Download dos textos de ANTIPOESIA ou a insustentável arte da falsa erudição em –
***
no princípio
- mas nunca houve princípio -
tudo fluía como agora flui
e como para sempre fluirá
manifestando-se em formas multíplices
impermanentes e ocasionais
sujeitas a leis errantes encobertas
universais
o ser vive em si
no infinito
na eternidade
não habita
em quem o vive
nem no que vive
não está
e não é
é e está
indeterminado
inominado
sem fim
ou começo
alto ou baixo
ou lado
sem espaço
não pode ser buscado
não existe para si
para mim
para ti
existe por si na eternidade
o eterno-infinito sem centro é perfeito
como o rio que corre no seu leito
e com humildade se faz oceano
não se esgota
não é tudo
nem nada
é o vazio íntegro da totalidade
o que não tem fim
nada sustenta
não é sustentado
não é teu
ou meu
de qualquer marca de gente
e quando por mim passa estou certo
não há eu
apenas o vácuo da mente
o tempo dos tempos é percorrido em mutações sucessivas
inesperadas no seio do que sem começo nem fim muda e flui na sua majestosa permanência e enganadora aparência
muitos milhões são as galáxias
incontáveis os profundos universos
fabricando-se e desfazendo-se
por amor da união e da desintegração
no tempo eterno e espaço infinito
do que permanece
na dança cósmica dos mundos
não houve princípio
não haverá fim
inventaste o princípio e os deuses
atormentado por medos
e pelo sentimento do vazio entediado
gerado pelo cárcere do tempo
e pelo esquife do espaço imenso
há um campo de concentração
onde abunda a fome de espírito
os reclusos alimentam-se de fantasmas enquanto o cérebro esquelético se degrada e definha
há gente de esperança
e desesperança
todos ludibriados por espectros visíveis
almas de outro reino
inventado
na fé dos condenados
quando vos conheço
- neste mundo sim porque outros os há -
amo-vos
por vezes mutilo-vos pela adaga
no entanto amo-vos
amar não é mentir adular
reservado
acautelo-me
protejo-me da superficialidade
da falta de seriedade
a mim busco-me na profundeza
e ilumino-me na escuridão
no breu da noite que parece não ter fim
estou no mundo mas o mundo não me vê nem ter me quer
- e para que havia de me querer –
a luz envolve-me e reina a escuridão
de cegos que o são por não almejarem ver
amo os outros sem os abandonar e eles não o sabem e nunca o irão saber
não os quero desamparar mesmo os que trilham caminho próprio sem clamar por auxílio por quem os proteja
compassivo é o que não interfere
que está longe e perto
nem cá nem lá
distante
afectuoso
e áspero se o tiver de ser
o que tiver de ser que seja
o que for será
vivo na obscuridade
reservado e quieto na acção
os desejos extinguem-se
não sei o que é a ambição
nem sequer sei o que sou
nem o que quero ser
sou o que não tem significado e
que perante o mundo é apenas
o insignificante sem rumo
o caminhante do nada
não ouso desejar
até o desejo do ser é ilegítimo
nenhum desejo é permitido
apenas o do ancoradouro
desejar
desejar a ausência do desejo já é desejar
o desejo é insaciável a ambição desmedida
a paixão dilacerante e o apego mata -
só existe alívio para quem a si se basta
não saio de casa
do meu pequeno e dócil quarto
vejo tudo o que se pode ver
conheço tudo o que se pode conhecer
viajo sem me movimentar
conheço sem ler
ajo na tranquilidade e por todo o lado
sopra o vento da felicidade
sou abastado por nada possuir
sou forte por sem esforço me vencer
poderoso sem me mexer
poderei eu perder o que não tenho nem intento ter
o que faz muitas coisas e guarda o seu fruto não o conservará
tudo perderá
quem age sem intenção frutifica naturalmente
quem busca perde-se no além da floresta virgem
e nada retém ou encontra
encontrar significa liberdade
não escolher nem julgar
quem quiser guardar a reputação perdê-la-á
quem quiser amontoar riqueza arruinar-se-á
quem quiser aferrolhar paixões corromper-se-á
quem quiser escudar-se do perigo perecerá
na grande morte
ficarei onde estou
estarei onde não estou
verei o que não vi
sentirei o que não senti
serei o que não sou
e irei onde não vou
séculos e séculos a investigar a morte que dilacera corações e agrilhoa espíritos
sabeis o que é a morte
sabeis o que é morrer
se falecerdes
para o passado
a cada minuto
a todo o instante
sabereis o que é o decesso
o que é fenecer
extinto o ego resta a mente vazia
na paz dos tempos infindáveis
afinal o que por tanto procurardes
nunca encontrastes nem encontrareis
***
Sem comentários:
Enviar um comentário