um livro com solenidade estirado na prateleira de pinho cor de mel
de seu nome onde não há médico
fechado e ocioso tanto quanto eu envolto pela aura pacificadora da casa pequena da aldeia casa de inverno ou loja da burra como lhe chamo a casa das bonecas como lhe chamava meu falecido pai
moscas desconcertadas poisam no meu corpo vivo quase putrefacto incomodam tanto como gente e como a morte dos dias lenta e devastadora na janela um braço amarelo estende-se até à casa vizinha de meus avós há muito falecidos as outras ruíram ao peso dos tempos intragáveis deixando por testemunho fragmentos graníticos
todos os amontoados da minha infância agora diluída nos lameiros do vale tristemente sulcado por um ribeiro sequioso
a igreja mesmo ali de mão dada com a capela do santo cristo no dia da sua festa estupidamente profana e burlesca
onde estão as minhas crenças de criança e os sonhos lívidos da adolescência
o credo inocente agitado em latim pelos lábios rosados a fé do século
tão puro na alva branca confirmado na missa incompreensível de todos os dias anjos e arcanjos que vi e ouvi o cristo que me sorria benevolente e compassivo da sua cruz de mogno
a quem pedia desce tu para que eu possa subir
minha madrinha que na testa me fez o sinal da cruz maria a virgem azul celeste minha madrinha a mãe de deus e josé o patriarca meu protector josé e maria o sagrado coração nas mãos bentas e calejadas do carpinteiro de almas
josé maria
livro de horas saltério vésperas terço
fé esperança caridade e amor tanto a beijar terra e céu unidos a queimar o rosto do sol abrasador do inferno do verão
penso nisto tudo
onde não há médico
onde não há deus o deus que matámos que se suicidou no mosto da alegria deus que amámos e não amou fonte que se esgota na fé que fenece dia-a-dia a cada jorna em cada eucaristia
fé razoável patetice teologal
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