I
Ninguém contempla as coisas admirado.
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar...
E se olho a terra, a flor, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar!
É tudo para mim extraordinário!
Uma pedra é fantástica! Alto monte
Terra viva, a sangrar, como um Calvário
E branco espectro, ao luar, a triste fonte!
É tudo luz e voz! Tudo me fala!
Cismo ante o fumo etéreo que se eleva,
Quando a tardinha pálida se cala,
Cheia de medo, pressentindo a treva...
Não posso abrir os olhos sem abrir
Meu coração à dor e à alegria.
Cada coisa nos sabe transmitir
Uma estranha e quimérica harmonia!
É bem certo que tu, meu coração,
Participas de toda a Natureza.
Tens montanhas na tua solidão
E crepúsculos negros de tristeza!
As coisas que me cercam silenciosas,
São almas a chorar que me procuram.
Quantas vagas palavras misteriosas
Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram!
Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos,
Beijam meus olhos sombras de mistério.
Sinto que perco, às vezes, os sentidos
E que vou a flutuar num rio aéreo...
Sinto-me sonho, aspiração, saudade...
E lágrima voando e alada cruz!
E tudo espaço azul, eternidade,
Indefinida luz...
II
Eu sou bendita esmola, ó pobrezinhos!
Meu coração é fonte que se alegra...
Vinde beber, ceguinhos;
Matai a sede negra!
Meu corpo a terra e cinza se reduz.
Comei, comei, famélicas raízes!
Minh´alma é luz do sol. Ramos felizes,
Bebei a sua luz!
Sobre o meu peito aflito,
Pousai, cantando, ó aves que voais!
Bebei meu sangue, estrelas do Infinito,
Comei meu pão, famintos animais!
Sou velho tronco a arder, homens gelados!
Ó trevas, vinde a mim: sou claro dia.
Sou perdão: vinde a mim, ó condenados!
Ó tristes, vinde a mim: sou a alegria!
Meu pranto é doce orvalho, murchas flores.
Sou a luz do luar, ó noite escura!
Sou bálsamo suave, ó negras dores!
Ó pedras, vinde a mim! Sou a ternura!
Árvores, vinde a mim: sou primavera!
E sou ninho de amor, aves do ar!
E sou antro de amor, ó bruta fera!
E sou praia de amor, ondas do mar!
III
O fogo que me abrasa,
É fogo de paixão.
Meu corpo tomba em cinza
E pó que o vento leva...
E alcança a vida eterna,
Em mística ascensão,
Tudo o que, em mim é dor, fragilidade e treva.
Vejo sob os meus pés,
Estrelas a fulgir...
Vejo mudar-se em luz
A gélida penumbra.
Esta carne que é pó
Há-de outra vez florir.
Uma visão de Deus todo o meu ser deslumbra.
Lá vai meu coração,
Quimérico, a sonhar,
Qual infindo murmúrio
Ou hálito de dor
Ou perfume de lírio
Ou asa de luar,
Para uma vida nova e para um novo amor.
JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org
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