cinco cedros guardam a terra dos mortos o cemitério fica a meio do caminho das duas aldeias da freguesia os portões de ferro têm hoje um louva-a-deus por fechadura
tão belo na sua cor verde nos seus gestos piedosos
poucas são as moradas nuas grande parte de granito cinzento também as há de rosa e preto praticamente todas cobertas de lápides e flores artificiais a lengalenga das inscrições tumulares frases estereotipo do amor na morte a ocultar o ódio da vida
depois de mortos são todos santos nas suas auréolas de lágrimas ocasionais
uns tantos jazigos o do velho desembargador todo trabalhado e com um barrote cortado a servir de tranca à porta um outro recentemente construído da família teixeira aguarda pacientemente pela morte de algum deles provavelmente uma táctica odoriquiana para prolongar a patética existência a ilusão da continuidade da matéria em decomposição americanices casinhas de brincar aos esquifes
vejo as fotografias leio os nomes em mais de metade das campas corre o meu sangue ainda que em putrefacção tenho família nas duas aldeias
rememoro as vidas os momentos as palavras as ensinanças
o bom e o mau o tudo e o nada
corpos corroídos pelos exércitos de vermes da indiferença
não há matéria mesmo indigesta que os esmoreça
um primo da cidade quando vem à aldeia vasculha as campas muda flores das ricas para as vazias dizem que enlouqueceu julgo que não ele conheceu-os pelas suas mãos faz-se a justiça aos mortos que a não tiveram em vida
as rosas de plástico alegram aquela paisagem macabra a que falta a nova tecnologia de comunicação redes sociais ou espíritas astrólogos e videntes dos programas bichosos das manhãs televisivas
sou da velha guarda nada de modernices na mente guardo as imagens no coração os afectos nos olhos as lágrimas
e nada de lamúrias
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