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OS TRATAMENTOS SUGERIDOS NÃO DISPENSAM A INTERVENÇÃO DE TERAPEUTA OU MÉDICO ASSISTENTE.

ARTE

terça-feira, 13 de julho de 2021

UPANISHADS I

 





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ISHA

o regente interior


****



no coração de todas as coisas

de tudo o que existe e persiste neste universo

habita deus            só ele e apenas ele 

              é a realidade

       o coração no coração


rejeita as aparências infundadas e exulta nele

            

não ambiciones a riqueza de ninguém


aquele que age sem apego

   e que mais de cem anos viver

      que executou o seu trabalho

         com devoção e sem desejo

            que não permanece ansioso

               pelos seus frutos

pode dizer ao mundo que existiu saciado

bem-amado                 bem-aventurado



quantos mundos abundam sem sóis

      velados pela negrura do espaço

            para esses mundos vão e vagueiam

                  depois da morte

os

ignorantes que assassinam o atman

os de alma imunda

os de mente corcovada


o atman é um só e só há um atman

sendo estático move-se mais veloz que o pensamento

os sentidos não o alcançam            é sempre primeiro

quieto ultrapassa tudo o que anda e corre


sem o atman não há vida

sem o atman não há nada


para o insensato

   o atman aparenta

      deslocar-se

embora não se mova

   está muito distante

      se bem que esteja próximo


                 o ignorante não o vê


                        está dentro e fora de tudo

                        leve como o ar

                        macio como o veludo 


abençoado o que contempla todos os seres no atman

                  e o atman em todos os seres

                   esse não abomina ninguém


            para a alma iluminada o atman é tudo

                   e tudo é atman e só o atman


não pode haver ilusão quando a harmonia impera

não pode haver pesar quando tudo se agrega

                                     num mesmo lugar


o atman está em toda a parte

é radioso                  imaterial

sem mácula              imperfeição

sem ossos                cartilagens

sem carne                ou órgão

é puro e o mal não o pode afectar 


aquele que vê

  aquele que pensa

    aquele que está acima de tudo

      o que existe por si

        é o que determinou a ordem perfeita

          entre objectos e seres

            desde o tempo que não tem princípio

             desde o tempo que não tem fim

                      tempo sem tempo


às trevas estão destinados

   os que tão-somente se consagram

à vida no mundo

e a negrume ainda maior

   os que se entregam

apenas à meditação


       viver unicamente no mundo leva a um resultado

                     meditar apenas a outro

                    assim falaram os sábios

                 no saber que lhes foi doado


aqueles que se consagram

   tanto à vida no mundo

      como à meditação

        através da vida no mundo superam a morte 

        através da meditação obtêm a imortalidade 


à escuridão estão destinados

   os que veneram o corpo e

      a uma escuridão ainda maior 

         os que veneram apenas o espírito


venerar unicamente o corpo tem uma consequência 

        venerar simplesmente o espírito tem outra

                  disseram-no os sábios


os que reverenciam corpo e espírito

pelo corpo vencem a morte e

pelo espírito atingem a imortalidade


simples e sábia verdade


    a face da verdade está oculta por brahman

      desvela-a para que te possa contemplar

         desvenda-a para que te possa amar

       contempla-a para que o possas habitar

             liberto da aparência e da ilusão


o teu corpo serão cinzas arrastadas pelos ventos

lembra-te de brahman e das tuas acções 

praticadas em todos os momentos da tua vida


invoca agni no momento da morte

que conhece todos os teus actos

roga-lhe a felicidade e a extinção do pecado

a libertação da reencarnação




***



****  


KENA

quem é que move o mundo


****


 

quem conhece

o poder de brahman

torna-se imortal



quem é que dirige a mente

   para que dela nasçam

      tantos pensamentos


quem é que faz com

   que a língua fale

      expressando ideias

          opiniões

            e reflexões


quem é que dispõe para

                           que o corpo tenha existência


quem é o ser cintilante 

                           que encaminha os olhos

à forma e à cor e os ouvidos ao som


                     o eu

          é o ouvido do ouvido

            a mente da mente 

               a fala da fala

           o alento do alento

              o olho do olho


   se abandonares a falsa identificação do eu

      com os sentidos e com a mente

        conhecendo que o eu é brahman

          quando abandonares este mundo

   serás como o que não tem princípio nem fim

          terás atingido a imortalidade


                       os olhos não o olham

                       a língua não o revela

                       a mente não o alcança


   não é conhecido

   não pode ser ensinado 

   é diferente do conhecido

   diferente do desconhecido 

                foi o que disseram os iluminados


o que não pode ser mencionado por palavras

mas pelo qual a língua fala é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens


aquele que não é conhecido pela mente 

mas pelo qual a mente conhece é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens


aquilo que não é visto pelos olhos

mas pelo qual os olhos vêem

entende que é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens


aquilo que não é ouvido pelos ouvidos 

mas pelo qual os ouvidos ouvem

sabe que é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens


aquilo que não é guiado pelo alento vital

mas pelo qual o sopro vital é conduzido

sabe que é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens


   se julgas que conheces a verdade de brahman

   sabe que o teu conhecimento é pouco ou nada

         

o que pensas ser brahman no teu eu

o que pensas ser brahman nos deuses

não é brahman


tens de conhecer a verdade

e não a aparência

de brahman


              não posso dizer que conheço brahman

                     em toda a sua magnificência 

                não posso dizer que o não conheço


aquele que melhor o conhece

      compreende no seu coração

            que nem sequer sabe que o não conhece


aquele que em verdade conhece brahman

é o que sabe que ele

está para além de todo o conhecimento


aquele que pensa que sabe não sabe


o insensato pensa que brahman pode ser conhecido

todavia o iluminado sabe

      que ele está para além de todo o conhecimento


aquele que compreende a vida de brahman

   resultado das acções do seu ser

      sensações percepções ou pensamentos

         é esse a quem a imortalidade é concedida 


conhecendo brahman adquire o poder

pelo conhecimento de brahman alcança

a vitória sobre a morte

      

bem-aventurado seja o homem 

      que ainda em vida

         compreende brahman

   

o homem que o não compreende

   padece de uma enorme perda


quando se apartam desta vida

   os iluminados que compreenderam brahman

      como o eu em todos os seres

         transformam-se em seres imortais



          conta-se que os deuses

          venceram os demónios

          pelo poder de brahman


          envaideceram-se

          a si atribuindo 

          a glória do combate


          brahman vendo a sua vanglória

          apareceu-lhes e

          eles não o reconheceram


os deuses pediram ao deus do fogo

que descobrisse quem era o espírito ininteligível


   o deus do fogo acercou-se

   do espírito

   que o questionou

   quem és tu e qual o teu poder


      sou o deus do fogo

      posso queimar tudo o que se manifesta na terra


         o espírito colocou na sua frente uma palha

         disse      queima esta palha

         o deus do fogo não a conseguiu queimar


junto dos outros deuses disse

este espírito é incompreensível


os deuses fizeram o mesmo pedido

ao deus do vento

      que se aproximou do espírito

      que o questionou


         quem és tu e qual é o teu poder

   

            sou o deus do vento

            voo célere

            atravessando os céus


            posso arremessar para os confins da terra

            tudo o que encontre à sua face

 

o espírito colocou na sua frente uma palha

disse      sopra esta palha


o deus do vento não a conseguiu mover


junto dos outros deuses disse

este espírito é impenetrável


então

os deuses pediram

ao maior de todos os deuses

que descobrisse quem era

o espírito indecifrável


      indra abeirou-se do espírito

      e o espírito desapareceu


         no seu lugar apareceu a deusa-mãe

         bela como a mais pura beleza

  

            indra contemplando-a com espanto

            questionou-a


               que espírito surgiu no nosso seio


era brahman e por ele obtivestes a vitória

por intermédio dele obtivestes a glória


            o deus do fogo

           o deus do vento

                e indra

       reconheceram brahman

antes de todos os outros deuses

  sendo os maiores entre eles


                     mas o supremo é indra

                 por mais perto ter estado dele

             e por ter sido o primeiro a reconhecê-lo



o poder de brahman

   aparece em tudo na natureza 

o poder de brahman

   aparece em todos os movimentos da mente do homem


admirável nas coisas e nos seres


o homem deve meditar em brahman noite e dia

e só o que nele medita dia e noite dele é digno 


o conhecimento secreto de brahman

foi-te revelado

                    integridade  

                    controlo de si 

                    desapego na acção

                    austeridade


este é o seu corpo

      os vedas os seus membros

            a verdade a sua alma



aquele que adquire o conhecimento

de brahman

que se liberta do mal

pode olhar sem se ofuscar

o que é eterno e supremo




***



****


KATHA

A morte como mestre


****




O segredo da imortalidade

   é encontrado

      na purificação do coração

         na meditação

         na realização da identidade

         do eu interiormente

         e de brahman exteriormente


a imortalidade

é simplesmente

a união com deus



num dia de primavera vajasrabasa

crendo alcançar uma graça divina

cumpriu um rito que lhe impunha

que se desfizesse de todos os seus bens


teve o cuidado de sacrificar somente o seu gado

e do seu gado unicamente os animais sem valor

animais velhos   infecundos   invisuais   aleijados 


nachiketa seu filho mais novo

   ao ver tanta avareza

      contrária às escrituras


pensou


um homem que cumpre um ritual

com presentes inúteis

está destinado à noite eterna


e disse


meu pai também eu vos pertenço      a quem me doareis



dar-te-ei à morte

disse o pai

 


nachiketa disse para si mesmo


sou de facto o melhor dentre os filhos

e discípulos de meu pai

ou estou pelo menos na categoria intermédia


se não na melhor

   também não na pior

                                 que valor terei

                                 para o rei da morte 


pai não deploreis

   a vossa promessa

      considerai como tem acontecido

         com aqueles que partiram antes

            e como será com aqueles que agora vivem


como o milho

um homem amadurece

e cai ao solo


como o milho

ele brota novamente

na estação propícia


      após assim falar

      o rapaz viajou para a casa da morte

      e teve de aguardar pelo seu rei

      durante três dias e três noites


o rei da morte saudou o brahmin e disse


   passastes três noites em minha casa

   e não recebestes a minha hospitalidade


      pedi portanto três dádivas

      uma por cada noite



nachiketa disse


morte

que assim seja


como primeira dessas dádivas

   peço que meu pai

      não fique ansioso a meu respeito

         que a sua ira se acalme

            e quando me mandares de regresso

               que ele me reconheça

                  e me dê as boas-vindas


a morte disse


                  por minha vontade

                  vosso pai

                  reconhecer-vos-á

                  e amar-vos-á como antes


      ao ver-vos vivo

      ficará com a mente tranquila

      e dormirá em paz


nachiketa disse


                    no céu não há medo

                    seja do que for ó morte

                    ensinai-me o sacrifício

                    do fogo que leva ao céu

                    para que não mais viva

                    onde não há fome e sede

         dor      doença     velhice      sofrimento


onde o simples pensamento

de envelhecer

faz com que todo o meu corpo

estremeça


este é o meu segundo desejo



         a morte ensinou a nachiketa 

         o sacrifício do fogo com

         todos os seus rituais


         no fim

         a morte disse


    concedo-te uma dádiva adicional

    a partir de hoje este sacrifício chamar-se-á

    sacrifício nachiketa

    assim te homenageio 


escolhe a terceira dádiva



nachiketa disse


quando um homem morre

há esta dúvida atormentadora


alguns dizem que ele existe

outros dizem que ele não existe


ensina-me a verdade


esse o meu terceiro desejo



a morte disse


                    este mistério

                    que te atormenta

                    intriga até os deuses

                    e é de compreensão

                    quase impossível



escolhe outra dádiva      nachiketa



nachiketa disse


morte

        vós dizeis que até os deuses

        ficam intrigados com este mistério

        e que não é de fácil compreensão


          haverá melhor mestre

          para o explicar

          do que vós

          que sois o rei da morte


haverá porventura qualquer dádiva que se iguale a esta


o rei da morte disse


                 pedi filhos e netos que viverão cem anos

                 pedi gado      elefantes      cavalos      ouro

                 pedi um reino imenso e poderoso


pedi não apenas doces prazeres

      mas também o poder

            além de qualquer pensamento

                   para experimentar sua doçuras


      farei de vós

      o supremo desfrutador

      de todas as coisas excelentes


não me peçais nachiketa

o mistério da morte


nachiketa disse


essas coisas durarão

somente até ao dia seguinte

ó destruidor da vida

e os prazeres que elas conferem

desgastam os sentidos


como poderá desejar a riqueza

rei da morte

                  aquele que por uma vez

                  já viu a vossa face 


a dádiva que escolhi peço


     tendo descoberto a companhia

          do imperecível e do imortal

                como quando vos conheci

                     como poderei eu sujeito

                           à decadência e à morte

e conhecendo bem a vaidade da carne

como poderei desejar uma vida longa



o rei da morte começou a ensinar

a nachiketa o segredo da imortalidade


o bem é uma coisa

o prazer é outra


estes dois diferindo nos seus propósitos

incitam à acção


abençoados são aqueles

que escolhem o bem


aqueles que escolhem o prazer

não atingem o objectivo


bem e prazer

apresentam-se ao homem


os sábios após examinarem ambos

distinguem um do outro


os sábios

preferem o bem ao prazer


os tolos guiados

por desejos carnais

preferem o prazer ao bem


vós ó nachiketa após haverdes

   observado os desejos carnais

      agradáveis aos sentidos

         renunciastes a todos eles


vós desviastes-vos do caminho lamacento

no qual muitos homens se atolam


distantes um do outro

            e levando a diferentes desígnios

encontram-se a ignorância

            e o conhecimento


eu considero-vos ó nachiketa

      como alguém

            que anseia pelo conhecimento

                  já que uma infinidade

                        de objectos agradáveis

                            foram incapazes de vos tentar



vivendo no abismo da ignorância

embora julgando-se sábios

tolos iludidos dão voltas e voltas

cegos que conduzem cegos


            ao jovem inadvertido

            traído pela vanglória

            das possessões terrenas

            não é indicado o caminho

            que leva à eterna morada 


      somente este mundo é real

      não existe porvir

                             pensando assim ele cai

                                       uma e outra vez

nascimento após nascimento

dentro das minhas mandíbulas


      a muitos não é outorgado

      ouvir sobre o eu


      muitos embora ouçam a seu respeito

      não o abarcam


maravilhoso é aquele

                             que fala a respeito do eu


inteligente é aquele

                             que aprende a respeito do eu


      a verdade sobre o eu

      não pode ser

      plenamente entendida

      quando ensinada

      por um homem ignorante


                as opiniões a seu respeito

                não fundadas no conhecimento

                divergem de um para outro


mais subtil do que o mais subtil

                 é esse eu

que está para além de toda lógica


ensinado por um mestre

que saiba que o eu

e brahman são um só


o homem deixa para trás

a vã teoria

e atinge a verdade


o despertar que conhecestes

      não vem do intelecto

            vem dos lábios dos sábios


                 bem-amado nachiketa

                        abençoado sois vós

                              porque procurais o eterno


bem sei

que os tesouros terrestres

duram pouco


a finalidade do desejo mundano

   os objectos resplandecentes

      que todos os homens ambicionam

         os prazeres celestiais que esperam granjear

            através de rituais religiosos

               tudo isso esteve ao vosso alcance

               a tudo isso renunciastes com firme resolução


o espírito

que habita internamente

que é imperceptível

visceralmente oculto

no lótus do coração

é difícil de ser conhecido


         o homem sábio

         que segue

         o caminho da meditação

         conhece-o

e liberta-se

tanto do prazer como da dor


      o homem que aprendeu

      que o eu está separado do corpo

      dos sentidos e da mente

      e que o conheceu integralmente

      tem as portas da felicidade abertas



nachiketa disse


                    ensinai-me ó rei

                    o que está para além do certo e do errado

                    para além da causa e do efeito

                    para além do passado

                    do presente e do futuro


o rei da morte 

disse


do objectivo

proclamado pelos vedas

dir-te-ei


      ele é       aum

      esta sílaba é brahman

      esta sílaba é suprema

      aquele que a conhece

      realiza o seu desejo


ela é o maior dos auxílios

é o símbolo mais elevado


aquele que a conhece é reverenciado

como um conhecedor de brahman


o eu cujo símbolo é aum

   é deus omnisciente

                              o que não nasce

                              o que não morre

                              o que não é nem causa nem efeito


esse ser primordial

           não nasceu

               é eterno


embora o corpo seja destruído

ele não é aniquilado


se o assassino pensa que mata

se o assassinado crê que é morto

nenhum dos dois conhece a verdade


o eu não mata

nem é morto


menor do que o menor

maior do que o maior

o eu habita para sempre

no coração de todos 


quando um homem está livre de desejos

com a sua mente e os seus sentidos purificados

observa a glória do eu e vive sem padecimento


   apesar de sentado

   viaja para longe

   embora repousando

   move todas as coisas


      não possui forma

      embora habite a forma


         no seio do transitório

         conserva-se permanente


o eu é supremo

e tudo penetra


o sábio conhecendo-o

na sua verdadeira natureza

transcende a dor


o eu

não é conhecido através do estudo das escrituras

nem através da subtileza do intelecto

nem através de muita ciência


é conhecido por aquele que por ele anseia 

e a ele se revela na sua magnificência


um homem não o poderá conhecer

através da aprendizagem

                                  se não renunciar ao mal

                                  se não controlar os seus sentidos

                                  se não acalmar a sua mente

                                  se não praticar a meditação


          para o eu

          brahmins e kshatriyas

          são apenas alimento

          e a morte é em si

          um condimento


tanto o eu individual

como o eu universal

penetraram na caverna do coração


      possamos nós nachiketa realizar o sacrifício

      que transpõe o mundo do sofrimento

      possamos nós conhecer o imorredoiro brahman

      que nada teme e que é o objectivo

      e abrigo de todos os que buscam a libertação


sabei que o eu é o cavaleiro

   que o corpo é a carruagem

      que o intelecto é o cocheiro

         que a mente são as rédeas


            os sentidos dizem os sábios

                são os cavalos

            os caminhos

                são os labirintos do desejo


os sábios consideram o eu

como aquele que se delicia

quando está unido ao corpo

aos sentidos e à mente


quando um homem

   não possui discernimento

      e tem a mente malgovernada

         os seus sentidos são ingovernáveis

            como os cavalos rebeldes de um cocheiro


     o que não detém critério

     cuja mente está abalável

     cujo coração está poluído

     nunca atinge o objectivo


nasce sempre de novo


           aquele

           que possui discernimento

           cuja mente está firme

           cujo coração é puro

           atinge a meta


e após tê-la alcançado

não nasce nunca mais


o homem

             que possui uma compreensão consistente

como cocheiro

             com uma mente controlada

como rédeas

         atinge a morada suprema de brahman

                     o que tudo permeia


brahman é a causa sem causa

brahman é o fim da jornada

brahman é a meta suprema


          os sentidos do homem sábio

          obedecem à sua mente

          a sua mente obedece ao intelecto

          o seu intelecto obedece ao ego

          o seu ego obedece ao eu


acordai

   o caminho é como

      a lâmina afiada

         de uma navalha

é estreito e difícil de trilhar


sem som

sem forma

impalpável

perdurável

sem sabor

sem odor

eterno

sem princípio

sem fim

inalterável

assim é o eu


quem o conhece está livre da morte


o que existe por si fez com que os sentidos

                     se voltassem para o exterior


o homem olha para o exterior e não vê

                        o que está no interior


raro é o que ansiando pela imortalidade

cerra os olhos para o exterior e contempla o eu


     os tolos seguem

     os desejos da carne

     e caem na armadilha da morte

     que tudo abarca


     os sábios sabendo que o eu é eterno

     não procuram as coisas passageiras


        aquele através de quem o homem vê

        saboreia      cheira      ouve      sente e tem prazer

        é o senhor omnisciente


é o eu imortal


quem o conhece

conhece todas as coisas


     aquele através de quem o homem

     vivencia os estados de sono ou de vigília

     é o eu que tudo permeia


quem o conhece não mais sofrerá


aquele que sabe

     que a alma individual

que aproveita

     os frutos da acção

é o eu que está sempre presente

     no coração            interiormente

que é o senhor do tempo

     do passado e do futuro

expulsa de si todo o medo

pois esse eu

é o eu imortal


     aquele que vê o que nasceu primeiro

     nascido da mente de brahman

     nascido antes da criação das águas

     e o vê habitar o lótus do coração

     vivendo entre elementos físicos

     contempla brahman


é certo que

o primeiro a nascer

é o eu imortal


o ser que é o poder de todos os poderes

que nasceu como a potência de todas as potências

que se incorpora nos elementos e neles existe

que penetrou no lótus do coração

é o eu imortal


aquele no qual o sol se levanta

   no qual se põe aquele que é a fonte

      de todos os poderes da natureza e dos sentidos

         aquele que não pode ser transcendido por nada

é o eu imortal


   o que está dentro de nós

   também está fora de nós


   o que está fora

   também está dentro


      aquele que vê diferença

      entre o que está dentro

                                  e o que está fora

      segue eternamente

      de morte para morte


brahman só pode ser alcançado

              pela mente purificada


brahman é

nada mais é


   aquele que vê o universo múltiplo

      e não vê a única realidade

         segue eternamente de morte para morte


            aquele ser do tamanho de um polegar

               habita profundamente dentro do coração


é o senhor do tempo

do passado e do futuro

quem o alcança nada mais teme


é o eu imortal


aquele ser do tamanho de um polegar

       é como uma chama que não faz fumo

senhor do tempo

do passado e do futuro

do hoje e do amanhã


é o eu imortal


como a chuva

   que cai numa colina

      com torrentes

         descendo pelos flancos

            assim corre aquele que

               depois de muitos nascimentos

                       vê a multiplicidade do eu

               como a água pura derramada

            dentro da água pura

         permanece pura

      o eu permanece puro

   ó nachiketa 

quando se une com brahman


         ao que não nasceu

         cuja luz da consciência

         brilha para sempre

         esse que é o eu


   pertence à cidade de onze portões

                  ou seja

   ao corpo com os seus orifícios


         aquele que medita

         sobre o governante dessa cidade

         não conhece mais sofrimento


atinge a libertação


         para esse ser não pode

         mais haver nascimento ou morte


o governante dessa cidade é o eu imortal


   o eu imortal

      é o sol que brilha no céu

         é a brisa que sopra no espaço

            é o fogo que queima no altar

               é o hóspede que habita a casa

                  é o que reside em todos os homens

                      é o que vive nos deuses

                         é o que está no éter

é o que abunda onde superabunda a verdade

                         é o peixe que nasce na água

                      é a planta que cresce no solo

                  é o rio que jorra da montanha

               é a realidade imutável       o ilimitável

            é o venerável instalado no coração

         é o poder que dá o sopro vital

      é o que pode permanece

   é o eu imortal


o homem não vive unicamente do sopro vital

vive também

do poder do eu que está dentro dele


ouve nachiketa


           vou falar-te do que não pode ser visto

           o brahman omnisciente e eterno


           vou falar-te do que sucede

           ao eu depois da morte física


   dos que ignoram o eu

      alguns ingressam em seres que possuem ventre

          outros reencarnam em plantas

             em consonância com as suas acções

                e com a ampliação do seu conhecimento


     o que está desperto em nós

     enquanto dormimos

     modelando em sonho

     os objectos dos nossos desejos

esse é brahman

o puro e imortal


todos os mundos

têm nele os seus seres

e ninguém o pode transcender

esse é o eu


tal como o fogo

   apesar de ser único

      toma a forma

         de todos os objectos

            que consome

               também o eu

                   embora único

                       toma a forma

                           de todos os objectos

                               que habita


          assim como o sol

          que revela todos os objectos

          àquele que vê

          não é atingido pelos olhos do pecado

          nem pela impureza dos objectos que vê

          também o eu que é único 

          habitando em tudo o que existe

          não é contaminado pelos males do mundo

          já que tudo transcende


é único

o senhor

o eu mais penetrante 


a partir de uma forma

ele faz de si mesmo muitas formas


àquele que vê o eu revelado

no seu próprio coração

pertence a eterna bem-aventurança


ao que vê o eu revelado no seu próprio coração

pertence a paz eterna

e a ninguém mais


nachiketa disse


de que modo ó rei da morte

encontrarei esse bem-aventurado

esse eu supremo e intraduzível

que é alcançado pelos sábios


será que brilha por si mesmo

ou reflecte a luz de outro


o rei da morte disse


          o eu

          não é iluminado pelo sol

          não é iluminado pela lua

          não é iluminado pelas estrelas

          não é iluminado pelo relâmpago

          não é iluminado pelas fogueiras na terra


     é a luz 

     que resplandece

     que a tudo

     proporciona luz


quando ele brilha

tudo brilha


   este universo é uma árvore

      que existe eternamente

         com as raízes voltadas para cima

              os ramos dispersados em baixo


a pura raiz da árvore

                             é brahman o eterno

em quem o céu a terra e o inferno

                             têm a sua existência

e a quem ninguém pode transcender

que é o eu


todo o universo

veio de brahman

move-se em brahman


para os que morrem

não há medo ou terror

quando conhecem brahman


     se um homem falha em alcançar brahman

     antes de abandonar o corpo

     esse corpo retornará ao mundo das coisas criadas


   na alma de uma criatura

      brahman é percebido claramente

         como se fosse visto num espelho


   no céu de brahman

      brahman é claramente percebido do mesmo modo

         como o homem que distingue a luz da escuridão


   no mundo dos espíritos dos mortos

       é contemplado como num sonho


   no mundo dos anjos aparece

      como se estivesse reflectido na água


os sentidos podem estar activos

   como no estado de vigília

          ou podem estar inactivos

                  como no sono


quem sabe que os sentidos

não são o eu imutável

não padece mais nesta e na outra vida



acima dos sentidos está a mente

acima da mente está o intelecto

acima do intelecto está o ego

acima do ego

está a semente não manifestada

a causa primordial


para além da semente não manifestada

está brahman

o espírito que tudo permeia

o incondicionado


     quem o conhece obtém a liberdade

     quem o conhece alcança a imortalidade


ninguém o contempla com os olhos

ele não tem forma que seja visível


é revelado no coração pelo autocontrolo e pela meditação

os que o conhecem tornam-se imortais


     quando todos os sentidos estão estáticos

     quando a mente está em repouso

     quando o intelecto não estremece

     esse é o estado eminente do devoto


a serenidade dos sentidos e da mente

foi definida como ioga

aquele que a alcança liberta-se da ilusão


no que não está livre da ilusão

essa serenidade é incerta e irreal

vai e vem e torna a ir e vir


as palavras não podem revelar brahman

a mente não o pode alcançar

os olhos não o podem ver



existem dois eus

o eu aparente

e o eu verdadeiro


     desses dois é o eu verdadeiro e unicamente ele

     que deve ser sentido como existindo realmente

          ao homem que o sentiu como existente

          ele revela a sua mais penetrante natureza


o ser mortal em cujo coração

o desejo está morto

torna-se imortal


o ser mortal em cujo coração

os nós da ignorância são desatados

torna-se imortal


estas são as verdades supremas das escrituras


   existem cento e um nervos

      que irradiam do lótus do coração

         desses nervos ascende

            o lótus de mil pétalas do cérebro


               se quando um homem morre

                  a sua força vital subir e passar

                     através desse nervo

                        vai atingir a imortalidade


                                 se a sua força vital

                            cruzar um outro nervo

                                              

o homem

vai para um outro plano da existência

e permanece sujeito ao nascimento e à morte


        a pessoa suprema 

        do tamanho de um polegar

        o eu que habita

        a caverna dos corações

        de todos os seres

        é puro e sempiterno


tal como extraímos a seiva da cana

assim deve o aspirante à verdade

com grande perseverança

separar o seu eu do corpo


quem conhecer o eu que vive

na caverna mais profunda do coração


unir-se-á a brahman

não morrerá jamais






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Versão livre dos Upanishads


***



José Maria Alves


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