madrugada hoje já não hás-de vir
que lucro posso retirar das amantes perdidas
prefiro-te a ti
dizem-me para escrever as minhas memórias que falta de tino seriam um péssimo exemplo
processado pelos pais das crianças
excomungado pelo bispado perseguido para ser queimado crucificado e penetrado por lanças
condenado ao degredo ou vendido como escravo
do sexo ou para mandar
porque pouco mais sei fazer –
amante ou amo
sou a taça onde foram vertidas todas as virtudes e defeitos um ser experimental moldado por um deus embriagado
sou a sensibilidade à flor da pele a promiscuidade desarrazoada do prazer o aprazimento do clímax mítico o tríptico das noites amorosas a insatisfação revoltosa das vidas vegetais a essência da irreverência
o místico das solidões oceânicas
sou de além-civilização de além-túmulo e sem comissões
independente e livre como rimbaud
- mas muito pior poeta é certo não se pode ter tudo
modéstia
água benta e presunção cada um toma a que quer
perguntas-me pelo molde
primeiro dia
consumado o erro foi destruído e as cinzas espalhadas num ermo celeste
segundo dia
deus ajoelhou junto da arca dos ossos e dos tecidos moles e pediu perdão por desastroso erro cometido na criação
terceiro dia
excogitou o baú das almas que amamentou no berço dos tempos
quarto dia
mesmo vendo que não havia cópia fez uma depressão
quinto dia
chorou e lamentou a criatura viciada horas a fio
sexto dia
repousou
e aqui estou perdido sem confrade que parecido seja
eu
o eterno incompreendido –
que comovente
são quase cinco da manhã
que deus me perdoe o inconveniente
incómodo de fim de semana à francesa
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