Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –
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ditoso é o homem
que não visita a voz dos profanadores
nem se detém no trilho dos prevaricadores
nem toma parte na reunião dos libertinos
venturoso
é o que se apoia na ordem do senhor
e nela medita dia e noite
árvore plantada à beira da água corrente
que frutifica na estação conveniente
cuja ramagem não emurchece
tudo o que faz é bem sucedido
não são assim os irreligiosos
nem os transgressores
na comunhão dos justos
eles são a palha que o vento leva e espalha
os que não resistem ao julgamento
bem-aventurado é o que não persegue deus –
esse que é um puro nada
é perseguido por ele
as nações sublevam-se os povos urdem planos todos eles levianos os reis da terra e os seus príncipes maquinam em conjunto os impérios sacrificam milhões de inocentes
tudo contra o senhor
despedacemos as grilhetas e
lancemos para longe de nós o seu domínio
aquele que habita nos céus sorri-lhes
aquele que aí habita não pediu holocaustos nem vítimas
como são estultos vasos de argila impura corrompida por vísceras imundas amanhã serão pó
apenas pó
só são felizes os que se entregam confiadamente ao senhor
são tantos os nossos inimigos tantos os que se erguem contra nós
dizem nada os há-de salvar nem o senhor do universo
mas o senhor está em nós protege-se com o seu escudo que nos abriga
invoquemos o seu nome ao despertar ao deitar e nos nossos sonhos apenas o seu nome e que ele faça de nós o que bem queira e como queira
não temas as multidões de perversos que te cercam
nem os que podem matar o corpo
porque
em nós reside a bênção do senhor
invoco-te
senhor da justiça
sempre me libertaste
da angústia e
da opressão
tiveste compaixão de mim
e ouviste a minha prece
senhor estou aqui
simplesmente aqui
à espera de nada
desprezámos a tua glória
mergulhámos na ilusão
vivemos uma vida de mentira
o senhor escuta-nos quando o invocamos
quando no silêncio dos nossos leitos proferimos o seu nome
clamar pelo seu nome é o maior dos sacrifícios de justiça
senhor estou aqui
obediente aqui agora
e para todo o sempre
a felicidade virá
e a sua luz resplandecerá em nós
e mesmo na maior das adversidades
e dos maiores perigos estaremos em segurança
os anjos do senhor protegem-nos
livram-nos do perigo
não teremos fome nas nossas almas
nem corrupção nos nossos espíritos
as minhas palavras
a minha súplica
a voz do meu clamor
senhor para ti elevo a minha oração
não sou nada não sei nada não tenho nada
não me dês nada
dá-me apenas o que quiseres
seja feita a tua vontade
ao alvorecer vigia a minha voz
o sol resplandece no horizonte e as minhas palavras vogam como batéis impelidos pelas correntes de vento
obedeço-lhe
- que mais poderei eu fazer –
o mal
a arrogância
a hipocrisia
a mentira
toda a malignidade
ferem-te senhor
o homem é lobo do próprio homem
- como confiar nos homens que louvam com a boca mas blasfemam com o coração -
devastador de mares e florestas compraz-se na sua ganância e ambição justifica os meios com os fins
sanguinário e fraudulento
estarei vazio na minha dócil submissão
não sei se quererás entrar na minha casa e se entrares não saberei que fizeste de mim a tua morada
jornadearei pelas veredas do bem e da justiça
serei protegido da astúcia dos que nas minhas entranhas me querem aniquilar anjos negros dos abismos os seus corações são sepulcros abertos e a sua língua navalha afiada na casa da peçonha
faz deles o que quiseres senhor
não me repreendas na tua ira nem me castigues com o teu furor
senhor
tem compaixão de mim
desfaleço e adoeço
alquebrado
a minha alma arde de dor e remorso
estou perturbado as lágrimas inundam-me a face de culpa sangro e contorço-me no leito e deploro as transgressões de outrora
os meus olhos anoitecem na brevidade dos dias
envelheço como erva pisada pelo tempo
cura-me
senhor
salva a minha vida
na vida clamarei pelo teu nome
mas quando na mansão dos mortos não te poderei celebrar
nem em mim amar
a ti confio o meu corpo e a minha alma
entrego-me
livra-me dos que me acossam e salva-me dos predadores que dilaceram a carne e libam o meu sangue
todo o meu erro todo o mal e injustiça que fiz seja reparado
que a minha glória seja pó
perscruta o meu coração
decreta a tua sentença segundo a minha culpa e a minha inocência
que nunca mais possa eu erguer a espada da iniquidade ou retesar o arco da maledicência
e se o fizer que a minha morte seja a punição do primeiro e último juiz do cosmos
em coval destinado aos ímpios
o teu nome paira sobre o universo
tu o sem-nome
que és todas as coisas sem o seres e por não seres és
céus galáxias planetas estrelas
criaturas
a tua verdade reside nos pequeninos e nos pobres em espírito
salva da morte a minha vida
senhor
quero louvar as tuas maravilhas exultando de alegria
quero cantar-te a ti que me defendes das injustiças
ao som da lira e da cítara e com as melodias da harpa hei-de louvar-te
decidis com justiça magistrados dos homens
julgais os humanos com rectidão julgais ou sabeis julgar vós que nem sequer vos julgais a vós
até quando julgareis injustamente e favorecereis a causa dos ímpios juízes iníquos
defendei o órfão e o oprimido
fazei justiça ao humilde e ao pobre
libertai os necessitados das mãos sujas dos transgressores
deixai de adular ricos e poderosos com as vossas decisões execráveis
os vossos corações estão repletos de insensatez e falsidade
e com vossas mãos amparais a violência do suborno
as vossas sentenças são veneno de víboras no calor tórrido do verão
é o senhor que preside à congregação divina
e decreta suas sentenças cercado por seres celestes
e o senhor irá condenar-vos magistrados do demo
a terra brada em uníssono
a recompensa do justo não vem dos filhos do homem mas do senhor
os justos florescerão como a palmeira e crescerão como os cedros do líbano
combate os que me combatem
com a armadura e o escudo vem em meu auxílio
empunha a lança e a espada contra os que me perseguem
diz à minha alma eu sou a tua salvação
os nossos inimigos serão despedaçados e cairão no vale dos mortos
e tu serás o soberano do reino de todos os reinos o refúgio do veado e da gazela dos humildes dos pobres e oprimidos
a sua defesa em tempo de perseguição
a sua libertação dos portais da morte
não assim os que vivem na ilusão da riqueza e do poder esquecendo-se que são mortais
sendeiros sábios adulterados e adulterinos
ouvi-me
ricos e pobres
humildes e poderosos
porque hei-de eu temer os dias de desgraça e sofrimento mesmo que rodeado pela maldade dos iníquos e oprimido pelos que governam e pelos que em nome da justiça aceitam subornos
os ricos confiam na abundância e pavoneiam-se com suas riquezas
os poderosos alardeiam que tudo podem e espezinham os desvalidos
poderá o homem pagar o resgate da sua vida
não a vida é breve e mesmo que vivesse por milhares de anos nunca entesouraria o suficiente
os dias dos homens são como erva
que brota como as flores da planície
mas quando o vento a sopra
deixa de existir
e não se conhece mais o seu lugar
a sepultura será o seu fim nesta terra mais brevemente do que espera
os ricos morrem e não carregam consigo os seus tesoiros
os sábios morrem e não carregam consigo os seus livros
nem os loucos a sua loucura e os pobres a sua pobreza
enganados como animais a caminho do matadouro
terão como pastor a morte
o túmulo será habitação de séculos sem fim para o corpo e seus apegos
sem riqueza sem fama sem poder
mas eu só te quero a ti senhor
porque te conservas à distância e te escondes nos tempos de angústia onde te escondes senhor
o ímpio persegue o infeliz
o delinquente envaidece-se da sua avidez
o ganancioso maldiz e despreza-te
que sejam colhidos pelas suas próprias armadilhas
o descrente afirma na sua soberba não há castigo o senhor não existe
arremessa poeira contra o vento julga que as suas fraudes hão-de florescer para sempre
despreza os seus adversários dizendo jamais serei abalado a desgraça nunca me atingirá não há justiça que me condene
boca imunda de maldição e mentira
língua traiçoeira infecta de dissimulação e maleficência
- mas a ciência do senhor conhece todos os corações -
o ímpio faz emboscadas junto aos povoados e esconde-se para matar o inocente
atraiçoa amigos e inimigos come o pão que os pobres deveriam comer
seus olhos espiam o miserável e assalta o indefenso arrastando-o nas malhas da sua rede
com as suas garras descarna os infelizes
e diz o senhor não existe não há castigo
senhor ergue a tua mão santa e não abandones os desvalidos só tu podes livrar o desvalido do prepotente e o miserável e o pobre de quem os explora
subjuga os que se alimentam da carnificina da corrupção e da mentira
o senhor tudo vê ele é todas as coisas como poderia não ver
ergue do pó o indigente
tira o pobre da miséria e senta-o à mesa dos grandes do seu rebanho
dá filhos à mulher estéril
os ídolos dos pagãos são o ouro e a prata obra das mãos dos homens
têm boca mas não falam
têm olhos mas não vêem
têm ouvidos mas não ouvem
nariz mas não cheiram
têm mãos mas não tacteiam
pés mas não andam
nem da sua garganta sai qualquer som
não assim o senhor dos senhores
ele fala-nos
vê-nos
ama-nos
senhor ouve o grito dos humildes porque deles é o teu reino
porque hei-de eu fugir para o monte
como as aves
quando os caçadores se disseminam pelas encostas
eles que apontam as suas armas aos rectos de coração e
furtivos disparam
vangloriando-se da sua malvadez
senhor os teus olhos observam o mundo e os filhos dos homens
tu que és justo e tudo conheces e que odeias a violência
lança sobre os ímpios tições acesos e enxofre
quantos são os justos onde os encontrar neste mundo inglório de injustiça e pesar mundo do flagelo maligno
a lealdade desapareceu de entre os filhos dos homens
mentem
matam
esbulham
torturam
línguas saburrosas
corações das trevas
pobres e humildes sangram na agonia do desespero
e esperam em ti senhor
esqueceste-te deles senhor até quando lhes esconderás a tua face
têm a alma em angústia de morte
sentem os laços do abismo
mas confiam em ti senhor
o senhor buscou um sensato um único neste mundo
os filhos dos homens extraviaram-se e corromperam-se não há quem faça o bem
não há um sensato que procure o senhor sem procurar não há um único
poderá alguém habitar o teu santuário
habitarás tu senhor a alma de algum sensato que tenha subido à tua montanha santa
vida imaculada
justiça nos actos
verdade nas palavras
língua que não calunia
mente que não difama
não corrompe
nem se deixa subornar
eis o que agrada ao senhor
tantas foram as almas que andaram errantes pelo deserto e pela solidão sem encontrar caminho para uma cidade onde habitar
tinham fome e sede e já se sentiam desfalecer
na angústia clamaram ao senhor e ele livrou-os das suas aflições
conduziu-os depois por um caminho seguro que levava a uma cidade onde podiam habitar
deu de beber aos que tinham sede
matou a fome aos famintos
alguns viviam nas trevas e na escuridão prisioneiros da tristeza e de cadeias pela sua desobediência
entenderam-no e o senhor socorreu-os livrando-os das suas penas
tirou-os das trevas e da escuridão e despedaçou as suas cadeias
desfez em pedaços as portas de bronze e quebrou as barras de ferro
enfraquecidos por causa dos seus pecados
aflitos por causa das suas culpas
qualquer alimento lhes causava náuseas e já estavam às portas da morte
na sua angústia clamaram ao senhor e ele livrou-os das suas aflições
enviou a sua palavra para os curar e livrou-os da morte
anunciem as obras do senhor com alegria
os que se fizeram ao mar em navios para fazer comércio na imensidão das águas
viram as suas obras e as suas maravilhas no alto mar
à sua palavra sopraram ventos de tempestade e as ondas ergueram-se
elevavam-se até aos céus e desciam às profundezas enquanto a sua vida desfalecia pelo enjoo
andavam e cambaleavam como ébrios e toda a sua perícia se tornava inútil
na sua angústia clamaram ao senhor
e ele livrou-os das suas aflições
transformou a tempestade em bonança e as ondas do mar amainaram
alegraram-se ao verem as ondas amansadas
e o senhor conduziu-os a porto seguro
converteu os rios em deserto e as fontes de água em terra árida
converteu a terra fértil em salinas
por causa da maldade dos seus habitantes
mudou os desertos em lagos e a terra árida em mananciais
para ali estabelecer os famintos e aí construírem cidades de habitação perene
semearam campos e plantaram vinhas que produziram abundantes frutos
abençoou-os e eles multiplicaram-se em grande número e não deixou que os seus rebanhos diminuíssem
depois foram reduzidos e dizimados por causa da opressão do mal e do sofrimento
mas o senhor que mostra desprezo pelos poderosos
fê-los vaguear por desertos sem caminhos
levantou o pobre da miséria e multiplicou a sua família como um rebanho
alegrem-se os justos
silenciem-se os ímpios
em ti me refugio
tu és o meu senhor estás em mim e eu não sei nada existe para além de ti
estás em mim o meu destino é tua pertença
tenho-te sempre diante dos meus olhos e repouso em paz
do fundo do abismo por ti irei clamar
ouvirás a minha prece
teus ouvidos atentos à voz da minha súplica
se tiveres em conta os nossos pecados poderá alguém resistir
quem poderá resistir
mas em ti encontramos o perdão
eu espero em ti senhor
a minha alma confia na tua palavra
volta-se para ti
mais do que a sentinela para a aurora
confio que na morte viverei o sepulcro não me estará reservado porque me alumiaste o caminho da vida verdadeira
senhor não oiças os filhos dos homens que me julgam e condenam
a minha causa é justa
atende ao meu clamor
escuta a minha prece
sonda o meu coração
submete-me à prova de fogo
escuta as minhas palavras
protege-me dos mortais
profere tu a minha sentença
e concede-me a tua presença
tu és a minha rocha o castelo das sete torres e das sete entradas
abrigo onde me refugio
tu és fiel a quem te é fiel e leal a quem te é leal
iluminaste as trevas da minha alma
fui salvo dos meus inimigos e das torrentes da morte
os céus proclamam a tua glória
o firmamento anuncia a obra da tua vontade
e só a tua lei é perfeita nela reclino a minha cabeça e peço perdão para todos os meus erros e pecados que agora humildemente te confesso
senhor tem compaixão de mim
misericordioso esquece os meus pecados
lava-me de toda a iniquidade
purifica-me dos meus delitos
reconheço a minha culpa e tenho sempre perante mim os meus delitos
contra ti pequei contra mim pequei
fiz mal e causei dano diante dos teus olhos
é justa a tua sentença
e recto o teu julgamento
ensina-me a reconhecer a verdade e a sabedoria no mais profundo do meu ser branqueia-me
não afastes de mim o teu santo espírito sustenta-me
feliz é o que tem as suas culpas perdoadas
feliz o que se absolve a si mesmo e é absolvido
feliz o que não é acusado malignidade
e tu repondes-me nestes dias de constrição socorres-me na angústia
mostras-me que tudo é vaidade e que para além de ti nunca poderei encontrar paz em nada nada mesmo no que criaste
senhor não fiques em silêncio
abriram a boca contra mim com fraudes e traições e falaram de mim com palavras de mentira
cercam-me com palavras de ódio
atacam-me sem razão
em paga do meu amor acusam-me injustamente
mas eu entrego-me à oração
pagam-me o bem com o mal e o amor com o ódio
dizem quando for julgado que seja condenado e da sua apelação saia incriminado
sejam abreviados os seus dias e outro que ocupe o seu lugar
que os seus filhos fiquem órfãos e sua mulher viúva
que seus filhos errem a mendigar e sejam expulsos das suas casas em ruína
que os credores lhe tirem todos os seus haveres e os estrangeiros se apoderem do fruto do seu trabalho
que ninguém tenha compaixão dele nem dos seus filhos órfãos
que seja exterminada a sua descendência e seja extinto o seu nome numa geração
que o senhor conserve na sua lembrança a culpa de seus pais e jamais se varra o pecado de sua mãe
que tais pecados sejam sempre presentes ao senhor e que ele faça desaparecer da terra a sua memória
pois esse homem nunca pensou em usar de misericórdia
mas perseguiu o pobre e o desvalido e empurrou para a morte o aflito de coração
amou a maldição que ela caia sobre ele
desprezou a bênção que ela o abandone
revestiu-se da maldição como de um manto que ela penetre nas suas entranhas como água e como azeite nos seus ossos
seja para ele como um vestido que o envolve e aperta como uma cinta
sejam assim castigados os que me caluniam
mas tu senhor auxilia-me
salva-me pela tua bondade e misericórdia
porque estou pobre e aflito e tenho o coração angustiado dentro de mim
desfaleço como a sombra que declina
vejo-me enxotado como um gafanhoto que devora os campos cultivados
os meus joelhos vacilam de tanto jejuar e o meu corpo definha de magreza
tornei-me para eles objecto de desprezo
ao verem-me abanam a cabeça
socorre-me senhor
salva-me pela tua bondade
porque tu és o defensor do pobre
a defesa das calúnias que impedem sobre os justos
o humilde disse
meu senhor meu senhor porque me abandonaste
por ti brado em todas as horas e não obtenho resposta
as noites são longas e sofridas
rejeitaste o meu lamento
ignoraste o meu grito de socorro
não sou rei de nenhuma nação
abjecto aos homens desprezado e escarnecido pelo povo
mas tu tiraste-me do ventre sagrado de minha mãe e protegeste-me ainda criança de leite
és o meu senhor
só tu me podes dar a mão fui rejeitado pelos filhos dos homens que dizem ele que é seu amigo que o salve
estou cercado por touros de basan dissipado como água vi os meus ossos desconjuntarem-se o coração liquefez-se no peito como cera aquecida a boca secou
rodeado por matilhas de cães selvagens e por um bando de malfeitores que repartem entre si as minhas vestes e sorteiam a minha túnica
os meus pés e as minhas mãos foram atravessados por ferro ardente
sou pó senhor não me abandones
livra-me
da espada
da boca dos leões
dos chifres dos búfalos
não me firas com a tua revolta
em mim penetraram as tuas setas
caiu sobre mim a tua mão
o meu corpo ficou destroçado
os meus ossos estão rendilhados
vivo em tristeza e sem força
a morte armou-me uma cilada os meus dias estão contados e sinto no coração o fardo dos meus pecados
livra-me senhor
tu que és o meu pastor
senhor nada me falta
descanso em prados verdes
e bebo dos nascentes mais puros
tu confortas a minha alma
guiando-a pelos caminhos da rectidão
mesmo que percorra vales tenebrosos e temíveis abismos não terei medo
minha luz e salvação baluarte da minha vida
senhor
de quem terei medo
dos salteadores que avançam para me devorar
dos assassinos que conjuram para me matar
nem da mansão dos mortos terei pavor
porque tu estás comigo habitas a minha morada ungindo-me com o santo óleo do teu espírito
revestido de esplendor e majestade
envolto num manto de luz
estendeste os céus como um véu
sobre as águas fizeste a tua morada
as nuvens são o teu carro
caminhas sobre as asas do vento
os ventos são os teus mensageiros
e os relâmpagos teus ministros
fundaste a terra sobre bases sólidas
cobriste-a com o manto do abismo
e as águas cobriram as montanhas
ergueram-se as montanhas
cavaram-se os vales
nos lugares que lhes determinaste
colocaste limites às águas para não os ultrapassarem
e nunca mais voltarem a cobrir a terra
transformas as fontes em rios
que serpenteiam entre as montanhas
eles dão de beber a todos os animais selvagens
neles matam a sede os veados dos montes
os pássaros do céu vêm morar nas suas margens
ali chilreiam entre a folhagem
das tuas altas moradas regas as montanhas
com a bênção da chuva sacias a terra
fazes germinar a erva para o gado
e as plantas úteis para o homem
para que da terra possa tirar o seu alimento
o vinho que alegra o coração do homem
o azeite que lhe faz brilhar o rosto
e o pão que lhe robustece as forças
matam a sede as suas árvores
os cedros do líbano que ele plantou
nelas fazem ninho as aves do céu
a cegonha constrói a sua casa nos ciprestes
os altos montes são abrigo para as cabras
e os rochedos para os animais roedores
a lua cumpre as várias estações
e o sol conhece o seu ocaso
tu estendes as trevas e faz-se noite
nela vagueiam todos os animais da selva
rugem os leões em busca da presa
pedindo-te o seu alimento
mas ao nascer do sol logo se retiram
para se recolherem nos seus covis
então o homem sai para o trabalho
e moureja até anoitecer
a terra está cheia das tuas criaturas
lá está o mar grande e vasto
onde se agitam inúmeros seres
animais grandes e pequenos
todos esperam de ti
que lhes dês comida a seu tempo
dás-lhes o alimento que eles recolhem
abres a tua mão e saciam-se do que é bom
se deles escondes o rosto ficam perturbados
se lhes tiras o alento morrem
e voltam ao pó donde saíram
se lhes envias o teu espírito voltam à vida
e assim renovas a face da terra
como são grandes as tuas obras
fruto da tua sabedoria
glória a ti senhor por toda a eternidade
a ti senhor que és tudo tudo te pertence
o mundo
a terra
os mares
todas as criaturas
à montanha mais alta sobem os inocentes
os que apresentam limpidez de coração
os que de taça vazia nas mãos sem vontade te buscam sem buscar
a ti que por benevolência e compaixão esqueceste os meus pecados
a ti que me ensinas o caminho sem ensinar
eu louvo senhor
porque a minha angústia medo e dor fenecem
no teu amor
faz-me justiça
em ti confio
esquadrinha a minha alma e o meu coração e sujeita-me à prova
a mim que procuro o caminho da tua verdade
a mim que não me associo com os que adoram os ídolos da permanência
nem me associo com os traidores abomino a união dos malfeitores e não tomo assento na mesa dos ímpios repudio os sanguinários e os que se subornam e se deixam subornar
senhor lavo as minhas mãos estou inocente
que os meus pés sejam testemunhas dos meus passos
salva-me senhor não ensurdeças à minha voz ouve o grito das minhas súplicas não permitas no teu silêncio que eu seja como os que descem à sepultura não me arrastes para o coval dos iníquos
apascenta-me e guia-me
ordena aos teus anjos
que me levem nas palmas de suas mãos
que me guardem no caminho
que não tropece nos escolhos e não caia nos abrolhos
guardando-me de todas as tribulações
estava doente e tu curaste-me
os meus olhos transpareciam tristeza
o corpo exausto definhava amargor e gemidos
a alma extinguia-se na penumbra
mas inclinaste para mim os teus ouvidos quando já me via na mansão dos mortos
deste-me a vida que é vida em ti e
o meu coração deliciou-se na tua vontade
tu a minha rocha e fortaleza
não te agastes por causa dos perversos e dos que jorram intrigas aos quatro ventos
não invejes os que praticam a injustiça e que com ela prosperam nesta vida
eles hão-de murchar como o feno murcha exposto ao sol escaldante e definhar como a erva verde
faz o bem para que vivas tranquilo
e possuirás a maior das riquezas
se a vossa riqueza prosperar não lhe entregues o coração
maior é a perdição do que se apega
a vida é breve
refreia a tua língua e a tua ambição de que te servem todos os tesoiros do mundo mesmo que vivas cem anos
os anos passam mais depressa na velhice do que na juventude a morte espreita nos umbrais
na eternidade do senhor a vida é um nada um sopro sem sentido
efemeridade
só no senhor descansa a minha alma
dele vem a minha redenção
ele é o meu refúgio e a minha salvação
a minha fortaleza
jamais serei abalado
serei recompensado segundo as minhas obras
anseio por ti
todo o meu ser te deseja
como terra estéril
que cultivarás como te aprouver
vale mais o teu amor do que um milhão de vidas que me desses
bem-aventurados os escolhidos
o senhor tirou-me dum charco de lodo assentou os meus pés sobre rocha firme e deu perseverança aos meus passos
pôs nos meus lábios um cântico novo
não exigiu sacrifícios nem oblações
abriu-me os ouvidos para escutar e os olhos para ver
libertou-me do cárcere
deu-me um tecto onde me abrigar
e de beber quando tinha sede
e comer quando tinha fome
hoje sua ausência faz-me sofrer
a corça suspira pelas águas correntes
assim por ti suspira a minha alma
a minha alma tem sede de infinito
mostra-me a tua face
noite e dia alimento-me de lágrimas
que ressoam nos abismos
onde estás senhor
onde encontrar a luz da tua verdade
não me rejeites na velhice
sacia-me com o teu pão e o vinho da montanha sagrada
na verdade na misericórdia e na justiça
deixa que contigo cavalgue as nuvens mais altas
dá-me a tua mão e diz eu sou o teu senhor
vem pois em meu auxílio tu que és grande cuida de mim eu que sou um pobre infeliz à beira do precipício final
eu estive nas margens do abismo quando senti inveja
dos ricos fraudulentos
da prosperidade dos malfeitores
sadios e alegres numa vida de luxo e lascívia
ávidos do lucro entesourando oiro e prata como se vivessem eternamente
orgulhosos e violentos não padecendo das adversidades dos pobres
- serão eles recompensados pela sua delinquência pensei –
enquanto eu sofro a cada alba a dor do infortúnio
sem entender sondei o coração do senhor e vi o que os aguarda
gritos e ranger de dentes corrupção eterna
entendi que mais nada tenho nesta terra do que o senhor
que tive antes de ser criado e que terei depois de finado
confio e obedeço-te senhor
tu és o pastor dos puros de coração
senhor não permaneças em silêncio
não te quedes mudo nem imperturbável
não permitas que os campos onde nos apascentas sejam violentados por malfeitores
que as acções pecaminosas sejam cremadas nas tuas florestas incendiadas
felizes os que temem o senhor
haverá na sua casa abastança e riqueza e a sua prosperidade durará para sempre
o senhor brilha para os homens rectos como luz nas trevas mesmo no infortúnio
ele é piedoso clemente e compassivo
feliz o homem que se compadece e empresta e administra os seus bens com justiça
jamais sucumbirá
a memória do justo será eterna
não receia as más notícias
o seu coração está firme e confiante
nunca vacila nem vacilará
reparte os seus bens com os pobres
a sua generosidade subsistirá para sempre e o seu poder crescerá em glória
enquanto o ímpio se enfurece
range os dentes e desfalece
tenho saudades do céu diz-me a alma
tenho saudades tuas senhor diz-me o coração
deliciosa é a tua morada
atende o filho da tua serva
que tem em ti a sua única fonte
até as mais ínfimas criaturas exultam em ti
como não poderia eu rejubilar na permanência celeste
tu abençoaste a terra onde aspiramos à verdade
e deste-nos os seus frutos
tu bendissestes os céus donde desabrochará a justiça da esteira de teus passos
que a minha oração suba à montanha sagrada
a minha vida acerca-se da garganta da morte
sou um homem já sem forças
estou desamparado entre os mortos em vida
como defunto que jaz em fria tumba
estendo para ti as minhas mãos
minha alma e meu coração
causarás milagres para os mortos
irão os cadáveres erguer-se para te glorificar
poderá a tua bondade ser exaltada na jazida
ou a tua probidade na habitação dos mortos
serão tuas maravilhas sabidas nas negrume dos abismos e a tua justiça nas planícies do esquecimento
e a tua justiça na região do esquecimento
não senhor
é breve a minha existência
haverá alguém que possa viver sem ver a morte que se livre das garras do abismo
haverá alguém que viva sem dor
foi para isto que criaste os humanos senhor
tu já eras antes dos céus do sol e da terra dos mares e de todas as criaturas
tu eras aquele que era e nós éramos em ti antes de sermos criados
num ápice retornaremos ao pó
faz com que retornemos ao que éramos antes de ser aqui neste mundo impermanente
o ignorante não te pode sondar
o insensato não compreende
como magníficas são as obras
que em nós operas
canto-te um cântico novo
harpas liras cornetins e trombetas acompanhai-me
querubins acompanhai-me
céus e terra em harmonia
louvem o santo dos santos
ovelhas do seu rebanho
louvai o amor eterno
louvai o seu nome santo
não esqueças os seus auxílios
é ele que perdoa as nossas faltas
que nos trata como filhos
que cura as nossas enfermidades
que te resgata da sepultura
dos horrores da mansão dos mortos
e enche a tua taça
de graça e carinho
cumula de bens a tua existência
e te rejuvenesce como a águia a sobrevoar os penhascos
com justiça defende o direito de todos os oprimidos
misericordioso compassivo paciente cheio de amor
eterno para quem o ama
nada tenho a temer
que mal me poderão fazer os homens
fui castigado mas o senhor não me deixou morrer
deu-me a vida segundo a sua palavra
pela porta da justiça entram os justos
pela porta da justiça entrei a mando do senhor
a pedra que os construtores do mundo rejeitaram
é a pedra angular que me sustenta e apoia
faz com que o meu coração te obedeça
sem que saiba que te obedece
estabelece na minha alma a tua vontade
peregrino na terra em obediência eis o que sou
senhor auxilia-me que eu seja submissão e mais nada para além disso
em vão trabalham os construtores
se o senhor não edificar a casa
em vão vigiam as sentinelas
se o senhor não guardar a cidade
o meu coração não é presunçoso
nem os meus olhos são altivos
não persigo grandezas
ou tudo o que me é superior
vivo tranquilo como criança
que se sacia no colo da mãe
não entrarei na minha casa
nem me deitarei no meu leito
não deixarei que os meus olhos durmam
enquanto não encontrar um lugar para ti
uma morada digna
tu examinaste-me conheces-me
conheces as minhas acções antes que eu aja
conheces os meus pensamentos
vês-me quando caminho e quando descanso
estás atento a todos os meus passos
ainda a palavra me não chegou à boca
já tu a conheces
envolves-me por todo o lado e sobre mim colocas a tua mão
sabedoria imensa que me é incompreensível
tão sublime que a não posso alcançar
onde é que poderia eu ocultar-me do teu espírito
para onde me poderia evadir da tua presença
se subir aos céus tu lá estarás
se descer ao mundo dos mortos aí te encontras
se entrar em mim não me encontro mas a ti
se voar nas asas da aurora ou for morar nos confins do mar
mesmo aí a tua mão esquerda há-de guiar-me e a tua direita me sustentará
se disser talvez as trevas me possam esconder ou a luz se transforme em noite à minha volta
as trevas não me ocultariam de ti
e a noite seria brilhante como o dia
luz e trevas seriam a mesma coisa
tu modelaste as entranhas do meu ser
e formaste-me no seio de minha mãe
quando os meus ossos estavam a ser formados e eu em segredo me desenvolvia tecido nas profundezas da terra
nada disso te era oculto
os teus olhos viram-me em embrião
tudo isso estava escrito no teu livro
todos os meus dias estavam modelados
ainda antes que um só deles existisse
como são insondáveis teus desígnios e tuas leis como é incalculável o seu número
se os quisesse contar seriam mais do que os grãos de areia das praias e dos desertos
e se pudesse chegar ao fim estaria ainda contigo
põe-me à prova senhor
auxilia-me no meu caminho
corrige os meus erros
e guia-me pela senda da eternidade
louvai o senhor no seu santuário
louvai-o no firmamento
louvai-o pelos seus feitos inigualáveis
louvai-o por todas as suas proezas
louvai-o ao som da trombeta
louvai-o com a harpa e a cítara
louvai-o com tambores e danças
louvai-o com instrumentos de corda e flautas
louvai-o com címbalos sonoros e vibrantes
seres e entes celestes louvai-o
***
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