SHANKARACHARYA
VIVEKA-CHUDA-MANI
A JÓIA SUPREMA DO DISCERNIMENTO II
***
***
O CORPO
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Este corpo é um envoltório físico.
O alimento possibilita o seu nascimento.
Pelo alimento vive;
sem alimento morre.
Este corpo consiste em epiderme, pele, carne, sangue, ossos e água.
Não pode ser o Atman, a pureza eterna, o que existe por si.
***
O corpo não existia antes do nascimento e não existirá depois da morte.
Existe por um breve lapso de tempo, no intervalo entre ambos.
A sua natureza é temporária e sujeita a mutação.
É um composto e não um elemento.
A sua vitalidade é um simples reflexo.
É um objecto sensorial, que pode ser percebido como um jarro de argila.
Como pode ser ele o Atman, o vivenciador de todas as experiências?
***
O corpo consiste em braços, pernas e outros membros.
Não é o Atman, pois quando um desses membros é amputado,
o homem continua a viver operando por meio dos outros órgãos.
O corpo é controlado por outrem.
Não pode ser o Atman, o que tudo controla.
***
O Atman observa o corpo com as suas variadas características, acções e fases de desenvolvimento.
Que esse Atman, que é a realidade permanente, tem uma natureza distinta da do corpo é um facto óbvio.
***
O corpo é um feixe de ossos unidos pela carne.
Sujo e cheio de imundícies.
O corpo nunca pode ser identificado com o Atman,
o que tudo conhece, o que existe por si só.
A natureza do Atman é diferenciada da do corpo.
***
Só o ignorante se identifica com o corpo,
composto de pele, carne, gordura, ossos e imundícies.
Aquele que possui o discernimento espiritual sabe que o Atman,
é o seu verdadeiro ser, a única realidade suprema.
***
O tolo pensa: "Eu sou o corpo.”
O sensato pensa: “Eu sou uma alma individual que está unida ao corpo.”
Mas o sábio, na grandeza do seu conhecimento e discernimento espiritual,
vê o Atman como a Realidade e pensa:
"Eu sou Brahman."
***
Tolos, parai de vos identificar com essa massa de pele, carne, gordura, ossos e imundícies.
Identificai-vos com Brahman, o Absoluto, o Atman imanente a todos os seres.
Só assim podereis atingir a paz suprema.
***
O homem inteligente pode ser versado no Vedanta e nas leis morais.
Mas não tem a menor possibilidade de se libertar,
enquanto não deixar de se identificar com o corpo e os órgãos sensoriais.
Essa identificação é fruto da ilusão.
***
Nunca vos identificais com a sombra projectada pelo vosso corpo, nem com o seu reflexo,
nem com o corpo que vedes num sonho ou na vossa imaginação.
Por isso, não deveis identificar-vos com este corpo.
***
Aqueles que vivem na ignorância identificam o corpo com o Atman.
Essa ignorância é a causa e a origem do nascimento, da morte e do renascimento.
Deveis empenhar-vos diligentemente para que seja destruída.
Quando o vosso coração estiver livre dessa ignorância, já não haverá nenhuma hipótese de renascimento.
Tereis alcançado a imortalidade.
***
O envoltório do Atman denominado de envoltório vital é composto pela força vital e pelos cinco órgãos da acção.
O corpo é denominado envoltório físico e começa a existir quando é resguardado pelo envoltório vital.
É assim que o corpo se envolve na acção.
***
Esse envoltório vital não é o Atman.
Semelhante ao ar, entra e sai do corpo.
Não sabe o que é bom ou mau para si mesmo ou para os outros.
Depende sempre do Atman.
***
A PURIFICAÇÃO
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A mente com os órgãos da percepção forma o envoltório mental.
Produz a consciência do “eu” e do “meu”.
Permite-nos distinguir os objectos.
É dotada da faculdade de distinguir os objectos nomeando-os.
É manifesta e envolve o envoltório vital.
***
O envoltório mental pode ser comparado ao fogo dos sacrifícios; alimentado pelo combustível de muitos desejos.
Os cinco órgãos da percepção actuam como sacerdotes.
Os objectos do desejo derramam-se sobre ele como um fluxo contínuo de oblações.
Assim este universo fenomenal começa a existir.
***
A ignorância não está em parte alguma a não ser na mente.
A mente está repleta de ignorância, e a ignorância gera a servidão do nascimento e da morte.
Quando no conhecimento do Atman, o homem transcende a mente,
o universo fenomenal retira-se da sua consciência.
Quando o homem vive no domínio da ignorância mental,
o universo fenomenal tem para ele existência.
***
No sonho, a mente está desapercebida do universo objectivo,
mas cria pela sua própria faculdade um universo completo, com sujeito e objecto.
O estado de vigília não passa de um sonho prolongado.
O universo fenomenal existe na mente.
***
No sono sem sonhos, quando a mente não está a operar, não há nada que exista.
Esta é a nossa experiência universal.
O homem parece estar submetido ao nascimento e à morte,
o que é uma criação quimérica da mente e não uma realidade.
***
O vento acumula as nuvens
e o vento volta a espalhá-las.
A mente cria a servidão
e a mente remove-a.
***
A mente cria o apego ao corpo e às coisas do mundo.
Com isso amarra o homem, tal como um animal é amarrado por uma corda.
Mas é também a mente que cria no homem uma profunda repugnância
pelos objectos dos sentidos, como por um veneno.
Deste modo, ela liberta-o da sua servidão.
***
A mente é a causa da escravidão do homem e também da sua libertação.
Produz a servidão quando é obscurecida por rajas,
e produz a libertação quando se desembaraça de rajas e tamas, purificando-se.
***
Quando se pratica o discernimento e a impassibilidade, com exclusão de tudo o mais, a mente purifica-se
e caminha no sentido da libertação.
O homem sábio que busca a libertação deve fortalecer no seu íntimo essas duas qualidades.
***
O tigre temível denominado mente impura ronda a floresta dos objectos dos sentidos.
O homem sábio, que busca a libertação não deve ir para lá.
***
A mente do experimentador cria todos os objectos que ele experimenta no estado de vigília ou de sonho.
Persistentemente, a mente cria diferenças nos corpos, na cor, na condição social e na raça dos homens.
Cria as variantes dos gunas. Cria desejos, acções e os frutos das acções.
***
O homem é puro espírito, livre de qualquer apego.
A mente ilude-o. Acorrenta-o com os grilhões do corpo, dos órgãos sensoriais e da respiração vital.
Produz nele a consciência do “eu” e do “meu”.
Faz com que deambule, interminavelmente, por entre os frutos das acções que gerou.
***
O equívoco de confundir o Atman com o não-Atman é a causa da roda do nascimento, morte e renascimento do homem.
Essa falsa identificação é produzida pela mente.
É a mente que causa a miséria da roda do nascimento, morte e renascimento
para o homem carenciado de discernimento e poluído por rajas e tamas.
***
O sábio, que conhece a Realidade, declara que a mente está repleta de ignorância.
Devido a essa ignorância, todas as criaturas do universo são irremediavelmente impelidas de lá para cá, como nuvens fustigadas pelo vento.
***
Por isso, aquele que busca a libertação deve trabalhar arduamente para purificar a mente.
Quando a mente se purificou, a libertação é tão fácil de colher quanto o fruto que está a um palmo da nossa mão.
***
Procura sinceramente a libertação e a tua ambição pelos objectos sensoriais será arrancada pela raiz.
Pratica o desapego em relação a todas as acções.
Crê na Realidade. Consagra-te à prática das disciplinas espirituais, tais como ouvir a palavra de Brahman, reflectir e meditar sobre ela.
Deste modo a mente libertar-se-á do mal de rajas.
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O envoltório mental não pode ser o Atman.
Ele tem princípio e fim, e está sujeito à mudança.
É a residência da dor. É um objecto da experiência.
Aquele que vê não pode ser a coisa que é vista.
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O ENVOLTÓRIO DO INTELECTO
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A faculdade do discernimento com as suas capacidades de inteligência, junto com os órgãos da percepção, é conhecida como envoltório do intelecto.
A sua qualidade característica é a de ser o agente da acção.
É ele que causa o nascimento, a morte e o renascimento do homem.
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O poder da inteligência inerente ao envoltório do intelecto é um reflexo do Atman, a Consciência Pura.
O envoltório do intelecto é um efeito de Maya.
Possui a faculdade de conhecer e de agir e identifica-se inteiramente com o corpo e os órgãos sensoriais.
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Não tem começo, determina-se pela sua consciência do ego e constitui o homem individual.
É o revelador de todas as acções e empreendimentos.
Impelido pelas tendências e impressões formadas em nascimentos anteriores, pratica acções virtuosas ou pecaminosas e sofre as suas consequências.
***
O envoltório do intelecto amontoa experiências,
passando por muitos ventres de grau superior ou inferior.
Pertencem-lhe os estados de vigília e de sonho.
É objecto das dores e das alegrias.
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Atenta a sua consciência do “eu” e do “meu”, identifica-se constantemente com o corpo e com os estados físicos,
assim como com as obrigações pertencentes aos diferentes estágios e ordens da vida.
Este envoltório do intelecto brilha com uma luz intensa devido à sua vizinhança com o Atman cintilante.
É uma aparência do Atman.
Quando o homem se identifica com ele, vagueia em volta do círculo do nascimento, morte e renascimento,
como consequência da sua ilusão.
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O Atman, que é Consciência Pura, é a luz que brilha no santuário do Coração, o centro de toda força vital.
É imudável, mas torna-se o “actor e o experimentador” quando é desacertadamente identificado com o envoltório do intelecto.
***
O Atman assume as limitações do envoltório do intelecto
porque é erroneamente identificado com esse envoltório,
que dele se distingue por completo.
Esse homem, que é o Atman, julga-se separado dele e de Brahman,
que é o Atman único de todas as criaturas.
Do mesmo modo, o homem ignorante pode considerar um jarro como algo diferente da argila de que este é feito.
***
Pela sua natureza, o Atman é eternamente imutável e perfeito,
mas assume o carácter e a natureza dos seus envoltórios por ser erroneamente identificado com eles.
Embora desprovido de forma, o fogo assumirá a forma do ferro incandescente.
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A ILUSÃO
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O discípulo disse:
Ou por causa da ilusão ou por alguma outra razão, o Atman parece ser o eu individual.
Essa identificação incorrecta não tem começo; e o que não tem começo também não pode ter fim.
Este equívoco sobre a identidade da alma individual deve ser eterno, e a sua deambulação através da roda do nascimento, morte e renascimento há-de continuar por todo o sempre.
Como poderá haver libertação?
Mestre tende a bondade de mo explicar.
***
O Mestre respondeu:
A tua pergunta é apropriada, ó homem prudente.
Ouve-me com toda a tua atenção.
Uma coisa que foi gerada pela ilusão e só existe na tua imaginação, jamais poderá ser aceite como um facto.
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Pela sua natureza, o Atman é eternamente livre, sem forma e está para além de qualquer acção.
A sua identificação com os objectos é imaginária, irreal.
Dizemos “o céu é azul”, mas o céu tem alguma cor?
***
O Atman é a testemunha, está para além de qualquer predicado, de qualquer acção.
Pode ser directamente compreendido como Consciência Pura e infinita bem-aventurança.
A sua aparência de alma individual decorre da ilusão do nosso discernimento e carece de realidade.
A sua aparência de alma individual só dura enquanto dura a nossa ilusão,
uma vez que esse equívoco resulta de uma ilusão do nosso raciocínio.
Enquanto perdurar a ilusão, a corda parecerá ser uma serpente; terminada a ilusão, a serpente deixa de existir.
***
A ignorância e os seus efeitos existem desde sempre.
Embora não tenha tido princípio, chega ao fim com o despontar do conhecimento.
É completamente destruída, com as suas raízes, tal como os sonhos, que se desvanecem por inteiro ao acordarmos.
Quando uma coisa que antes não existia começa a existir, isso implica que ela era inexistente desde sempre.
Mas essa inexistência, embora não tenha tido princípio, cessa assim que tal coisa começa a existir.
Fica claro, que a ignorância, conquanto não tenha tido princípio, não é eterna.
***
Vemos que um estado anterior de não-existência pode chegar ao fim, muito embora não tenha princípio.
O mesmo sucede com a aparência de um “eu”.
Essa aparência deve-se a uma falsa identificação do Atman com o intelecto e os demais envoltórios.
O Atman, por sua natureza, é fundamentalmente distinto e apartado dos envoltórios.
A identificação do Atman com a mente e outros, é causada pela ignorância.
***
Essa falsa identificação só pode ser dissipada pelo conhecimento perfeito.
O conhecimento irrepreensível, segundo as escrituras reveladas,
é a compreensão do Atman na sua unidade com Brahman.
***
A compreensão é alcançada por meio de um discernimento absoluto entre o Atman e o não-Atman.
O homem deve praticar o discernimento entre o Atman e o “eu” individual.
***
Assim como uma água barrenta resplandece cristalinamente quando o barro é removido,
assim o Atman cintila quando se lhe extraem as impurezas.
***
Quando as trevas da não-realidade se desvanecem,
o Atman eterno é revelado.
O homem deve dedicar-se a libertar o Atman
das irrealidades do egotismo e da ilusão.
***
O envoltório do intelecto, de que estivemos a falar, não pode ser o Atman pelas seguintes razões:
Está sujeito a mudanças;
a inteligência não é a sua inerente natureza;
é finito;
é um objecto da experiência;
é transitório.
O não-eterno não pode ser o eterno Atman.
***
O ENVOLTÓRIO DA BEM-AVENTURANÇA
***
O envoltório da bem-aventurança é o envoltório do Atman,
que recebe um reflexo do bem-aventurado Atman.
Esse envoltório é uma criação da nossa ignorância.
A sua natureza consiste nos vários graus de felicidade que são vivenciados quando um objecto desejado é conquistado.
A sua natureza bem-aventurada é experimentada espontaneamente pelos homens rectos e puros, quando colhem os frutos das suas boas acções.
Expressa a alegria que todos os seres vivos podem experimentar sem que façam algum esforço.
***
O envoltório da bem-aventurança é-nos totalmente revelado no estado de sono profundo.
É parcialmente revelado nos estados de vigília e de sonho, quando um objecto desejável está a ser desfrutado.
***
Este envoltório da bem-aventurança não pode ser o Atman pelas seguintes razões:
tem limitações;
é um efeito de Maya;
a sua natureza aprazível é sentida como o resultado de boas acções;
é da mesma espécie que os demais envoltórios,
que são produtos de Maya.
***
Se reflectirmos e meditarmos sobre a verdade das escrituras,
transcendendo todos os cinco envoltórios da ignorância,
compreenderemos a existência fundamental,
que é o Atman, a testemunha, a consciência infinita.
***
O Atman brilha por si mesmo,
é distinto dos cinco envoltórios.
É a testemunha dos três estados de consciência: vigília, sonho e sono profundo.
Ele é existência, imutável, puro, eternamente bem-aventurado.
Deve ser compreendido pelo homem sábio, que é o Atman que habita no interior do seu Coração.
***
O ATMAN É BRAHMAN
***
O discípulo disse:
Mestre, se rejeitarmos esses cinco envoltórios como irreais, parece-me que nada mais restará, senão o vazio.
Como pode haver uma existência que o sábio pode compreender como sendo una com o seu Atman?
***
O Mestre disse:
Eis uma boa pergunta, ó homem sensato. O teu argumento é engenhoso.
No entanto, deve haver uma existência, uma realidade, que alcance a consciência do ego e os envoltórios,
e que também esteja consciente do vácuo, que é a ausência deles.
Essa realidade que existe por si mesma, permanece desapercebida.
Desenvolve a percepção de que podes conhecer o Atman, que é o sabedor.
***
Aquele que experimenta está consciente de si mesmo.
Sem aquele que experimenta,
não pode haver autoconsciência.
***
O Atman é a sua própria testemunha, já que está consciente de si mesmo.
O Atman não é outro senão Brahman.
***
O Atman é Consciência Pura, que se manifesta como subjacente aos estados de vigília, de sonho e de sono sem sonhos ou sono profundo.
É experimentada interiormente como consciência permanente, a consciência de que “eu” sou “Eu”.
É a imutável testemunha que experimenta o ego, o intelecto e todo o resto, com as suas várias formas e mudanças.
É compreendido no íntimo do nosso Coração como existência, conhecimento e bem-aventurança.
Realiza esse Atman no santuário do teu próprio Coração.
***
O insensato vê o reflexo do Sol na água de uma jarra e pensa que ele é o Sol.
Enleado na ignorância da sua ilusão,
o homem vê o reflexo da Consciência Pura nos envoltórios,
e confunde-o com o “Eu” autêntico.
***
Para olhar o Sol deves afastar-te da jarra, da água e dos reflexos do Sol na água.
O sábio percebe que estes só são revelados pelo reflexo do Sol, que brilha por si mesmo.
Não são o próprio Sol.
***
O corpo, o envoltório do intelecto, o reflexo da consciência sobre ele, nada disso é o Atman.
O Atman é a testemunha, a consciência infinita, o que revela todas as coisas,
mas difere de todas elas, quer sejam grosseiras ou subtis.
É a realidade eterna, omnipresente, que a tudo penetra, a mais subtil das subtilezas.
Não tem interior nem exterior. É o “Eu” verdadeiro, oculto no santuário do Coração.
Compreende plenamente a verdade do Atman. Sê livre do mal e da impureza, e passarás para além da morte.
***
Conhece o Atman, supera as desventuras e atinge a fonte da alegria.
Sê iluminado por esse conhecimento e nada terás a temer.
Se queres encontrar a libertação, não há outro meio de romper os grilhões do renascimento.
***
O que é que pode destruir a servidão e a miséria neste mundo?
O conhecimento de que o Atman é Brahman.
Então compreenderás Aquele que é o um-sem-segundo, a suprema bem-aventurança.
***
Apreende a natureza de Brahman e não haverá mais retorno a este mundo, residência de todas as desventuras.
Deves compreender, sem dúvidas ou hesitações, que o Atman é Brahman.
***
Aí alcançarás Brahman para todo o sempre.
Ele é a verdade. É existência e conhecimento. É absoluto. É puro e existe por si mesmo. É alegria eterna, alegria sem fim.
Não é outro senão o Atman.
***
O Atman é uno com Brahman: tal é a verdade suprema.
Só Brahman é real. Nada existe senão Ele.
Quando o conhecemos como a Realidade suprema, não há outra existência senão Brahman.
***
O UNIVERSO
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Brahman é a realidade, a existência única, absolutamente independente do pensamento humano.
Devido à ignorância da nossa mente, o universo parece compor-se de diversas formas.
No entanto, o universo é Brahman.
***
Um jarro feito de argila nada mais é do que argila.
A forma do jarro não tem existência própria.
Que é, pois, o jarro? Um mero nome inventado!
***
A forma do jarro nunca poderá ser entendida separada da argila.
Que é, então, o jarro? Uma aparência!
A realidade é a própria argila.
***
Este universo é um efeito de Brahman. Nunca será outra coisa senão Brahman.
Separado de Brahman ele não existe. Exteriormente a Ele nada existe.
Quem diz que este universo tem uma existência independente continua a ser vítima da ilusão.
É como um homem que fala durante o sono.
***
“O universo é Brahman”, assim o diz o grande vidente do Atharva Veda*.
O universo nada mais é do que Brahman. Sobrepõe-se a Ele. Não tem existência própria, fora da sua base.
- * Atharva Veda é um texto sagrado do hinduísmo, que faz parte dos quatro livros dos Vedas. É o quarto dos ditos Vedas. -
***
Se o universo, tal como o percepcionamos, for real, o conhecimento de Atman não irá pôr termo à nossa ilusão.
As escrituras seriam falsas. As revelações das encarnações divinas não fariam qualquer sentido.
Essas opções não podem ser consideradas nem desejáveis nem benéficas por nenhum indivíduo pensante.
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Sri Krishna, o Senhor encarnado, que conhece o segredo de todas as verdades, diz no Bhagavad Guitá:
“Embora eu não esteja em nenhuma criatura, todas as criaturas estão em mim. Não quero dizer que elas existam fisicamente em mim. Esse é o meu divino mistério. O Meu Ser sustenta todas as criaturas e dá-lhes existência, mas não tem nenhum contacto físico com elas”.
***
Se este universo fosse real, continuaríamos a percebê-lo no sono profundo.
Mas nada percebemos nesse estado.
Portanto ele é irreal, tal como os nossos sonhos.
***
O universo não existe fora do Atman.
A percepção que dele temos como provido de uma existência autónoma
é falsa, tal como a nossa percepção do azul no céu.
Como pode um atributo sobreposto ter uma existência qualquer que seja, exterior ao seu fundamento?
Só a nossa ilusão pode produzir essa falsa concepção da realidade subjacente.
***
Não interessa o que o homem iludido pensa estar a compreender; em verdade, ele está a ver Brahman e nada mais do que Brahman.
Ele vê a madrepérola e imagina que está a ver prata.
Vê Brahman e imagina que Ele é o universo.
Porém esse universo, que é acrescentado a Brahman, não passa de um nome.
***
EU SOU BRAHMAN
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Brahman é o supremo. É a realidade; o um-sem-segundo.
É Consciência Pura, livre de qualquer mácula. É serenidade.
Não tem começo nem fim. Não conhece mudanças.
É a alegria eterna.
***
Brahman transcende a aparência do múltiplo, criado por Maya.
É eterno, perpetuamente fora do alcance da dor;
é indiviso, incomensurável, sem forma, sem nome, indiferenciado, imutável.
Brilha com a sua própria luz.
Está em todas as coisas que podem ser conhecidas neste universo.
***
Os videntes iluminados percebem-no como a realidade suprema, infinita, absoluta, sem partes.
A Consciência Pura.
Nele descobrem que o conhecedor, o conhecimento e a coisa conhecida se tornam unos.
***
Eles conhecem-no como a realidade que não pode ser recusada,
já que está sempre presente na alma humana,
nem capturada, já que está além do poder da mente e da palavra.
Sabem que é imensurável, sem princípio, sem fim, supremo na sua glória.
Eles compreendem a verdade mais elevada: “Eu sou Brahman”.
***
TU ÉS ISSO
***
As escrituras estabelecem a absoluta identidade de Atman e Brahman ao declarar reiteradamente: “Tu és Isso”.
Os termos “Atman” e “Brahman” na sua verdadeira significação, referem-se respectivamente a “Isso” e “Tu”.
***
No seu sentido literal, “Brahman” e “Atman” têm atributos opostos,
como o Sol e o pirilampo,
o rei e o servo,
o oceano e o poço,
ou o monte Meru e o átomo.
A identidade de ambos só é estabelecida quando os compreendemos no seu verdadeiro significado
e não num sentido reducionista.
***
“Brahman” pode referir-se a Deus, o soberano de Maya e criador do universo.
O "Atman" pode referir-se à alma individual, associada com os cinco envoltórios que são efeitos de Maya.
Desse ponto de vista possui atributos opostos. Mas essa aparente oposição é causada por Maya e pelos seus efeitos.
Portanto, ela não é real, mas acrescentada.
***
Esses atributos produzidos por Maya e seus efeitos são sobrepostos a Deus e à alma individual.
Quando são completamente eliminados, nem a alma nem Deus permanecem.
Se tomarmos o reino de um rei e as armas de um soldado, não existem nem soldado nem rei.
***
As escrituras repudiam qualquer ideia da existência de uma dualidade em Brahman.
Que o homem busque a iluminação no conhecimento de Brahman, como determinam as escrituras.
Então aqueles atributos, que a nossa ignorância sobrepôs a Brahman, desaparecerão.
***
Brahman não é nem o universo material nem o universo subtil.
O mundo aparente é produzido pela nossa imaginação na sua ignorância.
Não é real. É como ver na corda a serpente. É como um sonho passageiro.
O homem deve praticar o discernimento espiritual, libertando-se da consciência que tem do mundo objectivo.
***
Que medite sobre a identidade de Brahman e do Atman e compreenda a verdade.
***
Pelo discernimento espiritual, que perceba o verdadeiro sentido dos termos “Brahman” e “Atman”,
compreendendo a identidade de ambos.
Vê em ambos a realidade e verás que não há senão Um.
***
Quando dizemos: “Este homem é o mesmo Devadatta* que encontrei antes”, instituímos uma identidade pessoal desvalorizando as qualidades que lhe foram acrescentadas pelas circunstâncias do nosso encontro anterior.
De modo exactamente idêntico, quando consideramos o ensinamento espiritual expresso nas palavras “Tu és Isso”, devemos desprezar os atributos que foram acrescentados a “Isso” e a "Tu".
- * Devadatta, irmão de Ananda e primo de Gautama, o Buda, de quem se tornou discípulo e posteriormente inimigo. É descrito como um homem vicioso e invejoso. Terá chegado a tentar matar Buda por inveja. -
***
O homem sábio dotado de verdadeiro discernimento compreende que a essência de Brahman e Atman é a Consciência Pura e assim percebe a sua identidade absoluta.
A identidade de Brahman e Atman é declarada em centenas de textos sagrados.
***
Abandona a falsa noção de que o Atman é esse corpo, esse espectro.
Medita sobre a verdade de que o Atman não é “nem denso nem subtil, nem baixo nem alto”,
de que existe por si mesmo, livre como o céu, fora do alcance do pensamento.
Purifica o teu Coração até chegares ao conhecimento de que “Eu sou Brahman”.
Realiza o teu próprio Atman, a Consciência Pura e infinita.
***
Assim como um jarro ou um vaso de argila nada mais é do que argila,
assim este universo, nascido de Brahman é apenas Brahman,
pois nada existe fora de Brahman, nada existe para além dele.
Isso é a realidade. Isso é o nosso Atman.
Portanto, “Isso és Tu”, puro, bem-aventurado, o supremo Brahman, o primeiro-sem-segundo.
***
Podes sonhar com lugares, tempos, objectos, indivíduos.
São irreais.
No estado de vigília vivencias este mundo,
mas essa experiência brota da tua ignorância.
É um sonho prolongado e irreal.
Como irreais são esse corpo, esses órgãos, essa respiração vital, essa consciência do ego.
Logo, “Tu és Isso”, o puro, o bem-aventurado, o supremo Brahman, o primeiro-sem-segundo.
***
Por via da ilusão, podes tomar um pelo outro.
Mas, quando conheces a tua verdadeira natureza,
então só essa natureza existe, nada mais há senão isso.
Quando o sonho termina, o universo do sonho desvanece-se.
Quando despertas parece-te seres outro que não tu?
***
Casta, credo, família e linhagem não existem em Brahman.
Brahman não tem nome nem forma, transcende o mérito e o demérito,
está para além do tempo, do espaço e dos objectos da experiência sensorial.
Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman é o supremo. Está para além do poder de expressão da palavra,
mas é conhecido pelo olho da iluminação pura.
Brahman é Consciência Pura absoluta, a eterna realidade.
Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman está fora do alcance das seis ondas: fome, sede, tristeza, ilusão, decadência e morte.
Estas varrem naturalmente o oceano do mundo.
Aquele que busca a união com Brahman deve meditar nele no santuário do Coração.
Brahman está fora do alcance dos sentidos. O intelecto não o pode compreender.
Está fora do alcance do pensamento. Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman é o suporte sobre o qual este universo múltiplo, a criação da ignorância, parece repousar.
Ele é o Seu próprio sustentáculo.
Não é nem o universo material nem o universo subtil. É indivisível. Está para além de toda a comparação.
Assim é Brahman, e "Tu és Isso".
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman é livre de nascimento, crescimento, mudança, declínio, doença e morte.
É eterno. É a causa da evolução do universo, da sua preservação e dissolução.
Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman não conhece diversidade nem morte.
É calmo como uma vasta superfície de água sem ondas.
Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Embora único, Brahman é a causa do múltiplo.
É a causa única; exterior a Ele não há outra.
Não tem causa fora de Si mesmo.
É independente da lei das causas e permanece único.
Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman é imutável, infinito, imperecível.
Está para além de Maya e dos seus efeitos.
É bem-aventurança eterna. É puro.
Assim é Brahman, e "Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Brahman é a Realidade única que assoma à nossa ignorância como o universo múltiplo de nomes, formas e mudanças.
Como o ouro de que se fazem numerosos ornamentos, ele permanece imutável em si mesmo.
Assim é Brahman, e "Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Nada existe para além dele. Ele é maior do que o maior. É o “Eu” mais recôndito, a alegria permanente do nosso ser.
É a existência, o conhecimento e a bem-aventurança.
É infinito e eterno.
Assim é Brahman, e "Tu és Isso”.
Medita sobre esta verdade.
***
Medita sobre esta verdade,
seguindo os argumento das escrituras
e com o auxilio da razão e do intelecto.
Assim ficarás livre da dúvida e da confusão,
e compreenderás a verdade de Brahman.
Essa verdade tornar-se-á tão clara para ti,
quanto a água contida na palma da tua mão.
***
DEVOÇÃO
***
Assim como um rei é claramente "conhecido no meio do seu exército”,
também deves entender Brahman como Consciência Pura,
distinto de todas as imperfeições.
Acomoda-te para sempre no Atman.
Que este mundo manifestado se dissolva em Brahman.
***
Brahman reside no santuário do Coração,
a eterna existência, o supremo, o primeiro-sem-segundo,
exterior aos aspectos densos e subtis deste universo.
O homem que habita nesse santuário, unido com Brahman,
já não está sujeito ao renascimento e à morte.
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A verdade de Brahman pode ser compreendida intelectualmente.
Mas a consciência do ego está profundamente enraizada
e é poderosa porque existe desde sempre.
Ela cria a sensação de que “eu sou o actor, sou eu quem experimenta”.
Essa impressão conduz à servidão do renascimento e da morte.
Só se pode remover por intermédio de um inflamado empenho em viver constantemente em união com Brahman.
Os sábios definem a libertação como a remoção de todas essas impressões e dos desejos por elas causados.
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A ignorância causa a impressão identificadora com o corpo,
com os órgãos sensoriais e com tudo o que não é o Atman.
Sábio é o homem que venceu essa ignorância através da devoção ao Atman.
***
Conhece o teu verdadeiro Atman como a testemunha da mente, do intelecto e das ondas de pensamento que neles se originam.
Eleva constantemente uma única onda de pensamento: “Eu sou Brahman”.
Desse modo, libertar-te-ás da identificação com o não-Atman.
***
Cessa de seguir o caminho do mundo,
cessa de seguir o caminho da carne,
cessa de seguir o caminho da tradição.
Liberta-te dessa falsa identificação
e conhece o verdadeiro Atman.
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Quando um homem segue o caminho do mundo,
o caminho da tradição e o caminho da carne,
o conhecimento da Realidade ainda não nasceu no seu Coração.
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Os sábios dizem que esse tríplice caminho é como uma corrente de ferro
atada aos pés do homem que tenta fugir da prisão deste mundo.
Aquele que dela se desembaraça alcança a libertação.
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Quando se mergulha o sândalo na água suja,
a sua aprazível fragrância pode ser superada pelo odor da imundície.
Mas, assim que se limpa o sândalo, o mau odor desaparece e o ar enche-se de um perfume celestial.
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O perfume celestial do Atman é excedido pelo fedor de inumeráveis desejos nocivos,
que são como lama no nosso ser.
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Como o sândalo, o seu perfume preencherá o ar quando ele se purificar pelo pensamento constante:
“Eu sou Brahman”.
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O perfume do Atman é transcendido por inumeráveis desejos das coisas dos sentidos.
Esses desejos podem ser destruídos pela devoção ao Atman.
Então a luz do Atman torna-se manifesta.
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À medida que se consagra ao Atman, a mente liberta-se gradualmente do desejo dos objectos sensoriais.
Quando se liberta completamente de todo o desejo, a visão do Atman deixa de ser obstruída.
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Pela constante devoção ao Atman, as impurezas da mente são removidas.
Todos os desejos são eliminados.
Empenha-te em destruir essa ilusão.
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Tamas é vencida tanto por rajas como por sattva;
rajas é vencida por sattva;
sattva é vencida quando o puro Atman cintila.
Firma-te em sattva,
dedica-te a destruir essa ilusão.
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Persiste na tua devoção, sabendo que o corpo certamente continuará a viver enquanto tiver de o fazer.
Aplica-te com paciência e constância em destruir essa ilusão.
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Pensa:
“Eu sou Brahman; não sou a alma individual”.
Rejeita tudo o que seja não-Atman.
Empenha-te em destruir essa ilusão criada no passado
pelos teus desejos dos objectos sensoriais.
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Aprende a verdade das escrituras,
reflecte sobre elas e conhece
pela tua experiência directa,
que o Atman que habita no teu íntimo
é o Atman em todas as coisas.
Compromete-te a destruir essa ilusão
até aos seus derradeiros vestígios.
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O homem sábio não está preocupado em adquirir e gastar.
Empenha-te em destruir essa ilusão pela constante e sincera devoção a Brahman.
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Medita sobre a verdade “Tu és Isso” e compreende a identidade do Atman com Brahman.
Empenha-te em destruir essa ilusão
e fixa-te no conhecimento de que Atman e Brahman são Um.
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Com zelo e concentração deves dedicar-te à destruição dessa ilusão
até que a identificação do Atman com o corpo cesse por completo.
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Embora possas ter atingido um nível espiritual no qual o universo e as suas criaturas pareçam simples imagens oníricas,
desprovidas de realidade, ainda assim, ó homem sensato, deves empenhar-te constantemente em destruir essa ilusão.
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Não desperdices um só momento em preocupações com os negócios deste mundo
ou com a inclinação pelos objectos sensoriais.
Lembra-te de Brahman mesmo quando estiveres a dormir.
Medita no Atman que habita no teu Coração.
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FALSA IDENTIFICAÇÃO
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Cessa de te identificares com esse corpo físico corruptível, nascido da carne de pai e mãe.
Considera-o impuro, como se fosse um pária.
Alcança a meta da vida realizando a tua união com Brahman.
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O ar dentro de uma vasilha é uno com o ar de todo o mundo.
Do mesmo modo, o teu Atman é uno com Brahman.
Ó homem sensato, desembaraça-te de toda a consciência de desunião e deixa-te absorver pelo silêncio.
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Compreende que és uno com o auto-iluminado Brahman;
o fundamento de toda a existência.
Denega o universo e o corpo físico como rejeitas vasos de imundície.
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A consciência do “eu” está enraizada no corpo.
Funde essa consciência com o Atman,
que é existência, conhecimento e bem-aventurança.
A consciência do corpo subtil constitui outra limitação.
Desembaraça-te dela.
Permanece unido com o Absoluto por todo o sempre.
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A miragem do universo está reflectida em Brahman,
tal cidade num espelho.
Toma consciência de que “eu sou Brahman”
e alcançarás a meta da vida.
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O Atman é a realidade.
É o teu “Eu” verdadeiro.
É pura consciência,
o primeiro-sem-segundo,
a bem-aventurança absoluta.
Está além da forma e da acção.
Compreende a tua identidade com ele.
Cessa de te identificares
com os envoltórios da ignorância,
que são como máscaras usadas por um actor.
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O universo das aparências é irreal.
A consciência do ego também há-de ser irreal,
já que observamos como ele vem e vai, vai e vem.
Mas estamos conscientes de que ele é a testemunha, o que conhece todas as coisas.
Essa consciência não pertence à consciência do eu nem às demais percepções,
que só existem durante um breve momento.
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O Atman é a testemunha do ego e de tudo o que existe.
Está sempre presente, mesmo no sono profundo.
As escrituras declaram que o Atman não conhece nascimento nem morte,
distinguindo-se dos envoltórios materiais e subtis.
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O Atman deve ser necessariamente imutável e eterno,
já que é o conhecedor de tudo o que é mudável.
A não-existência dos envoltórios materiais e subtis pode ser repetidamente experimentada,
quando sonhamos ou quando mergulhamos no sono profundo.
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Cessa de te identificar com essa massa de carne, o corpo físico,
e com o ego, o envoltório subtil.
São ilusórios.
Conhece o teu Atman: a pura e infinita consciência, eternamente existente,
que foi no passado, que é no presente e que será no futuro.
Assim encontrarás a paz.
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Cessa de te identificar com a raça, com a casta, com o nome, com a forma e com o teu modo de vida.
Isso pertence ao corpo; a roupagem da decadência.
Abandona a ideia de que és o actor das acções ou o pensador dos pensamentos.
Isso pertence ao ego, o envoltório subtil.
Apreende que és o Ser, que é a eterna bem-aventurança.
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O EGO
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A servidão da vida humana ao mundo do nascimento e da morte tem muitas causas.
A raiz de todas elas é o ego, o primogénito da ignorância.
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Enquanto o homem se identificar com esse ego perverso, não terá possibilidade alguma de libertação.
A libertação é exactamente o oposto dele.
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Uma vez libertado do obscuro demónio do ego,
o homem reconquista a sua verdadeira natureza,
tal como a Lua exibe o seu esplendor quando libertada das trevas de um eclipse.
Então ele torna-se puro, infinito, eternamente bem-aventurado e auto-iluminado.
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Quando a mente de um homem está submetida à ignorância,
cria a consciência do ego ao identificar-se com os envoltórios.
Quando o ego é completamente destruído, a mente livra-se dos obstáculos
que impedem o conhecimento da sua unidade com Brahman.
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O ego é uma serpente dominante e mortal,
e as gunas são as suas três cabeças enfurecidas.
Está emaranhado em volta do tesouro da bem-aventurança de Brahman,
a quem vigia para o seu próprio uso.
O homem sábio, inspirado pelas sagradas escrituras,
decapita as três cabeças com a espada do conhecimento,
destruindo a serpente.
Assim encontra o tesouro da bem-aventurança.
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Não há esperança de cura para um homem enquanto subsistir qualquer vestígio de veneno no seu corpo.
Do mesmo modo, o iniciado não pode alcançar a libertação enquanto subsistir qualquer vestígio do ego no seu ser.
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Destrói o ego completamente.
Controla as numerosas ondas de perturbação que o ego levanta na mente.
Distingue a realidade e compreende que "Eu sou Isso".
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Tu és a Consciência Pura, a testemunha de todas as experiências.
A tua verdadeira natureza é a alegria sem fim.
Cessa de te identificar com o ego, que é o agente da acção, criado pela ignorância.
A sua inteligência é apenas aparente, um reflexo do Atman, que é Consciência Pura.
Se te identificas com o ego, cais nas armadilhas do mundo: as misérias do nascimento, decadência e morte.
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Tu és o Atman, o Ser infinito, a consciência imutável pura, que permeia todas as coisas.
A sua natureza é a bem-aventurança.
Se te identificares com o ego, estás subjugado ao nascimento e à morte.
A tua servidão não tem outra causa.
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O ego é o teu inimigo. É como um espinho na garganta de quem está a comer.
Destrói esse inimigo com a espada do conhecimento e sê livre para usufruir da soberania do teu próprio império,
a bem-aventurança do Atman.
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Examina todas as actividades do ego e o egoísmo que implicam.
Alcança a realidade suprema e liberta-te da luxúria.
Habita no silêncio e usufrui da bem-aventurança do Atman.
Liberta-te da consciência da separação
e realiza em Brahman a tua natureza infinita.
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Esse ego pode ser arrancado pelas raízes.
Mas se a mente o alimentar por um momento que seja,
renascerá e produzirá malignidades sem conta.
Ele é como uma nuvem tempestuosa na estação das chuvas.
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Conquista esse teu inimigo, o ego.
Não lhe dês oportunidade, deixando que os teus pensamentos se apeguem aos objectos dos sentidos.
Tais pensamentos dão-lhe vida, tal como a água dá vida a uma árvore ressequida.
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Se te identificares com o corpo, a carnalidade germinará.
Liberta-te da consciência do corpo e ficarás livre da lascívia.
Se estiveres apegado ao ego, que te mantém separado de Brahman,
buscarás o prazer nos objectos dos sentidos.
Esta é a causa da sujeição ao nascimento e à morte.
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OS DESEJOS
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Quanto mais um homem sacia os seus desejos no mundo objectivo,
mais esses desejos aumentam. São insaciáveis.
Mas, se os controlar e deixar de os satisfazer, as sementes do desejo serão destruídas.
Que adquira, pois, o autocontrolo.
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Quando o desejo se fortifica, perde-se o autocontrolo.
Quando se perde o autocontrolo, o desejo torna-se mais poderoso que nunca.
O homem que assim vive, jamais escapará à roda do nascimento e da morte.
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O desejo é intensificado quando permitimos que os nossos pensamentos se demorem nos objectos sensoriais
e busquem a satisfação temporária no mundo objectivo.
Para romper a cadeia do nascimento e da morte, o principiante deve reduzir a cinzas as causas do desejo.
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O desejo que é alimentado destas duas formas trará a sujeição à roda do nascimento e da morte.
Há um meio de destruir o desejo e as suas causas.
Em quaisquer circunstâncias, sempre, em toda a parte e a qualquer respeito, deves considerar tudo como Brahman e apenas Brahman.
Fortalece a tua vontade de conhecer a Realidade, e os males acabarão por se dissolver.
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Cessa de buscar a satisfação dos teus desejos no mundo objectivo e deixarás de te comprazer nos objectos dos sentidos.
Cessa de te comprazer nos objectos dos sentidos e o teu desejo será destruído.
Quando todos os desejos desaparecem, irrompe a libertação.
É a chama da libertação em vida.
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Assim como as trevas espessas se dissipam ante o radioso esplendor do Sol nascente,
assim o anseio de vida do ego é inteiramente removido,
quando a aspiração ao conhecimento da Realidade se intensifica.
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Quando o senhor do dia se eleva, a escuridão desaparece com a sua rede de danos.
Quando se experimenta a bem-aventurança absoluta, não há mais servidão nem qualquer vestígio de tristeza.
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Deixa este mundo objectivo desaparecer dos teus pensamentos.
Deixa a tua mente habitar na Realidade, que está repleta de alegria.
Quer consideres as aparências exteriores ou meditando no teu íntimo,
embebe-te inabalavelmente em Brahman.
Assim deves passar o teu tempo, até que os resíduos dos teus karmas passados se extingam.
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O RECOLHIMENTO
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Que não haja negligência na tua devoção a Brahman.
A negligência na prática do recolhimento é a morte.
Assim falou o vidente Sanat Kumara*, filho de Brahma.
- * Sanat Kumara é um dos quatro Kumaras nascidos da mente de Brahma (não confundir com Brahman). É descrito como um grande sábio, que fez votos perpétuos de castidade, negando-se a preservar a continuidade da sua espécie, para que se pudesse dedicar ao auxílio da evolução do espírito humano, deixando para deidades menores o auxílio das formas materiais. -
***
Para o iniciado, não há mal maior do que negligenciar o recolhimento.
Daí surge a ilusão.
Da ilusão resulta a consciência do ego.
Do ego vem a servidão
e da servidão a miséria.
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Um homem pode ser culto, mas se negligenciar a prática do recolhimento voltar-se-á para o isco dos sentidos.
As tendências prejudiciais da sua mente irão seduzi-lo, tal como a pecadora seduz o amante.
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Quando se afasta o carriço da superfície de um lago, ele retorna ao seu lugar.
Assim Maya volta a acercar-se até mesmo do homem sábio, se ele abandonar a prática do recolhimento.
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Quando a mente se afasta de Brahman para se apegar, ainda que ligeiramente, à sensualidade dos objectos,
decai devido à negligência do recolhimento, como uma bola que rebola pela escada.
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Quando a mente se volta para os objectos sensoriais,
enreda-se nos prazeres que deles derivam.
A benevolência nesses pensamentos excita o desejo
e o homem é impelido a satisfazê-lo.
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Para o homem dotado de discernimento espiritual, para o conhecedor de Brahman, não há morte,
mas negligência no recolhimento.
O homem que está absorto no recolhimento alcança a libertação.
Empenha-te ao máximo em permanecer absorto no Atman.
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Pela negligência no recolhimento, o homem é distraído da percepção da sua natureza divina.
Quem assim se deixa distrair decai e arruína-se.
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Renuncia aos objectos sensoriais, que são a raiz de todos os males.
Aquele que alcançou a libertação nesta vida permanece liberto quando abandona o corpo.
O Yajur Veda* declara que o homem está sujeito ao medo enquanto vir a menor diferença entre ele próprio e Brahman.
- * Yajur Veda é um dos quatro Vedas hindus. Os seus textos debruçam-se sobre a liturgia, ritos e sacrifícios. -
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Enquanto o homem, mesmo que possua algum discernimento,
estabelecer a menor distinção entre ele e o Brahman infinito, o medo despontará.
Essa distinção só existe por causa da ignorância.
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A razão, a tradição sagrada e centenas de textos das escrituras declaram que o universo objectivo não tem existência real.
Aquele que se identifica com o universo depara-se com uma multitude de sofrimentos.
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Aquele que se devota à contemplação da Realidade torna-se livre e alcança a eterna glória do Atman.
Mas aquele cuja mente se deleita no irreal perder-se-á.
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O principiante deve perseguir o irreal que causa a servidão.
Deve permanecer apoiado na visão do Atman, lembrando-se de que “esse Atman sou eu”.
A devoção constante a Brahman e a meditação sobre a nossa identidade com Brahman,
será causa de júbilo e abolirá a experiência imediata do sofrimento causado pela ignorância.
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A busca dos objectos sensoriais resulta no aumento das nossas tendências perniciosas,
que se agravam cada vez mais.
Devemos estar cônscios disso por meio do discernimento espiritual e afastar o pensamento dos objectos sensoriais.
Dedica-te constantemente à meditação sobre o Atman.
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Recusa a satisfação que advém dos objectos dos sentidos e a paz surgirá no teu Coração.
Quando o Coração está em paz, a visão do Atman aparece.
Quando o Atman for percebido directamente, a nossa servidão no mundo é aniquilada.
A recusa da satisfação nos objectos sensoriais é o caminho para a libertação.
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Se o homem for instruído,
capaz de distinguir o real do irreal,
seguro da autoridade das escrituras,
possuído pela visão do Atman e ávido de libertação,
como poderá apegar-se como uma criança ao que é irreal e susceptível de provocar a sua queda?
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Não pode haver libertação para aquele que está apegado ao corpo e aos seus prazeres.
O homem que atingiu a libertação está desprendido do apego ao corpo e aos seus prazeres.
O homem adormecido não está desperto, e o homem desperto não está adormecido.
Estes dois estados de consciência opõem-se um ao outro pela sua própria natureza.
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O homem que conhece o Atman e o vê interior e exteriormente
como suporte de todas as coisas animadas e inanimadas alcançou a libertação.
Rejeita todas as aparências como irreais e absorve-te na visão do Atman, que é o Ser absoluto, infinito.
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Ver no Atman, que é único, o princípio de todas as aparências, é o caminho que leva à libertação de toda a servidão.
Não há conhecimento mais elevado do que o de saber que o Atman é único e está em toda parte.
O homem compreende que o Atman está em toda parte e em todas as coisas,
quando rejeita as aparências e se lhe devota com constância.
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Mas como pode o homem rejeitar as aparências se vive identificado com o corpo,
se sua mente está apegada aos objectos dos sentidos e se persegue a satisfação dos seus desejos?
Tal rejeição só pode ser concretizada mediante um esforço tenaz.
Pratica o discernimento espiritual e devota-te apaixonadamente ao Atman.
Renuncia às recompensas egoístas que se obtêm pela prática de acções e deveres.
Abandona a busca do prazer nos objectos sensoriais.
Deseja unicamente a posse da eterna beatitude.
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Dizem as escrituras: "Quando o homem que ouviu a verdade de Brahman dos lábios do seu mestre se torna calmo, autocontrolado, satisfeito, paciente e profundamente absorto na contemplação,
realiza o Atman no seu próprio Coração e vê o Atman em todas as coisas”.
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Para esse iniciado, a passagem acima prescreve a profunda contemplação do Atman,
com o fim de que o Atman, que está em todas as coisas, possa ser compreendido.
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A CORDA E A SERPENTE
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É impossível, mesmo para o sábio, separar o ego de um só golpe.
Está por demais enraizado na natureza humana e perdura com os seus numerosos desejos, através de incontáveis nascimentos.
O ego só é completamente extinto naqueles que se tornaram iluminados graças à realização da sua mais elevada consciência transcendental.
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Quando a mente de um homem é obnubilada pela ignorância,
o poder de projecção, cuja natureza é a inquietação, leva-o a identificar-se com o ego.
O ego acaba por o seduzir, perturbando-o com os desejos, que são os seus atributos.
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É difícil vencer o poder de projecção enquanto o poder obnubilante da ignorância não for completamente destruído.
Quando um homem é capaz de distinguir tão claramente entre o Atman e as aparências externas, quanto entre o leite e a água,
o véu da ignorância que cobre o Atman desaparecerá naturalmente.
Quando a mente já não é distraída pela miragem dos objectos sensoriais, todo o obstáculo à compreensão do Atman foi removido.
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Quando um homem se torna iluminado pelo conhecimento,
surge no seu íntimo o perfeito discernimento que distingue claramente o verdadeiro Ser, o Atman,
das aparências exteriores.
Desse modo, liberta-se dos grilhões da ilusão criada por Maya
e deixa de estar sujeito à morte e ao renascimento no mundo da mudança.
***
O conhecimento de que nós somos Brahman é como um incêndio,
que consome totalmente a densa floresta da ignorância.
Quando o homem compreendeu a sua unidade com Brahman,
como pode ele alimentar qualquer semente de nascimento e renascimento?
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Quando surge a visão da Realidade, o véu da ignorância é removido por completo.
Enquanto percebermos as coisas na sua aparência,
a nossa percepção falsa distrair-nos-á e fará de nós uns miseráveis.
Quando a nossa falsa percepção é emendada, a miséria chega ao fim.
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Vemos uma corda e pensamos que ela é uma serpente.
Assim que percebemos que a corda é uma corda, a nossa falsa percepção da serpente cessa e já não somos perturbados pelo medo que ela infunde.
Por isso, o homem sábio que deseja libertar-se da sua servidão deve conhecer a Realidade.
***
Assim como o ferro produz centelhas quando está em contacto com o fogo,
também a mente parece agir e perceber por causa do seu contacto com Brahman,
que é a própria consciência.
Esses poderes de acção e percepção, que parecem pertencer à mente são irreais.
São tão falsos como as coisas vistas na alucinação, na imaginação e no sonho.
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As modificações de Maya, que vão da consciência do ego até ao corpo e aos objectos sensoriais, são todas irreais.
São irreais porque mudam continuadamente.
O Atman nunca muda.
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O Atman é a consciência suprema,
eterna, indivisível e pura, o primeiro-sem-segundo.
É a testemunha da mente, do intelecto e das outras faculdades.
É distinto do corpo material e do corpo subtil.
É o Eu real, o Ser interior, a alegria suprema e eterna.
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O homem sábio discerne entre o real e o irreal.
A sua visão emancipada percebe o Real.
Sabendo que o seu próprio Atman é a Consciência Pura e indivisível,
liberta-se da ignorância, da miséria, do poder da distracção e mergulha directamente na paz.
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Quando a visão do Atman, o primeiro sem-um-segundo, é alcançada através do nirvikalpa samadhi,
os laços da ignorância do Coração são completamente e para sempre desatados.
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"Tu”, “eu", “isto”, estas ideias de separação têm origem na impureza da mente.
Mas quando a visão do Atman, o supremo, o absoluto, o um-sem-segundo refulge no samadhi*,
a consciência da separação desvanece-se, porque a Realidade foi firmemente apreendida.
- * Samadhi – uma espécie de transe espiritual.
É o controlo completo das funções da consciência.
Existem dois tipos: O Savikalpa Samadhi e o Nirvikalpa Samadhi. O primeiro ainda apresenta alguns resíduos do ego, enquanto o segundo está deles ausente, o que se repercute no estado de êxtase espiritual. –
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José Maria Alves
https://homeoesp.blogspot.com/
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