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ARTE

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

ANTÓNIO BOTTO - A JULIETA DO BECO DAS CRUZES






Aos arrancos, lá vai ela
Despedir-se do amante
Nesta manhã de Janeiro!
Coitada, morre por ele!
- Foi o seu primeiro amor
E será o derradeiro.

Todas as tardes, risonha,
Ela falava com ele
Num beco escuro de Alfama.
Era ali que ela morava;
- Até que uma noite foram
Pernoitar na mesma cama.

Estou a vê-la!, cingida
Ao corpo delgado e quente
Desse esbelto carpinteiro!
E vejo-a, dias depois,
nervosa, afastar-se dele
Chamando-lhe: trapaceiro.

Mais tarde ia procurá-lo
À oficina e chorosa
Seguia-o sem que ele a visse;
E naquela perdição
Adoeceu porque um dia
Com outra o viu, - mas, sorriu-se...

Soube-lhe bem ser «mulher»
Do homem que apenas teve
Um desejo passageiro!
Mas, agora, - cruel preço!
Dos olhos fez duas fontes
E do amor um cativeiro.

Adoeceu gravemente.
Nunca mais saiu à rua,
Sempre a tossir e a sofrer...
E era a mãe que, mendigando,
De porta em porta arranjava
Qualquer coisa p´ra viver.

Hoje, constou-lhe que a Guerra
O chamara para as linhas
Do combate, - e combalida,
Vai ao embarque levar-lhe
No silêncio de um olhar
Os restos da sua vida.


JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org


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