Este diário complementa o nosso site pessoal

( VER ETIQUETAS NO FIM DA PÁGINA )

USE O PESQUISADOR DO BLOGUE -

-

OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

domingo, 28 de junho de 2009

JOSÉ RÉGIO - FADO PORTUGUÊS


O fado nasceu num dia
Em que o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava,
Na amurada dum veleiro,
No peito de um marinheiro
Que estando triste, cantava.

(- Saudades da terra firme,
Da terra onde o mar acabe,
Da casinha, e das mulheres,
Guitarra, vem assistir-me,
Que a gente é bruto e não sabe,
Expressa-as tu, se souberes...)

Por esse mar além fora,
A guitarra, dim... dom, chora,
Tem pausas, ais e soluços.
E tão bem faz isso à gente,
Que o triste bruto valente
Chora sobre ela de bruços!

(- Mãe, adeus! Adeus, Maria!
Guarda bem no teu sentido
Que aqui te faço uma jura
Que ou te levo à sacristia,
Ou foi Deus que foi servido
Dar-me no mar sepultura!)

Por mar além, chão que treme,
O dim-dom da corda freme
De espanto, angústia, incerteza;
Mas reluz no olhar do triste
Não sei que alto apelo em riste
Contra essa humana fraqueza...

(- Que terra é esta..., este mar
Que só acaba nos céus,
Ou nem lá tem sua fim?...
Ou hei-de-o eu acabar;
Ou hei-de, querendo Deus!,
Ou ele acabar a mim!)

Casada à trémula corda,
Sobe a voz trémula..., acorda
Tristezas do peito inteiro,
E as sereias que enlevadas
Se agarram às amuradas
Do frágil barco veleiro.

(- Ai que lindeza tamanha,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutos de ouro!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Olhar ceguinho de choro...)

Deitando o olhar às lonjuras,
Só vê funduras, alturas
Das águas, dos céus, da bruma
E as rijas pomas redondas,
De bico a boiar nas ondas,
Das sereias cor de espuma.

(- Sei eu, sequer, porque venho,
Deixando a jeira de chão
Que ao menos me não fugia,
Atrás de não sei que tenho
Tão dentro do coração
Que inté julguei que existia...?)

E à voz que sobe a tremer,
Morre lá longe..., e ao morrer,
Sobe outra vez, mais se aferra,
Que etéreo coro responde
De vozes que chegam de onde
Não seja nem mar nem terra!

(- Quem canta com voz tão benta
Que ou são-nos anjos nos céus
Ou é demónio a atentar?
Se é demónio, não me atenta,
Que a minh´alma é só de Deus,
O corpo, dou-o eu ao mar...)


Na boca do marinheiro
Do frágil barco veleiro,
Morrendo, a canção magoada
Diz o pungir dos desejos
Do lábio a queimar de beijos
Que beija o ar, e mais nada.

(- Mãe, adeus! Adeus, Maria!
Guarda bem no teu sentido
Que aqui te faço uma jura
Que ou te levo à sacristia,
Ou foi Deus que foi servido
Dar-me no mar sepultura!)

Sob o alvor da lua cheia,
Naquela noite, a sereia
Cujo seio mais se enrista
Da aurora até ao sereno
Beijou o corpo moreno
Do moço nauta fadista...

(- Que terra é esta..., este mar
Que só acaba nos céus
Ou nem lá tem sua fim?...
Ou hei-de-o eu acabar;
Ou hei-de, querendo Deus!,
Ou ele acabar a mim!)

Nas vias lácteas faiscantes
Que esmigalhado em diamantes
O luar no mar espraia,
Um dim-dom..., dim-dom tremente,
Mais doces queixas de gente,
Vão ter a uma certa praia.

(- Ai que lindeza tamanha,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutos de ouro!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Olhar ceguinho de choro...)

E as mães de filhos ausentes
Acordam batendo os dentes,
Torcendo as mãos, e carpindo,
Sabendo todas que é a morte
Que chega daquela sorte,
No luar funéreo e lindo...

Ora eis que embora, outro dia,
Quando o vento nem bulia
E o céu o mar prolongava,
À proa doutro veleiro,
Velava outro marinheiro
Que estava triste e cantava.


VEJA-SE EM
www.homeoesp.org
LIVROS ONLINE » ANTOLOGIA DA POESIA PORTUGUESA

Sem comentários: