não me acredito
ao que assisto
só pode ser um
daqueles sonhos a quem os cisnes negros chamam pesadelos e nos quais estúpidos
poetas bucólicos
inventam castos pastores
inocentes
assexuados sem incidente masturbatório
já dei para este
peditório
evidentemente
contrariado como se cumprisse pena de degredo de parcos momentos de bonança
pela rua
calcetada ao brilho das nuas ramificações da água de aluamento caminham pobres
famintos abrindo e encerrando mecanicamente os tampos dos vidrões
reciclam os
alimentos imundos da burguesia rocambolesca
cada vez mais há
quem se venda por uns trapos fora de moda
vendem-se de dia
nos esconsos anónimos no desvão dos bosquetes ou nos casinhotos amontoados para
aleitarem os filhos
depois de lavadas
volta tudo ao normal com comida fresca e desodorizada à mesa
porca miséria a
da mentira chavasca
da queda a pique
da verticalidade no recanto mais recôndito dos jardins suspensos
e a eles
vejo-os nos
jantares em casa de minha mãe vejo-os e ouço-os por momentos na caixa mágica
das ilusões e das trapaças
tenho nojo uma
náusea esverdeada abundante um arrepio mortal a trespassar covardemente os fios
cristalinos da dignidade do coração e
lembro bocage
nesta hora tardia da cidade infecta e pestilenta que dorme nos passos quase
sempre solitários do frio apetite em busca das luzes dos candeeiros
indiferentes
vida filha da
puta
nas ruelas e
becos aumentam as putas
filhas da vida
e eu pasmo
por nunca ter
visto tanto filho da puta na puta da minha vida