corre um silêncio pela aldeia uma brisa ligeira traz-me as horas do relógio da torre da igreja sempre oportuno
os cães já não ladram e os habitantes velhos e exaustos adormeceram há muito passeio-me pelos luzeiros que se debruçam na varanda púrpura das nuvens deixando-me embalar pelo canto das cigarras e dos grilos cantata minimalista dos simples a contrastar com o preciosismo de bach que ouço enquanto a insónia não mergulha nos montes a paz instala-se no cigarro de todas as noites teimosamente sorvido
a madrugada vem medrosa e carente e um dos loucos da aldeia meu velho amigo da infância e da adolescência canta glórias e aleluias a caminho do cemitério passa das quatro sua hora de visita aos nossos mortos
penso na vénus de botticelli agrada-me a presença da sua imagem sem a desejar
a ausência de anseios faz germinar o deleite da beatitude
penso penso também se não será a paz que faz cessar os desejos seja como for
o zé já estará a rezar no cemitério percorrendo as campas nuas e as empedradas sortido de inscrições lágrimas e falsidades reza aos seus mortos e aos dos outros como cava nas noites de luar os arretos deste e daquele
um destes dias irei visitar os meus mortos e seus vizinhos
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