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ARTE

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A VERDADE DE QUE O AMOR É REAL




barreiras azuis debruadas a marfim avelhentado

beethoven apura a diminuta orquestra no canto do salão purpureado

um pagode de madeira dourada aformoseia a porta das traseiras     um flautim ouve-se ao longe nas suas notas agudas     comprime-se o coração     a felicidade do novo veleiro oceânico na doca do bom sucesso     a infelicidade da partida     angustiosas luzes no firmamento pestanejam     

quem estará a bordo ao findar da madrugada?
     
quem estiver não vai voltar     
farol a abalroar a imensidade do abismo com os seus dedos prateados
e para quê? há um tempo de partida e outro de chegada
e o reencontro é mais doloroso do que a separação
nos dias que velozes se ausentam

uma embarcação ligeira faz-se ao mar     decerto pescadores
ansiedade desta noite
sem princípio nem fim

com lentidão avolumam-se vorazes saudades     
dor     lágrimas       
nenhuma oração te irá trazer
nem súplica nos fará reviver
os dias esmeralda do remanso
a lavrar incessante o amor

aguardarei pela madrugada     cansaço deitado ao lado do corpo em chagas     no orvalho matinal ressoará a tua voz
ouvirei o ribombar dos motores     irei sentir o sono dos viajantes com as cabeças vazias tombadas nas asas cinzentas     as mantas      as almofadas     o enfado
a alma constrange-se     o ventre dói     a escuridão não se dissolve
nada tem sentido para além da reclusão     sentido que se perde nos ponteiros do relógio anacrónico das gerações
tudo procria o véu amargo da ilusão

árvores que ardem na floresta     jasmins que murcham nos jardins     gaivotas que planam em terra     eiras de raparigas desertas     coração do temporal
sudoeste de tempestade espiritual     melancolia nas nuvens cortadas pelo aço da ausência

o que é que me irá trazer o dia de amanhã?
que importa se alegria se tristeza vida ou morte se depois da borrasca a calmaria na demência da solidão     vida nas lajes polidas da eterna estação dos deuses embriagados

um movimento surdo arrasta-se penoso na mente     que interessa ou pode interessar o corpo quando o espírito se queda doente?
o sono tarda     movimento contrário aos ponteiros corroídos pela maresia     para além dos muros do terraço o tejo sobrevoado     invenções demoníacas da lonjura     máquinas infernais do apartamento

por ti já não clamo
     
para que inventaste tu o amor deus de moisés     mirra e aloés esbanjado na corrente da maré     padecimento dos que no ventre da sua mãe juraram não voltar a renascer

não voltarás
que importa     se já vivemos um presente um instante transmutado em eternidade

a manhã desperta no seio de uma fadiga abençoada     beija as águas amorosamente     destino indelével de tintureiros oceânicos
na barra um cargueiro
para onde irá
porque não me leva
a mim
triste marinheiro 

levanta-se uma brisa de leste
o horizonte clareia o espaço
macio o sol nascente te veste
de espuma e luz     acaricia teu regaço
leva-te para onde a lua é quente
as águas cálidas e brilhantes
como pedras preciosas     diamantes

      
eu sou a sarça que seca     o cedro do líbano pelo lenhador despedaçado    
o que sabe que tudo é assim     e assim deve ser
que o tempo mata o impermanente
deixando em cada amante uma semente
que só germina quando a pena abunda
e é afectuosamente embargada pelo sémen da mente

que assim se impõe que seja
natural       tão natural como o amor e a morte
quando os amantes tendo o mundo por tálamo
se sintam agora e sempre em sua eterna mansão

e tenham no seu opressivo grito
a verdade de que o amor é real
a cada instante e no último hálito 






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