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ARTE

sexta-feira, 16 de julho de 2021

SHANKARACHARYA - VIVEKA-CHUDA-MANI - A JÓIA SUPREMA DO DISCERNIMENTO II

 





SHANKARACHARYA

VIVEKA-CHUDA-MANI

A JÓIA SUPREMA DO DISCERNIMENTO II


***



***


O CORPO


***


Este corpo é um envoltório físico.

O alimento possibilita o seu nascimento.

Pelo alimento vive;

sem alimento morre.

Este corpo consiste em epiderme, pele, carne, sangue, ossos e água.

Não pode ser o Atman, a pureza eterna, o que existe por si.


***


O corpo não existia antes do nascimento e não existirá depois da morte.

Existe por um breve lapso de tempo, no intervalo entre ambos.

A sua natureza é temporária e sujeita a mutação.

É um composto e não um elemento.

A sua vitalidade é um simples reflexo.

É um objecto sensorial, que pode ser percebido como um jarro de argila.

Como pode ser ele o Atman, o vivenciador de todas as experiências?


***


O corpo consiste em braços, pernas e outros membros.

Não é o Atman, pois quando um desses membros é amputado,

o homem continua a viver operando por meio dos outros órgãos.

O corpo é controlado por outrem.

Não pode ser o Atman, o que tudo controla.


***


O Atman observa o corpo com as suas variadas características, acções e fases de desenvolvimento.

Que esse Atman, que é a realidade permanente, tem uma natureza distinta da do corpo é um facto óbvio.


***


O corpo é um feixe de ossos unidos pela carne.

Sujo e cheio de imundícies.

O corpo nunca pode ser identificado com o Atman,

o que tudo conhece, o que existe por si só.

A natureza do Atman é diferenciada da do corpo.


***


Só o ignorante se identifica com o corpo,

composto de pele, carne, gordura, ossos e imundícies.

Aquele que possui o discernimento espiritual sabe que o Atman,

é o seu verdadeiro ser, a única realidade suprema.


***


O tolo pensa: "Eu sou o corpo.”

O sensato pensa: “Eu sou uma alma individual que está unida ao corpo.”

Mas o sábio, na grandeza do seu conhecimento e discernimento espiritual,

vê o Atman como a Realidade e pensa:

"Eu sou Brahman."


***


Tolos, parai de vos identificar com essa massa de pele, carne, gordura, ossos e imundícies.

Identificai-vos com Brahman, o Absoluto, o Atman imanente a todos os seres.

Só assim podereis atingir a paz suprema.


***


O homem inteligente pode ser versado no Vedanta e nas leis morais.

Mas não tem a menor possibilidade de se libertar,

enquanto não deixar de se identificar com o corpo e os órgãos sensoriais.

Essa identificação é fruto da ilusão.


***


Nunca vos identificais com a sombra projectada pelo vosso corpo, nem com o seu reflexo, 

nem com o corpo que vedes num sonho ou na vossa imaginação.

Por isso, não deveis identificar-vos com este corpo.


***


Aqueles que vivem na ignorância identificam o corpo com o Atman.

Essa ignorância é a causa e a origem do nascimento, da morte e do renascimento.

Deveis empenhar-vos diligentemente para que seja destruída.

Quando o vosso coração estiver livre dessa ignorância, já não haverá nenhuma hipótese de renascimento.

Tereis alcançado a imortalidade.


***


O envoltório do Atman denominado de envoltório vital é composto pela força vital e pelos cinco órgãos da acção.

O corpo é denominado envoltório físico e começa a existir quando é resguardado pelo envoltório vital.

É assim que o corpo se envolve na acção.


***


Esse envoltório vital não é o Atman.

Semelhante ao ar, entra e sai do corpo.

Não sabe o que é bom ou mau para si mesmo ou para os outros.

Depende sempre do Atman.


***


A PURIFICAÇÃO


***


A mente com os órgãos da percepção forma o envoltório mental.

Produz a consciência do “eu” e do “meu”.

Permite-nos distinguir os objectos. 

É dotada da faculdade de distinguir os objectos nomeando-os.

É manifesta e envolve o envoltório vital.


***


O envoltório mental pode ser comparado ao fogo dos sacrifícios; alimentado pelo combustível de muitos desejos.

Os cinco órgãos da percepção actuam como sacerdotes.

Os objectos do desejo derramam-se sobre ele como um fluxo contínuo de oblações.

Assim este universo fenomenal começa a existir.


***


A ignorância não está em parte alguma a não ser na mente.

A mente está repleta de ignorância, e a ignorância gera a servidão do nascimento e da morte.

Quando no conhecimento do Atman, o homem transcende a mente,

o universo fenomenal retira-se da sua consciência.

Quando o homem vive no domínio da ignorância mental,

o universo fenomenal tem para ele existência.


***


No sonho, a mente está desapercebida do universo objectivo, 

mas cria pela sua própria faculdade um universo completo, com sujeito e objecto.

O estado de vigília não passa de um sonho prolongado.

O universo fenomenal existe na mente.


***


No sono sem sonhos, quando a mente não está a operar, não há nada que exista.

Esta é a nossa experiência universal.

O homem parece estar submetido ao nascimento e à morte,

o que é uma criação quimérica da mente e não uma realidade.


***


O vento acumula as nuvens

e o vento volta a espalhá-las. 

A mente cria a servidão

e a mente remove-a.


***


A mente cria o apego ao corpo e às coisas do mundo.

Com isso amarra o homem, tal como um animal é amarrado por uma corda.

Mas é também a mente que cria no homem uma profunda repugnância

pelos objectos dos sentidos, como por um veneno.

Deste modo, ela liberta-o da sua servidão.


***

 

A mente é a causa da escravidão do homem e também da sua libertação.

Produz a servidão quando é obscurecida por rajas,

e produz a libertação quando se desembaraça de rajas e tamas, purificando-se.


***


Quando se pratica o discernimento e a impassibilidade, com exclusão de tudo o mais, a mente purifica-se

e caminha no sentido da libertação. 

O homem sábio que busca a libertação deve fortalecer no seu íntimo essas duas qualidades.


***


O tigre temível denominado mente impura ronda a floresta dos objectos dos sentidos.

O homem sábio, que busca a libertação não deve ir para lá.


***


A mente do experimentador cria todos os objectos que ele experimenta no estado de vigília ou de sonho.

Persistentemente, a mente cria diferenças nos corpos, na cor, na condição social e na raça dos homens.

Cria as variantes dos gunas. Cria desejos, acções e os frutos das acções.


***


O homem é puro espírito, livre de qualquer apego.

A mente ilude-o. Acorrenta-o com os grilhões do corpo, dos órgãos sensoriais e da respiração vital.

Produz nele a consciência do “eu” e do “meu”.

Faz com que deambule, interminavelmente, por entre os frutos das acções que gerou.


***


O equívoco de confundir o Atman com o não-Atman é a causa da roda do nascimento, morte e renascimento do homem.

Essa falsa identificação é produzida pela mente.

É a mente que causa a miséria da roda do nascimento, morte e renascimento

para o homem carenciado de discernimento e poluído por rajas e tamas.


***


O sábio, que conhece a Realidade, declara que a mente está repleta de ignorância.

Devido a essa ignorância, todas as criaturas do universo são irremediavelmente impelidas de lá para cá, como nuvens fustigadas pelo vento.


***


Por isso, aquele que busca a libertação deve trabalhar arduamente para purificar a mente.

Quando a mente se purificou, a libertação é tão fácil de colher quanto o fruto que está a um palmo da nossa mão.


***


Procura sinceramente a libertação e a tua ambição pelos objectos sensoriais será arrancada pela raiz.

Pratica o desapego em relação a todas as acções.

Crê na Realidade. Consagra-te à prática das disciplinas espirituais, tais como ouvir a palavra de Brahman, reflectir e meditar sobre ela.

Deste modo a mente libertar-se-á do mal de rajas.


***


O envoltório mental não pode ser o Atman.

Ele tem princípio e fim, e está sujeito à mudança.

É a residência da dor. É um objecto da experiência.

Aquele que vê não pode ser a coisa que é vista.


***


O ENVOLTÓRIO DO INTELECTO


***


A faculdade do discernimento com as suas capacidades de inteligência, junto com os órgãos da percepção, é conhecida como envoltório do intelecto.

A sua qualidade característica é a de ser o agente da acção.

É ele que causa o nascimento, a morte e o renascimento do homem.


***


O poder da inteligência inerente ao envoltório do intelecto é um reflexo do Atman, a Consciência Pura.

O envoltório do intelecto é um efeito de Maya.

Possui a faculdade de conhecer e de agir e identifica-se inteiramente com o corpo e os órgãos sensoriais.


***


Não tem começo, determina-se pela sua consciência do ego e constitui o homem individual.

É o revelador de todas as acções e empreendimentos.

Impelido pelas tendências e impressões formadas em nascimentos anteriores, pratica acções virtuosas ou pecaminosas e sofre as suas consequências.


***


O envoltório do intelecto amontoa experiências,

passando por muitos ventres de grau superior ou inferior.

Pertencem-lhe os estados de vigília e de sonho.

É objecto das dores e das alegrias.


***


Atenta a sua consciência do “eu” e do “meu”, identifica-se constantemente com o corpo e com os estados físicos,

assim como com as obrigações pertencentes aos diferentes estágios e ordens da vida.

Este envoltório do intelecto brilha com uma luz intensa devido à sua vizinhança com o Atman cintilante.

É uma aparência do Atman. 

Quando o homem se identifica com ele, vagueia em volta do círculo do nascimento, morte e renascimento,

como consequência da sua ilusão.


***


O Atman, que é Consciência Pura, é a luz que brilha no santuário do Coração, o centro de toda força vital.

É imudável, mas torna-se o “actor e o experimentador” quando é desacertadamente identificado com o envoltório do intelecto.


***


O Atman assume as limitações do envoltório do intelecto

porque é erroneamente identificado com esse envoltório,

que dele se distingue por completo.

Esse homem, que é o Atman, julga-se separado dele e de Brahman,

que é o Atman único de todas as criaturas.

Do mesmo modo, o homem ignorante pode considerar um jarro como algo diferente da argila de que este é feito.


***


Pela sua natureza, o Atman é eternamente imutável e perfeito,

mas assume o carácter e a natureza dos seus envoltórios por ser erroneamente identificado com eles.

Embora desprovido de forma, o fogo assumirá a forma do ferro incandescente.


***


 A ILUSÃO


***


O discípulo disse:

Ou por causa da ilusão ou por alguma outra razão, o Atman parece ser o eu individual.

Essa identificação incorrecta não tem começo; e o que não tem começo também não pode ter fim.

Este equívoco sobre a identidade da alma individual deve ser eterno, e a sua deambulação através da roda do nascimento, morte e renascimento há-de continuar por todo o sempre.

Como poderá haver libertação?

Mestre tende a bondade de mo explicar.


***


O Mestre respondeu:

A tua pergunta é apropriada, ó homem prudente.

Ouve-me com toda a tua atenção.

Uma coisa que foi gerada pela ilusão e só existe na tua imaginação, jamais poderá ser aceite como um facto.


***


Pela sua natureza, o Atman é eternamente livre, sem forma e está para além de qualquer acção.

A sua identificação com os objectos é imaginária, irreal.

Dizemos “o céu é azul”, mas o céu tem alguma cor?


***


O Atman é a testemunha, está para além de qualquer predicado, de qualquer acção.

Pode ser directamente compreendido como Consciência Pura e infinita bem-aventurança.

A sua aparência de alma individual decorre da ilusão do nosso discernimento e carece de realidade.

A sua aparência de alma individual só dura enquanto dura a nossa ilusão,

uma vez que esse equívoco resulta de uma ilusão do nosso raciocínio.

Enquanto perdurar a ilusão, a corda parecerá ser uma serpente; terminada a ilusão, a serpente deixa de existir.


***


A ignorância e os seus efeitos existem desde sempre.

Embora não tenha tido princípio, chega ao fim com o despontar do conhecimento.

É completamente destruída, com as suas raízes, tal como os sonhos, que se desvanecem por inteiro ao acordarmos.

Quando uma coisa que antes não existia começa a existir, isso implica que ela era inexistente desde sempre.

Mas essa inexistência, embora não tenha tido princípio, cessa assim que tal coisa começa a existir.

Fica claro, que a ignorância, conquanto não tenha tido princípio, não é eterna.


***


Vemos que um estado anterior de não-existência pode chegar ao fim, muito embora não tenha princípio.

O mesmo sucede com a aparência de um “eu”.

Essa aparência deve-se a uma falsa identificação do Atman com o intelecto e os demais envoltórios.

O Atman, por sua natureza, é fundamentalmente distinto e apartado dos envoltórios.

A identificação do Atman com a mente e outros, é causada pela ignorância. 


***


Essa falsa identificação só pode ser dissipada pelo conhecimento perfeito.

O conhecimento irrepreensível, segundo as escrituras reveladas,

é a compreensão do Atman na sua unidade com Brahman.


***


A compreensão é alcançada por meio de um discernimento absoluto entre o Atman e o não-Atman.

O homem deve praticar o discernimento entre o Atman e o “eu” individual.


***


Assim como uma água barrenta resplandece cristalinamente quando o barro é removido,

assim o Atman cintila quando se lhe extraem as impurezas.


***


Quando as trevas da não-realidade se desvanecem,

o Atman eterno é revelado.

O homem deve dedicar-se a libertar o Atman

das irrealidades do egotismo e da ilusão.


***


O envoltório do intelecto, de que estivemos a falar, não pode ser o Atman pelas seguintes razões:

Está sujeito a mudanças;

a inteligência não é a sua inerente natureza;

é finito;

é um objecto da experiência;

é transitório. 

O não-eterno não pode ser o eterno Atman.


***


O ENVOLTÓRIO DA BEM-AVENTURANÇA


***


O envoltório da bem-aventurança é o envoltório do Atman,

que recebe um reflexo do bem-aventurado Atman.

Esse envoltório é uma criação da nossa ignorância.

A sua natureza consiste nos vários graus de felicidade que são vivenciados quando um objecto desejado é conquistado.

A sua natureza bem-aventurada é experimentada espontaneamente pelos homens rectos e puros, quando colhem os frutos das suas boas acções.

Expressa a alegria que todos os seres vivos podem experimentar sem que façam algum esforço.


***


O envoltório da bem-aventurança é-nos totalmente revelado no estado de sono profundo.

É parcialmente revelado nos estados de vigília e de sonho, quando um objecto desejável está a ser desfrutado.


***


Este envoltório da bem-aventurança não pode ser o Atman pelas seguintes razões:

tem limitações;

é um efeito de Maya;

a sua natureza aprazível é sentida como o resultado de boas acções;

é da mesma espécie que os demais envoltórios,

que são produtos de Maya.


***


Se reflectirmos e meditarmos sobre a verdade das escrituras,

transcendendo todos os cinco envoltórios da  ignorância,

compreenderemos a existência fundamental,

que é o Atman, a testemunha, a consciência infinita.


***


O Atman brilha por si mesmo,

é distinto dos cinco envoltórios.

É a testemunha dos três estados de consciência: vigília, sonho e sono profundo.

Ele é existência, imutável, puro, eternamente bem-aventurado.

Deve ser compreendido pelo homem sábio, que é o Atman que habita no interior do seu Coração.


***


O ATMAN É BRAHMAN


***


O discípulo disse:

Mestre, se rejeitarmos esses cinco envoltórios como irreais, parece-me que nada mais restará, senão o vazio.

Como pode haver uma existência que o sábio pode compreender como sendo una com o seu Atman?


***


O Mestre disse:

Eis uma boa pergunta, ó homem sensato. O teu argumento é engenhoso.

No entanto, deve haver uma existência, uma realidade, que alcance a consciência do ego e os envoltórios,

e que também esteja consciente do vácuo, que é a ausência deles.

Essa realidade que existe por si mesma, permanece desapercebida.

Desenvolve a percepção de que podes conhecer o Atman, que é o sabedor.


***


Aquele que experimenta está consciente de si mesmo.

Sem aquele que experimenta,

não pode haver autoconsciência.


***


O Atman é a sua própria testemunha, já que está consciente de si mesmo.

O Atman não é outro senão Brahman.


***


O Atman é Consciência Pura, que se manifesta como subjacente aos estados de vigília, de sonho e de sono sem sonhos ou sono profundo.

É experimentada interiormente como consciência permanente, a consciência de que “eu” sou “Eu”.

É a imutável testemunha que experimenta o ego, o intelecto e todo o resto, com as suas várias formas e mudanças.

É compreendido no íntimo do nosso Coração como existência, conhecimento e bem-aventurança.

Realiza esse Atman no santuário do teu próprio Coração.


***


O insensato vê o reflexo do Sol na água de uma jarra e pensa que ele é o Sol.

Enleado na ignorância da sua ilusão,

o homem vê o reflexo da Consciência Pura nos envoltórios,

e confunde-o com o “Eu” autêntico.


***


Para olhar o Sol deves afastar-te da jarra, da água e dos reflexos do Sol na água.

O sábio percebe que estes só são revelados pelo reflexo do Sol, que brilha por si mesmo.

Não são o próprio Sol.


***


O corpo, o envoltório do intelecto, o reflexo da consciência sobre ele, nada disso é o Atman.

O Atman é a testemunha, a consciência infinita, o que revela todas as coisas,

mas difere de todas elas, quer sejam grosseiras ou subtis.

É a realidade eterna, omnipresente, que a tudo penetra, a mais subtil das subtilezas.

Não tem interior nem exterior. É o “Eu” verdadeiro, oculto no santuário do Coração.

Compreende plenamente a verdade do Atman. Sê livre do mal e da impureza, e passarás para além da morte.


***


Conhece o Atman, supera as desventuras e atinge a fonte da alegria.

Sê iluminado por esse conhecimento e nada terás a temer.

Se queres encontrar a libertação, não há outro meio de romper os grilhões do renascimento.


***


O que é que pode destruir a servidão e a miséria neste mundo?

O conhecimento de que o Atman é Brahman. 

Então compreenderás Aquele que é o um-sem-segundo, a suprema bem-aventurança.


***


Apreende a natureza de Brahman e não haverá mais retorno a este mundo, residência de todas as desventuras.

Deves compreender, sem dúvidas ou hesitações, que o Atman é Brahman.


***


Aí alcançarás Brahman para todo o sempre.

Ele é a verdade. É existência e conhecimento. É absoluto. É puro e existe por si mesmo. É alegria eterna, alegria sem fim.

Não é outro senão o Atman.


***


O Atman é uno com Brahman: tal é a verdade suprema.

Só Brahman é real. Nada existe senão Ele.

Quando o conhecemos como a Realidade suprema, não há outra existência senão Brahman.


***


O UNIVERSO


***


Brahman é a realidade, a existência única, absolutamente independente do pensamento humano.

Devido à ignorância da nossa mente, o universo parece compor-se de diversas formas.

No entanto, o universo é Brahman.


***


Um jarro feito de argila nada mais é do que argila. 

A forma do jarro não tem existência própria.

Que é, pois, o jarro? Um mero nome inventado!


***


A forma do jarro nunca poderá ser entendida separada da argila. 

Que é, então, o jarro? Uma aparência!

A realidade é a própria argila.


***


Este universo é um efeito de Brahman. Nunca será outra coisa senão Brahman.

Separado de Brahman ele não existe. Exteriormente a Ele nada existe.

Quem diz que este universo tem uma existência independente continua a ser vítima da ilusão.

É como um homem que fala durante o sono.


***

 

 “O universo é Brahman”, assim o diz o grande vidente do Atharva Veda*.

O universo nada mais é do que Brahman. Sobrepõe-se a Ele. Não tem existência própria, fora da sua base.


- * Atharva Veda é um texto sagrado do hinduísmo, que faz parte dos quatro livros dos Vedas. É o quarto dos ditos Vedas. -


***


Se o universo, tal como o percepcionamos, for real, o conhecimento de Atman não irá pôr termo à nossa ilusão.

As escrituras seriam falsas. As revelações das encarnações divinas não fariam qualquer sentido.

Essas opções não podem ser consideradas nem desejáveis nem benéficas por nenhum indivíduo pensante.


***


Sri Krishna, o Senhor encarnado, que conhece o segredo de todas as verdades, diz no Bhagavad Guitá:

“Embora eu não esteja em nenhuma criatura, todas as criaturas estão em mim. Não quero dizer que elas existam fisicamente em mim. Esse é o meu divino mistério. O Meu Ser sustenta todas as criaturas e dá-lhes existência, mas não tem nenhum contacto físico com elas”.


***


Se este universo fosse real, continuaríamos a percebê-lo no sono profundo.

Mas nada percebemos nesse estado.

Portanto ele é irreal, tal como os nossos sonhos.


***


O universo não existe fora do Atman.

A percepção que dele temos como provido de uma existência autónoma

é falsa, tal como a nossa percepção do azul no céu.

Como pode um atributo sobreposto ter uma existência qualquer que seja, exterior ao seu fundamento?

Só a nossa ilusão pode produzir essa falsa concepção da realidade subjacente.


***


Não interessa o que o homem iludido pensa estar a compreender; em verdade, ele está a ver Brahman e nada mais do que Brahman.

Ele vê a madrepérola e imagina que está a ver prata.

Vê Brahman e imagina que Ele é o universo.

Porém esse universo, que é acrescentado a Brahman, não passa de um nome.


***


EU SOU BRAHMAN


***


Brahman é o supremo. É a realidade; o um-sem-segundo.

É Consciência Pura, livre de qualquer mácula. É serenidade.

Não tem começo nem fim. Não conhece mudanças.

É a alegria eterna.


***


Brahman transcende a aparência do múltiplo, criado por Maya.

É eterno, perpetuamente fora do alcance da dor;

é indiviso, incomensurável, sem forma, sem nome, indiferenciado, imutável.

Brilha com a sua própria luz.

Está em todas as coisas que podem ser conhecidas neste universo.


***


Os videntes iluminados percebem-no como a realidade suprema, infinita, absoluta, sem partes.

A Consciência Pura.

Nele descobrem que o conhecedor, o conhecimento e a coisa conhecida se tornam unos.


***


Eles conhecem-no como a realidade que não pode ser recusada,

já que está sempre presente na alma humana,

nem capturada, já que está além do poder da mente e da palavra.

Sabem que é imensurável, sem princípio, sem fim, supremo na sua glória.

Eles compreendem a verdade mais elevada: “Eu sou Brahman”.


***


TU ÉS ISSO


***


As escrituras estabelecem a absoluta identidade de Atman e Brahman ao declarar reiteradamente: “Tu és Isso”.

Os termos “Atman” e “Brahman” na sua verdadeira significação, referem-se respectivamente a “Isso” e “Tu”.


***


No seu sentido literal, “Brahman” e “Atman” têm atributos opostos,

como o Sol e o pirilampo,

o rei e o servo, 

o oceano e o poço,

ou o monte Meru e o átomo.

A identidade de ambos só é estabelecida quando os compreendemos no seu verdadeiro significado

e não num sentido reducionista.


***


“Brahman” pode referir-se a Deus, o soberano de Maya e criador do universo.

O "Atman" pode referir-se à alma individual, associada com os cinco envoltórios que são efeitos de Maya.

Desse ponto de vista possui atributos opostos. Mas essa aparente oposição é causada por Maya e pelos seus efeitos.

Portanto, ela não é real, mas acrescentada.


***

 

Esses atributos produzidos por Maya e seus efeitos são sobrepostos a Deus e à alma individual.

Quando são completamente eliminados, nem a alma nem Deus permanecem.

Se tomarmos o reino de um rei e as armas de um soldado, não existem nem soldado nem rei.


***


As escrituras repudiam qualquer ideia da existência de uma dualidade em Brahman.

Que o homem busque a iluminação no conhecimento de Brahman, como determinam as escrituras.

Então aqueles atributos, que a nossa ignorância sobrepôs a Brahman, desaparecerão.


***


Brahman não é nem o universo material nem o universo subtil.

O mundo aparente é produzido pela nossa imaginação na sua ignorância.

Não é real. É como ver na corda a serpente. É como um sonho passageiro.

O homem deve praticar o discernimento espiritual, libertando-se da consciência que tem do mundo objectivo.


***


Que medite sobre a identidade de Brahman e do Atman e compreenda a verdade.


***


Pelo discernimento espiritual, que perceba o verdadeiro sentido dos termos “Brahman” e “Atman”, 

compreendendo a identidade de ambos. 

Vê em ambos a realidade e verás que não há senão Um.


***


Quando dizemos: “Este homem é o mesmo Devadatta* que encontrei antes”, instituímos uma identidade pessoal desvalorizando as qualidades que lhe foram acrescentadas pelas circunstâncias do nosso encontro anterior.

De modo exactamente idêntico, quando consideramos o ensinamento espiritual expresso nas palavras “Tu és Isso”, devemos desprezar os atributos que foram acrescentados a “Isso” e a "Tu".


- * Devadatta, irmão de Ananda e primo de Gautama, o Buda, de quem se tornou discípulo e posteriormente inimigo. É descrito como um homem vicioso e invejoso. Terá chegado a tentar matar Buda por inveja. -


***


O homem sábio dotado de verdadeiro discernimento compreende que a essência de Brahman e Atman é a Consciência Pura e assim percebe a sua identidade absoluta.

A identidade de Brahman e Atman é declarada em centenas de textos sagrados.


***


Abandona a falsa noção de que o Atman é esse corpo, esse espectro.

Medita sobre a verdade de que o Atman não é “nem denso nem subtil, nem baixo nem alto”,

de que existe por si mesmo, livre como o céu, fora do alcance do pensamento.

Purifica o teu Coração até chegares ao conhecimento de que “Eu sou Brahman”.

Realiza o teu próprio Atman, a Consciência Pura e infinita.


***


Assim como um jarro ou um vaso de argila nada mais é do que argila,

assim este universo, nascido de Brahman é apenas Brahman,

pois nada existe fora de Brahman, nada existe para além dele.

Isso é a realidade. Isso é o nosso Atman.

Portanto, “Isso és Tu”, puro, bem-aventurado, o supremo Brahman, o primeiro-sem-segundo.


***


Podes sonhar com lugares, tempos, objectos, indivíduos.

São irreais.

No estado de vigília vivencias este mundo,

mas essa experiência brota da tua ignorância.

É um sonho prolongado e irreal.

Como irreais são esse corpo, esses órgãos, essa respiração vital, essa consciência do ego.

Logo, “Tu és Isso”, o puro, o bem-aventurado, o supremo Brahman, o primeiro-sem-segundo.


***


Por via da ilusão, podes tomar um pelo outro.

Mas, quando conheces a tua verdadeira natureza,

então só essa natureza existe, nada mais há senão isso.

Quando o sonho termina, o universo do sonho desvanece-se.

Quando despertas parece-te seres outro que não tu?


***

 

Casta, credo, família e linhagem não existem em Brahman.

Brahman não tem nome nem forma, transcende o mérito e o demérito,

está para além do tempo, do espaço e dos objectos da experiência sensorial.

Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Brahman é o supremo. Está para além do poder de expressão da palavra,

mas é conhecido pelo olho da  iluminação pura.

Brahman é Consciência Pura absoluta, a eterna realidade.

Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Brahman está fora do alcance das seis ondas: fome, sede, tristeza, ilusão, decadência e morte.

Estas varrem naturalmente o oceano do mundo.

Aquele que busca a união com Brahman deve meditar nele no santuário do Coração.

Brahman está fora do alcance dos sentidos. O intelecto não o pode compreender.

Está fora do alcance do pensamento. Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***

 

Brahman é o suporte sobre o qual este universo múltiplo, a criação da ignorância, parece repousar.

Ele é o Seu próprio sustentáculo.

Não é nem o universo material nem o universo subtil. É indivisível. Está para além de toda a comparação.

Assim é Brahman, e "Tu és Isso".

Medita sobre esta verdade.


***


Brahman é livre de nascimento, crescimento, mudança, declínio, doença e morte.

É eterno. É a causa da evolução do universo, da sua preservação e dissolução.

Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Brahman não conhece diversidade nem morte.

É calmo como uma vasta superfície de água sem ondas.

Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Embora único, Brahman é a causa do múltiplo.

É a causa única; exterior a Ele não há outra.

Não tem causa fora de Si mesmo.

É independente da lei das causas e permanece único.

Assim é Brahman, e “Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Brahman é imutável, infinito, imperecível.

Está para além de Maya e dos seus efeitos.

É bem-aventurança eterna. É puro.

Assim é Brahman, e "Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Brahman é a Realidade única que assoma à nossa ignorância como o universo múltiplo de nomes, formas e mudanças.

Como o ouro de que se fazem numerosos ornamentos, ele permanece imutável em si mesmo.

Assim é Brahman, e "Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Nada existe para além dele. Ele é maior do que o maior. É o “Eu” mais recôndito, a alegria permanente do nosso ser.

É a existência, o conhecimento e a bem-aventurança.

É infinito e eterno.

Assim é Brahman, e "Tu és Isso”.

Medita sobre esta verdade.


***


Medita sobre esta verdade,

seguindo os argumento das escrituras

e com o auxilio da razão e do intelecto.

Assim ficarás livre da dúvida e da confusão,

e compreenderás a verdade de Brahman.

Essa verdade tornar-se-á tão clara para ti,

quanto a água contida na palma da tua mão.


***


DEVOÇÃO


***


Assim como um rei é claramente "conhecido no meio do seu exército”,

também deves entender Brahman como Consciência Pura,

distinto de todas as imperfeições.

Acomoda-te para sempre no Atman.

Que este mundo manifestado se dissolva em Brahman.


***


Brahman reside no santuário do Coração,

a eterna existência, o supremo, o primeiro-sem-segundo,

exterior  aos aspectos densos e subtis deste universo.

O homem que habita nesse santuário, unido com Brahman,

já não está sujeito ao renascimento e à morte.


***


A verdade de Brahman pode ser compreendida intelectualmente.

Mas a consciência do ego está profundamente enraizada

e é poderosa porque existe desde sempre.

Ela cria a sensação de que “eu sou o actor, sou eu quem experimenta”.

Essa impressão conduz à servidão do renascimento e da morte.

Só se pode remover por intermédio de um inflamado empenho em viver constantemente em união com Brahman.

Os sábios definem a libertação como a remoção de todas essas impressões e dos desejos por elas causados.


***


A ignorância causa a impressão identificadora com o corpo,

com os órgãos sensoriais e com tudo o que não é o Atman.

Sábio é o homem que venceu essa ignorância através da devoção ao Atman.


***


Conhece o teu verdadeiro Atman como a testemunha da mente, do intelecto e das ondas de pensamento que neles se originam.

Eleva constantemente uma única onda de pensamento: “Eu sou Brahman”.

Desse modo, libertar-te-ás da identificação com o não-Atman.


***


Cessa de seguir o caminho do mundo,

cessa de seguir o caminho da carne,

cessa de seguir o caminho da tradição. 

Liberta-te dessa falsa identificação

e conhece o verdadeiro Atman.


***


Quando um homem segue o caminho do mundo,

o caminho da tradição e o caminho da carne,

o conhecimento da Realidade ainda não nasceu no seu Coração.


***


Os sábios dizem que esse tríplice caminho é como uma corrente de ferro

atada aos pés do homem que tenta fugir da prisão deste mundo.

Aquele que dela se desembaraça alcança a libertação.


***


Quando se mergulha o sândalo na água suja,

a sua aprazível fragrância pode ser superada pelo odor da imundície.

Mas, assim que se limpa o sândalo, o mau odor desaparece e o ar enche-se de um perfume celestial.


***


O perfume celestial do Atman é excedido pelo fedor de inumeráveis desejos nocivos,

que são como lama no nosso ser.


***


Como o sândalo, o seu perfume preencherá o ar quando ele se purificar pelo pensamento constante:

“Eu sou Brahman”.


***


O perfume do Atman é transcendido por inumeráveis desejos das coisas dos sentidos.

Esses desejos podem ser destruídos pela devoção ao Atman.

Então a luz do Atman torna-se manifesta.


***


À medida que se consagra ao Atman, a mente liberta-se gradualmente do desejo dos objectos sensoriais.

Quando se liberta completamente de todo o desejo, a visão do Atman deixa de ser obstruída.


***


Pela constante devoção ao Atman, as impurezas da mente são removidas.

Todos os desejos são eliminados.

Empenha-te em destruir essa ilusão.


***


Tamas é vencida tanto por rajas como por sattva;

rajas é vencida por sattva;

sattva é vencida quando o puro Atman cintila.

Firma-te em sattva,

dedica-te a destruir essa ilusão.


***


Persiste na tua devoção, sabendo que o corpo certamente continuará a viver enquanto tiver de o fazer.

Aplica-te com paciência e constância em destruir essa ilusão.


***


Pensa:

“Eu sou Brahman; não sou a alma individual”.

Rejeita tudo o que seja não-Atman.

Empenha-te em destruir essa ilusão criada no passado

pelos teus desejos dos objectos sensoriais.


***


Aprende a verdade das escrituras,

reflecte sobre elas e conhece

pela tua experiência directa, 

que o Atman que habita no teu íntimo

é o Atman em todas as coisas.

Compromete-te a destruir essa ilusão

até aos seus derradeiros vestígios.


***


O homem sábio não está preocupado em adquirir e gastar.

Empenha-te em destruir essa ilusão pela constante e sincera devoção a Brahman.


***


Medita sobre a verdade “Tu és Isso” e compreende a identidade do Atman com Brahman.

Empenha-te em destruir essa ilusão

e fixa-te no conhecimento de que Atman e Brahman são Um.


***


Com zelo e concentração deves dedicar-te à destruição dessa ilusão

até que a identificação do Atman com o corpo cesse por completo.


***


Embora possas ter atingido um nível espiritual no qual o universo e as suas criaturas pareçam simples imagens oníricas,

desprovidas de realidade, ainda assim, ó homem sensato, deves empenhar-te constantemente em destruir essa ilusão.


***


Não desperdices um só momento em preocupações com os negócios deste mundo

ou com a inclinação pelos objectos sensoriais.

Lembra-te de Brahman mesmo quando estiveres a dormir.

Medita no Atman que habita no teu Coração.


***


FALSA IDENTIFICAÇÃO


***


Cessa de te identificares com esse corpo físico corruptível, nascido da carne de pai e mãe.

Considera-o impuro, como se fosse um pária.

Alcança a meta da vida realizando a tua união com Brahman.


***


O ar dentro de uma vasilha é uno com o ar de todo o mundo.

Do mesmo modo, o teu Atman é uno com Brahman.

Ó homem sensato, desembaraça-te de toda a consciência de desunião e deixa-te absorver pelo silêncio.


***


Compreende que és uno com o auto-iluminado Brahman;

o fundamento de toda a existência.

Denega o universo e o corpo físico como rejeitas vasos de imundície.


***


A consciência do “eu” está enraizada no corpo.

Funde essa consciência com o Atman,

que é existência, conhecimento e bem-aventurança.

A consciência do corpo subtil constitui outra limitação.

Desembaraça-te dela.

Permanece unido com o Absoluto por todo o sempre.


***


A miragem do universo está reflectida em Brahman,

tal cidade num espelho. 

Toma consciência de que “eu sou Brahman”

e alcançarás a meta da vida.


***


O Atman é a realidade.

É o teu “Eu” verdadeiro.

É pura consciência,

o primeiro-sem-segundo,

a bem-aventurança absoluta.

Está além da forma e da acção.

Compreende a tua identidade com ele.

Cessa de te identificares

com os envoltórios da ignorância,

que são como máscaras usadas por um actor.


***


O universo das aparências é irreal. 

A consciência do ego também há-de ser irreal,

já que observamos como ele vem e vai, vai e vem.

Mas estamos conscientes de que ele é a testemunha, o que conhece todas as coisas.

Essa consciência não pertence à consciência do eu nem às demais percepções,

que só existem durante um breve momento.


***


O Atman é a testemunha do ego e de tudo o que existe.

Está sempre presente, mesmo no sono profundo.

As escrituras declaram que o Atman não conhece nascimento nem morte,

distinguindo-se dos envoltórios materiais e subtis.


***


O Atman deve ser necessariamente imutável e eterno,

já que é o conhecedor de tudo o que é mudável.

A não-existência dos envoltórios materiais e subtis pode ser repetidamente experimentada,

quando sonhamos ou quando mergulhamos no sono profundo.


***


Cessa de te identificar com essa massa de carne, o corpo físico,

e com o ego, o envoltório subtil.

São ilusórios. 

Conhece o teu Atman: a pura e infinita consciência, eternamente existente,

que foi no passado, que é no presente e que será no futuro.

Assim encontrarás a paz.


***


Cessa de te identificar com a raça, com a casta, com o nome, com a forma e com o teu modo de vida.

Isso pertence ao corpo; a roupagem da decadência.

Abandona a ideia de que és o actor das acções ou o pensador dos pensamentos.

Isso pertence ao ego, o envoltório subtil.

Apreende que és o Ser, que é a eterna bem-aventurança.


***


O EGO


***


A servidão da vida humana ao mundo do nascimento e da morte tem muitas causas.

A raiz de todas elas é o ego, o primogénito da ignorância.


***


Enquanto o homem se identificar com esse ego perverso, não terá possibilidade alguma de libertação.

A libertação é exactamente o oposto dele.


***


Uma vez libertado do obscuro demónio do ego,

o homem reconquista a sua verdadeira natureza,

tal como a Lua exibe o seu esplendor quando libertada das trevas de um eclipse.

Então ele torna-se puro, infinito, eternamente bem-aventurado e auto-iluminado.


***


Quando a mente de um homem está submetida à ignorância,

cria a consciência do ego ao identificar-se com os envoltórios.

Quando o ego é completamente destruído, a mente livra-se dos obstáculos

que impedem o conhecimento da sua unidade com Brahman.


***


O ego é uma serpente dominante e mortal,

e as gunas são as suas três cabeças enfurecidas.

Está emaranhado em volta do tesouro da bem-aventurança de Brahman,

a quem vigia para o seu próprio uso.

O homem sábio, inspirado pelas sagradas escrituras,

decapita as três cabeças com a espada do conhecimento,

destruindo a serpente.

Assim encontra o tesouro da bem-aventurança.


***


Não há esperança de cura para um homem enquanto subsistir qualquer vestígio de veneno no seu corpo.

Do mesmo modo, o iniciado não pode alcançar a libertação enquanto subsistir qualquer vestígio do ego no seu ser. 


***


Destrói o ego completamente.

Controla as numerosas ondas de perturbação que o ego levanta na mente.

Distingue a realidade e compreende que "Eu sou Isso".


***


Tu és a Consciência Pura, a testemunha de todas as experiências.

A tua verdadeira natureza é a alegria sem fim.

Cessa de te identificar com o ego, que é o agente da acção, criado pela ignorância.

A sua inteligência é apenas aparente, um reflexo do Atman, que é Consciência Pura.

Se te identificas com o ego, cais nas armadilhas do mundo: as misérias do nascimento, decadência e morte.


***


Tu és o Atman, o Ser infinito, a consciência imutável pura, que permeia todas as coisas.

A sua natureza é a bem-aventurança.

Se te identificares com o ego, estás subjugado ao nascimento e à morte.

A tua servidão não tem outra causa.


***


O ego é o teu inimigo. É como um espinho na garganta de quem está a comer.

Destrói esse inimigo com a espada do conhecimento e sê livre para usufruir da soberania do teu próprio império,

a bem-aventurança do Atman.


***


Examina todas as actividades do ego e o egoísmo que implicam.

Alcança a realidade suprema e liberta-te da luxúria.

Habita no silêncio e usufrui da bem-aventurança do Atman.

Liberta-te da consciência da separação

e realiza em Brahman a tua natureza infinita.


***


Esse ego pode ser arrancado pelas raízes.

Mas se a mente o alimentar por um momento que seja,

renascerá e produzirá malignidades sem conta.

Ele é como uma nuvem tempestuosa na estação das chuvas.


***


Conquista esse teu inimigo, o ego.

Não lhe dês oportunidade, deixando que os teus pensamentos se apeguem aos objectos dos sentidos.

Tais pensamentos dão-lhe vida, tal como a água dá vida a uma árvore ressequida.


***


Se te identificares com o corpo, a carnalidade germinará.

Liberta-te da consciência do corpo e ficarás livre da lascívia.

Se estiveres apegado ao ego, que te mantém separado de Brahman,

buscarás o prazer nos objectos dos sentidos.

Esta é a causa da sujeição ao nascimento e à morte.


***


OS DESEJOS


***


Quanto mais um homem sacia os seus desejos no mundo objectivo,

mais esses desejos aumentam. São insaciáveis. 

Mas, se os controlar e deixar de os satisfazer, as sementes do desejo serão destruídas.

Que adquira, pois, o autocontrolo.


***


Quando o desejo se fortifica, perde-se o autocontrolo.

Quando se perde o autocontrolo, o desejo torna-se mais poderoso que nunca.

O homem que assim vive, jamais escapará à roda do nascimento e da morte.


***


O desejo é intensificado quando permitimos que os nossos pensamentos se demorem nos objectos sensoriais

e busquem a satisfação temporária no mundo objectivo.

Para romper a cadeia do nascimento e da morte, o principiante deve reduzir a cinzas as causas do desejo.


***


O desejo que é alimentado destas duas formas trará a sujeição à roda do nascimento e da morte.

Há um meio de destruir o desejo e as suas causas.

Em quaisquer circunstâncias, sempre, em toda a parte e a qualquer respeito, deves considerar tudo como Brahman e apenas Brahman.

Fortalece a tua vontade de conhecer a Realidade, e os males acabarão por se dissolver.


***


Cessa de buscar a satisfação dos teus desejos no mundo objectivo e deixarás de te comprazer nos objectos dos sentidos.

Cessa de te comprazer nos objectos dos sentidos e o teu desejo será destruído.

Quando todos os desejos desaparecem, irrompe a libertação.

É a chama da libertação em vida.


***


Assim como as trevas espessas se dissipam ante o radioso esplendor do Sol nascente,

assim o anseio de vida do ego é inteiramente removido,

quando a aspiração ao conhecimento da Realidade se intensifica.


***


Quando o senhor do dia se eleva, a escuridão desaparece com a sua rede de danos.

Quando se experimenta a bem-aventurança absoluta, não há mais servidão nem qualquer vestígio de tristeza.


***


Deixa este mundo objectivo desaparecer dos teus pensamentos.

Deixa a tua mente habitar na Realidade, que está repleta de alegria.

Quer consideres as aparências exteriores ou meditando no teu íntimo,

embebe-te inabalavelmente em Brahman.

Assim deves passar o teu tempo, até que os resíduos dos teus karmas passados se extingam.


***


O RECOLHIMENTO


***


Que não haja negligência na tua devoção a Brahman.

A negligência na prática do recolhimento é a morte.

Assim falou o vidente Sanat Kumara*, filho de Brahma.


- * Sanat Kumara é um dos quatro Kumaras nascidos da mente de Brahma (não confundir com Brahman). É descrito como um grande sábio, que fez votos perpétuos de castidade, negando-se a preservar a continuidade da sua espécie, para que se pudesse dedicar ao auxílio da evolução do espírito humano, deixando para deidades menores o auxílio das formas materiais. - 


***


Para o iniciado, não há mal maior do que negligenciar o recolhimento.

Daí surge a ilusão.

Da ilusão resulta a consciência do ego.

Do ego vem a servidão

e da servidão a miséria.


***


Um homem pode ser culto, mas se negligenciar a prática do recolhimento voltar-se-á para o isco dos sentidos.

As tendências prejudiciais da sua mente irão seduzi-lo, tal como a pecadora seduz o amante.


***


Quando se afasta o carriço da superfície de um lago, ele retorna ao seu lugar.

Assim Maya volta a acercar-se até mesmo do homem sábio, se ele abandonar a prática do recolhimento.


***


Quando a mente se afasta de Brahman para se apegar, ainda que ligeiramente, à sensualidade dos objectos,

decai devido à negligência do recolhimento, como uma bola que rebola pela escada.


***


Quando a mente se volta para os objectos sensoriais,

enreda-se nos prazeres que deles derivam.

A benevolência nesses pensamentos excita o desejo

e o homem é impelido a satisfazê-lo.


***


Para o homem dotado de discernimento espiritual, para o conhecedor de Brahman, não há morte,

mas negligência no recolhimento.

O homem que está absorto no recolhimento alcança a libertação.

Empenha-te ao máximo em permanecer absorto no Atman.


***


Pela negligência no recolhimento, o homem é distraído da percepção da sua natureza divina.

Quem assim se deixa distrair decai e arruína-se.


*** 


Renuncia aos objectos sensoriais, que são a raiz de todos os males.

Aquele que alcançou a libertação nesta vida permanece liberto quando abandona o corpo.

O Yajur Veda* declara que o homem está sujeito ao medo enquanto vir a menor diferença entre ele próprio e Brahman.


- * Yajur Veda é um dos quatro Vedas hindus. Os seus textos debruçam-se sobre a liturgia, ritos e sacrifícios. - 


***


Enquanto o homem, mesmo que possua algum discernimento,

estabelecer a menor distinção entre ele e o Brahman infinito, o medo despontará.

Essa distinção só existe por causa da ignorância.


***


A razão, a tradição sagrada e centenas de textos das escrituras declaram que o universo objectivo não tem existência real.

Aquele que se identifica com o universo depara-se com uma multitude de sofrimentos.


***


Aquele que se devota à contemplação da Realidade torna-se livre e alcança a eterna glória do Atman.

Mas aquele cuja mente se deleita no irreal perder-se-á.


***


O principiante deve perseguir o irreal que causa a servidão.

Deve permanecer apoiado na visão do Atman, lembrando-se de que “esse Atman sou eu”.

A devoção constante a Brahman e a meditação sobre a nossa identidade com Brahman,

será causa de júbilo e abolirá a experiência imediata do sofrimento causado pela ignorância.


***


A busca dos objectos sensoriais resulta no aumento das nossas tendências perniciosas,

que se agravam cada vez mais.

Devemos estar cônscios disso por meio do discernimento espiritual e afastar o pensamento dos objectos sensoriais.

Dedica-te constantemente à meditação sobre o Atman.


***


Recusa a satisfação que advém dos objectos dos sentidos e a paz surgirá no teu Coração.

Quando o Coração está em paz, a visão do Atman aparece.

Quando o Atman for percebido directamente, a nossa servidão no mundo é aniquilada.

A recusa da satisfação nos objectos sensoriais é o caminho para a libertação.


***


Se o homem for instruído,

capaz de distinguir o real do irreal,

seguro da autoridade das escrituras,

possuído pela visão do Atman e ávido de libertação,

como poderá apegar-se como uma criança ao que é irreal e susceptível de provocar a sua queda?


***


Não pode haver libertação para aquele que está apegado ao corpo e aos seus prazeres.

O homem que atingiu a libertação está desprendido do apego ao corpo e aos seus prazeres.

O homem adormecido não está desperto, e o homem desperto não está adormecido.

Estes dois estados de consciência opõem-se um ao outro pela sua própria natureza.


***


O homem que conhece o Atman e o vê interior e exteriormente

como suporte de todas as coisas animadas e inanimadas alcançou a libertação.

Rejeita todas as aparências como irreais e absorve-te na visão do Atman, que é o Ser absoluto, infinito.


***


Ver no Atman, que é único, o princípio de todas as aparências, é o caminho que leva à libertação de toda a servidão.

Não há conhecimento mais elevado do que o de saber que o Atman é único e está em toda parte.

O homem compreende que o Atman está em toda parte e em todas as coisas,

quando rejeita as aparências e se lhe devota com constância.


***


Mas como pode o homem rejeitar as aparências se vive identificado com o corpo,

se sua mente está apegada aos objectos dos sentidos e se persegue a satisfação dos seus desejos?

Tal rejeição só pode ser concretizada mediante um esforço tenaz.

Pratica o discernimento espiritual e devota-te apaixonadamente ao Atman.

Renuncia às recompensas egoístas que se obtêm pela prática de acções e deveres.

Abandona a busca do prazer nos objectos sensoriais.

Deseja unicamente a posse da eterna beatitude.


***


Dizem as escrituras: "Quando o homem que ouviu a verdade de Brahman dos lábios do seu mestre se torna calmo, autocontrolado, satisfeito, paciente e profundamente absorto na contemplação,

realiza o Atman no seu próprio Coração e vê o Atman em todas as coisas”.


***


Para esse iniciado, a passagem acima prescreve a profunda contemplação do Atman, 

com o fim de que o Atman, que está em todas as coisas, possa ser compreendido.


***


A CORDA E A SERPENTE


***


É impossível, mesmo para o sábio, separar o ego de um só golpe.

Está por demais enraizado na natureza humana e perdura com os seus numerosos desejos, através de incontáveis nascimentos.

O ego só é completamente extinto naqueles que se tornaram iluminados graças à realização da sua mais elevada consciência transcendental.


***


Quando a mente de um homem é obnubilada pela ignorância,

o poder de projecção, cuja natureza é a inquietação, leva-o a identificar-se com o ego.

O ego acaba por o seduzir, perturbando-o com os desejos, que são os seus atributos.


***


É difícil vencer o poder de projecção enquanto o poder obnubilante da ignorância não for completamente destruído.

Quando um homem é capaz de distinguir tão claramente entre o Atman e as aparências externas, quanto entre o leite e a água,

o véu da ignorância que cobre o Atman desaparecerá naturalmente.

Quando a mente já não é distraída pela miragem dos objectos sensoriais, todo o obstáculo à compreensão do Atman foi removido.


***


Quando um homem se torna iluminado pelo conhecimento,

surge no seu íntimo o perfeito discernimento que distingue claramente o verdadeiro Ser, o Atman,

das aparências exteriores.

Desse modo, liberta-se dos grilhões da ilusão criada por Maya

e deixa de estar sujeito à morte e ao renascimento no mundo da mudança.


***


O conhecimento de que nós somos Brahman é como um incêndio,

que consome totalmente a densa floresta da ignorância.

Quando o homem compreendeu a sua unidade com Brahman,

como pode ele alimentar qualquer semente de nascimento e renascimento?


***


Quando surge a visão da Realidade, o véu da ignorância é removido por completo.

Enquanto percebermos as coisas na sua aparência,

a nossa percepção falsa distrair-nos-á e fará de nós uns miseráveis.

Quando a nossa falsa percepção é emendada, a miséria chega ao fim.


***


Vemos uma corda e pensamos que ela é uma serpente.

Assim que percebemos que a corda é uma corda, a nossa falsa percepção da serpente cessa e já não somos perturbados pelo medo que ela infunde.

Por isso, o homem sábio que deseja libertar-se da sua servidão deve conhecer a Realidade.


***


Assim como o ferro produz centelhas quando está em contacto com o fogo,

também a mente parece agir e perceber por causa do seu contacto com Brahman,

que é a própria consciência.

Esses poderes de acção e percepção, que parecem pertencer à mente são irreais.

São tão falsos como as coisas vistas na alucinação, na imaginação e no sonho.


***


As modificações de Maya, que vão da consciência do ego até ao corpo e aos objectos sensoriais, são todas irreais.

São irreais porque mudam continuadamente.

O Atman nunca muda.


***


O Atman é a consciência suprema,

eterna, indivisível e pura, o primeiro-sem-segundo.

É a testemunha da mente, do intelecto e das outras faculdades.

É distinto do corpo material e do corpo subtil.

É o Eu real, o Ser interior, a alegria suprema e eterna.


***


O homem sábio discerne entre o real e o irreal.

A sua visão emancipada percebe o Real.

Sabendo que o seu próprio Atman é a Consciência Pura e indivisível,

liberta-se da ignorância, da miséria, do poder da distracção e mergulha directamente na paz.


***


Quando a visão do Atman, o primeiro sem-um-segundo, é alcançada através do nirvikalpa samadhi,

os laços da ignorância do Coração são completamente e para sempre desatados.


***


"Tu”, “eu", “isto”, estas ideias de separação têm origem na impureza da mente.

Mas quando a visão do Atman, o supremo, o absoluto, o um-sem-segundo refulge no samadhi*,

a consciência da separação desvanece-se, porque a Realidade foi firmemente apreendida.


- * Samadhi – uma espécie de transe espiritual.

É o controlo completo das funções da consciência.

Existem dois tipos: O Savikalpa Samadhi e o Nirvikalpa Samadhi. O primeiro ainda apresenta alguns resíduos do ego, enquanto o segundo está deles ausente, o que se repercute no estado de êxtase espiritual. –



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José Maria Alves


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