O nosso cérebro está contaminado pela educação, religiões, autoridades políticas, administrativas e judiciárias, pelos conhecimentos que vamos acumulando na mira da perfeição. No entanto, não é ela visível no horizonte. Há apenas um mar de limitações na direcção da miragem do infinito. Como somos tolos e incapazes não obstante pisemos altivamente a rosa-dos-ventos na margem do rio, invocando descobrimentos, explorações, vitórias bélicas. A história da humanidade é um desfilar de agressões, crueldades, mais guerras do que anos, hipocrisias, cinismo, falsa modéstia, autocaridade, corrupção, aproveitamento próprio, salpicada de breves e esporádicos momentos de verdadeira compaixão, em que alguns homens, raros como parece convir a este planeta de predadores, purificados da avidez, da inveja e da ambição, souberam na plenitude do auto-esquecimento espontâneo, derramar indiscriminada e gratuitamente o seu olhar nos outros.
Pelo cérebro reflectimos, reconhecemos o prazer e o sofrimento, a morte e a vida, vemos o mundo como um outro relativamente a nós, o que implica o reconhecimento de cada um como “eu”. Pelo cérebro, extorquimos, matamos, violamos, mentimos, enganamos. Pelo cérebro, damos esmolas, acarinhamos os necessitados. Pelo cérebro construímos hospitais, abrigos, tanques, bombas e escolas. Pelo cérebro estamos. Pelo cérebro somos; nós, apenas nós, inseguros, indefesos fóbicos de neuroses ancestrais. Por isso, somos isso, que nem isso é, por não sabermos quem somos. Só quando não somos, somos todas as coisas. Quando não somos, o embrião da vigilância estremece, desperta, fica alerta.
Esta vigilância passa pelo renascer dos sentidos para uma existência intensa, visão purificada das coisas, escutar límpido dos sons e do silêncio, na ausência possível do intelecto. Mesmo que a filosofia seja um acto de pesquisa desinteressada, liberto da tradição, de qualquer crença, de qualquer ideia e costume, não deixa de conter em si as limitações do seu único guia que é a razão e da própria matéria; o pensamento é matéria e nós transformamo-lo no que queremos, coisa horrenda ou bela, justa ou imoral, feliz ou sofrível, verdade ou não. O homem pode procurar a verdade para além das aparências, do estabelecido, mas quanto mais energia consome nessa busca, mais longe fica do objectivo. É como uma embarcação a navegar num planeta onde não haja em nenhum dos seus pontos terra ou algo que não seja oceano; nunca encontra destino, ainda que defina meticulosamente um rumo ou percorra todos os possíveis. Muitos são os candidatos a capitanear esta nau pelas águas da desesperança, por tormentos nunca sonhados, mas a ilusão aniquila a realidade e o desejo a verdade, que é só uma: não há caminho... não há caminho...
JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org
Sem comentários:
Enviar um comentário