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OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

sexta-feira, 18 de maio de 2018

PEQUENOS POEMAS X



Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –



***



I

chego à aldeia
está um calor infernal
as moscas invadem as mesas da venda
e o meu pobre corpo
sacudo-me como um cão
o daniel afugenta-as momentaneamente
são tão persistentes e teimosas
como os ranhosos do parlamento

II

o alfredo coça constantemente a cabeça despida de cabelos
a rua deserta
poucos são os que suportam o sol escaldante e doentio
à excepção da velha tília

III

aguardo pela brisa quente da noite
fantasmagórica a rua onde viveram meus avós paternos e maternos
estou só          há anos que é assim
porque assim deve ser  

IV

silencioso penso no meu país de ladrões e ignorantes
nos patéticos guardiões de caminhos
zés-ninguém autoritários como velhos bodes em novos rótulos
vermes e
larvas que vão minando as poucas mentes sadias que ainda restam nesta língua de terra envenenada



***



na escuridão da noite a floresta guarda um segredo
que se perde no infinito de todas as fantasias e imaginações
não há nada que mais eterno seja do que a morte



***



o irmão do álvaro traz consigo uma enxada
à porta da taberna perguntou-me quem lha deu
não sei respondi
foi a sua mãe o cabo pus-lha eu



***



estamos juntos
nada mais interessa
o firmamento a terra ou os mares
enquanto te olho e toco
vivo e morro ao mesmo tempo
e a cada beijo renasço



***



sem cabelo e sem chapéu
passeio-me à chuva –
hoje feliz amanhã doente



*** 



na igreja da aldeia rezam o terço
na casa ao lado em silêncio
penso em buda e na mente



***



passeio-me num pinhal às portas de trancoso
corre uma brisa ligeira enquanto
um som divino trespassa os ramos 



***



assoma a alvorada numa gota de chuva

há um longo adeus nos pórticos do mundo

a carne e a alma convertem-se à realidade das borboletas doiradas

rimas que brotam do movimento dos anjos na manhã submersa

mais tarde os álamos erguer-se-ão nas linhas do teu corpo
subtil como campo de neve



***



na velha ponte romana da aldeia
no meio do ribeiro seco
choro um pobre cão morto



***



a rua principal e as suas casas de granito
no jardim da freguesia a capela do santo cristo
a igreja matriz caiada de branco
o solar em ruínas onde outrora joguei bilhar com os seminaristas
os tanques de água esverdeada onde nadei
o olival de meus avós por podar
ah as velhas oliveiras cercadas de mato rasteiro
lá longe o mosteiro onde em tempos idos orei
tudo tão antigo
tudo tão fresco tão novo



***



quem ama
voa na névoa ancestral
dos primeiros dias do mundo



***



quando a neve cai
deixo de pensar
gosto de a ver beijar o rosto da terra
e nessa quietude
deixo-me estar



***



a purificação da madrugada
traz consigo o colorido matizado das flores virgens
e os apetecíveis raios de sol



***



o sol lançou sobre a terra as suas sementes
para lá dos vidros húmidos
os corpos dos amantes desfigurados pela violência da morte
a mulher adúltera com uma adaga cravada no peito          o homem com o crânio esmagado
alguém disse             fez-se justiça
mas como condenar quem ama
se o amor nunca é pecado



***



nesta fonte talhada na pedra
beberam os senhores da terra
e os trabalhadores com fome



***



creio em mim
num pequeno pedaço de papel com
um lápis roído pela ira
escrevo algumas palavras

há nelas um século fétido
a neblina terrífica de duas guerras
o extermínio o cheiro a carne queimada

vagões de última viagem
atulhados de mulheres velhos e crianças
lembram os filhos
e a própria ti coragem



***



a luz da tarde desceu sobre o campanário
tão bela a sombra da estátua mutilada –
os teus olhos são a pedra dos dela



*** 



na água da ribeira
banharam-se os rapazes
e as raparigas também



***



terra e mar vibram
incessantemente

o lume da fogueira na clareira
envolve o amplexo ensanguentado

ganhaste a vida ao
perder a virgindade



***



meia-noite e eu só –
as estrelas caem
nos meus pensamentos



***



o inferno de todos os demónios
tem petrificados os heróis de antigamente
na incandescência dos actos bravios
cruzes acenam o esquecimento da carne putrefacta
a sonoridade do sangue desvaneceu-se nas raízes dos dedos inertes
senti-me subitamente triste
como um cão que enroscado dorme à chuva



***



na areia da praia
as minhas pegadas
aguardam a maré cheia



*** 



na morte passa-se por um átrio
orvalhado
onde as trevas entoam cânticos
a todo o esquecimento que 
o mundo na ferocidade dos seus pés
pode suportar
devastado por pensamentos absurdos deus
está sentado na obscuridade
das palavras tão enunciadas quanto gastas
quantas letras para escrever a palavra morte
quantos gestos são necessários
a febre viva do silêncio irrompe
como relâmpago
braço vivo da carnificina que jorra
das folhas de outono
cravadas na carne dos inocentes



***



na praia deserta
recreia-se o corpo
gracioso da primavera



***



as casas em ruínas
um rouxinol ferido numa asa poisa na bica
junto à capela um rafeiro dorme a sesta
um trovão rasga o ar
estremece a terra em cinzas
enquanto eu
por instantes
entre o fumo da queimada e o sangue da asa
abandono as minhas preocupações



***



o ribeiro está seco -
pontes sem uso
num verão sem fim



***



cinco da tarde
inverno
recolho a casa
deitado vejo na parede uma aranha
hoje dormiremos sobre o mesmo tecto



***



ondas e redes            o cangaço mortífero da ganância
morreu o homem mais rico
- talvez não seja o mais rico mas um dos mais ricos -
exéquias triunfais
como em reclames de mau gosto jornais e televisões não cessam de o participar
a riqueza é a dona da chave com que se abrem as portas da fama
com que se compram os poderosos
estes choram-no
os seus escravos não



*** 



nada há que não tenha ardido -
restou a casa da quinta 
e o meu coração gelado



***



um beijo exasperado
nos pórticos do mundo

solene e esperançado
no teu grito de prazer

irmã de lágrimas
comove-te comigo
ama



***



uma cotovia no cimo do salgueiro
canta uma canção ao sabor
da água que corre no ribeiro



*** 



um milhafre levanta voo
atravessa a neblina da serra e 
desaparece nas nuvens



***



as gaivotas voam para terra
o céu escurece e fica mais perto das minhas mãos
as ondas na barra belas e nuas rebentam nos rochedos
a tempestade luta num corpo a corpo contínuo com as muralhas do porto de abrigo
sentados num murete de pedra solta alguns pescadores discutem a maldição da tormenta
outros provavelmente dormem nos seus batéis enrolados em mantas de trapos e que balançam ao ritmo imposto pelas amarrações
com os olhos postos no horizonte mestre toino o mais velho abana a cabeça sem pronunciar palavra
o mar pelos homens envenenado permite-lhe sobreviver
nada mais 



***



acendo a lareira
com as mãos enregeladas
o corpo treme

quem me dera o aconchego
das velhas mantas
pelo corpo dela aquecidas



*** 



as nuvens estão tão baixas
tão belas
que na subida da serra
caminho pelo meio delas



***



há um forte odor no ar
os pássaros chorosos cantam 
o fim do outono



***



fogo-de-artifício na aldeia
o pasto arde –
ao longe
ouvem-se os bombeiros



***



os teus passos chegam silenciosamente
sento-me nos degraus do balcão
olho para o céu estrelado
a pequena varanda de ferro na casa vazia
espreita os campos estéreis
há muito abandonados
e as memórias dos actos brutais das baionetas em flor
que terrível é a melodia da guerra
e da revolta que uma só mão abarca
penetra-me a luz das estrelas enquanto os aldeões dormem
sinto a cólera divina na paz dos astros crucificados
os teus passos calaram-se dissipados pela escuridão da noite



***



uma estrela cadente 
desaparece sozinha
a nascente



***



olho o céu estrelado -
na aldeia os astros deslumbram
a mente conturbada



***



que aconteceu às cigarras
da minha meninice -
o homem matou o seu canto



***



a distância é o tempo
que medeia entre o oceano e o céu
entre a nuvem e o solo sequioso
entre os teus seios e os meus desejos
é o encanto da profecia
que nenhum poeta logrou cantar
a ilusão que nenhum amante cerrou no seu coração
o tempo a bandeira hasteada no mastro real dos navios negreiros
a espada que mata e a que dá a vida
o desencanto do soldado no calendário dia a dia riscado
e do náufrago de todas as caravelas em mares esmeralda



***



o vale
parece imenso
mas é só um vale
tão grande 
como o universo
tão grande 
quanto eu



***



os pirilampos apagaram 
as suas luzes
cansados deste mundo



***



a planície ribatejana
o gado sequioso –
calor mórbido



***



mulher
anjo e demónio
num único corpo
mesmo assim
não me desenganes
o meu desejo por ti
é quase sempre cego



***



a cerejeira das fontainhas
decepada pela ganância –
será este o sonho americano



***



uma árvore solitária deixa que os frutos pendam
a montanha esbate-se numa paisagem de névoa
no céu as nuvens movem-se com lentidão
em são tiago a capela tem as portas fechadas
um aldeão sentado à entrada reza uma oração
ficar preso ao passado é matar o presente



***



no cimo da montanha
espreito as cem colinas –
o sol vai nascer em espanha



***



uma brisa percorre o meu corpo nu em suores
navego para ocidente com genoa e mezena –
solidão
nem barcos nem gaivotas nem albatrozes



***



na porta do templo
uma estátua de um santo –
uma inscrição gasta
pelo tempo
dos milagres esquecidos



***



depois da negritude
a verde vegetação –
alegria dos rebanhos



***



os rochedos erguem-se ao céu num murmúrio transparente
hoje celebramos as flores que aos milhares povoam o vale desabitado
as árvores acolhem os rebanhos e os pastores
da colina avista-se uma pequena casa rodeada de castanheiros
onde brilha o arco-íris do despertar
aí vive um estranho ancião que ninguém vê
dizem os aldeões que a meio da noite é visitado pelo sol



***



no cume lanço ao vento
a minha voz grave –
do vale nem um lamento



***



os míscaros onde estão –
a seca nega-lhes a existência



***



estão mortos
os poetas que olharam a lua
nas avenidas da cidade



***



um mendigo percorre o caminho poeirento
esfarrapado
que pensará ele do mundo            da fome da miséria da riqueza e da pobreza
sangue negro circula-lhe nas veias
as rugas do rosto tisnado pelo sol são veios de água dos olhos lacrimejantes
e os sinos dobram sem cessar



***



estrada de santiago –
luzeiros desconhecidos
acompanham-me na jornada



***



uma voz angelical canta o amor
a essência do supremo tesouro 
num olival onde brincam duas crianças
- as únicas do povoado –
tordos esvoaçam de ramo em ramo
desta pedra quente em que me sento vejo-os
parecem conhecer-me            a minha presença não os incomoda
talvez saibam que os amo e que a sua presença me comove até às lágrimas
mais tarde hão-de chegar os caçadores            



***



nas margens as garças
mais além uma manada -
o rio continua sereno



***



a enxada colhe as batatas
com a calosidade da miséria
alimento de um ano inteiro enquanto
no palheiro dormem duas crianças
alheias ao esforço e ao calor do sol



***



o veleiro afasta-se da margem
diz-lhe adeus

a ourela entristece-se
pobre amante
das velhas velas
remendadas

em surdina diz-nos
não se demorem voltem

e entretanto o dia passa
como ave migratória



***



ela dorme
lá fora os pirilampos
alumiam os seus sonhos



***



o tédio das coisas imprestáveis
o aborrecimento das necessárias
o mundo nada na sua grandeza sepulcral
a peste dos corações sem sentimentos das almas fatigadas
as paixões dos humanos são monstros que se consomem a si mesmos na fornalha da indiferença
são tantas as coisas diversas
desgraças cravejadas nos portais dos espíritos subjugados ao inferno da vida



***



a luz distante das aldeias
dá vida à serra vestida de branco –
eis a noiva do céu



***



uma mulher nua deita-se 
no areão à beira do mondego –
abriram-se as portas do paraíso



***



luzes no mar
pescadores ao candeio

a ondulação cruzada 
nega-lhes a presa

enquanto o luar
desaparece com os remos
num movimento circular



***



tarda a chuva de outono
as folhas caem na terra ardente –
não há vida sem semente



***



a praia deserta
a noite está fresca
sento-me numa rocha enquanto
o pensamento descreve longos
círculos
as gaivotas estão recolhidas
ao longe um pequeno veleiro com as luzes acesas no varandim da proa
é arrastado pela corrente
viajante altivo à entrada da barra
o mar e as constelações bastam-lhe
princípio e fim do seu destino



***



caminho comigo pela vereda
na solidão da montanha –
caminho com quem mais amo



***



na casa grande de granito
falta a tua presença –
as hortênsias são cimento



***



as nuvens enfeitiçadas 
pelo vento fogem –
nasce a montanha a sul



***



a inocência perfuma o quarto
lá fora a planície dilata-se perdendo de vista as palmeiras
um ritual de palavras sonhadas resplandece nos lençóis de algodão
o teu corpo debruça-se à janela
nu
esplendidamente nu
aproximo-me
e com mãos minerais acaricio o coração palpitante
o meu corpo no teu invoca todos os prazeres
todas as fés e esperanças
e ficamos serenos um dentro do outro como um deus



***



corre uma brisa no planalto
agitam-se os arbustos 
adormeço e sonho com o meu cão morto



***



os dias correm pelos carreiros da vida
as coisas passadas arrastam consigo as sombras do desespero e da alegria
um rouxinol canta e a sua voz transforma-se em vento
um gato vadio dorme na laje da costa
a escola vazia
num único momento a visão das crianças da aldeia
onde estarão agora
agrilhoadas na cidade grande ou em frança
e eu aqui sozinho sem esperança



***



nuvens negras 
sombras nos rochedos –
começou a nevar



***



o perfume das flores silvestres
anuncia à primavera
que mais dia menos dia 
também terá de partir 



***



anoiteço na sombra das minhas amantes
há uma maldição que repousa nos rebentos do pensamento
leve é o sono em que adormeço
sabendo que na noite não há regresso
amanheço nas lembranças do passado
as folhas embranquecidas vacilam ao vento de sudoeste
intento combater o tédio que aperto pertinaz entre mãos
talvez já tenha morrido e
na angústia de um novo dia
de novo adormeço



***



nem um aguaceiro de verão
as folhas das árvores começaram a secar
e os velhos da aldeia a morrer



***



uma criança chora à porta da loja de brinquedos
ao balcão uma senhora gorda mete um dedo no nariz
escurece e a avenida parece um sem-abrigo



***



na ribeira cintilam estrelas
na margem beijamo-nos – 
flutuamos nos montes



***



um trovão confunde o ar
a chuva cai sobre nós
molhados até aos ossos sorrimos
ao mundo num abraço
que de tão delicado só pode ser eterno



***



carpas nadam à superfície
do mondego em montemor 
ignorando o isco no anzol



***



os meus pensamentos estão à porta da doença
por trás das vidraças escuto o aguaceiro leve e fugaz
as ideias vibram nas nuvens que despertam
húmidas como lábios que invocam
um amor maior



***



no meio do lameiro
um espantalho com um chapim
no ombro desconjuntado



***



quanto mais longa for a viagem mais nos aproximamos
respiramos a entronização alada da saudade
carregada pelas aves do paraíso que soubemos construir
nesta terra devastada pela ira e pelo ódio
consumida pela inveja de olhares nauseabundos
estamos para além de tudo
das condenações das intrigas das difamações
dos julgamentos da burguesia decadente
estamos para além de tudo para além do além
a um passo do amor



***



os campos de centeio no alto da serra
deixam que as nuvens os escondam –
estão fartos de humanos



***



manhã de mundo maldito – 
um pobre esfarrapado mostra sem o querer
as chagas da miséria na perna malsã



***



o ar seco
amadurece o verão 
nas dores que do inverno esquece
o cantar das moças
ao luar
atravessa os montes despidos de vegetação
e no ar rarefeito
renascem as vozes
em aladas flores



***



pombos no terraço
a sujeira alastra nos mosaicos –
o amor tudo suporta



***



navegámos toda a noite
na direcção das ilhas quase desertas –
bendita é a solidão do amanhecer



***



sonho com sereias nas dunas
com naus de rumo incerto

velas ao vento que sussurra
a noite parece não ter fim

no retorno à vida
sofrimento e corrupção



***



na capela abandonada
fez a sua cama
um santo mendigo



***



os pinheiros da encosta
tão direitos
afrontam a sordidez dos homens
morrem de pé
como bravos em batalha
derradeira
cercados por giestais e
silvados incandescentes



***



no lameiro coberto de geada
um cigano caminha descalço
livre de tudo



***



como são belas as criaturas da noite
uma criança chora na casa da esquina
não fazendo a menor ideia do motivo olho o mar doente
e oiço a palavra cala-te
quiçá um pai raivoso
um pai que nunca o deveria ter sido



***



sento-me a escrever
contemplo o papel branco que impassível me despreza
um relógio dá horas enviadas pelo lassidão das tragédias milenárias
o tempo faz-se luz nas veias salientes
e sinto a cada batida que sou apenas um utensílio do universo



***



as flores têm breve florir
a vida dos homens uma incógnita – 
haverá porventura porvir



***



o céu azul
é o tecto
de todas as ilusões



***



se eu me acreditasse na ressurreição
não me sentiria abandonado
não pensaria no nada
porque haveria de pensar na morte
que seria o fim do sofrimento
e o nascimento da bem-aventurança
mais do que ser 
quereria morrer
e com teresa de ávila e joão da cruz
diria em amargo arrebatamento
morro por não morrer



***



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