quando eu morrer
não chorem esse é o meu desejo
não quero sinos a tocar disparates
não quero velórios de bonifrates
cantem façam amor embriaguem-se bailem
tragam do ancoradouro o meu veleiro
lancem as minhas cinzas ao tejo
meia-noite na baixa-mar
rio dos meus amores dos meus pecados
rio das perdições dos corações despedaçados
rio em que nas noites prateadas de luar
como ninguém amei
e foram tantas as que beijei
sexo penetrado
à vista do mar
ao abismo o que é do oceano
terra é para homem pequeno
mar para quem temerário
o soube defrontar e amar
as mil mulheres que tive os quartilhos de vinho que bebi as mil e uma noites que vivi rindo e sorrindo à madrugada
viço e lascívia estúrdias e luxúria
casas que frequentei boa e má fama perdulário na penúria avaro na abastança
leitos de solteiras divorciadas casadas alternadeiras e rameiras
famas e camas nunca me faltaram
façam peregrinações a casas de orgia
levem rufias carteiristas proxenetas
pelotiqueiros calaceiros aldrabões
femeeiros arruaceiros
gastem a soldada vencimento a pitança
não ouçam as vozes adormentadas do povo
encham as mesas de mulheres e vinho novo
soltem risadas à minha lembrança
que o tempo passa e só vos levo a dianteira
lembrem que a cada hora morta
pensei mistérios desvendados e por desvendar
chegando até onde o entendimento humano pode chegar
pensando tudo o que há para pensar
não quero mágoas pesadelos saudades
tive tudo o que tinha de ter
fiz tudo o que tinha para fazer
e
nos rochedos do cabo escrevam a vento e sombras
aqui jaz o que não lamuriamos
com setenta vezes sete vidas vividas
de alegrias felicidade êxtases e dores
nos parcos anos que deus lhe deu
e acanhadas férias que a morte lhe concedeu
navegante de corpos almas e mares
amante de vinho mulheres e tempestades
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