***
mulá são tantas as vezes
que passas por idiota
aos olhos desta gente
vendes mais barato do que compras
não te importas quando te enganam
se te oferecerem o mais e o menos
o menos alegremente aceitas
ninguém te entende e de ti gracejam
pensa bem
será que não tem nenhuma vantagem
passares por idiota
aos olhos de toda essa gente
se obtiveres uma consequência inteligente
***
nasrudin passeava
com o filho ainda pequeno
no parque municipal
passou um funeral
a esposa do defunto chorava
gemia soluçava e gritava
disse nasrudin
ontem este desgraçado
comia bebia divertia-se
deitava-se na sua coberta bordada
agora levam-no para onde
não se come não se bebe
nem há coberta ornada
nem sequer cama
o filho do mulá
com os olhos arregalados
perguntou
não me digas pai que
vão levá-lo para nossa casa
***
nasrudin era um cumpridor
dos preceitos da sua religião
mas num certo ano
juntou-se aos judeus
durante o ramadão
chegou o carnaval e abandonou-os
os judeus ficaram espantados
já não professas a nossa fé
porque é que se espantam
durante trinta anos
cumpri escrupulosamente
a tradição muçulmana
sem me tornar perfeito
como é que poderia
ser judeu em trinta dias
***
nasrudin foi para uma cidade
onde os habitantes tinham por costume
dependurar um estandarte nas suas casas
por cada vasilha com oiro que possuíssem
nasrudin
passou mais de um ano
nessa cidade
e foi enchendo
vários cântaros de barro
com areia e pedras
e por cada um
pendurava um estandarte
os habitantes visitaram-no
e viram que nas bilhas
só havia pedras e areão do rio
mulá aqui só há pedras
não há oiro nenhum
que interessa se é oiro ou se são pedras
se é para ficar dentro das bilhas
o resultado é o mesmo
ou não é
***
nasrudin foi morar para outra cidade
conversando com um comerciante
perguntou-lhe como ia o negócio
óptimo
então pode emprestar-me dez moedas
como assim
eu não o conheço
nasrudin
estranho disse o mulá
onde eu vivia
ninguém me emprestava
porque me conheciam
agora não mo emprestam
porque não me conhecem
***
a mulher de nasrudin rezava
quando lhe pareceu
que tinha dado um traque
ventosidade expelida pelo ânus
ficou na dúvida ou traque ou outro ruído
antes fosse algo que não fosse pecado
como o marido não estava
foi consultar um velho sábio
que morava ao lado
o velho deu um traque e perguntou
era este o barulho
era era um pouco mais forte
deu mais um com esforço
e que fez muito barulho
era como este
não mais forte
diz-lhe o velho
vai para o inferno
que já me borrei todo
***
nasrudin lavrava um campo
com uma junta de bois
um deles era preguiçoso
como o diabo
soltou-se e fugiu
quando o viu a fugir
pegou numa chibata
e começou a bater no que ficou
um criado de lavoura perguntou
porque é que bates no boi velho
e não bates no que fugiu
porque quem é culpado é o boi velho
pôs-se de lado
fingiu que não viu o outro
e deixou-o fugir
***
disseram ao mulá
com suspeitas fundadas
a tua mulher anda sempre a passear
passeia sim
disse nasrudin
e depois volta para casa
mulá anda de cabeça descoberta
se assim é
é porque o lenço é pequeno
e anda de um lado para o outro
ninguém compreende
certo
eu gosto que ela
se passeie assim
não é isso mulá
ela anda
de um lado para o outro
com estrangeiros
bem
respondeu o mulá
será que sou pai
ou irmão dela
será
***
nasrudin tentava subir para o burro
estava difícil a velhice não perdoa
havia crianças a brincar na rua
que se deliciavam
com o pobre desajeitado
por fim lá conseguiu
mas de imediato
do outro lado do burro caiu
as crianças riram
nasrudin de mau humor disse
vão-se rir para o diabo
eu estava em terra de um lado
por segundos estive montado
e agora estou em terra do outro lado
é tudo
ide brincar
vou levar o burro à mão
***
nasrudin no mercado
encontrou uma moeda de oiro
as pessoas eram muitas uma multidão
e andavam de cá para lá
de um lado para o outro
nasrudin subiu a um palanque e gritou
parem estou a ficar tonto
deixem de andar para trás e para a frente
eu já encontrei a moeda
***
nasrudin foi contratado
educador de um príncipe
as lições terminavam sempre
antes do chamamento
para a oração da tarde
um dia
já depois da chamada
nasrudin continuou a lição
sem a interromper
já chamaram para a oração
disse o aluno
não ouvi nada
nasrudin
o melhor é tirar os óculos
e pô-los nos ouvidos
***
no mês do ramadão
nasrudin dispôs-se
para não se enganar
a pôr dentro de um pote
a cada dia
uma pedra
e foi o que fez
dia após dia
colocava uma pedra no pote
mas nasrudin tinha uma filha pequena
que sem o pai ver
pôs um punhado de pedras no pote
certo dia alguém
perguntou ao mulá
o dia do mês
nasrudin foi a casa contar as pedras
espanto estavam cento e quarenta e cinco no pote
pensou
se eu disser àquela gente
que estamos no dia cento e quarenta e cinco
vão pensar que estou maluco
pôs de lado cem e disse-lhes
estamos no quadragésimo quinto dia
todos riram desalmadamente
um mês só tem trinta dias
nasrudin
sem se atrapalhar
disse
pois saibam que a fazer fé no pote
estaríamos no centésimo quadragésimo quinto dia
***
nasrudin viajou para um país estrangeiro
sendo parecido
com um assassino fugido à justiça
foi preso e condenado à morte
o condenado tinha o direito
a uma última vontade
perguntaram a nasrudin qual era a sua
quero escolher como morrer
certo diga
ser-lhe-á concedido
como quer morrer
respondeu
quero morrer de velho
***
nasrudin não saía de casa
o que o deprimia e deprimia a mulher
sai homem precisas de tomar ar
não tarda adoeces e ficas de cama
habituas-te e nunca mais sais
nasrudin foi até à cidade
e por lá foi ficando
ao fim de quinze dias encontrou um amigo
a quem pediu para perguntar à mulher
se já chegava ou ainda devia ficar mais tempo fora
***
nasrudin foi nomeado juiz
como primeiro caso
compareceram no tribunal
um homem e uma mulher
a mulher queixou-se
meritíssimo
este homem deu-me um beijo
sem que eu o quisesse
tive de fugir dele
quero que seja condenado
não sei o que fazer
que decisão tomar disse
esperai pensando bem
dá-lhe tu mulher
também um beijo à força
assim ficam compensados
e de beijos igualados
***
nasrudin estava na mesquita
e puxou a orelha do imã
enquanto este estava prostrado
o imã começou de imediato a recitar
a mais importante de todas as orações
o versículo do trono
nasrudin boquiaberto disse
se tu recitas o versículo do trono
quando te puxam uma orelha
o que não recitarias
se te apertassem os tomates
***
certo dia
nasrudin
que seguia
com alguns dos seus discípulos
lembrou-se de os convidar
para comer uma sopa
em sua casa
chegado a casa
perguntou à mulher se tinha sopa
para ele e para os alunos
a mulher um tanto alterada
perguntou-lhe pela manteiga e pelo arroz
que ficara de comprar na mercearia
esqueci-me
não há sopa para ninguém
o mulá viu uma panela vazia
a maior que tinha em casa
pegou nela e levou-a aos discípulos
não há sopa
mas se houvesse
vejam quanta haveria
em tão grande panela
***
um príncipe pediu ao mulá
para tocar viola
não se lembrava de ter dito
que sabia música
mas como a torto e a direito mentia
era melhor restar calado
quanto à sua alegada mestria
nasrudin
meio desnorteado
pegou no instrumento
e tocou um único som
numa única corda
mulá porque deixaste de tocar
oiçam por alá
o zumbido de uma melga
com esse ruído
como é que ouvireis o que toco
***
nasrudin tinha uma galinha preta
levou-a ao mercado para a vender
ninguém lha comprava
até que apareceu um comprador
que lhe disse que se fosse branca a adquiria
nasrudin mandou-o voltar no dia seguinte
que tinha uma branca para lhe vender
chegado a casa
com água quente e sabão
lavou a galinha tantas e tantas vezes
até cansado estar
raios a galinha continuava preta
e pensou
quem a tingiu
não era amador
sabia o que estava a fazer
***
no povoado nasrudin espantou-se
um grupo de aldeões viam a lua nascer
que de tão pequena mal se conseguia ver
que gente esta pensou
quando está lua cheia não olham para ela
agora que mal se vê
todos a querem ver
***
um vizinho pediu a nasrudin
o burro emprestado
espera
vou saber
qual a sua opinião
voltou e disse
vizinho
o meu burro não gostou da ideia
diz que se eu o emprestar
vão bater-lhe nas orelhas
e nada há de que ele menos goste
por parvo não querendo passar
***
nasrudin era um bom jogador de xadrez
costumava assistir aos jogos dos outros
mas eram tantas as asneiras dos jogadores
que estava constantemente a fazer comentários
um dia irritou-se de tal modo
que jurou deixar a mulher
se voltasse a dar conselhos
ou a fazer quaisquer reparos
dias depois assistia a um jogo
em que um dos jogadores
deslocava estupidamente um cavalo
que acabava logo ali com o jogo
e corrigiu-o
o outro que estava prestes a ganhar
aborrecido questionou-o
não disseste que deixavas a tua mulher
se conselhos voltasses a dar
ora ora dei o conselho sem querer
deixa que te diga
que foi pelo mesmo motivo
que casei com a minha mulher
***
nasrudin partiu para um país vizinho
com o seu secretário em negócios
o rei ofereceu um banquete em sua honra
enquanto conversavam
nasrudin deu um enorme traque
no final da refeição
o secretário envergonhado
chamou a atenção do mulá
para tamanha má educação
deixa-te de coisas
aqui não conhecem a nossa língua
***
nasrudin teve de ir a tribunal com um vizinho
enquanto expunha o caso
fez um sinal ao juiz
pondo a mão sobre o peito
o juiz deu-lhe razão
mal o vizinho saiu
o juiz disse ao mulá
para lhe dar
o que tinha prometido
não prometi nada disse nasrudin
só lhe quis fazer ver
que se não me desse razão
lhe lançaria as pedras
que trago junto ao coração
***
numa noite de luar
nasrudin antes de se deitar
foi ao poço água tirar
vendo a lua reflectida
foi a casa buscar uma corda
com um gancho na ponta
para a tirar de lá
lançando o engenho à água
o gancho prendeu-se a uma pedra
e nasrudin tanta força fez
que caiu de costas
olhando para o céu viu a lua
e pensou
com dificuldade e com dor
consegui voltar a pô-la no seu lugar
***
nasrudin tinha uma horta
onde plantava alhos
planta que muito bem tratava
e de quem muito gostava
constou-se que à noite
tirava os alhos da terra
e os punha debaixo da almofada
sabendo-o
perguntaram-lhe alguns dos seus conhecidos
o estranho motivo que o levava a fazer tal coisa
os alhos são muito importantes para mim
disse nasrudin
nem a dormir devemos abandonar
aquilo a que queremos bem
***
em viagem
entrou nasrudin numa aldeia
os aldeões perguntaram a sua profissão
ressuscito os mortos em nome de alá
nasrudin foi por ali ficando
bem alimentado e vestido
até que um dia morreu um tecelão
vem ressuscitá-lo
nasrudin foi até à casa do defunto
sentou-se junto ao corpo frio
e perguntou
que fazia ele na vida
era tecelão
que contrariedade
não tenho solução
porquê
enquanto viveu
passou o tempo
com as pernas num buraco
assim sendo
o seu destino era este
seguir as pernas para a cova
não pode ser ressuscitado
***
nasrudin
afirmava em todo o lado
que era profeta
cansados de tanta gabarolice
alguns populares levaram-no ao rei
és profeta
sim sou
se és vais ter de fazer um milagre
nesse instante chegou um trabalhador do rei
que trazia uma fechadura
que só era possível abrir com onze chaves
ora aí está disse o rei
abre esta fechadura
bem bem eu disse ser profeta
alguma vez vos disse ser serralheiro nunca
***
um dia nasrudin inspirado
subiu ao púlpito e disse
demos graças a deus
por ter construído
uma mesquita sem colunas
caso contrário
seriam necessárias árvores de pedra
e os seus frutos quando estivessem maduros
iam-nos matando um a um
***
numa horta
nasrudin arrancou cenouras
alfaces alhos e nabos
chegado o hortelão
perguntou-lhe o que ali fazia
não sei
estava a dormir no campo
houve um vento tão forte
que vim aqui parar
e quem é que arrancou
todos estes vegetais
só pode ter sido a força do vento
e como é que os meus vegetais
foram parar ao teu saco
bem era precisamente nisso
que eu estava a pensar
quando tu de repente apareceste
***
certo dia nasrudin
levava uma gaiola
cheia de galinhas e um galo
para vender no mercado
como o caminho era longo
com pena dos bichos
soltou-os e mandou-os seguir caminho
mal os libertou
começaram galinhas e galo a correr
em todos os sentidos
menos no que nasrudin cria
vendo o galo
começou a dar-lhe
com uma vara dizendo
no galinheiro sabes se é noite ou dia
como é que agora não sabes que caminho seguir
***
um discípulo dirigiu-se
a nasrudin acusando um outro
de não ter observado o jejum
nasrudin perguntou
se tinha sido só um
não mestre
foram mais
ah diz-me
se rezaram todos
antes da refeição
***
nasrudin comprou um turbante
mas era curto e não o conseguia atar
insatisfeito quis livrar-se dele
e levou-o a um pregoeiro do mercado
que o intentava vender
alguém se interessou por ele
e nasrudin
disse-lhe ao ouvido
tem cuidado meu irmão
olha que o turbante é curto
e o pregoeiro tendo ouvido
ficou embasbacado
***
perguntaram a nasrudin
qual o seu instrumento musical preferido
gosto do som
dos pratos e das panelas
dos tachos e das frigideiras
das facas e dos garfos
***
alguém correu para junto do mulá dizendo
um teu discípulo está no lago a afogar-se
como é que o tiramos da água são e salvo
ele que não pára de gritar para que o salvem
quem tiver uma bolsa acene-lhe com ela
pensando que tem dinheiro
depressa nadará para a margem
***
um juiz perguntou a nasrudin
o que escolhe
a justiça ou o dinheiro
o dinheiro
como é possível mulá
um homem com os seus ideais
de prédicas espirituais
mestre de tantos alunos
despojado dos bens materiais
eu escolheria sempre a justiça
espanta-me a sua opção
juiz
cada um deseja
aquilo que mais falta lhe faz
***
nasrudin andava sempre
à procura do seu burro
mais uma vez o perdeu de vista
e ia perguntando a todos os que encontrava
se o tinham visto
um conhecido
sabedor das maluquices
do mulá disse
claro que o vi
estava a fazer de juiz
num povoado vizinho
nasrudin coçou a cabeça
pensou pensou
e respondeu
é muito provável
pois sempre que ensinava os meus alunos
o desgraçado virava as orelhas para mim
***
nasrudin estava nos banhos
onde estava um seu conhecido
que lhe deu uma palmada no rosto
pegou nele e levou-o ao juiz
que era amigo do ofensor
o juiz ouviu-os e disse
para uma estalada
a indemnização
é uma moeda de pouco valor
logo nasrudin viu o que se passava
uma moeda de nada
quase sem valor
numa sentença do amigo do doutor
o acusado procurou
mas não tinha nenhuma moeda
saiu para ir a casa buscar uma
e nunca mais voltava
nasrudin tanto esperou
que se fartou de esperar
por uma moeda que não valia nada
e pouca coisa comprava
percebendo que o juiz
o tinha feito por amizade ao réu
levantou-se e enquanto ele escrevia
aproximou-se e deu-lhe um estaladão
o juiz gritou
mulá estás doido
vou mandar-te prender
fiz o que tinha de ser feito
o homem não vem e eu tenho mais que fazer
se ele voltar pode ficar com a moeda
por conta do sopapo que lhe dei
e foi-se
***
na taberna disse nasrudin
uma tarde de verão
é igual a três dias de inverno
como assim
se digo é porque sei
olhai
lavei a minha túnica no inverno
e demorou três dias a secar
e lavei-a numa tarde de verão
estando seca à noite
***
nasrudin encontrou uma galinha
morta no caminho
levou-a para a estalagem do lugarejo
para a comer com os seus amigos
estes disseram-lhe
mulá
esta galinha é impura
não perdeu a vida por mão humana
não a podemos comer
idiotas imbecis
será impura
por que foi morta pelas mãos de deus
em vez de o ter sido por nós
que patetas sois
***
nasrudin
insistia que era profeta
acabaram por o levar
ao rei e a um juiz
que com ele estava
o que é que havemos de fazer
disseram ultrajados os que o levaram
este homem teima em ser profeta
ofende a lei de deus
o juiz ergueu-se
se o continuar a dizer
não abandonando essa blasfémia
será condenado à morte
o rei quis certificar-se
se és profeta
faz um milagre
nasrudin
pediu uma espada
de nobre aço
e bem afiada
para que a queres
vou fazer um milagre
cortarei a cabeça do juiz
e de seguida ressuscitá-lo-ei
o juiz apalermado
com o cu bem apertado
de inquietação e medo
disse
nasrudin
podes considerar-me
convertido à tua religião
inclui-me entre os fundadores
***
nasrudin tinha um escravo que fugiu
e que procurou por todo o lado
sem em lugar algum o encontrar
pensou
para onde tenha ido
para onde tenha fugido
foi ele que ficou a perder
assim não deixará nunca
de ser meu legítimo escravo
se não tivesse fugido
mais dia menos dia
tinha-lhe concedido a liberdade
***
ofereceram ao rei
um cavalo maravilhoso
ninguém o conseguia domar
nasrudin estava presente
e disse
ninguém entre vós tem a coragem
de montar este belo animal
e tu nasrudin
eu eu por alá
eu também não
respondeu o mulá
***
nasrudin montava o seu burro
virado para o rabo do animal
o povo olhava
porque é que vais assim sentado
eu não estou montado ao contrário
o burro é que vai no sentido errado
***
roubaram um queijo salgado a nasrudin
que de imediato
correu para a fonte do povoado
e por horas ali ficou
porque é que vieste a correr para aqui
e daqui não sais
perguntou-lhe um homem
que estava sentado à beira da nascente
venho sempre à fonte
depois de comer queijo salgado
deixa que o ladrão
também tem de aparecer
***
um familiar do mulá
adoeceu
perguntaram a nasrudin
pelo seu estado de saúde
primeiro curou-se
depois morreu
***
nasrudin tinha a casa
cheia de pulgas de baratas
e de ratos
tudo fez para se libertar deles
e nada
um dia a casa incendiou-se
e foi totalmente destruída pelas chamas
nasrudin suspirou de alívio
e muito feliz dizia
graças a alá
a casa toda queimada
agora já não há
pulgas nem ratos
nem nada
não há sequer baratas
***
nasrudin pegou numa escada
encostou-a a um muro
e entrou numa horta que não era dele
começou a arrancar vegetais
e eis que apareceu o dono que gritou
que estás aqui a fazer
ando a vender escadas
estás doido enlouqueceste
desde quando se vendem escadas aqui
nasrudin respondeu
a escada à minha
deixa de me dar lições
vendo-a onde eu quiser
é assim ou não
***
um ladrão entrou
em casa de nasrudin
pouco havia
naquela pobre residência
na praça os homens viram-no entrar
e gritaram
nasrudin entrou um ladrão na tua casa
deixem-no entrar
porque se encontrar alguma coisa de valor
será uma graça de alá
e também eu ficarei a ganhar
***
debaixo de um alperceiro
perguntaram a nasrudin
que frutos dá esta árvore
por alá
não sabeis
dava ovos
mas com a geada
caiu-lhe a casca e a clara
***
nasrudin transportava numa mão
um pedaço de carne acabada de comprar
na outra uma receita que lhe tinham dado
um abutre em voo rasante
roubou-lhe o precioso bocado
tolo
gritou o mulá
esse pedaço era meu
levaste a carne
mas quem tem a receita sou eu
***
nasrudin dormitava
à sombra de uma árvore
que árvore é esta
perguntaram
é uma bela árvore disse
enquanto uma ave defecou
sobre o manto de nasrudin
um monte de fezes brancas
olhou seriamente
para quem lhe tinha perguntado
e disse
não sabes que árvore é esta
não
vejam
mostrando a bosta branca no seu manto
é a árvore do iogurte
***
perguntaram a nasrudin
o que acontece às luas velhas
transformam-se em quê
asno não sabes
pega-se numa tesoura
cortam-se em pedaços
e fazem-se estrelas
***
nasrudin negociava ovos
comprava dez ovos por uma moeda
depois vendia-os no mercado
doze ovos pela mesma moeda
perguntavam-lhe os amigos
compras dez e vendes doze pelo mesmo preço
que raio de negócio é esse
isso é perder ou ganhar
eu sei
mas deste modo todos vêm
o meu negócio a prosperar
***
nasrudin parou para urinar
num caminho onde havia uma fonte
cuja água corria em fio
fazendo um leve ruído
nasrudin ficou por ali
uma tarde e uma noite
pensando o pobre diabo
que continuava a urinar
passou por ali um grupo de pessoas
que estranharam a postura do mulá
e lhe perguntaram o que fazia
disse-lhes
eu já não sou nasrudin
agora sou uma fonte
ora de onde jorra a água do teu corpo
meu tresloucado
não ouvem o sussurro da água
que cai na pedra
suas abantesmas
***
perguntaram
nasrudin
é verdade que o milhafre
é macho num ano
e fêmea no ano seguinte
façam a pergunta
a quem já foi milhafre
a mim não
respondeu nasrudin
enfadado
***
nasrudin
tinha uma galinha
e vários pintainhos
um dia
num manto preto
abriu vários buracos
e em cada um pôs
de fora a cabeça de um pinto
vendo-o em tal figura
perguntaram-lhe o que se passava
a mãe morreu
os pintos estão de luto
***
uma mãe e um filho
visitaram nasrudin
o meu filho é viciado em doces
podes fazer com que pare de os comer
nasrudin pediu-lhe que voltasse
passado uma semana
a mãe da criança estranhou o pedido
mas nada disse
voltando na semana seguinte
o mulá com autoridade disse ao rapaz
não voltes a comer doces ouviste bem
a mãe agradeceu
mas intrigada perguntou ao mulá
por que os fez vir uma semana depois
sim sim tem razão
mas na passada semana
eu ainda comia muitos doces
***
nasrudin andava a viajar sem rumo
e entrou numa cidade
há três dias
que nada comia
perguntaram-lhe o que fazia
sou médico disse
se és médico vem connosco
vamos ver o filho do rei que está doente
no palácio nasrudin pediu
pão manteiga e mel
para fazer um remédio milagroso
misturou o mel com a manteiga
barrou o pão
e começou a testar em si mesmo
tal mezinha
enquanto comia alguém gritou
o príncipe já morreu
ele morreu e eu também morreria
se esta mistela não tivesse comido
***
nasrudin caminhava
quando viu um moinho de vento
nunca na sua vida
tinha visto algum
ou coisa assim
aproximou-se um viajante
e o mulá perguntou
como chamam a esta casa que vejo
moinho de vento
e donde vem a água que faz mover o moinho
este moinho é de vento
insistiu o viajante
compreendi
disse nasrudin
mas de onde vem a água
***
nasrudin foi beber água a uma fonte
onde tinham enfiado um pau
e onde corria um fio de água
retirou-o e a água jorrou com força
encharcando-o
disse
ah afinal corres com força
já percebi porque te castigaram
enfiando-te um pau na boca
***
um vizinho
queixou-se a nasrudin
estou perdido
não sei o que fazer
a minha casa é tão pequena
vivemos nela
eu e a minha mulher
e ainda três filhos
todos reclamam
da pobreza
e da casa a estreiteza
diga-me mulá
o que posso fazer
fácil de resolver
tem galinhas no quintal
tenho algumas
leve-as para dentro de casa
mulá
ainda vai ser pior
faça o que digo
um dia depois
o homem visitou o mulá
visivelmente abalado
tudo piorou
tem um burro
tenho sim mulá
ponha-o dentro de casa
mas mulá mas
faça o que lhe digo
leve-o para dentro e logo se verá
dois dias depois visitou o mulá
desesperado e atormentado
nada havia melhorado
pelo contrário
tudo se havia agravado
tem mais algum animal
temos uma cabra um bode e dois cabritos
leve-os para casa também
nossa reclamou o vizinho
e voltou logo na manhã do dia seguinte
mulá tudo o que me fez fazer só agravou a situação
os meus filhos não me falam e gritam a toda a hora
a minha mulher quer-me bater e trata-me mal
é a confusão total
até eu estou a endoidecer
vamos lá resolver o problema
disse o mulá
ponha de novo
todos os animais no quintal
e no curral
nesse dia
aquela família ficou feliz
e nunca mais reclamou da falta de espaço
***
nasrudin comprou
fígado no mercado
voltava para casa
quando um milhafre
lho arrancou das mãos
aproveitou para passear na praça
eis que aparece um homem
com um pedaço de carne na mão
sem mais
nasrudin tirou-lhe a carne
e fugiu
o outro perseguiu-o
e acabou por o agarrar
nasrudin
porque é que me tiraste a carne
fizeram-me o mesmo
mas como não sou um milhafre
e não consigo voar
fui apanhado
***
nasrudin
vivia numa aldeia
os aldeões acabaram
por se desgostar das suas ideias
e resolveram expulsa-lo da localidade
queixaram-se ao juiz que o chamou
e que o intimou a mudar de lugar
meritíssimo eu é que não gosto deste povo
eles que se vão embora
mas eles são muitos
e tu és um só
mais uma razão
juntos podem construir um novo povoado
e eu sozinho o que posso fazer
estou velho e sem forças
para construir uma casa nova
novo jardim e nova horta
***
nasrudin sentiu-se mal
e dirigiu-se para casa do médico
ao passar junto ao cemitério
encontrou o clínico
doutor estou doente
vem comigo para te observar
o mulá notou que à porta do cemitério
o médico virou a cara e fechou os olhos
curioso perguntou
porque o fez
enfim
nasrudin
tento não reconhecer
alguns que aqui estão
por causa da minha poção
o mulá estancou
alto lá pensou
e disse
doutor
estou melhor
já me passou
e voltou para trás
***
um amigo de nasrudin
foi dele despedir-se
vou partir para outra cidade
dá-me o teu anel
para que me possa lembrar de ti
sempre que para ele olhar
não é boa ideia disse nasrudin
podes perdê-lo e esquecer-te-ás de mim
não to dando
cada vez que olhares para o dedo
e não o vires
pensarás
olha o dedo onde o nasrudin tem um anel
assim nunca me esquecerás
***
nasrudin passava
na margem de um rio
quando apareceram dez cegos
que lhe pediram para os ajudar
a atravessar para a outra margem
e lhe ofereceram uma moeda por cada um
nasrudin aceitou
ordenou que todos dessem as mãos
e o seguissem
eis que um dos cegos com água até à cintura
escorregou e foi levado pela forte corrente
os outros cegos gritavam
mas não podiam fazer nada
nasrudin com calma
e sem se alarmar
disse
não o conseguimos salvar
não se apoquentem
para quê essa aflição
dão-me uma moeda a menos
e o negócio fica certo
***
os discípulos de nasrudin
disseram
as tuas histórias
estão cheias de sentidos ocultos
de tantos mistérios
e mais ainda
de grandes verdades
claro que não
não porquê mulá
porque em momento algum
falei verdade
nem por uma única vez
e nunca serei capaz de o fazer
***
5/2021
José Maria Alves
https://homeoesp.blogspot.com/
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