carta aberta aos jovens
***
não confio nos políticos
não confio nos partidos
não confio nos magistrados
nem nos tribunais
não confio nas autoridades
nem nos asnos policiais
ignorantes das leis e da moral
dos direitos fundamentais
não confio em padres e seitas
sociedades e associações
maçons e opus dei
vivemos no seio
de uma multidão imunda
desonesta e imoral
odiosa e degradante
violenta e petulante
os pobres mais pobres
os ricos mais ricos
os pobres com fome
os ricos presunçosos
estômagos a abarrotar
do pão que tanto falta
aos por si explorados
numa triste ambição
que nunca acaba
neste mundo
são aos milhares
os gatunos
criminosos
corruptos
reis
presidentes
primeiros-ministros
ministros
outros governantes
banqueiros
gestores
magistrados
polícias
autarcas
empresários
e tantos mais
sendo sabido que
quem cabritos vende
e cabras não tem
dalgum lado lhe vem
o que todo o povo vê
e a que já se habituou
daí que o justo ladrão
permanecendo calado
demonstra pela lei
o que não pode ser
por lógica justificado
ou seja
que os cabritos são o justo proveito
de sementeira feita em mês de agosto
em quinta de um velho amigo
que não sendo agricultor
que não tendo terras
nem alguns lameiros
é também um homem honesto
e assim tudo fica impune
porque não há à direita
ao centro ou à esquerda
deputados que queiram
aprovar uma lei segura
que obrigue os ladrões
a demonstrar donde
tantos cabritos nascem
que não foram paridos
nem sequer amamentados
por cabras que existam
em prado que se conheça
assim ficando o assunto arrumado
não vão
eles
os colegas
- colegas na tropa são as putas -
a mulher
os filhos
família
os ou as amantes
e os amigos
ser presos
quem quiser um mundo novo
terá de lutar
quem quiser um mundo melhor
não poderá renunciar
é urgente uma revolução na consciência
é urgente uma revolução no amor
é urgente uma revolução nos valores
rebelião de urgência
aos princípios que nos regem
monstruosos e decadentes
desobediência civil
procura-se urgente
o futuro não será ridente
mas algo de demoníaco e aterrorizante
onde o homem será cada vez mais
lobo do próprio homem
canibal histórico de tantas atrocidades
que mente quando fala
e quando cala também mente
o século xx foi o século de caim
o xxi será o de satanás feito gente
este é o testamento que políticos
poderosos e dementes vos querem deixar
é esta a realidade
que vos querem esconder
e fazer esquecer
é esta a realidade
que vos querem deixar em testamento
caminho armadilhado de minas dissimuladas
repudiai tal testamento
renunciai a ideais contaminados pela ambição
pela crueldade e pela corrupção
que os seus obreiros
os transportem consigo
para o coval que para vós
tão bem demarcaram
é este o mundo que quereis pergunto-vos
que mundo é este
que gente esta
que bando sórdido
de famigerados malfeitores
padres pastores políticos celerados
falsos benfeitores autoridades corrompidas
profetas simulados pedófilos pederastas
mentirosos corruptos putrefactos
invocam as divindades
os livros sagrados
a constituição
mas comportam-se
como ladrões vigaristas
bandidos tratantes carteiristas
trafulhas embusteiros
é este o mundo
que vos ocultam
é este o mundo que quereis
respeitai tudo o que ao respeito se dá
indignai-vos e revoltai-vos contra
o que de nenhum respeito for credor
revoltai-vos
que cada um de vós
seja uma das vozes da indignação
que cada um de vós
seja uma das vozes da revolta
revoltai-vos
pelos pobres
pelos que passam fome
pelos que sofrem
e vêm seus filhos sofrer
sem nada para comer
pelos que morrem
à míngua de uma reforma
que lhes permita viver
pelos sem-abrigo
por todos os desvalidos
não olheis apenas para o vosso umbigo
revoltai-vos
um a um
cada um
por si
pelos outros
por todos
os que hão-de vir
onde houver amor
não haverá guerra
não haverá fome
onde houver liberdade
não existirá iniquidade
onde houver beleza
haverá felicidade
negai este mundo
não a realidade
mas os seus rótulos
a história da humanidade
é um incessante desfilar
de violência e morte
agressões e crueldade
mais guerras do que anos
hipocrisia cinismo falsa modéstia impostura
autocaridade corrupção aproveitamento próprio
por breves momentos
aspergida de compaixão
em que homens raros
de um planeta de predadores
purificados da avidez
da inveja e da ambição
nela derramaram amor
raros são
e raros serão
a menos que a revolta
se instale no vosso coração
os homens temem a morte
o que os espera
que não será o que desejam
nem o que julgam
temem o sofrimento
a doença a velhice
e esquecem os asnos
que cedo serão cinzas
levadas pelo vento
quem é que não viu homem ou mulher
num leito agonizante a sofrer
quem é que não viu um velho curvado
cabelos brancos o rosto amarelecido
rugas profundas e com dentes quebrados
por doença achacado e sem vontade de viver
quem é que não viu um cadáver
na sua cama ou no ataúde
em severa decomposição
sorte de rico e de pobre
a velhice a doença a morte
não escolhe nem espera
só morrendo em vida
conheceremos a morte
mas só pode morrer em vida
quem vive na realidade
do momento do agora
e não quem nunca viveu ou
à vida com paixão se deu
de que vos serve uma vida longa
se nem por um dia vos destes a essa vida
de que vos serve acumular anos
apegados a estúpidas ilusões e asnáticos ídolos
estúpidos artistas
saltimbancos de jornais
políticos falsos como áspides
borra-botas do futebol
e das revistas cor-de-rosa
que vos desvia do essencial e faz crer
que esse sórdido produto nacional
é a vossa glória e vosso ser
o esteio do vosso porvir
a fundação do vosso ter
para que gritais
e agitais bandeiras
mostrando aquilo que não sois
mas em que vos querem transformar
governar um bando de imbecis
assim será mais fácil governar
a imprensa vendida ao poder
à troca de influências
torna-vos presas fáceis
como um padre sem fé
de notícias manipuladas
e das suas consequências
não vos apegueis
a clubes
associações
partidos
selecções
grémios e
religiões
que mais não são do que prisões
erradicai
adivinhadores
bruxos
astrólogos
videntes
encantamentos
possessões
amarrações
bruxedos
mau-olhado
feitiçaria
e tantas outras crendices
forjadas por impostores
e apadrinhada pela comunicação social
e apresentadores de idiotices matinais
mãe de tantas sandices
artífice de tantos tolos idolatrados
que ignorados apenas deveriam ser
estado políticos filosofias religiões
são o ventre gestante de absurdos imperativos
que aniquilam a beleza e matam o amor
extermina-os
extermina de quando em vez o teu eu
para alcançares a liberdade
para alcançares a realidade
não há cristãos budistas muçulmanos hindus ateus democratas comunistas portugueses chineses
há homens
não há nações
somos cidadãos do mundo
que os cerimoniais
e outros aspectos formais da existência
vos não afectem nem iludam
um general numa farda imponente
com o peito minado de condecorações
um magistrado na sua beca negra
um presidente ou um primeiro-ministro
papudos e ventrudos
um papa de vestes opulentas
se nus
mais não são do que pobres-diabos
um papagaio engravatado
é sempre um papagaio engravatado
tal como um macaco vestido de púrpura
é sempre um macaco asinino
deita as citações no cesto dos papéis
tolo aprendiz da lida de catedrático
insensato como criança ou menino
lê-te a ti mesmo e à vida e esquece
a falsa sabedoria de mestres cegos
sociedade de aparências
carro topo de gama
casa luxuosa
carne para o cão que não há
peixe para o gato que não existe
esta a verdade nua e crua –
fome em casa
riqueza na rua
desmascarai temerariamente
embusteiros e hipócritas
que decentes e honestos
aos olhos do mundo querem aparecer
mas são grosseiros e viciosos
corruptos imorais e manhosos
criaturas vis violentas mesquinhas
para com seus irmãos e para ti
criaturas
miseráveis e infelizes
ansiosas em si
negai constituições
livros sagrados
leis e decretos
a vossa moral
está acima de todas as normas
está acima de todas as injunções
de regras criadas por seres abjectos
a democracia é uma mentira
inventada pelos ricos
para dominar os trabalhadores
os pobres e os necessitados
que votam nos seus exploradores
a justiça está doente
a economia apodrecida
a governação demente
a moral inexistente
corrupção e compadrio
qual a diferença entre o que
por dinheiro se vende
por qualquer valor
e quem por poder o faz
ou até por amor
e há os que se deixam corromper
e a outros corrompem
vendendo virtudes e água da fonte
aos coitados que não têm de comer
e há os que governam na mentira
e a todos mentem
vendendo falsidades por verdades
aos coitados que nem sabem ler
avaliai o progresso
entendei as suas duas faces
aniquilai-o sempre que destrua
o florescimento da vossa mente
esta sociedade capitalista já à falência foi apresentada
por débitos
o compadrio
o aproveitamento próprio
a corrupção
de governantes gestores e administradores
a miséria e resignação dos desvalidos
sem voz e coração aniquilado
para quem a mais forte esperança
apenas na morte habita
por créditos
a aparência
a falsidade
e a presunção
não permitam que os animais
sejam desumanamente tratados
quer por simples prazer
quer por negligência
quer ainda para utilização decorativa
um animal não é muito diferente de nós
e se o for
será para melhor
nasce envelhece sofre morre
tem sentimentos afeições e depressões
mas não mata por prazer
olhai nos seus olhos
senti as suas emoções
estai atentos às suas manifestações
dai-lhe voz
a eles
que se são diferentes
são diferentes
por leais
bem melhores do que nós
erguei a vossa voz em nome de quem a não tem
erguei sempre a vossa voz em nome de quem a não tem
miseráveis
pobres
velhos
enfermos
animais
não deixeis que o mundo
seja destruído pela ambição
as florestas já existiam antes do homem
agora seguem-se-lhe os desertos
são esses desertos que vos estão destinados
pobres jovens artificiosamente enganados
a humanidade está em nós
debruça-te sobre a tua janela
vê o desespero que desfila
a angústia que no coração se instala
o entusiasmo a fadiga a alegria
tudo isso somos nós
nós sós
nós e o mundo
o mundo e nós
o mundo somos nós
e nós somos o mundo
negai as revoluções colectivas
com obscuras intenções
vós apenas vós
cada um de vós
é a única e verdadeira revolução
não tentes mudar os outros
seja em nome de deus
seja do amor
seja de um qualquer ideal
mesmo que te acusem de seres indiferente ao mundo
lembra-os que a luz da polar é débil mas indica o norte com segurança aos navegantes
que algumas poucas gotas de água podem salvar a vida ao náufrago e
que uma candeia não ilumina uma floresta mas pode incendiá-la
não permitais que o homem mate
impiedosamente
em nome de um deus
de uma religião ou seita
do estúpido nacionalismo
de uma revolução dissimulada
do faccioso partidarismo
ou de qualquer outra mascarada
forjada por quem escrúpulos não tem
uma revolução violenta
é apenas uma revolução violenta
revolução política
falsa mudança do estado das coisas
a revolução individual
revolução psicológica
se por muitos realizada
tornará o mundo melhor
nenhuma revolução triunfa
se não revolucionar os vossos corações
se não modificar as vossas consciências
só atingirá objectivos válidos
se for o somatório das revoluções individuais
que cada um branda o acutilante e aguçado punhal da verdade
que cada um saia às ruas às praças sem temor e acuse os falsos doadores da felicidade e confiança
que cada um saia temerário às ruas para que as ruas sejam liberdade e para que o mundo seja esperança
para que não seja mais o reino do imundo
que saia sorrindo às estrelas e à lua
ao sol e ao luar de prata que exala dos olhos da criança nova
que governará um novo mundo
o amor dispensa a reciprocidade
o amor aniquila o egoísmo
o amor dispensa a moral
e torna obsoleto o direito
ama quem voa num oceano de liberdade
ama quem no deserto infindo se perde
se quem ama
vive mais no que ama
do que em si
já não está aqui
habita na eternidade
ama o amor
amor que é sensibilidade
por tudo e por nada
não dês para receber
e quando deres
que sejas tu a agradecer
que a vossa mão esquerda não saiba
o que a direita doa ou faz
não faças oferendas esperando retribuição
não compres a divindade com orações
não a confundas
com vigaristas e vendilhões
as uniões amorosas
só poderão sobreviver
enquanto o amor existir
se se extingue
extingue-se a relação
o casamento não é um contrato
forçado irresolúvel e vitalício
mas acordo a evitar
se se quiser gozar a liberdade
só haverá relação
só haverá confiança
na imersão total do amor
queres saber o segredo
o segredo dos segredos
não não é degredo
ou solidão -
morre para o passado
vive no mundo sem ser do mundo
caminha só na vereda da vida
com o abismo à espreita
solta amarras
iça a vela grande
e parte rumo ao nada
sem que temas a tempestade
nem desejes a calmaria
consciente de que nada nem ninguém
tem o poder de te retirar a paz e o amor
ninguém tem o poder
de te fazer feliz
és tu que decides
se queres ou não ser feliz
tu és o amor
o amor é beleza
o amor é liberdade
a liberdade é beleza
onde há
amor
liberdade
beleza
há paixão
e há criação
escolhe a tua própria liberdade
não deixes que por ti a escolham –
a liberdade de um rio
de uma árvore
dum milhafre
sê livre
não democrática
mas psicologicamente
liberta a tua mente
do ciúme inveja e ambição
abre a tua mão
aí está a liberdade
a liberdade sem limitação
vós sois livres
não sois carneiros
a apascentar nas colinas e outeiros
como rebanhos de homens
miseráveis e subjugáveis
não permitais que o estado
esse aborto horrendo eduque vossos filhos
não vos demitais do que por direito natural
vos foi confiado
os vossos filhos são a esperança do porvir
são a vossa esperança
são nossa fé e regozijo de nossa alma infeliz
se vos libertardes dos vossos condicionamentos
da autoridade interior e exterior
de dogmas crenças e doutrinas
sereis livres
expõe-te sem temor
a contenção sentimental
que visa o agrado
é pura hipocrisia
que cada um seja o que é
a mudança compulsiva pressupõe esforço
o esforço é contenda
a contenda padecimento
morrer para o passado
para viver o agora
ser-se o que se é
não querer ser
é o princípio da mudança
as coisas mudam constantemente
a cada momento
só o não-condicionado o entende
só o que está livre de contradição
que é independente e solitário
o percebe
só é livre
quem sozinho caminha
no deserto ou na multidão
na luz ou na escuridão
afasta todos os medos
- e são tantos -
não temas o conhecido
não temas o desconhecido
de nada te adianta conheceres a sua causa
escuta-o
escuta o sofrimento
ouve-o e sente
é apenas pensamento
morre com ele a cada instante
morre
e vive de novo
inocentemente
nunca te vergues a políticos e poderosos
o estado é a propriedade dos privilegiados
e os privilégios são iniquidades
e as injustiças devem ser exterminadas
não podemos confiar em nenhum sistema de governo
todos são em essência notoriamente corruptíveis
confiai em vós não nas instituições
confiai nas vossas próprias leis e determinações
qualquer governo
queiram ou não
transforma-se numa ditadura
de modo directo ou velado
num lugar de escravatura
num centro da opressão
o estado é um monstro frio
a quem o coração morreu
vive da carne e sangue
de indefesos e desgraçados
do luto dos esfomeados
não condeneis a riqueza
não deixeis que a inveja
vos consuma e dilacere
condenai a opulência
condenai a avareza
condenai a ganância
se os ricos forem cada vez mais ricos
que os pobres sejam cada vez menos pobres
por ora basta-nos
mas só por ora
depois se verá
que em vossas casas e países
não entrem os que no mundo
verdadeiros homicidas e ladrões
roubam e assassinam seu povo
alimentado no lixo dos latões
governantes sem piedade
criminosos da humanidade
tratai-os como merecem
sem um único aplauso
sem o menor indício de consideração
dizei bem alto
ide-vos salteadores
não há altos nem baixos dignitários
há bons e maus profissionais
prefere um bom varredor de ruas
a um mau presidente
propaganda eleitoral
promessas vãs
palavras dóceis
mentiras fáceis
beijos pelas ruas
e pelas feiras
um sorriso teatral
programas lançados à lua
o político tem duas línguas
raramente dando uso à primeira
que é a verdadeira
mas apenas à segunda
serva da oportunidade
e da sua necessidade
um político labrego
será sempre labrego
sem raiz
que porventura com o tempo
aprenderá a arte das palavras
melodiosamente falsas
com monco a escorrer do nariz
entre ter telhados de vidro
ou algum que de palha seja
preferível será não ter nenhum
não é o que tens não é o ter
que faz de ti quem és
se caminhas em quatro patas
descobre que podes caminhar em duas
vislumbrando novos horizontes
o brilho da opulência é a escuridão da alma
a alma da igreja é escura como breu
apregoa-se a pobreza a caridade
no meio de colunas e capitéis doirados
de paramentos ricamente bordados
que vestem hipócritas e falsos santos
enquanto jesus nu e faminto
em carne viva de chaga em dor
anda de porta em porta
na alma dos seus pobres
história negra a da igreja
tantas estrelas no céu profundo
tantas montanhas recortadas
pela luz cintilante da aurora
flores exuberantes
águas brilhantes
vales verdes de pão ondulante
e contudo
a hipocrisia e a baixeza
a pequenez e a farsa
a impostura e a falsidade
a verdadeira beleza
tudo transcende
seja a forma seja a cor
assim como a criação
só germina
onde existe destruição
paz caridade humildade
hinos de amor
palavras ocas
poder guerra e ambição
armas loucas
nas mãos
de assassinos
de políticos impostores
e falsos senhores
sem justiça justa
não há desenvolvimento económico
sem justiça comutativa
não há liberdade
há prisão
sem justiça distributiva
não há igualdade
há favores
sem educação
não há crescimento
há barbaridade
sem saúde
há miséria
dor e choro
que a justiça não seja uma ficção
que a igualdade seja uma realidade
que os homens sejam leais
que a magistratura desconheça a discriminação
e a autoridade as classes sociais
que não haja mais
uma justiça para ricos
uma justiça para pobres
uma saúde para ricos
e outra para pobres
não confundam nunca
conhecimento e sabedoria
vejam como o mundo se enche de sendeiros
de curta vista diplomados e
atestado está de doutores analfabetos
e de alguns analfabetos que são doutores
mandando quem menos sabe
porque se quem sabe ordenasse
fosse o que fosse
os impostores não teriam assento
nem lugar onde se acoitar
o que vale a ciência
quando confrontada com o céu estrelado
de que vale a filosofia
face ao deslumbre de um vale
enriquecido por um rio
aprende a usar os teus olhos
ouvidos nariz boca e mãos
irão conduzir-te à realidade
o trabalho é o que é
um modo de subsistência
nada tem de prestigiante
quando se transforma em luta
aí
mais não é
do que mulher da rua ou puta
trabalho e riqueza
são invenções do estúpido progresso
trabalhai porque tal é necessidade vital
mas não olvideis a paz a beleza e o amor
em prol duma estéril carreira profissional
não vos comporteis como senhores do cosmos
quando nem por um momento
vos aproximastes da verdade
e tudo o que importa é mistério
livros divinos da revelação ideia de deus
tudo o pensamento gerou
e o pensamento é limitado
construiu tudo o que está
para além da natureza
o que é limitado só pode atingir o limitado
nunca o absoluto que transcende o espaço-tempo
se o pensamento cessa de se movimentar
desaparece o eu
e aparece em todo o seu esplendor
a verdade o amor e a beleza
pensamento que cessa
quando o observamos em vigilância constante
sem implicar qualquer prática mortificante
isto é meditação
e meditação é a única coisa que vale a pena
se com ela termina o sofrimento
observar o pensamento e o seu movimento
numa vigilância passiva
e tudo o que nos rodeia
sem comparar ou interpretar
em constante desenvolvimento dos sentidos
ser
ser sem nada buscar
intensamente e com paixão
só com a meditação podes descobrir
o que está para além do espaço-tempo
enquanto paixão e amor caminham
de mãos dadas ausentes do pensamento
se julgas que deus existe procura-o
se julgas que não existe procura-o também
não aceites máximas
que se deus não existisse
seria necessário inventá-lo
ou
que se deus existisse
seria necessário matá-lo
procura-o dentro de ti
não recorras a qualquer autoridade
auto-investida por falsa revelação
mas se deus existe
não serás tu um seu escravo
e se o homem cria deus
não passa a ser escravo
da sua própria criação
não mates o deus verdadeiro
mas mata os deuses eleitos
e pelos homens criados
sinónimos de poder e riqueza
se julgas que a alma existe procura-a
se julgas que não existe procura-a também
se existe nada mais tens para saber
se não existe para saber mais nada tens
que queres tu da vida
eu
- e o que eu quero pouco importa porque apenas importa o que tu queres -
eu apenas quero
- o que é muito ou pouco
tu o dirás -
aniquilar o ciúme o ódio a agressividade
a impaciência a inquietude a inveja
a ilusão e os medos
quero compreender a inconsistência de anseios e apegos
libertar-me de todas as convicções e dogmas
destruir as experiências psicológicas passadas
ficar só
e em paz numa solidão afectuosa
olhar as estrelas e as nuvens que correm no céu azul
os rostos das crianças e das mulheres
os ribeiros e fontes da montanha
os picos da serrania
e o poente da minha existência
ficar só
estar só para amar indiscriminadamente
para amar de modo espontâneo
gratuitamente
quero observar as coisas tal qual são
sem interpretações ou justificações
o que é apenas o que é
é válido
o resto é ilusão
admite a impermanência
tudo é insegurança
e onde reina a efemeridade
a vida torna-se exuberante e colorida
não busques o sentido da vida
a vida é um dom
a ser vivido com intensidade
com paixão
em todos os seus momentos
neste mundo de predadores
não percas o discernimento e a bondade
transformando-te em escravo de sistema
asqueroso nojento e putrefacto
aprende com a serpente
que o teu espírito seja o dela
aprende com a pomba
que o teu coração seja o dela
enquanto a acácia cresce
crescerá a tua perspicácia
não ofenderás nem serás ofendido
não te perderás nem serás perdido
faz findar o sofrimento psicológico
prestígio ambição vir-a-ser o que não se é
ciúme sentimento de posse inveja ódio
limita-te a observar o que és
o querer ser é ilusão
a ilusão é dor
a dor é morte em vida
não há maior desdita
se queres modificar-te
começa por conhecer-te
minuto a minuto
instante a instante
e a mudança ocorrerá sem esforço
porque o que sempre se observa
destrói todos os sentimentos negativos
não aceites mestres
os lírios florescem sem auxílio
nasceram para si
e fenecem sozinhos
tu és o teu próprio mestre
sem caminho
porque para o amor
não há caminho
não há destino
e um cego não pode
outro cego conduzir
cuida-te dos aduladores
víboras da inveja
prefere um inimigo leal
a cem amigos de ocasião
a transformação da sociedade
depende de ti
apenas de ti
não depende do político
não depende do legislador
não depende da justiça
nem do religioso
és tu no teu próprio caminho
sem mapa e sem rumo
que dia a dia construirás o mundo
um novo mundo
não te mascares
sê tu tu mesmo sem adereços
aprende a viver com os recursos disponíveis
para que não te angusties na escassez
e não te vendas aos poderosos
morre para o passado já fenecido
e para o futuro inexistente
mantém-te no eterno-agora
começa sempre de novo
imaculadamente
só serás introduzido no mistério da morte
se a cada momento morreres para o eu
só criarás quando de tudo estiveres liberto
até da busca dessa liberdade
porque a criação tem a sua origem no novo
e sua essência é o todo
e a explosão da liberdade inocência
não sejas o jazigo magnificente
onde no interior reina a corrupção
não te deixes comprar
não compres
nem te vendas
seja
por valores
ou amores
o homem nobre cuja virtude se lê nos olhos
enfrenta qualquer risco ou afronta em favor
da verdadeira justiça e em detrimento da imoralidade
opta pela privação da liberdade ou mesmo pela morte
quando o poder instituído o instiga
a acatar normas manifestamente injustas
não corrompe
não se deixa corromper
não se deslumbra
com prestígio ou fama
não abjures como galileu
rejeitando a verdade
nem que para escapar à morte seja
ganha o pão com o suor do teu rosto
não com o suor de pobres e desvalidos
que os teus cofres não se encham
de oiro e pedrarias sujos de sangue e podridão
consome tu a vida
não deixes
que seja ela a consumir-te
tu és um cidadão do universo
universo que é dança e combate
que teu seja o tempo da justiça
e
no dia em que te sentires feliz sem razão
no dia em que sentires prazer em tudo e nada
no dia em que sem causa teu coração se alegrar
sabe que encontraste a terra-da-verdade
único lugar onde o amar é puro e gratuito
espontâneo verdadeiro e transparente como o vento
que encontraste a terra-da-felicidade-sem-fim
chamada reino
o teu reino
***
se nenhum de vós
nem que só um seja
for agora e no futuro
uma verdadeira revolução
para que vivi eu então
***
José Maria Alves
https://homeoesp.blogspot.com/
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