segunda-feira, 29 de junho de 2009
ALEXANDRE O´NEILL (1924-1986) - O LANTERNA VERMELHA
Que interessa mostrar que você está morta e, o que é melhor, sem seios,
D. Adelaide Janeleira?
Que Sua Besta voltou a meter as mãos dentro do prato
ou que o Dr. Falaz está às moscas?
Ou que há velhas ourinadas nas pastelarias
ainda a fazerem cu-curru ao Brilhantinas?
Que falta de tacto me pode permitir ainda
falar dos três que – traição! – não estão lá
onde estiveram uma eternidade?
Que tropeção no gosto me leva a cair sempre em cima
da cantora a que ninguém dá ouvidos
(prouvera ao Velho fosse boa, mesmo que não cantasse...)
Que ancestral timidez me faz beijobicar a ebúrnea
manita de Moema
quando o que valia a pena era trincá-la
para que ao menos uma vez houvesse sangue
naquela sala?
Que têm os outros com certa pacotilha
que transporto na m´alma
Para quê aguitarrar a frustração?
Para quê maxilar a agressão?
Anda, vá, dá-me a tua opinião!
- Sento-me na geral, vejo-me no palco e não me tomo a sério.
- Se eu te tomasse a sério (estás a ouvir, Alexandre?)
fazia-te perpassar nonchalamment pelos santuários,
deixava que certas fêmeas te devorassem
enquanto tu louvarias a Deus
sem esses palavrões que são agora os teus,
ou (soluço-solução) fazia de ti um grande e querido desgarrado,
um que soubesse organizar passeios à Angústia, ao Remorso, ao Outro Lado,
mas em tirar o rico sono aos mortos.
Se eu te tomasse a sério carrilava-te,
meu lanterna vermelha!
Que interessa a gloríola (simiesco nome)?
Que interessa aparecer em Estocolmo a bordo de um poema
que não chega sequer a Trás-os-Montes?
Para quê negacear com os espelhos
quando os espelhos se revêem em nós?
Não acha o colega que a poesia não tem nada a ver com a pesquisa?
(Pesquisas fazem-se em casa, já dizia a minha avó, que era escritora).
Não acha o colega que estamos todos a exagerar
no fabrico da faca em lâmina a que falta o cabo?
Não lhe parece, caro colega, que a poesia deve ter por objectivo a verdade prática?
«E o que é a verdade prática?» pergunta logo o colega para me codilhar.
«E o que é o lume?» perguntou-me por gestos o meu filho.
«É o que queima» disse-lhe eu através do gesto de o queimar com a ponta do cigarro.
Será isto a verdade prática? Ajude-me, por favor, caro colega.
A colega perdoe, mas se o seu marido não cumpre os deveres por assim dizer conjugais
que tem a poesia com isso?
Desabafe antes com uma amiga, ou se tiver coragem, com um amigo
que pode muito bem ser este seu criado...
Quando fizer strip-tease, simpática colega,
não se esqueça de deixar-se no poema toda nua
mas tirando só no fim as meias pretas, que os homens gostam mais ...
Se o colega tem na montra, tem,
versos tão neo-bondadosos,
o que não terá no armazém, hein?
Pst! Colega! Não vai um tirinho,
um tirinho nesse corpinho?
Já sabemos, respeitabilíssima colega,
que traz alguns anjos a voar
no seu céu de papel,
mas não se esqueça de os reabastecer
com combustível terrestre volta e meia:
ficarão mais parecidos...
Colega (passe o termo...) a sua rosa
já se desfardou?
Mande antes vir, em vez de rosas mentirosas,
9 tostões de pão e 3 de vinho,
tudo muito bem desenhadinho...
E agora, colegas, terminando
esta fantasia a fogo brando
onde nenhum pano cai,
cantemos allegro para os críticos,
lembrando o que está a ir,
esquecendo o que já lá vai:
Se não fôssemos nós
quem eram vocês?
Se não fossem vocês
quem éramos nós?
Quem nos lê a nós?
São vocês (e nós...)
Quem vos lê a vocês?
Somos nós ( e vocês...)
Tudo fica, pois,
entre nós, entre nós...
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