
da sabedoria
depois
preservando a conquista
mantém-te desapegado
***
cuidado
em breve
este corpo
se deitará
sobre a terra
ignorado
repelente
sem vida
como um tronco
inútil
***
seja qual for o dano
que possa causar
entre dois inimigos
uma mente mal dirigida
inflige a si mesma
um dano ainda maior
nem mãe
nem pai
nem qualquer outro parente
ninguém pode fazer um bem maior
do que cada um a si próprio
com a sua mente
bem direccionada
***
quem vencerá
esta terra
este reino
de morte
esta esfera de homens
e de deuses
quem alcançará
a perfeição
no bem doutrinado
caminho da sabedoria
tal como a florista
faria com perfeição
o seu arranjo floral
aquele que se esforça
no caminho
há-de superar
esta terra
este reino
de morte
e esta esfera
de homens
e deuses
aquele que se esforça
no caminho
há-de levar à perfeição
o bem doutrinado
caminho da sabedoria
assim como a florista
faria com perfeição
o seu arranjo floral
percebendo
que este corpo
é como espuma
penetrando
na sua natureza ilusória
e arrancando
as flechas
da sensualidade
do rei da morte
com flores na ponta
escapa-se
ao seu poder
tal como uma inundação poderosa
leva na torrente a aldeia que dorme
também a morte leva na enxurrada
o homem com a mente distraída
que só arranca as flores do prazer
o aniquilador tem o domínio
sobre a mente de um homem distraído
que com insaciáveis desejos sensuais
apenas arranca as flores do prazer
***
assim como a abelha recolhe o mel da flor
sem ferir a sua cor ou fragrância
assim o sábio recolhe alimento na aldeia
***
que ninguém procure
os defeitos dos outros
que ninguém examine
as acções e omissões
dos outros
que cada um
esteja atento
aos seus próprios actos
***
tal como
uma bonita flor
cheia de cores
mas sem odor
do mesmo modo
são infrutíferas as palavras
íntegras e justas
de quem as não realiza
tal como
uma bonita flor
cheia de cor e com perfume
do mesmo modo são produtivas
as palavras íntegras e justas
de quem as pratica
como de uma grande
quantidade de flores
se podem fazer
muitos arranjos florais
também
muitas acções bondosas
devem ser realizadas
por quem nasce mortal
***
não é o doce
cheiro das flores
nem sequer
o aroma do sândalo
ou do jasmim
que sopra contra o vento
é a fragrância
do homem de virtude
que penetra no próprio furacão
o homem virtuoso
atravessa todas as direcções
espalha-se por todos os lugares
com o bálsamo da sua virtude
de todos
os aromas
sândalo
incenso
lótus azul
jasmim
de todos
o mais doce
é a virtude
débil
é a fragrância
do incenso
e do sândalo
mas excelente
é a fragrância
do virtuoso
flutuando
por entre os deuses
o rei da morte
nunca consegue
encontrar o caminho
do leito
de quem é virtuoso
que persevera diligentemente
e se liberta
pelo conhecimento perfeito
***
sobre um monte de esterco
na valeta à beira da estrada
cresce um lótus agradável
e com um odor magnífico
do mesmo modo
no monte de esterco
dos mortais cegos
o discípulo daquele que se iluminou
de forma exímia brilha
resplandecente em sabedoria
***
longa é a noite para
aquele que não dorme
longa é a légua
para o homem fatigado
longa é a existência mundana
para os tolos
que não conhecem
a verdade sublime
se aquele que busca
não encontra companhia
melhor ou igual a si
deixá-lo seguir
um caminho solitário
sem que se associe aos tolos
o insensato
preocupa-se pensando
eu tenho filhos
eu possuo riqueza
se nem ele próprio
pertence a si próprio
quanto mais
os filhos ou a riqueza
um tolo que conhece a sua loucura
é sábio pelo menos até esse ponto
um tolo que se julga sábio
é seguramente um tolo
mesmo que um tolo se associe
em toda a sua vida
com um homem sábio
ele não compreende
mais a verdade
do que a colher
prova o sabor da sopa
mesmo que por apenas
em um momento
um homem com discernimento
se junte a um homem sábio
rapidamente compreende
a verdade como
a língua saboreia
o sabor da sopa
***
os tolos e os insensatos
de fraco discernimento
são inimigos de si próprios
sempre que se movimentam
produzem coisas reprováveis
cujos frutos serão amargos
mal feita é a acção
que a seguir traz o arrependimento
cujo fruto se colhe com lágrimas
bem feita é a acção
que a seguir não traz o remorso
cujo fruto se colhe com alegria
enquanto uma má acção
não tiver amadurecido
o tolo reconhece-a
doce como mel
quando a má acção
amadurece
o tolo apoquenta-se
mês após mês
um tolo pode comer
o seu alimento
com a ponta
de uma folha de erva
não tem o mérito
nem da décima sexta parte
daquele cujo pensamento
se alimenta da verdade
e atinge a compreensão
de todas as coisas
assim como o leite
não azeda de repente
um mau acto
não frutifica imediatamente
encoberto segue o tolo
como fogo
coberto por cinzas
para sua própria ruína
o tolo ganha conhecimento
abre uma fenda na cabeça
e destrói a sua benevolência
o tolo busca
notoriedade indevida
prioridade entre os monges
domínio nos mosteiros
honra entre os chefes de família
que leigos e monges
pensem que
fui eu que fiz
sigam-me
esta é a ambição do tolo
e assim se amplifica
seu desejo e orgulho
***
uma coisa
é a busca do lucro mundano
outra coisa bem diferente
é o caminho para o nirvana
que o monge
discípulo do buda
o entenda claramente
não se deixando arrastar
pelo louvor do mundo
mas em seu lugar
cultive o desapego
e se consagre à solidão
***
se alguém encontrar um homem que
menciona os erros e que os reprova
que tão sábia e sagaz pessoa seja seguida
como guia para o tesouro escondido
venerando um homem desta estirpe
colherás a felicidade
e não a desventura
deixai-o prevenir
ensinar outrem e
preservar alguém
do que é errado
ele é benquisto para os bons
e odiável para os maus
não te juntes
com más companhias
não procures
o que é vil e odioso
junta-te
com bons amigos
procura a companhia
de espíritos elevados
aquele que segue
intimamente
a perfeita virtude
vive feliz
com uma mente tranquila
o homem sábio
sempre se deleita
no ensinamento
dado a conhecer
pelo buda
***
os construtores de canais
controlam os rios
os arqueiros
forjam as flechas
os carpinteiros
dão forma à madeira
os sábios aperfeiçoam-se a si próprios
como um rochedo
não é abalado pela tempestade
da mesma forma
o sábio
não se deixa afectar
por qualquer ofensa ou louvor
ao ouvir o ensinamento
os sábios tornam-se
naturalmente purificados
como um lago
profundo
límpido e transparente
o que é bom
renuncia a tudo
o virtuoso não conversa
sobre futilidades ou desejos
relacionados com o prazer
tocado pela felicidade ou pela infelicidade
as suas palavras são sempre as mesmas
é realmente virtuoso
sábio e justo
aquele que nem para si
nem para outrem
comete erros
e
deseja
riqueza
e poder
sê
justo
virtuoso
constante
***
poucos entre os homens
são aqueles que atravessam
a corrente do mundo
para a outra margem
o resto
a maior parte
apenas corre
para cima e para baixo
para lá e para cá
na margem de cá
os que buscam a verdade
que agem de acordo
com o ensinamento
admiravelmente instruídos
atravessarão o reino da morte
tão difícil de atravessar
***
ao abandonar
o caminho escuro
que o sábio se entregue
a uma vida virtuosa
tendo saído de casa
tornando-se monge mendicante
abandona o conforto das paredes
por uma vida sem tecto
libertando-se
dos prazeres sensuais
sem apego
que o homem sábio purifique
as contaminações da mente
aqueles cujas mentes
atingiram a perfeição suprema
com um espírito indómito
e sempre a caminho
libertos de todos os desejos
que brilham na sabedoria
alcançam o nirvana
nesta mesma vida
***
a febre da paixão
não existe para aquele
que concluiu a jornada
que não tem tristezas
que está totalmente liberto
que quebrou todos os laços
emancipou-se
de todo o sofrimento
os que são conscientes
esforçam-se
não estão apegados
a lar algum
como cisnes
que abandonam o lago
deixam para trás
casa após casa
os vestígios daquele
que a tudo renuncia
que sabe exactamente
o que é a comida
que liberto busca
o vazio e o inefável
são tão difíceis de seguir
como uma ave no azul
aquele
cujas impurezas são destruídas
indiferente a toda a ilusão
desinteressado de qualquer alimento
cujo objecto é o nada e
a liberdade incondicional
os vestígios são tão difíceis de seguir
como os de uma ave no céu azul
até mesmo os deuses
estimam o sábio
cujos sentidos estão dominados
como cavalos sabiamente domados
***
o homem
que como a terra
jamais se revolta
e é tão impassível
como a soleira da porta
que é calmo
como um lago límpido
não mais renascerá
calmo
é o seu pensamento
calmo
é o seu discurso
calma
é a acção
daquele que se conhece
verdadeiramente
atingiu a paz
o homem
que não tem uma fé cega
que conhece o incriado
que cortou todas os laços
que destruiu todas as causas
que abandonou todos os desejos
que liberto nada mais desejou
é a mais excelente das criaturas
***
inspirador é o lugar
onde habitam
os libertos-vivos
seja uma aldeia
uma floresta
um vale
ou uma montanha
inspiradora e deliciosa
é a solidão da floresta
desdenhada pelos homens
é aí que o liberto
a tudo indiferente
não buscando o prazer dos sentidos
encontra a suprema felicidade
***
melhor do que mil vezes
mil palavras inúteis
é uma única palavra
que seja útil
com a escuta da qual
se alcança a paz
melhor do que mil vezes
mil versículos inúteis
é um único versículo
que seja útil
com a escuta do qual
se alcança a paz
melhor do que recitar
cem versículos vazios
é a palavra verdadeira
que leva a paz a quem a ouve
***
um guerreiro famoso
pode vencer milhares
de homens numa batalha
o que se vence a si mesmo
é sem dúvida o mais nobre
de todos os vencedores
mais excelente
que uma grande vitória
no campo de batalha
é a vitória de um homem
sobre si próprio
àquele que é senhor de si mesmo
ninguém lhe pode subtrair a vitória
nem deuses nem demónios
nem o próprio brahman
honrar por um só instante
o homem que se soube dominar
tem mais valor
do que distribuir
mil vezes mil dádivas
todos os dias
meses e até
durante um século
honrar por um só instante
o homem que se soube dominar
tem mais valor
do que a consagração
ao culto do fogo na floresta
durante um século
quaisquer sacrifícios
e orações
que alguém ofereça neste mundo
por um ano inteiro
em busca de mérito
nada disso vale
venerar os virtuosos
é acto de grande valor
para o que está sempre pronto
a reverenciar e servir
os que são dignos de veneração
alcança quatro bênçãos
vida longa felicidade beleza
e poder
***
um dia de meditação
do que é sábio
tem mais valor
do que cem anos
vazios de reflexão
e de sabedoria
um dia de meditação
do homem virtuoso
tem mais valor
do que cem anos
vazios de reflexão
e de sabedoria
vale mais viver
um dia diligente
e decidido
do que viver
cem anos
vazios de esforços
e de energia
um dia daquele
que reconhece
a impermanência
de toda a existência
tem muito mais valor
do que cem anos vividos
na ignorância e na futilidade
um dia daquele que conhece
o poder da morte
tem muito mais valor
do que cem anos vividos
na ignorância desse poder
vale mais viver um dia
na presença da verdade suprema
do que viver cem anos
na ignorância da finalidade suprema
***
sê diligente a fazer o bem
refreia a tua mente de fazer o mal
quem é indiferente a fazer o bem
inclinar-se-á para o mal
se um homem
praticar o mal
que não o repita
que não encontre
aí prazer
dolorosa
é a acumulação do mal
se um homem fizer o bem
que o faça e a ele aspire
continuadamente
aí encontrará deleite
abençoada
é a acumulação do bem
tudo pode correr bem
com aquele que faz o mal
enquanto o mal
não lhe pesar na consciência
quando o fruto do mal
amadurecer
o malfeitor padecerá
tudo pode correr mal
com aquele que faz o bem
enquanto o bem
não amadurece
quando o bem
amadurece
o benfeitor deleita-se
que não se pense
levianamente
acerca do mal dizendo
a mim o mal não me afectará
a água que cai em gotas
enche um cântaro
da mesma forma
o insensato pouco a pouco
cobre-se de mal
que não se pense
levianamente
acerca do bem dizendo
a mim o bem não me afectará
a água que cai em gotas
enche um cântaro
da mesma forma
o sábio pouco a pouco
enche-se de bem
como um mercador
que transporta muitas riquezas
com uma pequena escolta
evita caminhos desertos e perigosos
também como aquele
que ama a vida
evita a taça envenenada
assim se deve evitar o mal
se na mão não existe nenhuma ferida
até o veneno pode a mão tocar
o veneno não afecta
quem está livre de feridas
como o mal não aflige
o homem virtuoso
como a poeira fina
atirada contra o vento
o mal cai
em cima do insensato
que ofende um homem
inofensivo
puro e inocente
***
alguns renascem sobre a terra
os maus nos abismos
os virtuosos em mundos de felicidade
os que não têm qualquer mácula
acolhem-se no nirvana
nem no céu
nem no meio do oceano
nem penetrando
nas fendas da montanha
não há lugar algum no mundo
onde se possa escapar
às más acções
nem no céu
nem no meio do oceano
nem penetrando
nas fendas da montanha
não há lugar no mundo
onde se possa
escapar da morte
todos tremem
perante a violência
todos temem
a morte
ponderando cada ser a partir de ti
colocando-te no lugar do outro
não atormentes ninguém
não mates ninguém
todos tremem
diante da violência
a vida
é querida a todos
colocando-te no lugar do outro
não mates
nem faças sofrer
o que ao buscar a felicidade
oprime com violência outros seres
que também a desejam
nunca alcançará a felicidade
daí em diante
nem mesmo depois da morte
aquele que compassivo
ao buscar a felicidade
não oprime com violência
outros seres
que também desejam a felicidade
encontrará bem-aventurança
daí em diante
e mesmo depois de morto
***
que não se fale asperamente
com palavras duras e rudes
a quem assim se fala
pode retaliar
penosas são as discussões
e as disputas
que facilmente degeneram em brigas
***
se como sino fendido
já nada soa no homem
atingiu o nirvana
todos os conflitos cessaram
***
como um pastor
com um cajado
conduz o rebanho ao pasto
também a velhice e a morte
conduzem todos os seres vivos
ao túmulo
***
quando o insensato
comete o mal
e não mais se preocupa
não tardará
que seja atormentado
pelos seus actos
que o hão-de queimar e torturar
como fogo que tortura e queima
***
ser-se agressivo
para um homem de paz
usar de torturas físicas ou psíquicas
com um inocente
conduz a grandes sofrimentos
perda de bens mal-estar
loucura doença grave
morte
***
nem caminhando nu
nem tendo cabelos emaranhados
nem lama
nem jejum
nem deitando-se no chão
nem cobrindo-se de cinzas e poeira
nem sentado sobre os calcanhares
pode purificar um mortal
que não supere a dúvida
mesmo que se apresente
ricamente vestido
se for calmo
controlado
e estabelecido na vida santa
tendo abandonado a violência
contra todos os seres
esse é verdadeiramente um homem santo
um renunciante um discípulo um monge
***
raro é o homem neste mundo
que comedido por modéstia
evita qualquer censura
como um cavalo puro-sangue
evita o chicote
tal como um cavalo puro-sangue
movido pelo chicote
sê diligente
repleto de determinação espiritual
pela fé
pela pureza moral
pelo esforço
pela meditação
pela investigação da verdade
por seres rico em conhecimento
por seres rico em virtudes
por seres consciente
destrói este sofrimento ilimitado
***
os construtores de canais
regulam as águas
os arqueiros
forjam as flechas
os carpinteiros
dão forma à madeira
os sábios
dominam-se a si próprios
***
estando neste mundo
sempre a arder
como podes estar alegre
porquê tanto riso
envolto em trevas
será que não desejas a luz
observa o teu corpo
uma imagem pintada
uma massa de chagas amontoadas
doente ansioso
apoquentado por desejos vãos
corpo morrendo todos os dias
que se desmorona em poeira
este corpo desgastado
é um abrigo para as doenças
esta massa frágil e putrefacta
desintegra-se
a morte é o fim da vida
estas coisas idênticas a cabaças
espalhadas pela terra
são crânios amarelados
quem pode continuar alegre
e sentir prazer na existência
este corpo construído de ossos
carregado de carne e sangue
é o asilo da velhice
dentro jazem
a decadência
a morte
o orgulho
a inveja
a arrogância
a hipocrisia
os mais belos carros reais
acabam por se desgastar
tal como este corpo se dissipa
o bem não envelhece
assim os que são sábios
dão-no a conhecer aos sábios
***
o homem que nada aprendeu
nem compreendeu
envelhece como um touro embrutecido
cresce-lhe a barriga
decresce-lhe a sabedoria
em vão vagueei no círculo
de muitos nascimentos e mortes
andei sem rumo
sem nunca ter encontrado
o construtor desta casa da vida
sem nunca o ter encontrado
que vida cheia de sofrimentos
nascer e morrer
para renascer
uma vez mais
e outra
e outra ainda
ó construtor da casa
estás à vista
não construirás esta casa
de novo
as tuas vigas
estão partidas
e a cumeeira
deu de si
a minha mente atingiu o incondicionado
alcancei a definitiva destruição do desejo
***
os que na juventude
não renunciaram ao mundo
levando uma vida santa
morrerão como a garça-real
na margem de um lago
sem peixes
os que jovens
não levaram vida santa
e que não encontraram
o tesouro da juventude
vivem suspirando
sobre o passado
como as setas velhas
de um velho arco
***
se alguém se estima
devia vigiar-se com diligência
que o homem sábio mantenha a vigília
em qualquer uma das três vigílias da noite
***
primeiramente um homem
deve estabelecer-se no que é próprio
só então deve instruir os outros
assim não será censurado o sábio
um homem deve fazer primeiro
aquilo que ensina os outros a fazer
se uma pessoa doutrina outros
deve ter ela mesma
um grande autodomínio
***
um homem é na realidade
o protector de si mesmo
quem mais o poderia ser
mestre de si
totalmente controlado
conquista uma perfeição
difícil de obter
***
o mal que o homem
ignorante faz a si próprio
mal esse nascido
e produzido por si
esmaga-o
como um diamante
tritura-o
como dura pedra preciosa
como uma trepadeira
estrangula a árvore onde cresce
também
um homem desregrado
se prejudica a si mesmo
como só um inimigo
poderia desejar fazer
fáceis de fazer ao próprio
são as coisas prejudiciais
mas difíceis de fazer
são as coisas benignas
***
quem por causa
de pontos de vista perversos
despreza
o ensino dos perfeitos
dos excelentes
e dos justos
esse insensato tal como o bambu
produz frutos
para a própria autodestruição
o mal que é feito a si mesmo
a si mesmo a pessoa se mancha
a si mesmo deixa de fazer o mal
a si mesmo a pessoa se limpa
pureza e impureza
dependem de si mesmo
ninguém pode purificar
outra pessoa
***
que ninguém negligencie
o seu próprio bem-estar
por causa de outra pessoa
seja qual for a sua grandeza
compreendendo com clareza o bem
como supremo para si próprio
que a pessoa se preste ao bem
não sigas o caminho fácil e que é vulgar
não vivas descuidadamente na indolência
não te agarres a opiniões falsas
não te detenhas na existência mundana
sê sempre vigilante
leva uma vida correcta
o íntegro vive feliz
tanto neste mundo
como no próximo
leva uma vida recta
não leves uma vida ruinosa
o justo vive feliz
tanto neste mundo
como no além
***
aquele que olha o mundo
como uma bolha e uma miragem
sobrevive à vista da morte
***
vem
observa este mundo
que é como um
carro real decorado
os insensatos
atolam-se
o sábio não se apega
***
aquele que tendo
sido descuidado
deixa de o ser
ilumina este mundo como a lua
emergindo das nuvens
aquele que por
boas acções
apaga o mal que fez
ilumina este mundo como a lua
emergindo das nuvens
o mundo é cego
jaz numa noite profunda
apenas alguns
possuem discernimento
poucos
como pássaros
escapando à gaiola
se elevam
para o reino da felicidade
***
Versão livre do Dhammapada - Buda
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José Maria Alves
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