barreiras azuis debruadas a marfim avelhentado
beethoven apura a diminuta orquestra no canto do salão purpureado
um pagode de madeira dourada aformoseia a porta das traseiras um flautim ouve-se ao longe nas suas notas agudas comprime-se o coração a felicidade do novo veleiro oceânico na doca do bom sucesso a infelicidade da partida angustiosas luzes no firmamento pestanejam
quem estará a bordo ao findar da madrugada?
quem estiver não vai voltar
farol a abalroar a imensidade do abismo com os seus dedos prateados
e para quê? há um tempo de partida e outro de chegada
e o reencontro é mais doloroso do que a separação
nos dias que velozes se ausentam
uma embarcação ligeira faz-se ao mar decerto pescadores
ansiedade desta noite
sem princípio nem fim
com lentidão avolumam-se vorazes saudades
dor lágrimas
nenhuma oração te irá trazer
nem súplica nos fará reviver
os dias esmeralda do remanso
a lavrar incessante o amor
aguardarei pela madrugada cansaço deitado ao lado do corpo em chagas no orvalho matinal ressoará a tua voz
ouvirei o ribombar dos motores irei sentir o sono dos viajantes com as cabeças vazias tombadas nas asas cinzentas as mantas as almofadas o enfado
a alma constrange-se o ventre dói a escuridão não se dissolve
nada tem sentido para além da reclusão sentido que se perde nos ponteiros do relógio anacrónico das gerações
tudo procria o véu amargo da ilusão
árvores que ardem na floresta jasmins que murcham nos jardins gaivotas que planam em terra eiras de raparigas desertas coração do temporal
sudoeste de tempestade espiritual melancolia nas nuvens cortadas pelo aço da ausência
o que é que me irá trazer o dia de amanhã?
que importa se alegria se tristeza vida ou morte se depois da borrasca a calmaria na demência da solidão vida nas lajes polidas da eterna estação dos deuses embriagados
um movimento surdo arrasta-se penoso na mente que interessa ou pode interessar o corpo quando o espírito se queda doente?
o sono tarda movimento contrário aos ponteiros corroídos pela maresia para além dos muros do terraço o tejo sobrevoado invenções demoníacas da lonjura máquinas infernais do apartamento
por ti já não clamo
para que inventaste tu o amor deus de moisés mirra e aloés esbanjado na corrente da maré padecimento dos que no ventre da sua mãe juraram não voltar a renascer
não voltarás
que importa se já vivemos um presente um instante transmutado em eternidade
a manhã desperta no seio de uma fadiga abençoada beija as águas amorosamente destino indelével de tintureiros oceânicos
na barra um cargueiro
para onde irá
porque não me leva
a mim
triste marinheiro
levanta-se uma brisa de leste
o horizonte clareia o espaço
macio o sol nascente te veste
de espuma e luz acaricia teu regaço
leva-te para onde a lua é quente
as águas cálidas e brilhantes
como pedras preciosas diamantes
eu sou a sarça que seca o cedro do líbano pelo lenhador despedaçado
o que sabe que tudo é assim e assim deve ser
que o tempo mata o impermanente
deixando em cada amante uma semente
que só germina quando a pena abunda
e é afectuosamente embargada pelo sémen da mente
que assim se impõe que seja
natural tão natural como o amor e a morte
quando os amantes tendo o mundo por tálamo
se sintam agora e sempre em sua eterna mansão
e tenham no seu opressivo grito
a verdade de que o amor é real
a cada instante e no último hálito
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