sigo o meu caminho
atropelam-me
vossos braços
pensamentos
fantasias
e invenções
vossas crenças
hábitos
abraços
mãos
e memória
querem que beba de vosso vinho
que caia nos vossos tentáculos
que me prenda às vossas cadeias
que convosco construa a história
a vida para vós
é um castelo de cartas
soprado pelos ventos
vida de bens
projectos mesquinhos
ambições e tabernáculos
desejos insalubres
doentios
amarelentos
tudo se transforma num elo
em frágil vontade do momento
império que vedes e não vejo
vã esperança de tempo ido
preso às mais vis grilhetas
imbecis e resignados
burros de carga
corruptos sem palavra
pantomineiros
invejosos
compadres do oiro
e do dinheiro
ladrões
abúlicos
sevandijas
mentirosos
sendeiros
tristes bestas de nora
matilha de escandalosos
ratoneiros
sois vós sem vereda
sem vergonha
e sem verdade
vermes da peçonha
e da iniquidade
que vos quereis
ídolos da humanidade
não não é esse o meu caminho
não não bebo do vosso vinho
não respondo a perguntas
não me justifico
não presto contas a alguém
não confesso minhas faltas
vou volto parto e fico
comigo não vai
nem fica ninguém
não sou de parte alguma
sou daqui e de todo o lado
não tenho nacionalidade nenhuma
sou cidadão do mundo
que percorro andando
o meu caminho é meu
eu sou o meu trilho
nasci para morrer caminhando
as horas passam
eu envelheço
os meus cabelos são brancos
os tempos felizes da infância
não voltam
ora me levanto
ora desfaleço
tenho sangue e lágrimas
nos flancos
não me acredito em deus
em anjos no demo
passo a passo desbravo
cardos e silvados
palavras gestos e actos
durmo num catre só meu
a nada nem ninguém temo
meu coração a espinhos lavro
recolho no meu ventre
desvalidos e violentados
afogo na barra
bandidos e beatos
sigo meu caminho mar dentro
navego altivo e sozinho
tendes o vosso caminho
florido por perfídias
vós os quarenta ladrões
que vez à vez
ides à missa
tendes ilusões
rezais o terço
ides às procissões
viveis das vestimentas
das aparências
da toleima e da burrice
da hipocrisia
da impostura
do cinismo e avidez
tendes partidos
clubes
gurus
televisões
canastrões por ídolos
telenovelas
concursos e discursos
políticos ladrões
manhosos
cães raivosos
e uma bandeira
suja de sangue
dos famintos
e inocentes
sois covardes
sonâmbulos e astutos
viperinos sabujos
vermes do poente
tendes filhos
fraca semente
futuro negro
que a si próprio
se desmente
sigam-no vocês nessa planície
onde o traçaram na imundície
sigam-no vós gente demente
eu sou apenas eu
não vos pertenço
não comungo do vosso pão
não vivo da vossa vida
tudo o que vos pertence
me aborrece
de vós não quero nada
que me estorve a passada
sigo o meu caminho
de mão dada comigo
sofrido sozinho
o meu caminho é meu
o meu caminho sou eu
não me estorvem
não digam nada
deixem-me passar
que nesta estrada
vossos passos não cabem
e nela é meu lugar
não quero o vosso caminho
não bebo do vosso vinho
vou volto parto e fico
comigo não vai
nem fica ninguém