Este diário complementa o nosso site pessoal

( VER ETIQUETAS NO FIM DA PÁGINA )

USE O PESQUISADOR DO BLOGUE -

-

OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

quinta-feira, 15 de julho de 2021

A IMITAÇÃO DE CRISTO - TOMÁS DE KEMPIS

 


TOMÁS DE KEMPIS

A IMITAÇÃO DE CRISTO

Resumida e Adaptada



                            Da Vinci                                         



INTRODUÇÃO



A Imitação de Cristo terá sido escrita nos princípios do século XV.

É um clássico que espelha a doutrina cristã como nenhuma obra até hoje publicada. É a meditação de um monge angustiado num mundo atroz, que descobre a paz no caminho da Cruz.

A discussão sobre a autoria da obra gira entre vários possíveis religiosos e teólogos, nomeadamente São Bernardo de Clairvaux, Walter Wilton, Jean Charlier de Gersone, e do próprio Tomás de Kempis.

Não obstante inexistam certezas, tudo aponta para que tenha sido escrita por Tomás, membro da Ordem dos Irmãos da Vida em Comum, apesar do que verdadeiramente nos interessa ser o que está escrito, e não quem o escreveu.


Provavelmente trata-se do guia espiritual mais conhecido no mundo. Atente-se, que só até ao ano de 1650 terá sido objecto de setecentas e cinquenta impressões. Segundo alguns estudiosos, este será o livro com mais traduções e exemplares vendidos, depois da Bíblia.


O monge Tomás de Kempis ter-se-á inspirado nas suas próprias meditações, na vida dos Padres do Deserto, na Patrística e obviamente na Bíblia. 


O autor terá nascido em 1379 ou 1380 e falecido em 1471.

Terá passado a maior parte da sua vida num mosteiro no Monte de Santa Inês, na diocese de Utreque, em constante oração, meditação, leitura e escrita.

Tomás foi mestre de noviços, pelo que a Imitação de Cristo deve ter tido como objectivo principal a instrução dos monges.

Mas os seus ensinamentos vão muito mais longe, fazendo com que qualquer um tenha acesso à doutrina de Jesus, sintetizado nas Bem-aventuranças do Sermão dSERMÃO DA MONTANHA - YELIN


Encontra-se originalmente dividido em quatro partes ou Livros:

Livro I – Conselhos Úteis para a Vida Espiritual;

Livro II – Instruções para Progredir na Vida Interior;

Livro III – Da Consolação Interior;

Livro IV – Do Sacramento do Altar.

Optámos por resumir (e adaptar) todo o Livro I e todo o Livro II.

Nestes encontramos a essência doutrinal de toda a obra.

Do Livro III limitámo-nos a recolher pequenos excertos, procurando não repetir conteúdos constantes dos dois primeiros livros.


É nossa intenção, que numa leitura rápida, o leitor conheça o guia espiritual mais difundido no mundo, tal como temos feito com outras obras de carácter religioso, quer do cristianismo quer das religiões orientais, nomeadamente o hinduísmo, o budismo e o taoísmo.

Aqueles que quiserem conhecer a obra no seu todo, indo mais além, têm ao seu dispor múltiplas traduções, da obra completa em português do Brasil e de Portugal.


Pretende-se com este resumo e adaptação da obra aos tempos actuais, divulgar a mensagem de Cristo, com o mesmo rigor do seu autor, o que não nos parece tarefa fácil.


Jesus - Tissot




LIVRO I


CONSELHOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL



Mielich



***



1. Da necessidade de imitar Cristo e desprezar todas as coisas do mundo.


“Aquele que me segue não caminha nas trevas”, diz o Senhor.

São estas as palavras de Jesus, pelas quais somos instados a imitar a sua vida e ensinamentos, se queremos atingir a iluminação e ficar livres de toda a cegueira de coração. 

Que seja, pois, um dos nossos principais empenhamentos meditar sobre a vida de Jesus narrada nos Evangelhos.

A oração e a meditação nas palavras do Evangelho devem acompanhar-nos em todos os momentos da nossa vida, seja na alegria seja na tristeza.

Conformando-nos à vida de Jesus, à sua humildade, iremos encontrar o tesouro escondido da Sua palavra e saberemos agir com justiça, derrotando a iniquidade.


Mesmo que a nossa memória guarde em si toda a Bíblia ou outros livros sagrados e as máximas e reflexões de todos os filósofos, de que nos servirá tudo isso sem a caridade e a graça de Deus?


“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, excepto amar Deus. 

A sabedoria suprema é esta: desprezar o mundo de molde a que nos aproximemos do Reino dos Céus, que está dentro do nosso Coração, de nada nos servindo procurá-lo fora.

Ninguém pode servir a dois senhores; ou servimos Deus ou vivemos mortalmente ao serviço do “ouro”.


Não é que não amemos os outros. Mas não podemos estar absorvidos em Deus na sua plenitude, e com os homens simultaneamente.

O religioso deve viver afastado do mundo, em silêncio e orando continuamente no seu Coração, na paz divina.

Se tiver de viver no mundo, que seja apenas com o seu corpo, mantendo o espírito afastado dos homens e unido a Deus.  


Vaidade é acumular riquezas que o tempo corrompe e contar com elas no presente e no futuro.

A vida corre num ápice e a velhice chega com todas as suas dores em breves instantes. Com a velhice anuncia-se a decrepitude e a morte, que nos leva para o desconhecido, sem que possamos carregar riquezas, livros e honras.

Sem nada viemos a este mundo, sem nada partiremos.


Vaidade é aspirar às honras do mundo e almejar uma posição elevada no meio dos homens.

Os cemitérios estão repletos de cadáveres de homens ricos e poderosos acantonados lado a lado com pobres e sem-abrigo, todos esquecidos.


Vaidade é prosseguir os apetites da carne descurando o espírito.

Os desejos mundanos são a morte anunciada do crescimento espiritual.


Vaidade é ambicionar uma longa vida e descuidar os princípios de um bom viver.

Não valerá mais um dia de vida de um homem recto e sábio, do que cem anos de um outro que viveu como um asno?

Não vale mais um dia de autoconhecimento a uma década de futilidades?


Vaidade é atender à vida presente sem pensar no que se lhe seguirá.


Vaidade é apegarmo-nos ao que tão rapidamente passa e não buscar a felicidade que durará para sempre; a beatitude no tempo sem princípio.


Lembremo-nos do que foi dito: Os olhos não se cansam de ver, nem os ouvidos de ouvir.

Desapeguemos o nosso coração do amor às coisas visíveis e afeiçoemo-lo às invisíveis, onde reside a felicidade que não finda.


***



2. Que cada um tenha de si mesmo uma opinião humilde.


Todo homem tem um desejo natural de saber. Mas de que lhe aproveitará a ciência, sem a busca e o amor de Deus?

Um humilde camponês, um pobre pescador, que se lembra em todos os seus pensamentos e actos de Deus, é muito melhor do que o filósofo, teólogo ou cientista soberbo que observa os fenómenos do mundo, o curso dos astros, que intenta descobrir a origem do universo ou os insondáveis desígnios de Deus, mas se descuida a si mesmo.


Quem pelo autoconhecimento penetrou na profundidade do seu ser, despreza-se e não se deleita com os louvores dos homens.

De que nos servirá saber tudo o que há no mundo, que possa ser conhecido, se não tivermos caridade e amor?


Há muita coisa que pouco ou nada interessa à alma conhecer.

Moderemos o desordenado desejo de saber, porque há nele muita dissipação e ilusão.

Os doutos gostam de ser vistos e tidos por sábios. Mas há muitas realidades cujo conhecimento pouco ou nada aproveitam à alma.

Insensato é quem apenas se ocupa de trivialidades e não das coisas que o podem conduzir à iluminação.


Não nos envaideçamos com qualquer arte ou ciência que julguemos dominar. Quanto mais pensamos saber, devemos ter sempre presente na nossa mente, que é muito mais o que ignoramos.

Não nos exaltemos. Confessemos com humildade a nossa ignorância.

 

Há tantos mais doutos do que nós. 

Há tantos que pela pureza da consciência estão perto de Deus e nem sequer sabem ler.


Se quisermos conhecer o que nos é útil, sejamos desconhecidos vivendo escondidos e tidos por um puro nada, que nada quer, sabe ou tem. Esta é a verdadeira pobreza em espírito.


Nada há de mais sublime do que o autoconhecimento. Quando nos conhecemos humilhamo-nos a nós próprios.

Quando nos humilhamos temo-nos por nada e pensamos sempre bem dos outros. E quando vemos alguém pecar, pensamos: “Hoje ele, amanhã eu”.


O Abade José perguntou ao Abade Pastor: “Diz-me, o que é preciso para ser monge?”.

O Ancião respondeu: “Se queres encontrar repouso neste mundo e no outro, coloca a ti próprio em todas as ocasiões esta pergunta: “Quem sou eu?”, e não julgues ninguém.” 


Aqui reside a prova de uma grande sabedoria e perfeição. Mesmo que vejamos alguém cometer abertamente faltas graves, nem por isso nos julgaremos melhor do que ele, pois não sabemos por quanto tempo poderemos perseverar no bem. 

Todos somos fracos e imperfeitos, mas a ninguém devemos considerar mais fraco ou imperfeito do que nós.


***



3. Da doutrina da verdade.


Bem-aventurado é aquele a quem a verdade ensina por si mesma, não por imagens e palavras que passam como o vento, mas mostrando-se tal qual é.

A nossa razão e os nossos sentidos pouco vêem e enganam-nos com muita frequência.

De que nos servem as subtis especulações sobre questões ocultas e obscuras? É grande loucura descurar o que nos é proveitoso e necessário, entregando-nos com avidez às curiosas e nocivas.

Temos olhos mas não vemos.


Que importância têm as especulações dos filósofos? Apenas derramam presunção e falsa sabedoria pelos quatro cantos do mundo, sem qualquer resultado prático.

Aquele a quem o Verbo eterno comunica a sua sabedoria insondável, liberta-se de questões enigmáticas e de muitas opiniões, que não servem o espírito.

É desse Verbo único que procedem todas as coisas e é ele o princípio de tudo, que fala dentro de nós, no nosso Coração.

Quem tudo vê no Uno terá firmeza de coração e permanecerá na verdadeira paz.


Ó Verdade que és Deus, fazei com que sejamos Um convosco em eterno amor. 

Estou cansado de ler tantos livros, de ouvir tantas opiniões, quando está em ti tudo o que desejo.

Que os doutores se calem, que as criaturas se silenciem à vossa presença. Que sejais só vós a falar-nos nas profundezas da nossa alma, transmitindo-nos a verdade directamente.


Quanto mais um homem se recolhe em si e se desapega das coisas do mundo, mais se expandirá e elevará, recebendo de Deus a luz da verdadeira inteligência.

O espírito puro, simples, aperfeiçoado pelo bem, não se distrai com as suas múltiplas ocupações, e imerso na tranquilidade já nem a si se busca.


Os afectos perturbam-nos. Os desejos mortificam-nos. A propensão aos vícios arruína a nossa alma.

Que combate mais rude poderá haver do que aquele em que cada um procura vencer-se a si mesmo?

Este deveria ser o nosso principal combate no mundo: progredir na direcção do bem.

O humilde conhecimento de nós mesmos é o caminho mais correcto para Deus. 


Se empregássemos tanta diligência em exterminar os nossos vícios e firmar virtudes, como em debater questões de ciência, não haveria tantos males e escândalos no mundo.


A vaidade do conhecimento.

Onde estão agora todos aqueles mestres que bem conhecemos, quando viviam e floresciam nas escolas e nas universidades?

Quem é que os lembra?

Enquanto viveram pareciam-nos importantes, mas o tempo fez com que os esquecesse-mos, e hoje muito poucos falam deles.


A glória do mundo passa num ápice.

Mas os homens preferem parecer grandiosos no seu saber e poder do que humildes.

Grande é o homem que a seus olhos é pequeno e avalia como um nada as maiores honras. 

Prudente é quem encara como lodo tudo o que é deste mundo, para ganhar o céu.

Sábio é aquele que renuncia à sua própria vontade.


***



4. Da prudência nas acções.


Não nos devemos acreditar em todas as palavras, nem obedecer a todas as nossas tendências interiores, mas pesar cada coisa perante Deus, com a diligência e prudência necessária.

O mundo está inundado pelas mentiras dos homens e por actos irreflectidos, bem como de acções viciadas pela corrupção.


O homem é muitas vezes leviano e maldoso nas suas palavras. A fraqueza humana é grande e está inclinada ao mal, sendo-lhe fácil pecar por palavras.

O sábio não acredita em tudo o que lhe dizem e não o faz constar aos outros, pois com a medida com que mediu assim será julgado. Pondera os seus juízos de valor e suspeições antes de os comunicar aos outros. 


Quanto mais humilde, e submisso a Deus for o homem, tanto maior será a sua prudência e quietude.


***



5. Da leitura das Sagradas Escrituras.


Nas Sagradas Escrituras devemos buscar a verdade e não a eloquência.

Todo o livro sagrado deve ser lido com o mesmo espírito que o ditou. 

Devemos ler com igual agrado os livros simples e piedosos, tal como os sublimes e profundos. Que não sejas movido pela autoridade do autor; ao contrário, lê-o com o puro amor pela verdade.

Não procures saber quem o disse; mas considera o que se diz.


Os homens passam, mas “a verdade do Senhor permanece eternamente”.

Deus fala-nos de vários modos e através de várias pessoas.


Na leitura das Escrituras não nos devemos deixar agrilhoar pela nossa curiosidade, que muitas vezes deturpa a compreensão do que é simples e não carece de explicações profundas.  

Se queres tirar proveito das suas palavras, lê-as com humildade, simplicidade e fé. Aconselha-te com os homens sábios e com os santos.


***



6. Das afeições desordenadas.


Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa descontroladamente, logo fica inquieto.

O soberbo e o avaro não têm sossego, enquanto o humilde e o pobre em espírito, vivem em abundância de paz.


O homem que não morreu para si mesmo é tentado e derrotado, até em coisas insignificantes.

O homem espiritual, que ainda alimenta alguns desejos carnais e é propenso à sensualidade, só a muito custo poderá desprender-se de todos os desejos mundanos. 

Daí a sua tristeza frequente, quando deles se abstém, e fácil irritação, quando alguém o contraria.


Não há paz no coração do homem carnal, nem no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual.


***



7. Como se deve fugir à vã esperança e presunção.


Tolo é o que põe a sua esperança nos homens ou nas criaturas.

Não vos envergonheis de servir os outros por amor a Jesus Cristo, e de serdes tidos como pobres neste mundo.


Se tens riquezas, não te glorifiques delas, nem dos amigos prósperos ou poderosos, senão em Deus que tudo dá, e que deseja dar-se a si próprio.

Não te envaideças com a força ou beleza do teu corpo, que com uma qualquer pequena enfermidade pode ser abatido, enfraquecido ou desfigurado.

Não te julgues melhor que os outros para que não sejas considerado pior por Deus.

Não te orgulhes das tuas boas obras, porque os julgamentos dos homens são muito diferentes dos de Deus. 


Se em ti houver algum bem, pensa que ainda melhores são os outros, para que assim te possas conservar na humildade.

Um homem humilde goza de uma paz inalterável. A cólera e a inveja perturbam o coração do orgulhoso.


***



8. Como se deve evitar a excessiva familiaridade.


Não abras o teu coração a qualquer homem; mas confia o que te atormenta ao sábio e ao temente a Deus.

Não te relaciones em demasia com jovens e com pessoas mundanas. Se o fizeres arriscas-te a conviver continuadamente com a futilidade. 

Não lisonjeies os ricos, nem procures aparecer na companhia de homens poderosos.

Busca a companhia dos humildes e dos simples, dos devotos e dos que têm bons costumes, e conversa com eles apenas sobre assuntos edificantes e espirituais.

Não tenhas familiaridade com mulher* alguma, mas recomenda a Deus pela oração todas as que são virtuosas.

- *não nos esqueçamos que esta obra deverá ter tido como destinatários imediatos os noviços a cargo do autor e mediatos, outros monges. -

Foge dos homens e recolhe-te no silêncio do teu Coração.


Deves ser caridoso com toda gente, mas não convém ter familiaridade com todos.

Sucede, frequentemente, que uma pessoa desconhecida goza de boa reputação e por isso a estimamos. Mas, com o tempo, vai-se revelando, destruindo a opinião que tínhamos dela, tornando-se um obstáculo ao nosso crescimento espiritual e paz. 

Por outro lado, muitas vezes consideramos que agradamos aos outros, mas antes os enfadamos com os defeitos que em nós vão descobrindo.


***



9. Da obediência e da renúncia às próprias opiniões.


É bom viver sob o mando de um superior, cumprindo o voto de obediência, e não depender de si próprio.

É muito mais seguro obedecer que mandar. E se um dia tiveres que mandar é bom que tenhas aprendido a obedecer. 


Quem é o homem tão iluminado que consegue abarcar todo o conhecimento útil?


Ouvi falar muito frequentemente, que é mais seguro ouvir e receber um conselho que dá-lo.

É bem possível que seja acertado o parecer de cada um, mas não querer ceder à opinião dos outros, quando a razão ou as circunstâncias o requerem, é sinal de altivez e teimosia.


***



10. Como se devem evitar as conversas supérfluas.


Evita quanto possível o bulício do mundo, porque somos muito perturbados na nossa paz quando nos envolvemos com as coisas seculares, ainda que conduzidos por uma intenção recta.

Em breve a vanglória conspurcará a alma e fará dela uma prisioneira.


Quisera eu ter-me calado muitas vezes e não ter conversado com os homens. Daí tiraria grande vantagem. 

Por que razão somos atraídos pela conversação, se é tão raro retornar ao silêncio sem qualquer dano na consciência?

Se as conversas servem apenas para matar o tédio, não seria melhor calarmo-nos?


Devemos vigiar e orar, para que o tempo não passe ociosamente, sem produzir quaisquer frutos.

Se for lícito e oportuno falar, que seja de coisas edificantes e espirituais.


***



11. Dos meios para alcançar a paz interior e dos progressos espirituais.


Podíamos gozar uma paz imensa, se não nos quiséssemos ocupar com os ditos e factos alheios, com que nada temos a ver.

Como pode ficar em paz por muito tempo aquele que se entrega a preocupações alheias, que procura relações externas, e que não se recolhe interiormente?

Bem-aventurados os simples, porque terão uma grande paz!


Muitos santos foram perfeitos e atingiram um alto grau de contemplação, por terem mortificado os desejos terrenos, unindo-se a Deus no recanto mais íntimo do seu Coração. 


Se estivéssemos completamente mortos para nós mesmos e interiormente desobstruídos, menos preocupados connosco, poderíamos saborear as coisas divinas e adquirir alguma experiência da contemplação celeste.

O que principalmente e mais nos impede, é o não estarmos ainda livres das nossas paixões e concupiscências, nem nos esforçamos por trilhar o caminho perfeito dos santos.

Basta-nos uma ligeira adversidade para logo nos deixarmos abater, e voltarmos a recorrer às consolações humanas.


Se nos esforçássemos veríamos descer sobre nós a protecção de Deus. Ele está sempre pronto a auxiliar os que resistem e confiam na sua graça. 

Lancemos pois, o machado à raiz da árvore, para que, livres das paixões, gozemos a paz na nossa alma.


Se em cada ano extirpássemos um só vício, um só, em breve seríamos perfeitos.

Extermina sem demora os teus maus hábitos.


***



12. Da utilidade da adversidade.


É bom que passemos algumas vezes por aflições e desventuras, porque fazem o homem reflectir, lembrando-o que vive no exílio e que não deve depositar a sua esperança em coisa alguma do mundo. 

É bom, às vezes, que pensem mal de nós, ainda que as nossas obras e intenções sejam boas. Isto conduz-nos à humildade e previne-nos da vanglória. 


Por isso, deveria o homem apoiar-se de tal modo em Deus, que lhe não fosse mais necessário mendigar consolações às criaturas.


Quando o homem de boa vontade está mortificado ou é tentado, ou atormentado por maus pensamentos, sente a necessidade que tem de Deus.

Então entristece-se, pranteia e geme pelas misérias que padece. Causa-lhe tédio viver mais tempo, e deseja que venha a morte para o livrar do corpo, unindo-o a Cristo.

Também compreende que neste mundo não pode haver perfeita segurança nem paz completa.


***



13. Resistir às tentações.


Enquanto vivemos neste mundo, não podemos estar isentos de atribulações, provações e tentações.

Por isso lemos no livro de Job, que a tentação é a vida do homem sobre a terra.

Cada um deve estar acautelado contra as tentações, combatendo-as pela vigilância e pela oração.


Não existe ninguém tão perfeito e tão santo que não esteja sujeito a tentações.

Todos os santos passaram por muitos sofrimentos e tentações e foi por elas, que avançaram no caminho espiritual.


Não há Ordem tão santa nem lugar tão solitário, em que não existam tentações e provações.

Nenhum homem está totalmente livre das tentações, enquanto vive, porque em nós mesmos está a causa donde procedem.


Aquele que sem arrancar a raiz do mal se limita a evitar as tentações, pouco se adiantará no caminho. Recalcadas, retornarão ainda mais fortes.


O começo de todas as tentações é a inconstância do espírito e a pouca confiança em Deus.

O fogo põe à prova o ferro, e a tentação o homem recto. 


Alguém disse: “Resiste desde o princípio, que vem tarde o remédio, quando cresceu o mal com a muita demora”.

Primeiro é um simples pensamento que ocorre à mente, depois uma viva imaginação, a seguir o prazer e o impulso desregrado, seguindo-se-lhe o consentimento.

O melhor é resistir à tentação logo que ela surge, não seja tarde, como afirma o poeta.


Uns padecem maiores tentações no começo de sua conversão, outros no fim; outros por quase toda a vida. 

É nas tentações que reconhecemos o progresso espiritual do homem.


***



14. Como se deve evitar o juízo temerário.


Voltai os olhos para vós mesmos, e não julgueis os outros.

A humildade, o autoconhecimento e a isenção de julgamento dos actos dos outros são os pressupostos para uma vida virtuosa.


Ao julgar os outros, o homem muito se cansa, desnecessariamente, errando na maior parte das vezes.

A rectidão do julgamento é sempre afectada quando julgamos as coisas segundo as nossas próprias inclinações.


***



15. Das obras feitas com caridade.


Por nenhuma coisa neste mundo, nem por amor de pessoa alguma, se deve praticar qualquer mal; mas, em prol de algum necessitado pode omitir-se uma boa obra ou substituí-la por outra melhor. Assim, o bem não é destruído, mas convertido num bem maior.


Sem caridade, nenhuma obra exterior tem qualquer valor.

O que procede da caridade, por muito pequeno ou muito insignificante que seja, produz frutos em abundância, porque Deus não atende tanto à obra, como à intenção com que a fazemos.

Muito faz aquele que muito ama.

Muito faz, quem bem faz o que faz.

Bem faz quem mais beneficia o bem comum, que a sua própria vontade e o seu proveito. 


Aquele que tem a verdadeira e perfeita caridade em nada se exalta, mas deseja que tudo se faça para a glória de Deus.

De ninguém tem inveja, porque nada deseja para si, não procura felicidade para si, não imputa bem algum aos outros bens, mas procura sobretudo ter alegria e felicidade em Deus. 


Quem tiver uma só uma centelha de verdadeira caridade, logo compreenderá a vanglória de todas as coisas terrenas.


***



16. Suportar os defeitos dos outros.


Aquilo que o homem não pode corrigir em si mesmo ou nos outros, deve-o suportar com paciência, até que Deus disponha de outro modo. 


Se alguém, depois de advertido uma ou duas vezes, não se emendar, não discutas com ele; mas confia tudo a Deus para que seja feita a sua vontade, e seja ele glorificado em todos os seus servos.

Pois Deus sabe extrair o bem do mal.


Esforça-te por sofrer pacientemente os defeitos e as imperfeições dos outros, sejam eles quais forem, porque também tu tens muitas imperfeições, que desagradam aos outros e que ainda assim, as têm de suportar.


Não queiramos imputar aos outros o que não queremos que nos imputem. Temos de tirar, em primeiro lugar, a trave da nossa vista e só depois poderemos retirar o cisco da sua.

Se queremos que os outros sejam perfeitos, comecemos por nos emendar a nós.


Sendo todos nós imperfeitos, aprendamos a transportar o fardo uns dos outros.

É na adversidade que melhor nos conhecemos, bem como aos outros.

As ocasiões não tornam o homem frágil, mas revelam-no.


***



17. Da vida monástica.


Aprende a renunciar a muitas coisas, se queres ter tranquilidade e harmonia nas relações com os outros.

Não é fácil viver num mosteiro ou numa congregação religiosa; viver sem queixas e perseverar fielmente até à morte.

Bem-aventurado é aquele que aí vive e acaba os seus dias com uma morte abençoada.


Se queres permanecer seguro e fazer progressos em virtude, considera-te como um exilado e um peregrino sobre a terra.

Faz-te louco para o mundo, por amor a Jesus Cristo, se queres seguir a vida religiosa.


Nenhum religioso poderá perseverar se não se humilhar, de todo o coração, por amor a Deus.


***



18. Dos exemplos dos Santos Padres


Medita nos exemplos dos Santos Padres, nos quais brilhava a verdadeira perfeição religiosa, e verás quão pouco ou quase nada é o que fazemos.

O que é a nossa vida quando comparada com a deles? 


Os santos e amigos de Jesus Cristo serviram Deus na fome e na sede, no frio e na nudez, no trabalho e na fadiga, nas vigílias e nos jejuns, nas orações e nas santas meditações, em perseguições e em muitos opróbrios.


Quantas e que graves aflições sofreram os apóstolos, os mártires, os confessos, as virgens e todos quantos quiseram seguir as pegadas de Cristo. Eles que repudiaram as suas almas neste mundo, para que as pudessem possuir na eternidade.


Que vida de renúncia total, solidão, oração constante, a dos Padres do Deserto, como o Pai Antão, o Pai Arsénio, o Pai Poemen, a Mãe Sinclética e tantos outros.

Que incessantes e graves tentações suportaram.

Quantas vezes foram atormentados pelo inimigo.

Quantas orações fervorosas ofereceram a Deus.

Que rigorosas abstinências praticaram.

Que zelo e ardor tiveram pelo seu progresso espiritual.

Que combate tiveram de travar contra as suas paixões.

Com que pura e recta intenção buscaram Deus.


Durante o dia trabalhavam e passavam as noites em oração, ainda que trabalhando não interrompessem por um momento a oração mental: Oração de Jesus.

Todo o seu tempo era empregado com utilidade. As horas dedicadas a Deus pareciam-lhes curtas e encontravam na contemplação tamanha doçura, que esqueciam por completo as necessidades do corpo.

Renunciaram a todas as riquezas, dignidades, honras, amigos e parentes; nada queriam do mundo; apenas aceitavam o indispensável à vida e só com muito sofrimento satisfaziam as exigências básicas do corpo.

Eram pobres nos bens terrenos, mas ricos em graças e em virtudes.

Exteriormente faltava-lhes tudo, mas Deus fortalecia-os na alma pela sua graça e consolações. 


Eram estrangeiros no mundo. Peregrinos na terra. 

Consideravam-se um puro nada. Parte do mundo desprezava-os, mas eram amados por Deus.

Viviam a verdadeira humildade, numa simples obediência, na caridade, na paciência, e assim tornavam-se a cada dia mais perfeitos na vida espiritual e mais agradáveis a Deus.

Foram dados como modelos exemplares a todos os que professam a religião, e devem incitar-nos à perfeição e ao progresso espiritual. 


Queira Deus, que em ti não se afrouxe o desejo de progredir nas virtudes, já que tantos modelos viste de perfeição.


***



19. Das práticas de um bom religioso.


A vida de um verdadeiro religioso deve estar rodeada por todas as virtudes, para que o seu interior corresponda ao que parece por fora, na sua aparência.

Aliás, o interior deve ter maior perfeição do que aquilo que aparenta, pois é no interior e nas suas qualidades que Deus se concentra.


A cada novo dia devemos renovar o nosso propósito e exercitar-nos com fervor, como se esse fosse o primeiro dia da nossa conversão, dizendo: “Ajudai-me, Senhor, nos meus propósitos e no vosso serviço, pois o que fiz até aqui não é nada.”


Não estejas nunca completamente ocioso. Dedica-te à oração, lê, escreve, medita ou executa algum trabalho que seja útil para a comunidade.

 

Que as tuas práticas espirituais sejam feitas em segredo. No momento em que por vaidade as tornares públicas, perdem todo o seu merecimento.


Se não podes estar continuamente recolhido, recolhe-te de vez em quando, ao menos uma vez por dia, pela manhã ou à noite.

De manhã toma as decisões, e à noite examina as tuas acções.


Examinemos e ordenemos o nosso interior e o nosso exterior, porque um e outro contribuem para o nosso progresso espiritual, e não descuremos a vigilância.


***



20. Do amor à solidão e ao silêncio.


Procura a melhor ocasião para te ocupares de ti mesmo e pensa assiduamente nas graças concedidas por Deus.


Renuncia ao que apenas serve para alimentar a curiosidade mundana.


Escolhe para ler, obras que serenem o teu coração e que elevem o espírito.


Abstém-te de conversações supérfluas e de passeios ociosos, como também dos ruídos do mundo, notícias e boatos, e encontrarás tempo para que te possas entregar de corpo e alma à meditação.


Os maiores santos evitavam, tanto quanto podiam, a companhia dos homens, preferindo viver secretamente com Deus.

Houve um filósofo que disse: “Sempre que estive na companhia dos homens regressei menos homem do que era”.

É o que experimentamos vezes sem conta, quando nos entregamos a longas conversas, que amiúde se transformam em discussões.

Excedemo-nos em palavras, quando seria mais fácil mantermo-nos em silêncio.


É mais fácil ficar em casa, que fora dela ter a necessária cautela, vigiando as palavras e os actos.

Quem não gosta de estar em recolhimento, não se mostra sem que daí não advenha um qualquer perigo.

Quem não sabe falar com moderação e segurança não se saberá calar.

Só sabe mandar aquele que aprendeu a obedecer.


Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças um santo religioso ou um piedoso eremita.

Muitas vezes os melhores no conceito dos homens correram graves perigos, por terem demasiada confiança.


Se não nos ocupássemos com as coisas do mundo e suas preocupações, teríamos certamente uma consciência pura. 

Se entregássemos a Deus o nosso fardo e a nossa esperança, poderíamos usufruir de uma paz que não é deste mundo.


Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se exercitar com diligência na santa compunção.

Se queres compungir-te de coração, entra no teu quarto, liberta-te das coisas do mundo, e age em conformidade com o que está escrito: “Mesmo no vosso leito, que o vosso Coração esteja pleno de compunção.” 


Na tua cela descobrirás o que muitas vezes perdes fora dela. Em nenhum outro lugar encontrarás a mesma paz.

No silêncio e repouso do teu quarto ou da tua cela, a alma faz grandes progressos e conhece os segredos das Escrituras.

Aquele que se separa dos seus amigos e conhecidos, verá Deus aproximar-se dele.

É de louvar o religioso que raramente sai e não gosta de ver os homens nem de ser por eles visto.

A alegria que os sentidos produzem acaba por ferir ou matar o homem espiritual.


Para os homens vãos as coisas vãs, para os espirituais as do espírito.

Que cada um ocupe o seu lugar e não seja pedra de tropeço no caminho para Deus.


***



21. Da compunção do coração.


Prepara o coração para a compunção e encontrarás a devoção. 


Ditoso é aquele que rejeita tudo o que lhe possa macular ou fazer pesar a consciência, de modo a que se possa recolher numa santa compunção.


Não tomeis para vós as preocupações mundanas dos outros, nem vos ocupeis dos assuntos dos poderosos.

Que os vossos olhos se dirijam em primeiro lugar para vós mesmos, evitando censurar os outros.


Se meditásseis mais na morte do que nos vossos anos de vida, o vosso caminho espiritual seria menos árduo.


Rogai ao Senhor para que vos alimente com o pão das lágrimas e vos mate a sede com o cálice do pranto.


***



22. Da ponderação da miséria humana.


Miserável serás, onde quer que estejas e para onde quer que te voltes, se não te voltares para Deus.


Por que te apoquentas, quando as coisas não ocorrem segundo os teus desejos e vontade?

Não há ninguém neste mundo, seja rei ou papa, que esteja livre de angústias e sofrimentos.

Quem é que vive mais feliz, quem tem a melhor sorte?

Certamente, aquele que sabe sofrer alguma coisa por Deus.


Muitos são os tolos que dizem: “Olhai, que boa vida tem este homem; tão rico que é, tão poderoso, e de alta posição social. Olhai este outro, famoso, sempre na boca do mundo, adulado por milhões de homens.”

Olhai vós para os bens do céu, e vereis que nada são os bens temporais, mas sempre incertos e penosos, porque nunca se possuem sem que haja alguma desconfiança e receio. 

Quem possui os bens do Céu, vive sem desconfiança e sem receio.

A felicidade do homem não consiste na abundância dos bens temporais; basta-lhe o necessário para a sua sobrevivência.


Viver na terra é uma verdadeira desgraça para o homem que se quer ver desembaraçado dos seus laços mundanos e liberto do pecado.

Comer, beber, dormir, descansar, trabalhar, cuidar da família, dos filhos, e todas as demais grandes misérias e sofrimentos, são grilhões para o homem espiritual.

Quanto mais espiritual quer o homem ser, mais amarga se lhe apresenta a vida presente, porque conhece melhor e mais claramente os defeitos da natureza humana e a sua corrupção.

O homem assoberbado com as necessidades corporais, que se concentra no seu Coração, roga a Deus, com intensa devoção, dizendo: “Livrai-me, Senhor, das minhas necessidades.” 


Mas, ai daqueles que ignoram a sua miséria, e ai daqueles que amam esta miserável e corruptível vida, porque neles habita a maior das infelicidades.

Como é grande a fraqueza humana, sempre propensa ao mal. Hoje confessas os teus pecados, e amanhã cometes os mesmos que hoje confessaste.


Não percas irmão, a confiança em fazer progressos na senda da vida espiritual. Estás em tempo; não adies para amanhã.

Por que queres adiar a tua resolução? Para retornares à vida do pecado?


Levanta-te e diz: “Chegou o momento de agir. Chegou o tempo de me emendar. Eis o Homem Novo, que eu sou.”


***



23. Da meditação da morte.


Muito depressa chegará o teu fim neste mundo; vê, pois, como te preparas.

Hoje estás vivo e amanhã já não existes. E quando já não existires muito poucos se irão lembrar de ti; longe da vista, longe da memória.


A cegueira e a dureza do coração humano só cuida do presente, sem olhar para o futuro.

Em todas as tuas acções e pensamentos, deverás comportar-te como se fosses morrer hoje.

Se tiveres uma consciência boa não temerás a morte.

Se hoje não estás preparado, como o estarás amanhã?

O dia de amanhã é incerto, e quem sabe se tu terás um amanhã?


De que nos aproveita vivermos muito tempo, quando tão pouco nos emendamos?

A vida longa nem sempre nos corrige, bem pelo contrário, aumenta as nossas culpas.

Quem dera que tivéssemos vivido com rectidão um único dia neste mundo. 


Bem-aventurado é aquele que medita sempre sobre a hora da morte, e para ela se prepara a cada dia.


Se já viste alguém morrer, pensa que também tu passarás pelo mesmo caminho.

Pela manhã, pensa que não chegarás à noite, e à noite pensa que não voltarás a acordar. 

Vive de modo a que a morte não te surpreenda.

Feliz e prudente é aquele que procura ser em vida como deseja que a morte o encontre. 


É fácil praticar o bem enquanto estás saudável; mas, quando enfermo, não sei o que poderás fazer. São muito poucos os que melhoram com a enfermidade. 


Não confies em parentes e amigos, nem proteles para mais tarde o caminho da salvação, porque mais depressa do que pensas serás esquecido pelos homens.

Se não cuidas nem te preocupas contigo no presente, quem é que se preocupará contigo no futuro? 


Como os tolos e os insensatos, que pensam viver muito tempo, também tu não te apercebes de que não há segurança neste mundo.

Quantos se têm enganado a si mesmos e são arrastados subitamente para a morte.

Quantas vezes ouviste: morreu subitamente; afogou-se no rio; caiu do telhado e morreu instantaneamente; foi encontrado morto; os ladrões mataram-no. Tantos com tantos projectos, com tanta riqueza para gozarem.

Um morreu enquanto comia, outro enquanto se divertia, outro pela pandemia. 


A vida do homem é uma sombra.


Vive no presente de tal modo, que a hora da morte seja para ti motivo de alegria e não de medo.

Começa desde já a renunciar a tudo, para que possas nessa hora partir livremente para Jesus Cristo. 


És um peregrino neste mundo. Vive sem te imiscuíres nos negócios mundanos.

Conserva o teu Coração livre e ergue-o a Deus, porque não tens aqui morada permanente.

Prepara a tua eterna morada. 


***



24. Do juízo e das penas dos pecadores.


Em todas as coisas olha o fim e reporta-te ao dia em que estarás diante do Juiz a quem nada se esconde, que não se deixa aplacar com presentes, que não aceita desculpas, mas que julgará segundo a justiça. 


É grande e salutar o purgatório que tem nesta vida o homem paciente que, se injuriado, mais se dói da maldade alheia, que da ofensa própria; que reza sinceramente por quem lhe faz mal, e de todo o coração perdoa as ofensas que lhe são feitas; se não tarda em pedir perdão aos outros; se mais facilmente se compadece do que se irrita; e que se esforça por sujeitar inteiramente a carne ao espírito. 


Mais satisfação dará a consciência pura e boa, que a douta filosofia.

Mais valerá o desprezo das riquezas, que todos os tesouros da terra.

Mais te consolará a lembrança duma devota oração, que a de inúmeros banquetes.

Mais significará teres guardado silêncio, do que teres falado muito.

Mais valor terão as tuas boas obras que as mais belas palavras.

Mais agradará a vida austera e árdua penitência que todos os gozos terrenos. 

Por tudo serás avaliado com justiça.


***



25. Da diligente emenda de toda a nossa vida.


Sê vigilante e diligente no serviço de Deus, e pergunta-te a ti mesmo: porque vieste para o mosteiro e deixaste o século?

Não terá sido para viver com Deus e tornar-te um homem espiritual?

Trilha, pois, com fervor o caminho da perfeição, porque em breve receberás o prémio dos teus trabalhos; não te afligirão, daí por diante, medos e sofrimentos. 

Agora, terás de fazer algum esforço, mas depois encontrarás repouso e alegria perpétua. 



Havia um homem que muitas vezes hesitava ansioso, entre o medo e a esperança. Estando um dia desanimado pela tristeza que transportava no seu coração, entrou numa igreja, e diante dum altar, prostrado em oração, disse para si mesmo: “Se eu soubesse que havia de ser perseverante!”. 

E logo ouviu interiormente esta resposta divina: “Se tal soubesses, que farias? Faz já o que então deverias ter feito e gozarás de paz”.

Tendo sido consolado e confortado com a resposta divina, abandonou-se à Sua vontade, e as suas inquietações e angústias cessaram. 



Lembra-te sempre que tudo neste mundo tem um fim e que o tempo perdido é a única coisa que não pode ser recuperada.


***



Jesus - Kramskoi



***



LIVRO II

INSTRUÇÕES PARA PROGREDIR NA VIDA INTERIOR


Tissot


***



1. Da conversão interior.


O reino de Deus está dentro de vós, diz o Senhor.

Vinde a Deus de todo o coração, deixai este mundo miserável, e a vossa alma encontrará repouso.

Aprendei a desprezar as coisas exteriores e a entregar-vos às interiores, e vereis chegar até vós o reino de Deus.


Jesus Cristo virá até vós e encher-vos-á das suas consolações, se lhe preparardes uma morada que seja digna dele.

A glória e a beleza de Cristo são interiores. É no segredo do teu Coração que ele quer morar.


É ele que diz: “ Se alguém me ama, obedecerá à minha palavra, e nós iremos até ele, e nele faremos a nossa morada.”

Deixai Jesus entrar, e só a ele. A tudo o mais fecha a porta do teu Coração. Se possuíres Cristo serás rico e ele bastar-te-á.


Não se há-de ter grande confiança no homem frágil e mortal, por mais que nos pareça útil e por muito amigo que seja.

Os homens mudam como o vento e nós não temos nesta terra morada permanente.

Não nos devemos ligar seja ao que for, para que não nos tornemos seus escravos e possamos cair na perdição.

Se nos deixarmos acolher com toda a devoção às chagas e aos estigmas de Jesus, sentiremos um grande conforto no momento das nossas aflições, não nos inquietaremos com o desprezo dos homens e suportaremos facilmente as calúnias e injúrias.


Se ainda, que uma só vez, entrarmos no Coração de Jesus e gozarmos um pouco que seja do seu ardente amor, não nos preocuparemos mais com o que gostamos ou não, com o que nos contraria ou nos agrada.


Aquele que avalia as coisas pelo que são, e não pelo juízo e segundo os discursos e opiniões dos homens, este é o verdadeiro sábio.

Aquele que vive dentro de si mesmo e que se preocupa pouco com as coisas exteriores, não escolhe lugares nem ocasiões para estar com Deus.


São muitas as coisas que nos desagradam, porque ainda não estamos completamente mortos para nós mesmos e não estamos separados das coisas do século.

Se renunciarmos a nós mesmos e rejeitarmos o mundo poderemos contemplar as coisas do Céu.


***



2. Da humilde submissão a Deus.


Não te preocupes em saber quem é por ti ou contra ti, mas trata e procura que Deus esteja sempre contigo em tudo o que fizeres.


Faz por ter uma boa consciência e Deus defender-te-á. Toda a maldade dos homens não poderá fazer mal àquele que Deus protege.


Quando o homem se humilha pelos seus defeitos, acalma com facilidade os outros e concilia os que estão irados contra ele.


Não julgues ter feito progresso algum, enquanto não te reconheceres inferior a todos os outros.


***



3. Do homem pacífico.


Primeiro sustenta-te na paz, e depois poderás pacificar os outros. 

O homem pacífico é mais útil do que o erudito.


Quem está em paz não pensa mal de ninguém; mas o que está descontente e perturbado é assaltado por várias suspeitas e não sossega, nem deixa que os outros sosseguem. 

Diz muitas vezes o que não devia dizer, e deixa de fazer o que mais lhe conviria fazer.

Atende as obrigações alheias e descuida as próprias.

Tem em primeiro lugar, zelo por ti, e depois estende-o aos outros.


Bem sabes desculpar e justificar as tuas faltas e não queres aceitar as desculpas dos outros.

Mais justo seria que te acusasses a ti e desculpasses o teu irmão.

Suporta os outros, se queres que te suportem a ti.


Há quem esteja em paz consigo e com os outros.

Há quem não tenha paz e perturbe a paz dos outros.

Há, por fim, quem se mantenha em paz e se esforce por a transmitir aos outros.


Neste mundo miserável, em boa verdade, toda a nossa paz consiste mais num humilde sofrimento que na ausência deste.

Quem aceitar melhor o sofrimento será o que irá possuir mais paz.

Esse é o vencedor de si mesmo, dono do mundo, amigo de Jesus Cristo e herdeiro do Céu.


***



4. Da pureza de espírito e da recta intenção.


Com duas asas se levanta o homem acima das coisas terrenas: a simplicidade e a pureza.

A simplicidade há de estar na intenção e a pureza no afecto.

A simplicidade procura Deus, a pureza abraça-o e goza-o.


Não existe criatura tão pequena e vil, que não apresente qualquer reflexo da bondade de Deus.

Se fosses interiormente puro e inocente, logo tudo verias sem qualquer dificuldade. O coração puro penetra o céu e o inferno.


Como o ferro introduzido no fogo perde a ferrugem e fica incandescente, assim o homem que se entrega inteiramente a Deus, despoja-se da indolência e transforma-se num novo homem.


***



5. Da consideração de si mesmo.


Não podemos confiar muito em nós, porque frequentemente nos faltam a graça e o critério. 


Ressentimo-nos do que sofremos dos outros, mas tudo o que eles sofrem por nossa causa, nisso, a maior parte das vezes nem pensamos.

Quem a si se julga com equidade, sentirá que nenhum direito tem de julgar os outros com severidade.


O homem interior prefere o cuidado consigo mesmo a todos os outros cuidados.

Quando está completamente atento a si próprio, com facilidade se inibe de falar dos outros.


Grandes progressos farás, se te libertares de todas as preocupações do século.

Contrariamente, bem depressa ficarás extenuado, se apenas contares com as coisas e criaturas deste mundo.


A alma que ama Deus despreza tudo o que não é Deus.


***



6. Da alegria de uma boa consciência.


Conserva pura a consciência, e terás sempre alegria.

A boa consciência pode suportar muitas coisas e permanece alegre, até nas maiores adversidades.

A má consciência está sempre inquieta e perturbada.

Gozarás de um doce sossego se o teu coração não te acusar de nada.


A quem ama não é dificultoso glorificar-se na tribulação, pois glorificar-se assim é glorificar-se na Cruz do Senhor.

É de pouca dura a glória que os homens dão e recebem.

Quem deseja a glória verdadeira e eterna não faz caso da temporal. 


Grande é a tranquilidade do coração daquele que não faz caso de elogios nem de censuras.

Não és mais santo porque te louvam, nem mais pecador porque te censuram.

És o que és e nada te pode fazer maior ou menor do que és aos olhos de Deus.

Se considerares o que és no teu interior, não farás caso do que dizem os homens.

O homem vê o rosto, Deus o coração. O homem vê os actos, mas Deus vê as intenções. 


Andar sempre recolhido no seu Coração com Deus, sem estar refém de qualquer desejo ou afeição humana, é próprio do homem espiritual.


***



7. Devemos amar Jesus acima de todas as coisas.


Bem-aventurado é o que compreende como deve amar Jesus, desprezando-se a si mesmo.

Por esse amor deves deixar qualquer outro, pois Jesus quer ser amado acima de todas as coisas e criaturas.


Quer queiras quer não, um dia terás de abandonar tudo.

Ama e conserva como verdadeiro amigo Aquele que nunca te desamparará, mesmo quando todos te abandonarem, e que quando chegar o fim, não te deixará morrer.


Na vida e na morte entrega-te à sua fidelidade, que só Ele te pode socorrer, quando todos te faltarem. 

Facilmente serás enganado, se só observares as aparências dos homens. Se procuras alívio e proveito nos outros, quase sempre encontrarás prejuízo.


Procura Jesus em todas as coisas, e em tudo encontrarás Jesus. 

O homem que não procura Jesus é mais danoso para si mesmo, que o mundo inteiro e todos os seus inimigos.


***



8. Da familiaridade entre Jesus e a alma fiel. 


Quando Jesus está presente, tudo é suave e não há nada que pareça difícil, mas, quando Jesus está ausente, tudo se torna penoso. 

Quando Jesus não nos fala ao coração, nenhuma consolação tem valor, mas se Jesus disser uma só palavra, ficamos aliviados e confortados. 


Que pode dar-nos o mundo sem Jesus?

Estar sem Jesus é um inferno insuportável, estar com Jesus é um doce paraíso.

Se Jesus estiver contigo, nenhum inimigo te poderá ofender ou fazer qualquer mal.


É uma grande arte saber conversar com Jesus, e uma grande prudência saber conservá-lo junto de nós.

Sê humilde e pacífico, e contigo estará Jesus; sê devoto e calmo, e Jesus permanecerá contigo. 


Amemos todos os outros por Jesus, e a Jesus por si mesmo.

Só Jesus Cristo deve ser amado em exclusivo, porque está acima de todos os amigos; só Ele é bom e fiel.

Por amor de Jesus e em Jesus ama os teus amigos e os teus inimigos, e ora por todos, para que todos o conheçam e amem.


Sê livre e puro no teu interior, sem apego a criatura alguma.

Desprende-te de tudo e oferece a Deus um Coração puro.


*** 



9. Da privação de toda a consolação.


Não é difícil desprezar as consolações humanas, quando gozamos das consolações divinas.


Aprende a deixar, por amor a Deus, um familiar ou amigo querido.

Nem te aflijas se te abandonar algum amigo, sabendo que todos, finalmente, nos havemos de separar uns dos outros.

Só com um longo combate interior o homem aprende a ter domínio em si, e a pôr em Deus todo o seu afecto.


Quando Deus te enviar uma consolação espiritual, recebe-a com acções de graças e com humildade. 

Quando te for retirada a consolação, não desesperes logo, aguarda com humildade e paciência, que Deus te visite de novo.

Nada disto é novo ou estranho aos que são experientes nos caminhos de Deus, mesmo aos grandes santos.


Nunca encontrei um homem tão piedoso e tão perfeito, que não sofresse, por vezes, a subtracção da graça, e sentisse o desânimo do fervor.

Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e esclarecido que, antes ou depois, não fosse tentado.


A consolação divina é dada para que o homem tenha forças suplementares para suportar as adversidades do século e as angústias do seu coração.

A tentação segue-se à consolação para que o homem não se envaideça.


***



10. Da gratidão pela graça de Deus.


Dispõe-te à paciência mais do que às consolações, mais a transportar a Cruz do que a deliciar-te com as alegrias. 


As consolações espirituais excedem todas as delícias do mundo e todos os deleites da carne.


Nem tudo o que é exaltado é santo; nem tudo o que é suave é bom; nem todo o desejo é puro; nem tudo o que agrada ao homem agrada a Deus.

Ama a graça divina que te torne mais humilde, mais vigilante, mais pronto a renunciar a ti mesmo.


Coloca-te sempre em último lugar, e ser-te-á dado o primeiro; porque o que está em cima apoia-se no que está em baixo.

Os maiores santos aos olhos de Deus consideram-se a si mesmos como os mais pequenos.


Se desejares a graça de Deus, agradece quando a recebes e sê paciente quando a perdes.

Ora para que ela volte, sê humilde e prudente, para que não a venhas a perder.


***



11. São poucos os que amam a Cruz de Jesus.


Muitos são os que desejam o Reino dos Céus, mas poucos querem transportar a sua Cruz.


Em que lugar deste mundo encontraremos quem queira servir Deus desinteressadamente?

É raro encontrar um homem tão espiritual que esteja desapegado de tudo.

O verdadeiro pobre em espírito, desprendido de todas as coisas e criaturas, quem o encontrará? Tesouro tão precioso “que é necessário procurá-lo muito longe, até aos confins da terra”.


Se o homem der tudo o que possui, isso ainda não é nada.

E se fizer grande penitência, ainda é pouco.

Embora compreenda todas as ciências, ainda está muito longe.

E se tiver uma grande virtude e uma piedade fervorosa, ainda lhe falta muito.

O que é que lhe falta?

É que depois de ter deixado tudo, se deixe também a si próprio e se despoje completamente do amor-próprio. E depois de fazer tudo o que sabe que deve fazer, pense que nada fez.

Que confesse com sinceridade que é um servo inútil, como nos ensina a Verdade. Quando tiverdes cumprido tudo que vos for mandado, dizei: “Somos servos inúteis”.

Aí, sim, o homem poderá ser verdadeiramente pobre em espírito e dizer com o profeta: “Sim, sou pobre e estou sozinho neste mundo.”


Entretanto, ninguém é mais rico, mais poderoso, mais livre, do que aquele que abandonou tudo e a si mesmo, colocando-se no último lugar.


***



12. Do caminho da cruz.


Estas palavras a muitos parecem duras: “Renuncia a ti mesmo, toma a tua Cruz e segue Jesus Cristo”. 


Por que temeis levar a Cruz, pela qual se chega ao reino do céu? Na Cruz está a salvação, na Cruz está a vida, na Cruz está o amparo contra os inimigos, na Cruz a abundância da suavidade divina, na Cruz a força do coração, na Cruz o conjunto das virtudes, na Cruz a perfeição da santidade.

Não há salvação da alma nem esperança de vida, senão na Cruz.

Toma a tua Cruz, segue Jesus e entrarás na vida eterna.


O Senhor precedeu-te ao levar a sua Cruz e nela morreu por nós, para que tu também leves a tua Cruz e nela desejes morrer. 

Se com ele morreres, também com ele viverás. Se partilhares os seus sofrimentos, também participarás na sua glória.


Julgas que podes evitar o que nenhum homem evitou? Que santo atravessou esta vida sem sofrimento e sem uma Cruz?

Esta vida impermanente está repleta de misérias, infortúnios e cercada por cruzes.


Prepara-te para sofrer inúmeras adversidades, reveses, padecimentos físicos e espirituais. Isto é o que encontrarás, vás tu para onde fores.

Acredita que a tua vida deve ser uma morte contínua, e quanto mais em ti morres, mais vives em Deus.


Vai para onde quiseres, procura quanto quiseres, e não acharás caminho mais sublime em cima nem mais seguro em baixo, que o caminho da santa Cruz.


***







LIVRO III

DA CONSOLAÇÃO INTERIOR





***


Feliz é a alma que ouve as palavras do Senhor no seu interior.

Felizes são os ouvidos atentos à verdade que lhes é ensinada no Coração e que não ouvem o ruído do mundo.

Felizes os olhos que estão voltados para o Coração, e que estão fechados para as coisas do mundo.

Felizes os que numa prática constante intentam descobrir no seu Coração os mistérios do céu.

Felizes os que se ocupam de Deus, e que se libertam de preocupações fúteis.

Fecha a porta dos órgãos sensoriais para que possas escutar no teu Coração as palavras do Senhor.


***


São muitos os que confiam a sua devoção aos livros, outros em imagens, outros em sinais e coisas exteriores.

Alguns trazem sempre Deus nas suas bocas, mas não no coração.

Outros existem, que iluminados e interiormente purificados, não cessam de aspirar aos bens eternos. Estes suportam com muita dificuldade as conversações fúteis e é com muito esforço que se sujeitam às necessidades que lhe são impostas pela natureza. São eles, que ouvem a palavra divina nos seus corações. 

Porque Deus ensinou-os a desprezar o impermanente, a amar o que é permanente, a esquecer o mundo e a desejar a beatitude.


***


O progresso na vida espiritual vai além da mera fruição das consolações da graça. Para que haja verdadeiro progresso, o religioso deve suportar as privações com humildade, com desprendimento e com paciência, nunca descuidando a prática da oração contínua.


***


Em Deus, como numa fonte de água que nunca se esgota, o que é pequeno e o grande, o pobre e o rico bebem a água viva, e aqueles que o servem a partir do seu coração, irão receber graça após graça.

Mas o que buscar a sua glória fora de Deus, ou o prazer e a satisfação nos órgãos sensoriais, não usufruirá da beatitude e acabará por se sentir frustrado e angustiado na maior parte dos momentos da sua vida.


***


O pior inimigo da nossa alma somos nós mesmos, quando o nosso coração está dividido entre as coisas e criaturas do mundo e Deus.


***


Devemos estar preparados, quer para a alegria quer para o sofrimento, para a riqueza e para a pobreza.

Ser-se o que se é e aceitar o que nos acontece, é um passo determinante para o progresso espiritual.


***


Com alguma frequência reprovamos o mundo por ser tão enganador e vão.

No entanto, muito dificilmente o abandonamos, porque ainda estamos agrilhoados pelos anseios e apegos da carne.

Há coisas que nos levam a gostar do mundo, outras a que o desprezemos.

O desejo da carne, o desejo dos olhos e o orgulho na vida inspiram o amor ao mundo.

As dores e outros sofrimentos e misérias fazem com que lhe tenhamos aversão e o julguemos hediondo.


***


Qual é o caminho da paz e da liberdade?

Esforça-te por fazer a vontade dos outros, mais do que a tua.

Prefere ter menos do que mais.

Procura sempre o último lugar e estar abaixo dos outros, sejam eles quem forem.

Ora com devoção para que seja feita em ti a vontade de Deus e não a tua.

Se assim te comportares, podes estar certo de que estás no caminho da beatitude.


***


Não desejes ter muitos relacionamentos nem a especial amizade de nenhum homem ou mulher.

Se o fizeres, distrais o espírito amenizando o tédio, mas vais ofuscar o teu coração.

Se estiveres completamente atento, com a porta do teu coração aberta para Deus, ouvirás a sua palavra. Essa palavra sagrada, revelar-te-á os segredos por cujo conhecimento tanto almejas.

Pensa no futuro. Humilha-te em todas as coisas, vigia e ora sem cessar.


***


Não julgues os actos dos outros.

Não interfiras em assuntos que não são da tua conta.

Assim, muito pouco ou mesmo em nada serás perturbado. 


***


Pede a Deus que te dê forças para resistir às tentações, paciência para suportar as atribulações e padecimentos, e constância para perseverar no caminho.


***


Não há nada que mais te prejudique neste mundo do que o amor-próprio.


***


De que te serve possuir e acumular infindavelmente muitas coisas exteriores?

Despreza-as e arranca o sentimento de posse do teu coração. 

Não penses que Deus se refere apenas ao dinheiro e às riquezas, mas também às honras e desejo de louvor, tudo coisas impermanentes, que passam e não te darão qualquer fruto espiritual.


***


Não te ofendas se alguns pensam mal de ti e dizem coisas que te entristecem quando as ouves.

Pensa ainda pior de ti mesmo e acredita que não há homem mais imperfeito do que tu.

Se estás centrado no teu interior, poderão as palavras, que são arrastadas pelo vento, causar-te algum prejuízo ou preocupação?


***


Aquele que não tem por desejo agradar aos homens e que não teme desagradar-lhes, gozará de uma constante beatitude.


***


O que mais te afasta das consolações de Deus é a ausência total de oração ou a sua falta no tempo certo.


***


Enquanto estiveres ligado pelo amor terreno a uma qualquer criatura, não te será possível ocupar de Deus.

Por isso, são muito poucos os contemplativos, pois poucos estão capacitados para se separarem das criaturas e dos objectos dos sentidos.


***


Enquanto o homem não obtiver a graça de ver a sua alma arrebatada para além dela mesma, desapegada de todas as criaturas e unida a Deus, tudo o que tem e o que é, tem muito pouco valor.


***


Os frutos de uma vida isenta de malícia só se multiplicam num coração inundado pela pureza.


***


Pergunta-se a respeito de um qualquer homem: O que é que ele fez? O que é que ele faz?

Queremos saber quem é ele na sua aparência.

Se é rico ou pobre, se é feio ou bonito, bem ou mal parecido, qual a sua profissão, quais os seus bens, se é erudito ou não; mas não perguntamos se é humilde, afável, paciente, compassivo, sábio e espiritual.

Consideramos o que ele tem de exterior, mas a graça de Deus penetra-o e perscruta o seu Coração. Nada mais importa.


***


Nunca serás livre se não renunciares a ti mesmo.


***


Abandona tudo e tudo encontrarás.

Renuncia aos teus desejos e goza a calma em todo o teu ser.

Medita nesta máxima. Não é prática para um dia, nem brincadeira de crianças crescidas. Ela encerra em si a perfeição da verdadeira religião.


***


É Deus quem te diz para trocares tudo o que existe de grande e precioso nas coisas humanas por uma coisa insignificante.

Pois os homens consideram insignificante a sabedoria divina, a única que é autêntica, que não se vangloria nem busca a admiração do mundo.

São muitos os que a louvam com a boca e matam no seu coração, como consequência dos actos da sua vida.

É esta a pérola preciosa que está escondida para a maioria dos homens que existiram, que existem e que hão-de existir.


***


Os que são considerados sábios neste mundo, e que só prezam os prazeres da carne, fragilizam a sua sabedoria, pois nela só irão encontrar um vazio abismal e morte.


***


Porque temes um homem mortal?

Já te apercebeste de que hoje existe para amanhã desaparecer definitivamente.

Não tenhas qualquer receio dos homens.

O que é que um homem pode fazer contra ti, seja por palavras, seja por outras ofensas?

É certo, que muito mais mal faz a si próprio do que a ti, e não conseguirá nunca evitar o julgamento divino.


***


Se fazes com que a tua paz dependa de uma outra pessoa, seja pelo mero hábito de com ela viveres, seja pelos sentimentos que nutris um pelo outro, estarás sempre irrequieto e desordenado.

Mas se buscares amparo na verdade que é imutável, não serás derrubado pela tristeza quando essa ou outra pessoa se aparta ou morre.


***


Quanto mais te distancias das coisas mundanas, mais te aproximas de Deus.

E a aproximação a Deus é directamente proporcional ao seu autoconhecimento. 

Quanto mais te exploras interiormente e mais imperfeito te julgas, mais perto estarás de Deus.  


***


Se te glorificas, impedes que a graça de Deus desça sobre ti; a graça do Espírito Santo busca os corações humildes.


***


Não te deixes influenciar pelas dissertações eloquentes e pelas doces palavras dos homens, pois o Reino de Deus não reside em discursos mas em obras.


***


O que são as palavras?

Ruído vão, que ressoa no ar mas não causa dano às pedras, que se mantêm incólumes.


***


Depois de muito leres, de muito ouvires, de tudo o que aprendeste, terás de voltar sempre ao princípio único de todas as coisas.


***


Quando vires um homem a elogiar outro, lembra-te que é um mentiroso a ludibriar outro mentiroso, um orgulhoso que engana outro orgulhoso, um cego que engana outro cego.

Os elogios vãos confundem quem os recebe.

S. Francisco disse “que o que o homem é aos teus olhos, Senhor, é o que ele é realmente, e nada mais”.


***


Recolhe-te num lugar isolado. Aprende a viver a sós contigo.

Não procures a companhia dos homens.

Ora a Deus frequentemente mantendo a tua consciência na pureza.

Que o mundo seja para ti um nada.

Ocupa-te de Deus em detrimento das obras exteriores.


***


Aquele que não está agrilhoado ao mundo terá inteira confiança e destemor na hora da sua morte.


***


A maior vitória é aquela em que te vences a ti próprio.

Se te queres vencer, corta a árvore pela raiz e destrói todos os teus restos de amor-próprio e dos objectos sensoriais.


***


A natureza humana satisfaz-se com um grande número de familiares e de amigos; vangloria-se da classe social e dos nascimentos nobres; aplaude e adula os ricos e os poderosos; é curiosa de segredos e de novidades.

A graça ama os seus inimigos e não se orgulha do número de familiares e amigos; não dá nenhuma importância à nobreza ou classe social; favorece a pobreza e não a riqueza; evita o mentiroso; não se alimenta da vã curiosidade e exorta os que são verdadeiramente bons a tornarem-se perfeitos, como perfeito é Deus.


***


Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida.

Sem o caminho não se progride.

Sem a verdade vive-se na ignorância.

Sem a vida não se vive, está-se morto em vida.

Ele é o Caminho a seguir.

É a Verdade que a ninguém ludibria.

É a Vida sem fim.

A vida recta, a verdade suprema, a vida sem começo nem fim, a bem-aventurança.

Acredita em Jesus se queres conhecer a verdade.

Se queres ser perfeito vende tudo o que tens e liberta-te das preocupações do século.

Se queres ser seu seguidor, renuncia a ti mesmo.

Se queres o Céu, humilha-te neste mundo.

Se queres estar com Ele no reino, transporta a tua Cruz como ele a transportou.


***


Ticiano


***



José Maria Alves


https://homeoesp.blogspot.com/


https://homeoesp.org/


Sem comentários: