terça-feira, 30 de junho de 2009
MANUEL ANTÓNIO PINA (1943) - LUGARES DA INFÂNCIA
Lugares da infância onde
sem palavras e sem memória
alguém, talvez eu, brincou
já lá não está nem lá estou.
Onde? Diante
de que mistério
em que, como num espelho hesitante,
o meu rosto, outro rosto, se reflecte?
Venderam a casa, as flores
do jardim, se lhes toco, põem-se hirtas
e geladas, e sob os meus passos
desfazem-se imateriais as rosas e as recordações.
O quarto eu não o via
porque era ele os meus olhos:
e eu não sabia,
e essa era a sabedoria.
Agora sei estas coisas
de um modo que não me pertence,
como se as tivesse roubado.
A casa já não cresce
à volta da sala,
puseram a mesa para quatro
e o coração só para três.
Falta alguém,
não sei quem,
foi cortar o cabelo e só voltou
oito dias depois, já o
jantar tinha arrefecido.
E fico de novo sozinho,
na cama vazia, no quarto vazio.
Lá fora é de noite, ladram os cães;
e cubro a cabeça com os lençóis.
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