A Lao Tse
***
a virtude superior
não é virtude
pelo que não possui
a virtude
a virtude inferior
não perde a virtude
pelo que não possui
a virtude
a virtude superior
é não-acção
não utiliza
a acção
a virtude inferior
é acção
faz uso
da acção
a bondade superior
é acção
não utiliza
a acção
a justiça superior
é acção
que faz uso
da acção
à perda do caminho
segue-se a virtude
à perda da virtude
segue-se a bondade
à perda da bondade
segue-se a justiça
à perda da justiça
segue-se a delicadeza
a delicadeza é o empobrecimento
da fidelidade e da confiança
e é o princípio da confusão
aquele de conhecimentos avançados
como a flor do caminho
é o princípio da estupidez
o grande homem
coloca-se
no consistente
e não se coloca
no rarefeito
habita
no fruto
e não habita
na flor
afastando esta
e persistindo naquele
os sábios adquiriram
o um
na antiguidade
o céu adquiriu
o um
e tornou-se transparente
a terra adquiriu
o um
e tornou-se tranquila
o espírito adquiriu
o um
e tornou-se desperto
os vales adquiriram
o um
e tornaram-se opulentos
os dez mil seres adquiriram
o um
e tornaram-se vivos
os príncipes e os reis adquiriram
o um
e tornaram-se o eixo do mundo
esses alcançaram a supremacia
o céu
não se tornando transparente
temerá fender-se
a terra
não se tornando tranquila
temerá estremecer
o espírito
não se tornando desperto
temerá exaurir-se
os vales
não se tornando opulentos
temerão secar
os dez mil seres
não se tornando vivos
temerão extinguir-se
os príncipes e os reis
não se tornando nobres
temerão a derrota
assim
o nobre utiliza
a humildade
como princípio
e
o alto
utiliza o baixo
como base
sendo assim
os príncipes e os reis
denominam-se a si mesmos de órfãos
carentes e indignos
isto seria utilizar
a humildade como princípio
ou não seria
por isso
alcançar o valor
é aproximar-se
do não-elogio
não desejando
o vulgar como o jade
sendo simples como a pedra
***
o retorno
é o movimento
do caminho
a suavidade
é a acção
do caminho
os seres sob o céu
nascem
da existência
e a existência
nasce
da não-existência
***
o homem superior
ao ouvir falar sobre o caminho
esforça-se para que o possa realizar
o homem médio
ao ouvir falar sobre o caminho
às vezes resguarda-o outras perde-o
o homem inferior
ao ouvir falar sobre o caminho
trata-o com gargalhadas
se não fosse tratado
com risos e gargalhadas
não seria o suficiente
para ser o caminho
por isso as seguintes palavras lembram que
a iluminação do caminho
é como se fosse a obscuridade
o avanço do caminho
é como se fosse o retrocesso
as planícies do caminho
são como se fossem iguais
a virtude superior
é como se fosse o que é comum
a grande brancura
é como se fosse o sujo
a virtude ampla
é como se fosse insuficiente
construir a virtude
é como se fosse roubar
a solidez verdadeira
é como se fosse o instável
o grande quadrado
não tem ângulos
o grande recipiente
conclui-se tarde
o grande som
carece de sonido
a grande imagem
não tem forma
o caminho é invisível
e não tem nome
apenas o caminho
é bom em
auxiliar e terminar
***
o caminho
gera o um
o um
gera o dois
o dois
gera o três
o três
gera os dez mil seres
os dez mil seres cobrem-se com o obscuro
abraçam o que é claro
harmonizam-se através do sopro do absoluto
o que os homens
detestam
são os órfãos
os carentes
os indignos
mas é assim que reis e príncipes
se denominam
por isso
as coisas
ao serem diminuídas irão aumentar
aumentadas irão diminuir
o que os homens ensinaram
eu também ensino
com o mesmo sentido
os troncos rígidos
não merecerão
a sua morte
irei utilizar isto
como pai de todo o ensinamento
***
sob o céu
o mais suave
cavalga sobre o mais duro
a não-existência
pode penetrar
no sem-espaço
por isso conheço
o benefício
da não-acção
o ensinamento da não-palavra
o benefício da não-acção
sob o céu são poucos os que o alcançam
***
a fama ou o corpo
o que é que mais se ama
o corpo ou a riqueza
o que é que vale mais
ganhar ou perder
o que é que mais enferma
o excesso de desejos
causará uma grande apoquentação
e
o excesso de bens
causará uma morte imersa na riqueza
quem sabe contentar-se
não se humilha
quem sabe conter-se
não se irá exaurir
poderá viver longamente
***
a conclusão suprema
parece incompleta
a sua utilização não danifica
a abundância suprema
parece vazia
a sua utilização não se esgota
a rectidão suprema
parece tortuosa
a habilidade suprema
parece desajeitada
a eloquência suprema
parece titubear
o movimento vence o frio
e a quietude vence o calor
a transparência e a quietude
actuam governando sob o céu
***
existindo o caminho sob o céu
conduzem-se os cavalos para estercar
não existindo o caminho sob o céu
armam-se os cavalos para viver nas fronteiras
não há maior delito
do que admirar os desejos
não há maior calamidade
do que não saber contentar-se
não há maior erro
do que desejar possuir
com a suficiência
de quem sabe o que é suficiente
terá sempre o suficiente
***
sem sair a porta
pode conhecer-se
o mundo
sem ver através da janela
pode conhecer-se
o caminho do céu
quanto mais longe
saímos
tanto menos
conhecemos
o homem sagrado
conhece sem caminhar
reconhece sem ver
concretiza sem agir
***
a realização através
dos estudos
é ampliar dia após dia
a realização através
do caminho
é simplificar dia após dia
simplificando e simplificando mais
até alcançar a não-acção
na não-acção
não há o que não
possa ser feito
apoderar-se do mundo
é permanecer
através do não-apego
ao surgir a actividade
já não é mais suficiente
para que se apodere do mundo
***
o homem sagrado
não tem coração
tem o povo
como o seu coração
com os bons
faço o bem
com os que não são bons
também faço o bem
adquirindo o bem
com os sinceros
sou sincero
com os que não são sinceros
também sou sincero
adquirindo a sinceridade
o homem sagrado sob o céu
age cautelosamente
fundindo os corações do mundo
fundindo o povo
com olhos
e ouvidos atentos
o homem sagrado
trata-os como crianças
***
nascer na vida
entrar na morte
dos que ao nascimento pertencem
entre dez há três
dos que à morte pertencem
entre dez há três
dos homens vivos
os que se movem
para a terra da morte
entre dez há três
e qual é a causa
as suas vidas
são vividas
em excesso
ouvi dizer
que o bom cultivador da vida
viaja pela terra
e não se confronta
com rinocerontes
nem com tigres
e atravessa um exército
sem armadura nem armas
os rinocerontes
não têm onde enfiar o chifre
os tigres
não têm onde cravar as garras
e as armas
não têm onde alojar as lâminas
e qual é a causa
nele não existe
lugar para a morte
***
o caminho gera
a virtude e cria
a matéria forma
a conclusão completa
os dez mil seres
veneram o caminho
e prezam a virtude
o caminho é venerável
a virtude é estimável
por tal
o caminho
gera a virtude e cria
fazem crescer
fazem nutrir
fazem completar
fazem concluir
fazem o sustento
e fazem a cobertura
geram
porém
não se apossam
agem
porém
não retêm
cultivam
porém
não controlam
a isto chamamos
virtude misteriosa
***
sob o céu
há um princípio
que age como
mãe do mundo
existindo a mãe
pode conhecer-se o filho
já que se conhece o filho
volte-se a preservar a mãe
assim
o fim do corpo
não conduzirá
à morte
fechando a boca
trancando a porta
até ao fim do corpo sem desgaste
abrindo a boca
favorecendo a actividade
até ao fim do corpo sem salvação
ver o pequeno
diz-se iluminação
usar a suavidade
diz-se força
use de volta a sua luz
para que se volte a iluminar
assim não causará dano ao corpo
a isto chamamos herdar o constante
***
que me torne naturalmente
firme e possuidor do saber
percorrendo o grande caminho
temendo apenas a dissipação
o grande caminho
é bastante tranquilo
os homens preferem os trilhos e atalhos
governo
com excesso de degraus
campo
com excesso de ervas daninhas
armazém
com excesso de vazios
vestir
bordados coloridos
carregar
uma espada afiada
saciar-se
comendo e bebendo
possuir
moedas e bens em excesso
a isto chamamos roubo
e auto-encantamento
o roubo e o auto-encantamento
negam definitivamente o caminho
***
o que é bem plantado
não é arrancado
o que é bem abraçado
não se separa
por tal motivo
filhos e netos
não cessam de venerar
restaure o seu corpo
e a sua virtude
será autêntica
restaure a sua casa
e a sua virtude
será abundante
restaure a sua província
e a sua virtude
será crescente
restaure o seu reino
e a sua virtude
será farta
restaure o seu mundo
e a sua virtude
será vasta
assim
através do corpo
percebe-se o corpo
através da casa
percebe-se a casa
através da província
percebe-se a província
através do reino
percebe-se o reino
através do mundo
percebe-se o mundo
como posso conhecer a natureza do mundo
é através disto
***
quem possui
a virtude em abundância
é como um recém-nascido
os insectos
não o ferram
as aves de rapina
e os animais bravios
não o capturam
tem ossos leves
cartilagens macias
mas firmes
desconhece a união
de macho e fêmea
mas o seu órgão desperta
pela plenitude da essência
grita até ao fim do dia
mas não fica rouco
pela plenitude da harmonia
conhecer a harmonia
chama-se constância
conhecer a constância
chama-se iluminar
enriquecer a vida
chama-se esclarecer
o coração
que ordena o sopro
chama-se força
as coisas no seu auge
tornam-se velhas
a isso chamamos negar o caminho
negando o caminho
rapidamente falecem
***
o que pertence à compreensão
não é a palavra
o que pertence à palavra
não é a compreensão
fechando a boca
aferrolhando a porta
cegando o corte
desenlaçando o nó
harmonizando-se à luz
igualando-se à poeira
a isto chamamos o mistério comum
união com o um
com o qual
não se pode encontrar
avizinhamento
não se pode encontrar
arredamento
não se pode encontrar
bendição
não se pode encontrar
malignidade
não se pode encontrar
valorização
não se pode
encontrar desvalorização
por isso
age como nobre sob o céu
***
através da rectidão
organiza-se o reino
através da singularidade
dirige-se a guerra
através da não-actividade
adquire-se o mundo
como posso conhecer a natureza do mundo
é através disto
muitas são as restrições
e omissões no mundo
que tornam o povo
completamente pobre
muitos instrumentos afiados
entre o povo
fazem crescer a confusão
no reino e na família
muito conhecimento
engenhoso entre o povo
faz crescer o surgimento
de objectos estranhos
leis e coisas
crescendo visivelmente
fazem surgir muitos
ladrões e salteadores
por isso
o homem sagrado dizia
eu não agindo
o povo transforma-se
eu
sem actividade
o povo enriquece-se
eu estando tranquilo
o povo
rectifica-se
eu
sem desejos
o povo simplifica-se
***
onde governa a tolerância
o povo tem tranquilidade
onde governa a discriminação
o povo tem insatisfação
é na desgraça
que se encontra
a felicidade
e é na felicidade
que se esconde
a desgraça
quem é capaz de conhecer estes extremos
na ausência de governo o governo passa a agir como um estranho
a bondade passa a agir como maldade
a ilusão do homem tem o seu dia
longamente consolidado
seja quadrado
sem corte
seja honesto
sem humilhar
seja recto
sem abusar
seja luminoso
sem ofuscar
***
para reger
o homem
e servir o céu
nada como
ser o modelo
somente sendo o modelo
cedo se pode dominar
dominar cedo significa acrescentar
acúmulo à virtude
aumentando o acúmulo de virtude
não há o que não se possa vencer
não havendo o que não se possa vencer
não se conhece o seu extremo
podendo conhecer os seus extremos
pode possuir-se o reino
possuindo
a mãe
do reino
pode ser-se
constante
isto é uma raiz profunda e um pedúnculo sólido
é o caminho da vida constante e da visão duradoura
***
governar um grande reino
é como cozinhar
um pequeno peixe
actuando sob o céu
através do caminho
os seus demónios
não são despertados
não que os seus demónios
não sejam despertados
mas o seu despertar
não fere o homem
não que seu despertar
não fira o homem
o homem sagrado
também não fere o homem
sendo que os dois não se ferem
assim as suas virtudes unem-se e retornam
***
o grande reino
é aquele corrente abaixo
é um campo sob o céu
num campo sob o céu
a fêmea vence sempre
o macho através da quietude
o grande reino
estando abaixo
do pequeno reino
conquista
o pequeno reino
o pequeno reino
estando abaixo
do grande reino
anexa
o grande reino
assim
ou por estar abaixo
para conquistar
ou por estar abaixo
para absorver
o grande reino
apenas deseja unir
e cultivar os homens
enquanto
o pequeno reino
apenas deseja integrar
e servir os homens
cada um destes dois
encontra o local para o seu desejo
portanto
o grande deve estar abaixo
***
o caminho
é o segredo
dos dez mil seres
o tesouro
do homem benevolente
o caminho
é o que o homem
não-benevolente
não guarda
as palavras se belas
podem ser negociadas
atitudes reverentes
podem elevar um homem
mesmo com a não-benevolência do homem
como se poderia deixá-lo ao abandono
por isso
ergue-se o filho do céu
e ordenam-se os três duques
mesmo possuindo o jade da oferenda
antes de quatro cavalos
nada se compara a sentar e entrar no caminho
por que motivo antigamente se valorizava o caminho
não diziam que quem busca pode adquirir
quem possui culpa pode ser absolvido
por via disso
é valioso sob o céu
***
acção
através da
não-acção
actividade
através da
não-actividade
sabor
através do
não-sabor
grande
como
pequeno
muito
como
pouco
retribuir a injustiça
através da virtude
projectar o difícil
a partir do fácil
realizar o grande
a partir do pequeno
sob o céu
a actividade difícil
realiza-se a partir da fácil
a grande actividade
realiza-se a partir da pequena
promessas
levianas
carecem de confiança
excesso
de facilidades
traz excesso de dificuldades
assim sendo
o homem sagrado
assemelha-se ao difícil
e por isso até o fim
não tem dificuldades
***
o que tem paz
é fácil de manter
o que é anterior
ao despertar
é fácil de planear
o que é frágil
é fácil de quebrar
o que é pequeno
é fácil de dissolver
realiza-se
a partir da existência
organiza-se
a partir de antes da desordem
uma árvore de grande abraço
gera-se de uma muda fina
uma torre de nove andares
levanta-se de um acúmulo de terra
uma viagem de mil léguas
inicia-se debaixo dos pés
quem age fracassa
quem se apega perde
o homem sagrado
não age
por via disso
não fracassa
não se apega
por isso
não perde
os homens
na realização das actividades
sempre fracassam
em suas quase-conclusões
cautela
tanto no fim
como no princípio
conduz à actividade
sem fracasso
o homem sagrado
deseja através do não-desejo
não valoriza as coisas
de difícil aquisição
aprende
através do não-aprender
possui
o que ultrapassa todos os homens
para auxiliar a autenticidade
dos dez mil seres
e não encorajar a acção
***
na antiguidade
os bons executantes
do caminho
não o utilizavam
para esclarecer o povo
usavam-no
para o alegrar
a dificuldade
de governar o povo
é devida
aos seus conhecimentos
utilizando o intelecto
para governar o reino
têm-se furtos no reino
não utilizando o intelecto
para governar o reino
tem-se virtude no reino
aquele que conhece estes dois
também se orienta por estes modelos
ao constante conhecimento
da orientação por estes modelos
chamamos
misteriosa virtude
a misteriosa virtude
é profunda e longa
ao inverso das coisas
naturalmente
depois disso
alcança-se a grande fluência
***
o que pode tornar os rios e mares
reis dos cem vales
é saber situar-se em baixo
o homem sagrado
que aspira estar
acima dos homens
coloca as suas palavras
abaixo das deles
aspirando estar à frente dos homens
coloca o seu corpo atrás dos deles
situa-se em cima
mas o seu povo
não sente o peso
situa-se à frente
porém o povo
não é lesado
o mundo alegra-se
em exaltá-lo sem desgosto
como ele não disputa
o mundo
não pode disputar com ele
***
sob o céu todos
se consideram grandes
não rio disso
o grande
sendo grande
não ri
se risse
há muito
que se teria
tornado
pequeno
eu tenho três tesouros
que valorizo e preservo
o primeiro
chama-se afectividade
o segundo
chama-se simplicidade
e o terceiro
chama-se
não encorajar ser o dianteiro sob o céu
assim
através da afectividade
pode ter-se coragem
através da simplicidade
pode ter-se amplitude
não encorajando
ser-se o dianteiro sob o céu
o humilde
pode concluir-se
o instrumento do eterno
hoje
abandonando a afectividade
e tendo coragem
abandonando a simplicidade
e tendo amplitude
abandonando o ulterior
e tornando-se o dianteiro
isto é morrer
através da afectividade
com a manifestação é ordenada a rectidão
com o resguardo é ordenada a duração
quando o céu quer salvar
utiliza a afectividade
como protecção
***
na antiguidade
os bons praticantes
de cavalheirismo
não eram belicosos
bons em guerrear
sem ira
bons em vencer os inimigos
sem disputa
bons em empregar os homens
agindo como inferior
a isto chamamos a virtude da não-disputa
a isto chamamos a força de empregar os homens
a isto chamamos a supremacia da união com o céu
e a antiguidade
***
sobre o uso da arma há um provérbio
não me encorajo a agir como anfitrião
prefiro agir como hóspede
não me encorajo em avançar uma polegada
prefiro recuar um pé
a isto chamamos
mover não movendo
agarrar não abraçando
defender não lutando
enfrentar sem inimizade
não há desgraça maior
do que humilhar o inimigo
humilhando o inimigo
arriscamo-nos
a perder o nosso tesouro
por isso
no confronto onde as armas se igualam
vence o que está entristecido
***
a minha palavra
é bastante fácil
de compreender
bastante fácil
de praticar
mas sob o céu
ninguém a consegue compreender
ninguém a consegue praticar
as palavras têm uma origem
os actos têm um regente
e somente através da não-compreensão
não se tem a compreensão do ego
aqueles que me compreendem são poucos
aqueles que me seguem são nobres
o homem sagrado
cobre-se com andrajos
abraçando jade
***
saber do não-saber
é sublime
não saber do saber
é doença
o homem sagrado
não adoece
por considerar
doença a doença
não há doença
***
quando o povo
não tem medo do temível
o grande temor chega
não estreite a sua morada
não despreze a sua vida
pois somente não desprezando
pode tornar-se o não-apodrecido
o homem sagrado
conhece-se a si mesmo
mas não se evidencia
ama-se a si mesmo
mas não
se estima
deste modo nega isto
e admite aquilo
***
quem tem a coragem
de ser destemido
enfrentará a morte
quem tem a coragem
de ser cauteloso
manifestará a vida
esses dois são
ora benéficos
ora maléficos
quando o céu repudia
quem compreenderá a causa
o caminho do céu
não disputa
mas é bom a vencer
não fala
mas é bom a responder
não é invocado
mas vem por si
não fala
mas é bom a planear
a teia do céu
é grandiosamente grande
liga-se a tudo
e de nada se perde
***
o povo constante
não teme a morte
como o poderemos intimidar
usando a morte
se considero estranho
esse constante
que não teme a morte
será que devo matar
mesmo reconhecendo a sua coragem
o constante
possui o encargo
de matar e mata
o homem
que tomar o lugar
no encargo de matar
será como substituir
um grande lenhador ao serrar
o homem
que substituir o grande lenhador ao serrar
muito raramente não magoará a mão
***
a fome do homem
deve-se a que o governante
se alimente de impostos em excesso
daí
a existência da fome
a difícil governabilidade de cem famílias
é devida ao seu superior agir intencionalmente
daí o desgoverno
a morte fácil do povo
é devida a que se viva
uma vida de excessos
daí que exista a morte fácil
apenas aqueles
que não utilizam a vida para agir
são bons a valorizar a vida
***
o homem ao nascer
é macio e brando
ao morrer
é rígido e duro
a erva
a madeira
e os dez mil seres
ao germinarem
são como a suave penugem
do ventre de uma ave
e ao morrer
ficam secos e murchos
os rígidos e duros
são os companheiros da morte
os tenros e brandos
são os companheiros da vida
sendo assim
as armas duras não vencem
as árvores duras são comuns
os rígidos e duros
moram em baixo
os tenros e brandos
situam-se em cima
***
o caminho do céu
é como o retesar do arco
a parte superior baixa
a parte inferior sobe
a parte que possui sobra
é diminuída
a parte não-suficiente
é completada
o caminho do céu
diminui a sobra possuída
completa o não-suficiente
mas o caminho do homem
não se orienta assim
diminui do não-suficiente
para oferecer ao que possui sobra
mas quem pode possuir sobras para oferecer ao mundo
somente aquele que possui o caminho
o homem sagrado
age
sem querer para si
conclui a obra
mas não se apega
e não deseja
mostrar a sua eminência
***
sob o céu
nada é mais suave e brando
que a água
no entanto
para atacar
o que é rígido e duro
nada se lhe pode adiantar
nada a pode substituir
a suavidade
vence a força
o brando
vence o duro
sob o céu
não há quem o não saiba
não há quem não o possa praticar
o homem sagrado disse
aceitar as impurezas do reino
chama-se reger o cereal e a terra
e aceitar as desventuras do reino
chama-se reinar sob o céu
as palavras correctas
parecem contrárias
***
ao conciliar-se
um grande rancor
ainda haverá uma réstia de rancor
como se poderá agir bem
o homem sagrado
toma o sinal esquerdo
liga-se ao mundo pelo coração
e não critica os outros
quem tem virtude
orienta-se pelo sinal
quem não tem virtude
orienta-se pelo vestígio
o caminho do céu
não cria intimidade
mas acompanha sempre
o homem bom
***
um pequeno reino
de poucos habitantes
mesmo que possua
um utensílio para
dezenas de centenas
não o usa
faça o povo valorizar a morte
e não viajar para longe
possuindo barcos e carruagens
mas não tendo onde os usar
possuindo armas e armaduras
mas não tendo onde as enfileirar
faça com que o povo retorne
aos nós em corda e ao seu uso
serão
doces
os seus alimentos
belas
as suas
roupas
pacíficas
as suas
moradas
alegres
seus
costumes
que os reinos vizinhos
estejam à vista
que o som dos galos e dos cães
sejam ouvidos
faça com que o povo
alcance a velhice
sem ter que ir e vir
***
as palavras confiáveis
não são belas
as palavras belas
não são confiáveis
quem sabe
não é abrangente
quem
é abrangente não sabe
quem é bom
não discute
quem discute
não é bom
o homem sagrado não acumula
quanto mais faz pelos homens mais tem
quanto mais dá aos homens mais aumenta
o caminho do céu
é favorecer e não prejudicar
o caminho do homem sagrado
é fazer e não disputar
***
Versão livre do Tao Te Ching – Lao Tse
***
José Maria Alves
https://homeoesp.blogspot.com/
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