Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –
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este pode ser o poema da criação do mundo
talvez seja talvez não seja nada
o mundo pode ser nada
eu posso ser nada
nada pode ser nada
e o nada tudo
ou então o poema
de deus ou do diabo
ou
de deus e do diabo
se entre ambos nasceu
um amor eterno
o tudo
do nada
nascido
sem satanás não há deus
e
sem deus
satanás
é
pelo pensamento
abortado
escrevi este esboço doente
a doença faz-nos sempre dizer o que não dizemos quando estamos sãos
não o escreveria se não estivesse assaz enfermo
se não cuidasse no mal que fiz e que hei-de causar
actos de amor de ódio de deus ou satanás
se deus o quiser por assim o ter destinado
quer eu queira ou não o que está escrito não pode ser apagado
se o meu peito sanguinolento não sofresse como sofre e se a morte não fosse aquele grande mistério que tanto nos apetece e que não se conhece com preces nem é compreendido por filosofias ou teologias em noites de amarga especulação
misérrimo é o pensamento
vive-se
como se pode
por não haver melhor
come-se
bebe-se
faz-se sexo
dorme-se
pior
vegeta-se sem nexo
da nascença
à cova funerária
e
dos que partiram deste mundo
nenhum torna
ninguém dá nova
de corpo ou espectros
ressuscitados
reencarnados
almas de deus
ou de trinta-diabos
onde estás tu senhor
quem sou eu
ao acaso
vou abrindo
o desgastado saltério
herança de meu pai
ouvi ó deus
a minha voz
na aflição
eu sou a palha que do terreiro
o vento de sueste leva
árvore de folhas ressequidas
que em tumulto escondido se inflama
o que aborrece o caminho da mentira
tende compaixão de mim senhor
porque estou doente
sobre mim
cai
uma chuva
de fogo vivo
e
enxofre
coração em lágrimas no covil dos leões
corpo que em fornalha ardente novamente sofre
mente angustiada
mortalha de lamentações
meu deus meu deus porque me abandonaste
perfuma-me a cabeça com óleo de nardo
se és bom e recto a mim que te prezo
mostra-me o caminho nesta noite escura
alivia-me a mim que sou fraco
deste fardo
eu penso no pobre no que sofre no desvalido
sou como o veado que gemente suspira
gazela em busca de verdes prados e água pura
do novo testamento que se diz de teu filho
se alguém quiser vir após mim
negue-se a si mesmo
tome a sua cruz dia após dia
e siga-me
sem condições te seguiria a ti
que te dizes filho de deus e do homem
por vereda de abrolhos
cardos e despenhadeiros
fundearia na tua palavra
e se teu caminho visse
e a tua lei entendesse
nela meditaria noite e dia
imita-me dirias
e eu o faria
seria como és
madeiro nos braços
cravos nas mãos
e nos pés
coroa de espinhos
na fronte
chagas de verdasca
a bem aceites
sangue da alegria
beberia de tua fonte
tua missão imitaria
se o mundo salvasse
de tanta miséria
doença
fome
morte
terríveis males por teu pai criados
poderes que te foram dados
mas a mim não
se expurgasse do universo
cataclismos
terramotos
guerras
malefícios
corrupção
furor
ganância
ódio
e
vingança
males que teu pai previu
mas eu não
se iníquos e ímpios
poderosos e governantes
deste mundo
sanguinários traidores de seus povos famintos
que nada e ninguém temem
pudesse julgar
esmagando seus braços
exterminando-os e às torrentes malignas
de seu sémen no pecado imerso
que tu em nome de teu pai podes
e eu não
seguir-te-ia
mas às tuas igrejas não
no princípio
o teu santo espírito
movia-se à superfície das águas
a terra era informe
olhaste o abismo
e
aí projectaste o mundo
no caderno do destino
onde tudo está escrito com infinita ciência
dizes tu
cansado de tanta solidão
munido de sólida intenção
- a eternidade também cansa e o vazio entedia –
no primeiro dia fizeste resplender a luz
separando-a das trevas
no segundo fizeste os céus
separando-os das águas
mas deste-lhes a mesma cor
quererias neles espelhar o amor
no terceiro enxugaste a terra
o mar uniu-se aos céus no horizonte
e ordenaste à terra que produzisse erva
arbustos e árvores de fruto
no quarto criaste os luzeiros do céu
no quinto povoaste a terra de todo o tipo de animais
domésticos
répteis
doces e
ferozes
e sob o firmamento as aves
nalguns brejos
alguns animalejos alados
não satisfeito
fizeste-nos à tua imagem e semelhança
a nós
falsos
dominadores
da natureza
pasto de melgas e mosquitos
e ponderaste a tua obra muito boa
como pudeste tu
o omnipotente
o omnisciente
o omnipresente
o misericordioso
não prever o evidente
não fazer o excelente
se a erva sofre quando calcada
e a árvore
quando por machado derrubada
como pudeste na tua omnisciência criar
bicho-come-erva
bicho-come-bicho
bicho-come-gente
gente-come-erva
gente-come-bicho
gente-come-gente
violência e dor
violaste os princípios de tua omnipotência
e da tua misericórdia
parece-te isto bem senhor
cadeia interminável de sofrimento
outrora agora e para sempre
e a isto chamas amor
bela é a ave
e
ave-come-ave
ave-come-bicho
bicho-come-ave
ave-come-gente
e
gente-come-ave
é esta a tua natureza
aniquilação dolorosa da beleza
razão a de quem diz da vida
tudo é sofrimento
nascimento
doença
velhice
morte
desgraçado do que nasce
o que teve tal sorte
o homem foi por ti moldado
em pó da terra
colocaste-o no jardim dos jardins
no meio das mais belos jasmins
ó éden de todas as delícias
visões
perfumes
júbilo
carícias
mas estava só
e a solidão mata
basta de sevícias
disseste
enquanto dormia
sorrateiro
tiraste-lhe uma costela
e dela
fizeste a mulher
que por argúcia tal
de ofídia sua aliada
o fez comer da árvore do bem e do mal
- para que criaste tu o bem e o mal não sabias que eva faria adão comer o fruto e que a serpente nada tem com o assunto –
amaldiçoaste injusto a serpente
aumentaste os padecimentos da mulher
e o homem nascido para o prazer
para a eternidade e lazer
teve de comer o pão que o diabo amassou
castigo do pecado gerado por quem o criou
eva penetrada por adão
deu à luz caim e abel
e como o que nasce torto
tarde ou nunca se endireita
abel apareceu morto
por obra de seu irmão
ainda assim
os homens
multiplicaram-se
penetração após penetração
no seio da erva
gozo primordial de adão com eva
mas nos seus corações a malícia reinava
arrependeste-te então tristemente
contrário à tua sapiência
usada na criação com displicência
eu deus omnipotente e omnisciente arrependo-me de ter criado o homem sobre a terra
choraste lágrimas de sangue
amarguradamente na terra corrompida
e cheia de violência
e tracejaste com raiva
o malfadado caderno do destino
que com negligência escrituraste
de toda a multidão apenas noé te era agradável
e
pensando não sei se bem se mal
ordenaste-lhe a construção de uma arca
espécie de barca
nela noé embarcaria a mulher
os filhos
e dois seres vivos de cada espécie existente na terra
por um dilúvio em sete dias
– porra que mania a tua –
exterminaste toda a humanidade
e
aos pobres e impolutos animais
num acto de nova crueldade
a tua infernal misericórdia
pacto amoroso com satanás
não sabias qual a natureza do homem que criaste
não sabias que no seu sangue correria para todo o sempre corrupção e violência
e que a humanidade é a mãe da demência
que pecado cometeram os animais que ficaram
com que direito os submergiste
que tinhas em mente
tua vontade
displicente
discricionária
indiferente
a ti deus assiste a razão quando disseste
façam-se à minha imagem e semelhança
desgraça atrai desgraça
castigo divino
injustiça humana
erro
desesperança
e tu sempre o soubeste
e a noé o disseste
quando assinaste a aliança
de nenhum outro dilúvio lançar
sobre a terra e sobre o mar
- de que te valeria também nada variaria –
desististe e bem senhor
aposentaste-te de criador
quanto a mim e no restante
sempre soubeste
quem iria eu ser
que iria eu fazer
que pecados cometer
dizes
dei-te o livre arbítrio
que bom que és senhor
determinas-me ao acto
definitivamente lavrado
no caderno do destino
e a criatura que agora vês
pecadora perdida sem tino
foste tu quem a modelou
e sem que mudança
houvesse na tua ciência
ou não seria omnisciência
o que tão contrário
é à tua essência
como a presença do mal
e se por tal iníquo sou
por tua vontade
erro ou desacerto
eu pecador me confesso
eu pecador me perdoo
tantos são os males do mundo
e não os reprimes
não podes senhor
se não podes não és tu o deus do nosso coração
se não queres
és um ser indiferente
e
desapaixonado
não és tu o deus de isaac jacob e abraão
se não podes nem queres
és impotente
e
indiferente
deus dos fracassados e dos dementes
podes senhor
podes exterminar o mal
essa a tua natureza e essência
mas não o fazes
não cumpres teus preceitos
não alimentas os teus eleitos
com paz e rectidão
não és o nosso pastor
quem nos leva a repousar
em verdes campos
a água pura irrigados
não te entendo senhor
mas um prometimento te faço
sejas tu
trindade
cosmos
muitos num
um em muitos
mente verdadeira
desisto de te buscar fora
buscar-te-ei dentro
e se num qualquer dia
no recanto da minha alma te encontrar
perguntar-te-ei
porque nasce o mal do bem
o imperfeito do perfeito
o injusto do justo
o padecimento da paz
nesse dia
- talvez a final tudo seja bem mesmo que o não pareça -
com o coração em chamas
o espírito em festa por te ter
sabendo que me amas
- à tua maneira diga-se –
vencido o mal
- se houver bem e mal -
louvar-te-ei
então
olharás do céu para o filho do homem e encontrarás um sensato que te desejou sem desfalecer em momento algum
per omnia saecula saeculorum
***
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