para além destas paredes é
tudo tão visível tão claro tão sensível
passo através delas para
penetrar na praça sórdida onde habitam os pombos da mendicidade
os mortos-vivos
fosforescentes em fogo-fátuo da cidade
vivo no ventre dos meus
pressentimentos sem razão
e há o terraço sobre o tejo
onde me apoio para ver as caravelas do mofo capitaneadas por velhos negreiros
pardos
e há esta pressa absurda de
fazer coisas
de modelar as ideias ao meu
peito sequioso
descobrir novos mundos nas
costelas salientes das algibeiras esfarrapadas pelo arcaico grão por germinar
os pombos dormem no meu ser
imerso na insónia de frio húmido
acendo uma vela para
afugentar a escuridade
candeia de alma desordenada
alguém me diz que se sente só
ele há tanta gente só por
essas calçadas encardidas da vida
a solidão não é uma doença é
a vereda do insondável calcorreada em noite de lua nova é a chuva que lava os
campos da imaginação e desvanece a indignação dos injustiçados
mais logo o dia despertará
pleno de rostos cansados
mercados abertos aos ventos
da agonia e do desprezo orgíaco
um novo dia um novo pão e o
mesmo café na esquina do bairro amordaçado
a melancolia do gesto ritual
no primeiro cigarro do amanhecer
uma nova viagem
mas sempre sempre
esta vontade imensa de viver
em tempo escasso
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